Capítulo 1 - Delírios

Um conto erótico de João Fayol
Categoria: Homossexual
Contém 2197 palavras
Data: 21/12/2025 00:41:36

Pela primeira vez em muitos anos, éramos apenas eu e o Rio de Janeiro, em uma dessas noites de calor intenso, em que você busca compreender como é possível que os termômetros estejam quase 30 graus às 8 da noite. O calor era o mesmo, a cidade era a mesma, mas, em mim, tudo era completamente diferente.

Meu nome é João, 26 anos, preto, 1.67, cabelo crespo bem volumoso e o normal corpo de quem faz o básico na academia, pra não dizer o mínimo. Jornalista, desses que gosta da crônica, ouvir pessoas e observar o mundo ao seu redor. Antes de ser jornalista, cursei História. Me formei, lecionei, e decidi que meu lance era aquele, mas também poderia ser outro. A vida é muito mais que a utilidade de uma escolha profissional tomada aos 18 anos. Profissionalmente, consegui me colocar em ambas as áreas e, dentro das possibilidades existentes, acredito que tenho tido sorte profissional.

Amorosamente, entramos em outros méritos. Naquela noite, eu estava me deslocando até um famoso bar, no alto de um morro, no Santo Cristo, região central da cidade. Eu gostaria de estar mais bonito, mas o calor me obrigou a usar o outfit básico do carioca: short curto, camisa de linho e chinelo. Apesar de amar meu cabelo solto, naquele dia ele estava obrigatoriamente preso, era a única forma de sustentar os fios sem cogitar a possibilidade de passar uma tesoura neles.

Mas a grande verdade é que apesar do grande calor externo, era eu quem estava pegando fogo por dentro. Enquanto o uber fazia o trajeto de Botafogo, onde moro, até o bar, eu sentia tudo dentro de mim queimar, enquanto eu fazia meu melhor pra não desmoronar. Fazia 1 mês que eu havia terminado um relacionamento. Não qualquer relacionamento, um noivado, já na fase de ir atrás de financiamento em conjunto, e negociar com salões de festa e fornecedores os pedidos do casamento. Tudo foi de ralo. Um dia, ele acordou e decidiu que não me amava mais. Simples assim. Todo mundo tem o direito de acordar um dia e decidir recomeçar a vida, mas você nunca espera que, algum dia, esse alguém vai ser a pessoa com quem anteriormente você fazia juras de amor eterno. O fim seco, abrupto, sem qualquer sinal ou indicação, foi a pior das torturas.

Em uma noite eu estava decidindo se teria ou não uma lua de mel, e na noite seguinte estava numa emergência sendo medicado em função de uma crise de ansiedade que disparou a minha pressão arterial a níveis que um jovem de 26 anos deve conhecer apenas na teoria. Sonhos, planos, ideias e expectativas, tudo acabou. Como disse o poeta, eu amei muito mais do que devia amar, e chorei ao sentir que iria sofrer e me desesperar.

Em situações como essa, a vida gosta de mostrar a sua dualidade, enquanto eu sofria vertiginosamente por um amor não correspondido, fui selecionado para assumir a vaga de editor na divisão de bairros de um dos cadernos do jornal. Caberia a mim, responder pela editoração e administração de todo um setor tão importante. No meio de todo o caos, um pouco de felicidade.

Naquela noite, eu e mais alguns amigos e amigas iríamos celebrar essa conquista, embora eu desconfiasse que o que eles queriam efetivamente era me tirar trajeto casa - trabalho/trabalho/trabalho-casa.

Depois de ficarmos presos durante incontáveis minutos no trânsito da Pinheiro Machado e do Santa Bárbara, finalmente estávamos nos aproximando do bar. O motorista me deixou em segurança, e eu fui ao encontro dos meus. Todos já haviam chegado, e o clima era de festa. Naquele dia haveria uma roda de samba no bar, de maneira que o ambiente estava extremamente lotado.

Pra mim, que era de boêmia e da rua, era como retornar ao lar. Sentir o calor, encontrar pessoas e ser abraçado, era sinônimo de estar vivo; e é impressionante como a gente facilmente se esquece de viver e passa a tão somente sobreviver. O calor pedia algo gelado, mas ao meu paladar, pedia cerveja. O bar disponibilizava a opção de comprar o balde com 5 cervejas de 300 ml, mas, na minha cabeça, eu beberia apenas 2 de 600, e seria o suficiente. Ledo engano, 1h depois, eu já havia bebido 3 garrafas de 600 ml.

