Eu acordei antes mesmo do despertador. Na verdade, acordei antes mesmo de Deus dar o primeiro bocejo da manhã. Meu corpo estava tão nervoso que parecia que eu tinha passado a noite tomando café puro direto na veia. Primeiro dia de trabalho. PRIMEIRO. DIA. DE. TRABALHO.
Levantei quase num pulo — daqueles que você finge estar animado, mas por dentro é só desespero com glitter. Tomei banho rápido, me vesti com a roupa nova que comprei no bazar (e que vai me acompanhar pelos próximos 18 meses porque eu parcelei tudo no cartão), passei perfume como se estivesse indo encontrar o amor da minha vida e penteei o cabelo com a esperança de que o mundo finalmente fosse colaborar comigo.
Hah. Que ilusão.
Saí de casa ainda escuro, quase tropeçando na minha própria porta de tanta ansiedade. O ônibus estava chegando no ponto e eu senti uma onda de triunfo. “Hoje vai dar certo, Akio! É o seu dia!”
O universo ouviu isso e, obviamente, decidiu brincar comigo.
Subi no ônibus, sorri para o cobrador com o orgulho de quem está pagando seu próprio transporte com o suor do próprio cartão e… passei o cartão.
A máquina apitou.
Eu passei de novo.
Outro apito.
Tentei mais uma vez, com aquela esperança teimosa de pobre que acha que tudo vai se resolver depois da terceira tentativa.
O cobrador me olhou com uma paciência que só quem trabalha com transporte público desenvolve.
— Moço… tá sem saldo.
Eu senti minha dignidade escorrer pelo ralo. Quis dizer que não, que devia ser erro, que com certeza era algum complô global, mas ele só levantou a sobrancelha. A fila atrás de mim bufava, já irritada com o meu drama silencioso.
— Mas… mas… é o meu primeiro dia de trabalho… — eu balbuciei.
— Pois é. E vai ter que ir andando pra não virar o último — ele respondeu.
Saí do ônibus humilhado, derrotado, e pronto para começar minha caminhada épica rumo ao emprego.
Nunca pensei que fosse conhecer o inferno tão cedo na manhã.
Comecei a andar firme, tentando manter a postura, mas depois de dez minutos, já parecia um náufrago que encontrou terra firme. Minha camisa começou a colar nas costas, minha perna queimava, e eu juro que em certo momento pensei que estava desidratando pela córnea.
A cada esquina eu olhava o relógio. E a cada olhar minha esperança diminuía.
Quando finalmente avistei o prédio enorme da empresa, senti quase vontade de chorar de emoção… mas o suor no meu rosto já fazia esse trabalho por mim.
Entrei no saguão parecendo um daqueles bichos que saem do mar em documentário, encharcado, ofegante e procurando ar. A recepcionista olhou para mim com um susto educado.
— Você é o… o novo assistente, né?
— Sou sim… — respondi, tentando respirar como um ser humano normal.
— Então… você precisa passar no RH antes de subir.
Eu sorri com a mesma alegria de quem recebe uma intimação judicial.
Subi para o RH quase me arrastando. Lá dentro, assinei tanta coisa que eu poderia ter vendido meu rim e não teria percebido. Preenchi formulários, entreguei documentos, tirei foto para crachá com o cabelo parcialmente derretido… um verdadeiro show de horrores.
Quando finalmente acabaram, me devolveram uma pasta e disseram:
— Prontinho! Agora você é oficialmente contratado.
Eu queria comemorar. Queria agradecer. Queria até ajoelhar no chão.
Mas só consegui sorrir e pensar: “Agora é só chegar na mesa e fingir que sei o que estou fazendo.”
Só que o universo ainda não tinha terminado comigo.
Eu estava saindo do RH, segurando tudo que me deram, quando ouvi uma voz atrás de mim. Uma voz grossa. Irritada. Seca. E carregada de sarcasmo.
— Com licença… isso aqui virou a casa da mãe Joana?
Meu coração parou. Eu fechei os olhos. Respirei fundo.
Me virei lentamente… quase em câmera lenta.
E lá estava ele.
O homem.
O motorista.
A criatura divina que eu tinha esbarrado no carro no dia anterior.
O mesmo que me olhou como se quisesse me enterrar vivo pela porta-malas.
Agora, ele estava de terno. Com cara de poucos amigos. E atravessando o corredor como alguém que já nasceu atrasado para uma reunião.
— Você chega essa hora no primeiro dia de trabalho? — ele perguntou, cruzando os braços e me analisando da cabeça aos pés, como se estivesse checando se eu era real.
Eu abri a boca. Não saiu som.
O universo gargalhou.
— Ah… — ele continuou, com aquele sorriso que não era sorriso — ótimo. Pelo menos você reconhece. Achei que ia ter que te lembrar que ontem você quase amassou minha porta.
Eu engoli seco. Lentamente.
Meu estômago caiu uns dois andares.
Meu chefe era o cara do carro.
O cara do carro era o meu chefe.
E eu estava atrasado, suado, descabelado, e parecendo alguém que lutou com uma preguiça gigante no caminho.
Ele deu um passo para mais perto, inclinou a cabeça e disse:
— Bem-vindo à empresa.
Aí sim, minha alma saiu do corpo e pediu demissão.
Continua...