Primo, eu ainda te amo! | Capítulo 05: Verdade ou desafio?

Um conto erótico de Th1ago-
Categoria: Gay
Contém 4964 palavras
Data: 07/12/2025 19:36:49

A semana passou rápido, quase como um sopro, e eu dormi tão bem todos os dias que até parecia mentira. E isso tudo se dava ao fato de que, depois daquele dia do filme, o dia em que acabei dormindo abraçado no peito do meu primo, Caíque simplesmente… normalizou aquilo.

Todas as noites, sem exceção, quando eu subia as escadas e empurrava a porta do quarto, ele já estava lá. Deitado de um lado da cama king size, a cabeça afundada em seu travesseiro macio, deixando um espaço convidativo e silencioso ao seu lado.

Eu entrava no quarto e meus olhos eram imediatamente atraídos para aquele vácuo na colcha escura, para o travesseiro liso que parecia me encarar, me chamar com um magnetismo mudo. Era uma armadilha, uma rotina perigosa, e eu era a presa mais voluntária.

Eu ia.

Sem hesitar na soleira da porta. Sem debater a moralidade ou a estranheza da situação. Sem raciocinar. Eu simplesmente ia.

Eu me entregava àquela sensação de segurança absoluta que, sinceramente, eu jamais havia experimentado em toda minha vida. Era irônico como meu corpo só encontrava o relaxamento verdadeiro, a trégua da ansiedade que sempre me acompanhava, quando o colchão macio afundava com o peso dele.

O Caíque que jogava videogame até tarde, com a luz azul da tela piscando em seu rosto forte e os cliques rápidos do controle preenchendo o silêncio do quarto, era o Caíque que eu esperava. Se ele demorava mais um pouco, eu ficava ali, sentado na cama, fingindo ler um livro, folheando um caderno da escola, fazendo qualquer coisa trivial para não ceder ao sono antes que ele se deitasse. Parecia bobo, infantil, mas a verdade inegável era que… eu só conseguia dormir de verdade quando ele estava deitado ao meu lado.

Na escola, tudo corria bem. Melhor do que deveria, eu acho. Depois daquela confusão com o Matheus, as pessoas começaram a me olhar diferente. As pessoas forçavam conversa, perguntavam como eu estava, riam do que eu falava… mas tudo isso só porque eu era primo do Caíque Avelar.

Então eu preferi focar na minha amizade com o Felipe. Ele era real. Ele não estava comigo por interesse. E isso bastava.

Como eu disse, a semana passou voando. Consegui pegar o ritmo complexo das aulas, estabeleci uma rotina de estudos e até comecei a ir para a casa do Felipe em algumas tardes para fazer trabalhos — o que invariavelmente fazia Caíque me perguntar, sempre com um tom de voz que beirava a exigência, a que horas exatamente eu voltaria. E à noite… bom, à noite minha atenção era dele. Era o seu cheiro, sua presença, seu calor. Mesmo que eu nunca tivesse coragem de confessar isso em voz alta a ninguém, muito menos a ele.

​Mas enfim… o calendário implacável nos levou à sexta-feira.

​E, com ela, a tão esperada festa da Júlia, o evento social para o qual Felipe e eu tínhamos sido convidados. O primeiro grande teste social da minha nova vida.

Quando subi os degraus para o quarto para me arrumar, a luz do dia já estava se rendendo à noite. A luz fraca do abajur, estrategicamente posicionado ao lado da cama, lançava um tom dourado e acolhedor sobre o quarto. O ar estava pesado, mas não de forma ruim; o cheiro amadeirado e luxuoso do perfume de Caíque ainda pairava no ambiente, misturado ao frescor do seu sabonete, aquela fragrância limpa e viciante que grudava na maciez dos travesseiros e nas fibras da roupa de cama.