Aquela era a minha noite. Aproveitei o samba, a pausa do samba, quando a pista se torna um verdadeiro baile de favela. Eu estava com os meus, estava em casa, estava sendo amado e, por algumas horas, me permiti esquecer de tudo que havia ocorrido nas últimas 4 semanas.

Seria uma grande hipocrisia dizer que eu não havia pensado na possibilidade de ficar com alguém naquela noite. Pensei, estava certo que só sairia plenamente daquela fossa quando ficasse com outro homem, mas somente lá entendi que não era necessário. Amor de amigo salva. Eventualmente, troquei olhares com um outro carinha, mas eu não estava tão disposto assim a dar esse passo com alguém, e nem mesmo eles se aproximaram. Preferi deixar tudo como estava.

Lá pelas tantas da madrugada, já próximo ao fechamento do bar, eu e meus amigos decidimos pela saideira. Eu estava relativamente bêbado, porém bem. Passei a noite beliscando alguns petiscos, o que deu uma aliviada nos efeitos do álcool. Decidi, então, ir ao bar pedir a última heineken da noite. O rapaz do atendimento foi o mesmo bonitinho que me atendeu de maneira rápida e eficaz ao longo da noite.

- 1 heineken, por favor. - já fui me preparando para pagar por aproximação.

- Por que você não pede o balde de uma vez, cara? - ele disse com um sorrisinho no rosto.

- Porque eu vou voltar sozinho pra casa. - o som ambiente elevado fez com que eu me aproximasse mais que o normal do balcão para me certificar que ele iria me ouvir.

- Ué, pede o balde e eu te levo na sua casa. Tu quer? - a ousadia me surpreendeu mais que a resposta. O bonitinho era, na verdade, um gostoso jovem, aparentemente da minha idade, com um bigodinho de puto, pele um pouco mais clara que a minha, e cabelo cortado em estilo militar, seu corpo era maior que o meu, ele certamente treinava, mas sem paranoias, e pra fechar o combo, tinha um cordãozinho de prata dando o toque final. Mas ele estava trabalhando, eu precisava manter a linha. Mas não mantive.

- Me dá a cerveja de 600, e se você quiser mesmo, depois pode me levar em casa. Se for com você, eu quero. - estávamos próximos, ele continuava sorrindo;separados apenas por um balcão, antes que eu pensasse em fazer qualquer coisa, ele me entregou a cerveja, já sem a tampa.

- Cuidado pra não congelar a mão, tá bem gelada. - ele se afastou

- Tudo bem, a minha mão é bem quente. Eu dou conta.

Voltei pra perto dos meus amigos rindo, querendo ou não, faz um bem danado pra autoestima ser subitamente desejado por alguém, muito embora eu ainda tivesse minhas dúvidas se ele realmente queria algo comigo ou só queria fechar aquela venda.

Na opinião de todos os meus amigos, aquele homem estava dando em cima de mim, e dando em cima pra caralho. Já passava da 1 da manhã, e o bar fecharia em alguns minutos. Era comum que muita gente saísse e permanecesse na porta, bebendo, comprando cervejas de outros estabelecimentos que permaneciam abertos, e por aí em diante.

Meus amigos estavam animados, e uma parcela já estava solicitando uber para o famoso Casarão do Firmino, na mesma região do Santo Cristo, por questões essas que só o destino explica, os carros que chegaram não tinham espaço para mim, e eu decidi descer o morro de moto. Me despedi dos amigos e avisei que em 15 minutos estaria lá, junto com eles, embora alguns suspeitassem que não era somente o destino que me prendia ali naquele morro.

O tempo de espera para a minha solicitação foi alto, quase 10 minutos, e ainda assim, ninguém aceitava. Soltei meu cabelo, dei uma bagunçada nele e me escorei no muro do bar, o público já começava a se dispersar, e alguns poucos funcionários saíam. Certamente, ainda havia limpeza e fechamento de caixa a ser realizado. O tempo de espera ainda estava rolando e ninguém havia aceitado aquela corrida. Por um minuto, cogitei descer andando até o pé do morro e pegar um mototáxi para o casarão; antes que eu concretizasse essa ideia, uma das portas laterais se abriu, e o bonitinho do atendimento saiu.

- Tá perdido, gatinho? - ele estava de calça e camisa preta, com uma chave no pescoço e um capacete na mão.

- Tô só esperando meu uber. - meu olhar desviou dele para o celular.

- Tá indo pra onde? Vai que é caminho pra minha casa. Te deixo lá.

Casarão do Firmino.

- É caminho, pô. Eu moro na Tijuca, te deixo lá na porta. Vem. - ele disse enquanto subia na moto.

