Folhas finais do diário de Varro e Epílogo

Um conto erótico de Leandro Gomes
Categoria: Homossexual
Contém 1321 palavras
Data: 15/12/2025 00:24:05

[Sem data]

Meu plano falhou. Não sei em que ponto exato — se na confiança excessiva, se na hesitação no último instante —, mas falhou. Mas Valek sabia. Sempre soube. Não veio com fúria imediata. Veio com cálculo.

Na campanha seguinte, levou-me à derrota. Sua estratégia foi propositadamente errada. Marchamos às cegas — e fomos esmagados. Perdi homens. Perdi estandartes. Perdi a honra que levara anos para erguer. Quase fui destituído. Quase julgado. Quase esquecido.

Foi então que ele apareceu. Disse-me que aquela derrota era apenas um aviso. Disse que, se eu continuasse a me ocultar, se persistisse em negar-lhe acesso, ele tomaria todos os que marchavam sob meu comando, um a um. Não por necessidade — mas por lição. E então compreendi: não havia fuga possível enquanto eu permanecesse homem.

Foi aí que decidi. Não escreverei aqui o juramento. Nem o lugar. Nem o nome das palavras que me foram ditas.

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[As páginas seguintes estão manchadas e rasgadas. A tinta falha, como se a mão que escrevia tivesse tremido… ou sido interrompida.]

[Fragmentos ilegíveis — a caligrafia se desfaz]

…o frio não era da noite…

…ele disse que doeria menos se eu não resistisse…

…o sangue era... ardia em todo meu corpo, queimava como...

…meu coração — não parou — mas mudou…

… acordei, o mundo tinha outro brilho, outro cheiro…

…a luz feria…

…a fome era…

[O texto se interrompe abruptamente; várias linhas foram raspadas, outras borradas como se algo tivesse sido derramado sobre o pergaminho].

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[Também sem data]

Escrevo de um lugar que não nomearei. Não é Roma. Não é Germânia. É um território sem estandartes — e sem passado.

Valek não me segue mais há meses, desde que me tornei como ele. Aquele que me transformou o aprisionou. Não sinto sua presença. Não ouço seus passos. Não há domínio sobre minha mente. Sou livre — se isso ainda é a palavra correta. Mas o preço…

O preço é alto demais para ser descrito com clareza.

A fome vem como um chamado profundo. Não é diária — mas é inevitável. Se cedo a ela, torno-me aquilo que sempre temi. Se resisto, o corpo se revolta. Para evitar o pior, fiz o que ele fez comigo.

Há um jovem comigo.

Ruivo, forte, másculo, mas com um olhar dócil demais para este mundo. Não o tomo pela força — não como Valek fazia. Ele permanece porque acredita precisar de mim.

E talvez precise.

Albius Rufus é seu nome.

Confesso — com vergonha e lucidez — que me afeiçoei a ele desde o momento que nossos olhares se cruzaram naquela taverna. Ele me convidou a tomar vinho com ele, e começou a conversar comigo como se me conhecesse, sem nenhum acanhamento. Durante a conversa senti sua mão em minha coxa, por baixo da mesa. Meu corpo estremeceu, e fiquei excitado. Albius percebeu, e tocou meu membro. Achei-o ousado e isso me excitou ainda mais e despertou meu fascínio nele. Fomos para detrás da taverna, onde ele me beijou ardentemente enquanto suas mãos tiravam meu pênis das vestes. Albius o colocou na boca e parecia querer engolí-lo. Senti meu membro tocar em sua garganta. Em poucos minutos quis derramar-me em sua boca, mas contive-me e o levantei, retribuindo-lhe o prazer da mesma forma. Ele, contudo, não resistiu e me fez provar de seu doce sêmen, o mais doce que já provei.

Então, eu o virei de costas e entrei a ele com vigor. Seu cheiro me inebriava e logo senti que iria chegar ao clímax. Nesse instante, ouvi seu sangue circular em sua veia no pescoço e as batidas de seu coração pulsando. Meus dentes se alongaram. O desejo infame de lhe morder o pescoço foi mais forte. Porém, ele de nada reclamou, como se já esperasse por isso. Quando suas forças falharam, eu o levei para casa.