Abri a porta do guarda-roupa e senti um suspiro de frustração. Olhei para o pequeno acervo de roupas que eu havia trazido da fazenda: camisas xadrez de flanela, calças retas e simples, algumas camisetas desbotadas. Tudo com aquela inconfundível pegada “roceira” que ele adorava brincar de me rotular.

Suspirei de novo, mais fundo desta vez, tentando mentalmente montar algum conjunto que, no mínimo, não me fizesse parecer completamente deslocado na festa moderna e barulhenta da Júlia.

Eu estava ali, parado em frente ao espelho de corpo inteiro, vestindo uma camiseta básica e uma calça jeans um pouco gasta, ajeitando a gola e decidindo se o conjunto era aceitável, quando a cama rangeu atrás de mim.

Caíque se sentou. Os cabelos escuros estavam bagunçados de quem acabara de acordar de um cochilo profundo, e ele ficou me observando através do reflexo com aquele olhar que não pedia permissão para atravessar qualquer barreira de defesa que eu tentasse erguer. Não era um olhar de julgamento, mas sim de análise meticulosa.

— Você vai assim? — ele perguntou, mas a voz não continha ironia ou sarcasmo. Pelo contrário, parecia um misto de curiosidade e diversão controlada.

— Eu… eu achei que estava bom — murmurei, sentindo meu rosto esquentar de uma vergonha súbita enquanto eu ajeitava a barra da camiseta na cintura.

Ele se levantou da cama em um movimento fluido e lento, e o cheiro dele, fresco, limpo, meio doce, totalmente dele me atingiu em cheio, fazendo meu coração imediatamente perder o compasso natural. Ele era um ímã, e eu, um pedaço de metal sem resistência.

— Vem cá — ele disse, com uma suavidade inesperada, enquanto pegava a minha camiseta básica e a colocava de volta no cabide. — A gente vai fazer compras para você amanhã, tá legal? Não dá para te deixar andando por aí parecendo que acabou de descer do cavalo, Alec.

Eu ri, um riso vermelho de embaraço, sentindo o calor nas minhas bochechas.

Ele ignorou minha risada e começou o que parecia um ritual de arrumação. Ajeitou a gola da minha nova camiseta, alisou a mão pelos meus ombros para tirar fiapos inexistentes, deu dois passos para trás para me analisar com o olhar, voltou a se aproximar, puxou a camiseta de novo para que ela caísse melhor. Era um toque leve, cuidadoso, mas que, sob a minha pele, causava um fogo inesperado.

— Agora sim, ficou mais você — ele declarou, com aquele tom carinhoso e proprietário que tinha o poder de desmontar qualquer defesa lógica que eu pudesse ter.

Quando deu a missão por cumprida, ele voltou para a cama. Mas, em vez de se deitar de lado, virou-se de barriga para cima, as mãos entrelaçadas atrás da cabeça, fixando o olhar em mim. Ele ficou... olhando eu trocar de roupa.

E a cada peça de roupa que eu tirava, a cada peça que eu vestia, parecia que minhas mãos ficavam mais trêmulas, mais desajeitadas. Meu rosto queimava em chamas de constrangimento e atração, e eu tinha a certeza esmagadora de que ele percebia cada nuance da minha reação. Eu tentava agir com naturalidade, fingir costume, mas era impossível. O peso do olhar dele era uma pressão física.

— Relaxa, Alec — ele disse, com aquela voz baixa e ligeiramente rouca que tinha o efeito imediato de me derreter por dentro. — Você é bonito. Não precisa ter vergonha de se trocar na minha frente, meu roceirinho.

O elogio só piorou meu estado de confusão.

Quando finalmente terminei de me vestir — a camisa que ele escolheu caía perfeitamente, valorizando meus ombros — ele soltou um sorriso pequeno, quase orgulhoso.

— Você ficou ótimo.

Eu não sabia onde focar minha visão. O chão? O teto? O guarda-roupa?

Ele apoiou o cotovelo na cama, se inclinou na minha direção e me chamou com um gesto da mão. Eu me aproximei.