- Eu não sei nem teu nome, e tu quer que eu suba numa moto contigo quase 3 da manhã. - ele riu alto

- Beleza. Meu nome é André, eu trabalho aqui no bar, estudo administração de empresas de manhã, e moro na Tijuca. Tá bom pra tu? - ele ligou a moto

- Tá bom, e só pra não ser indevidamente cobrado, meu nome é João, eu sou jornalista e moro em Botafogo.

- Perfeito, agora sobe aí e eu te deixo lá em 5 minutos. - ele abriu o baú e me deu outro capacete.

- Pilota com cuidado, por favor, eu tenho que trabalhar segunda.

- Relaxa, só vai chegar faltando pedaço teu se tu quiser. Segura firme em mim se sentir medo.

Eu não senti medo, mas quando ele arrancou, tive uma boa desculpa para me agarrar ao tronco dele, aproximando ainda mais nossos corpos. Não há nem poesia e nem erotismo nisso, o trajeto durou menos de 3 minutos, não deu tempo de pensar em nada, mas eu estava feliz.

A moto parou alguns metros antes do casarão, às 3 da manhã em ponto. Eu desci e tirei o capacete sob o olhar atento dele, que também retirou o capacete, embora a moto ainda estivesse ligada.

- Bem? - ele prendeu seu capacete no guidão da moto.

- Bem. Você seria um excelente piloto de fuga. Rápido e silencioso. - ele sorriu.

- Bom saber que em alguma coisa eu sou rápido e silencioso.

- E no que você não é? - não foi uma pergunta inocente, sabíamos. Ele mais do que eu, e sorriu.

- Tem coisa que só na prática pra descobrir, gatinho. - antes que eu pudesse responder, meu celular vibrou. Era a mensagem de alguns amigos querendo saber de mim. Desbloqueei o celular e respondi apressadamente.

- Eu preciso entrar, André. Certeza que não quer vir comigo? Meus amigos são legais.

- Certeza, eu tô cansadão, tô querendo dar uma descansada, porque amanhã tem mais.

-Tudo bem, vai que a gente se esbarra novamente pelo bar. Me diz onde eu coloco esse capacete?

- Abre o baú e joga ele lá. - Fui até o baú, e nada.

- Eu acho que travou.

- Deixa eu dar uma olhada. - ele desligou a moto, posicionou ela e desceu. Se aproximou do baú e, consequentemente, de mim. Não precisou de muito, o baú só estava levemente empenado, um pouco de pressão já resolveu a questão.

- Foi mal, não sabia muito como mexer. Meu lance é lidar com pessoas.

- Lidar com pessoas? - ele me olhou surpreso.

- Ué, eu te falei que sou jornalista, tenho que ser bom em ouvir os outros, e me interessar verdadeiramente pelas histórias delas.

- Hmm, entendi. Então, se eu te falar que tô interessado em você, tu vai me dar alguma moral? - ele se aproximou um pouco mais.

- Sim, e vou querer entender mais. - uma das mãos dele deslizou para a minha cintura.

- Certo. Eu tô interessado em você, mas eu prefiro te mostrar.

A mão que estava na minha cintura terminou de me puxar pra perto dele, sua outra mão foi colocada na minha nuca e, em poucos segundos, nossos lábios estavam colados. Não foi um beijo urgente, mas foi intenso. O tempo era indiferente e irrelevante. Não sei dizer quanto tempo ficamos ali, mas sei que ficamos ali por um tempo. Minhas mãos passeavam do seu pescoço pelas costas, enquanto as mãos dele repousavam firmemente na minha cintura. Tudo era gostoso. Ele era gostoso.

Quando nos separamos, observei que seus lábios estavam vermelhos, os meus possivelmente também estavam. Desbloqueei meu celular e mandei um áudio rápido no grupo de amigos:

- Galera, eu precisei ir embora. Fiquem tranquilos, tô ótimo. Amo vocês.

Ele me olhava surpreso, mas com um indescritível olhar de desejo. Antes que ele falasse qualquer coisa, eu o beijei novamente, dessa vez mais rápido.

- Pra onde tu vai?

- Pra onde você quer que eu vá? - poder demais pra um homem; ele sorriu.

- Pra minha casa. Agora. Eu disse que tu não voltava sozinho, não disse?

- Disse. - mordi o lábio e o beijei mais uma vez.

Subimos os dois na moto. Capacetes na cabeça. Minhas mãos fixas ao meu corpo. Chegamos na Tijuca em 10 minutos. O resto da noite, eu não consegui mais quantificar.

Era o Rio. Fazia calor, e eu queimava por dentro; e agora, nem era mais de dor.

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Comentários

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Delícia ler algo seu de novo, João! Esse conto promete! Heheh

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