Albius não estava sob meu controle mental, como raramente está. Eu o visito há alguns meses, praticamente todas as noites. Ele está sempre com desejo ardente por mim, independentemente do lugar e de como fazemos amor - se eu entro a ele ou ele a mim. Acredito que ele me ame como sou, e disso tenho medo. Temo apaixonar-me por ele e acabar ferindo-o. Mas quando estou com ele, esqueço-me de muitas coisas, até de quem sou hoje. Porém, não me esqueço de Caius…

Caius jamais me deixa. Ele surge nos sonhos - vívidos, quase tangíveis. No silêncio. Na memória do toque que nunca deveria ter sido interrompido.

Caius, meu amado! Queria poder te encontrar pelo menos uma vez mais.

E talvez eu o encontre.

Não posso perpetuar isto com Albius. Não posso tornar-me aquilo que amaldiçoei. Não posso passar adiante o que destruiu tudo o que amei.

____________

Escrevo enquanto o céu ainda guarda as últimas estrelas.

Há um tom diferente no ar — não é mais noite, mas ainda não é dia.

Sempre gostei desse intervalo. É quando as coisas não são obrigadas a existir plenamente.

A luz começa a nascer atrás das colinas. Primeiro tímida, quase piedosa.

Depois mais firme, mais decidida.

Pensei em acordar Albius, que dorme serenamente de bruços, sem veste alguma.

Pensei em dizer-lhe alguma coisa que não soasse como despedida. Mas palavras criam laços — e laços, mais uma vez, me prenderiam ao que não desejo perpetuar.

Deixo-o dormindo.

O mundo, visto agora, parece estranhamente simples.

Sem estratégias.

Sem sussurros.

Sem promessas.

Sinto o corpo reagir à claridade que cresce — não com dor imediata, mas com uma espécie de reconhecimento antigo, como se algo em mim soubesse que este é o limite que jamais deveria ter sido cruzado.

Talvez haja ainda tempo de recuar. Talvez não.

Se estas páginas terminam aqui, que se saiba:

amei como homem, errei como homem, e recuso-me a continuar como aquilo que deixei de ser.

A aurora avança.

E, pela primeira vez em algum tempo, não dou um passo para trás.

[O texto termina aqui; o restante da página está em branco, exceto por uma marca escura próxima à margem, como se a pena tivesse sido largada às pressas].

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Epílogo do Tradutor

As páginas finais deste diário apresentam um estado singular de deterioração. Não pela ação do tempo — o pergaminho, paradoxalmente, conserva-se melhor do que o esperado —, mas por sinais de interrupção abrupta. A última linha não se encerra; estende-se, irregular, como se a mão que escrevia tivesse hesitado… ou sido impedida de continuar.

Não encontrei vestígios de fogo, cinzas ou fuligem que sugerissem destruição deliberada do manuscrito. Também não há marcas que indiquem violência externa. A ausência de conclusão é, em si, o dado mais perturbador.

Os registros militares romanos nada esclarecem. Após a derrota mencionada por Varro, seu nome desaparece dos relatórios oficiais com rapidez incomum. Não consta julgamento formal, execução, dispensa honrosa ou sepultamento. É como se tivesse sido apagado — não pela morte documentada, mas por evasão da própria história.

Alguns cronistas tardios germânicos fazem menção vaga a um homem solitário visto atravessando aldeias ao amanhecer, sempre encapuzado, sempre evitando o sol pleno. Outros falam de um comandante que abandonou armas e insígnias numa margem de rio e jamais foi visto novamente. Nenhuma dessas narrativas é confiável. Todas são possíveis.

Há ainda um detalhe que não posso ignorar.

No verso da última página — quase invisível, perceptível apenas quando o pergaminho é inclinado contra a luz — existe uma inscrição tênue, como se tivesse sido feita com tinta diluída demais ou com mão enfraquecida:

“Si sol me recipit, liber sum.

Si nox me retinet, culpam fero.”

(Se o sol me recebe, sou livre.

Se a noite me retém, carrego a culpa.)

Não sei se essas palavras foram escritas antes da interrupção final… ou depois. Como tradutor, limitei-me a registrar o que encontrei.

Como leitor, confesso que esta obra me inquieta de modo incomum.

Desde a conclusão deste trabalho, evito o nascer do sol. Não por medo da luz — mas porque, ao observá-la, pergunto-me se ela realmente liberta… ou apenas revela aquilo que sobreviveu à noite.

L. M. Cassius, Universidade de Roma

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