— Ei… — ele disse, ainda mais baixinho. Seu polegar tocou a pele do meu braço, uma carícia fugaz, mas poderosa. — Toma cuidado na festa, tá? Essas festas de começo de ano às vezes ficam cheias de gente que bebe demais, fala demais… faz besteira demais.

Assenti, incapaz de falar.

— Qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, você me manda mensagem — ele continuou, a voz grave, a preocupação real. — Eu nem vou dormir. Vou ficar acordado te esperando voltar para casa.

Meu peito apertou. Uma onda de calor, segurança e culpa me inundou ao mesmo tempo.

— Tá bom — respondi, tentando manter a voz firme e não demonstrar o abalo profundo que aquela proteção causava em mim.

Ele sorriu de novo. Um sorriso doce, que parecia ser um tesouro que ele guardava somente para os meus olhos.

— Vai lá, roceirinho. Curte a festa.

Fui ao banheiro escovar os dentes e sai do quarto cambaleando emocionalmente.

Fui, mesmo sem ter certeza se meu coração, já tão bagunçado, estava realmente preparado para passar algumas horas longe da segurança magnética dele.

Quando desci as escadas, ainda ajeitando a roupa que Caíque tinha escolhido para mim, encontrei ele já parado perto da porta, com o celular na mão e a cara séria, aquela cara que ele usava quando estava no “modo responsável”, como se carregasse o mundo nas costas.

O motorista, o Seu Roberto, já estava lá fora, parado ao lado do carro pretinho e impecável.

Caíque me olhou de cima a baixo como se estivesse revisando cada detalhe, como se eu fosse algum tipo de missão importante.

— Vamos — ele disse, colocando a mão nas minhas costas e me guiando até o carro.

Quando chegamos perto, ele se aproximou do motorista e mudou completamente o tom. A voz ficou baixa, firme… bem mais séria do que quando ele falava comigo.

— Roberto, você vai levá-lo lá na festa da Júlia e vai deixá-lo na porta. Entendeu? Na porta. Com segurança. Você espera a festa acabar e o traz de volta. E se ele demorar um minuto, você me liga. Está claro?

O motorista assentiu imediatamente, com respeito quase militar.

— Pode deixar, senhor Caíque.

Eu queria rir de nervoso. Ou me teleportar para um buraco no chão.

— Caíque… — tentei falar, sentindo meu rosto arder de vergonha.

Ele me interrompeu, colocando a mão na lateral do meu rosto por um segundo, com um toque que arrepiou até a minha alma. Era um toque de dono, de quem cuida.

— Eu te busco se precisar, Alec. É só me chamar, beleza?

Meu coração deu um salto triplo mortal.

Concordei com a cabeça, e ele abriu a porta para mim, como se eu fosse frágil demais para fazer o movimento sozinho.

Entrei, e o carro começou a se afastar. Pelo vidro fumê, ainda consegui ver Caíque parado na porta de casa, os braços cruzados sobre o peito, uma estátua de vigilância, me observando até que o veículo virasse a esquina e sumisse de vista.

Era completamente ridículo o quanto aquela proteção me deixava, ao mesmo tempo, seguro, nervoso e incrivelmente confuso.

O carro era confortável, cheirava a couro novo misturado ao perfume cítrico do motorista. A cidade passava pela janela em um borrão de luzes amarelas e vermelhas, e eu estava perdido, pensando no quanto Caíque estava sendo protetor. Mais do que qualquer pessoa havia sido comigo na vida. E eu não sabia se deveria achar aquilo estranho, exagerado, uma forma de compensar a culpa… Ou se deveria, simplesmente, achar bonito.

Talvez fosse um perigoso misto dos dois.

Depois de alguns minutos, o carro virou na rua do Felipe. Assim que paramos, ele saiu correndo de casa, com uma camisa azul clara que destacava o tom quente da sua pele, sorrindo tão exageradamente que parecia prestes a explodir.

— Aaaaah, até que enfim! — ele abriu a porta e entrou apressado, ajeitando a mochila pequena com uma troca de roupa, caso ele resolvesse dormir na minha casa depois. — Cara, você tá bonito assim, hein! O que aconteceu? Te deram um banho, te passaram perfume, te educaram? — ele riu.

Eu revirei os olhos.

— Cala a boca.

— Brincadeira, pô — ele disse, mas os olhos ainda analisando a minha roupa. — Tá bonitão mesmo.

O carro começou a andar de novo.

Felipe não calou a boca nem por trinta segundos.

— Mano, a Júlia tá linda demais hoje. Eu vi no status dela. E olha, eu tô te falando… essa menina tá diferente. Ela postou uns vídeos mais cedo e ela tava… nossa. Nossa. Você acha que ela tá querendo aparecer pra alguém específico? Porque assim, ela não posta esse tipo de vídeo todo dia não.

Eu ri. Ele estava muito empolgado, quase saltitando no banco.

— Felipe, você tá gostando dela.

— Eu?! — ele quase engasgou. — Claro que não! Eu só tô… observando. Cientificamente. Tecnicamente.

— Aham — respondi, rindo baixo. — Cientificamente. Você está observando a Júlia cientificamente.

Ele empurrou meu ombro, levemente.

— Para, Alec! Fica falando assim que parece até que eu gosto dela de verdade!

— E não gosta? — provoquei, saboreando a reação dele.

Ele ficou calado por três segundos preciosos.

— Talvez um pouquinho… — ele admitiu, baixinho, olhando para o chão do carro.

Eu ri de novo. Era bom ver ele assim, nervoso. Felipe sempre tentava posar de "maduro" e "decidido", mas ali ele parecia um menino animado indo ver a crush pela primeira vez. Aquilo me fez bem; me distraiu da bagunça emocional que Caíque causava dentro de mim.

Quando o carro virou a última esquina e as luzes vibrantes da festa começaram a piscar ao longe, Felipe respirou fundo, ajeitou a camisa e deu um sorriso bobo.

— Pronto, mano. Está preparado?

Eu não estava preparado para nada. Mas eu respondi:

— Tô.

O carro parou alguns metros antes da casa da Júlia por causa da quantidade absurda de gente na porta. A rua estava tomada, e a primeira coisa que senti quando abaixei o vidro foi o cheiro forte de perfume misturado com álcool e fumaça vinda de algum canto. A batida do funk era tão forte que vibrava no peito antes mesmo de eu sair do carro.

Luzes coloridas piscavam no quintal da casa dela, refletindo nas paredes e nos rostos de todo mundo. Grupos de adolescentes riam alto, alguns dançavam ali mesmo na calçada, outros seguravam garrafas como se fossem uma extensão natural das mãos. Era barulhento, caótico, vivo… totalmente diferente do meu ritmo.

Assim que o motorista parou, Felipe desceu empolgado, quase pulando do carro. Eu desci mais devagar, olhando em volta, meio intimidado com a quantidade de gente.

— Alec! — Felipe me chamou, rindo. — Cara! Olha isso! A Júlia caprichou demais!

Ele falava tão rápido que parecia que ia perder o ar. E aí começou a falar sobre como a Júlia estava linda na última aula, como o cabelo dela tinha ficado diferente, como ela riu da piada dele na quarta-feira…

Eu não aguentei e dei uma risada baixa.

Ele notou.

— Que foi? — franziu a sobrancelha.

— Nada… só… acho que você gosta dela — falei, tentando parecer casual.

Felipe ficou vermelho na mesma hora.

— Que? N-não, Alec! Para! — e empurrou meu ombro de leve, rindo. — Você é muito idiota.

A verdade é que ele estava mesmo encantado por ela, e ver ele assim me deu uma sensação boa, como se eu estivesse vendo um amigo prestes a viver algo legal.

Entramos na festa, passando por um grupo que gritava cantando um funk estourado. O chão estava levemente grudando por causa de bebida derramada, o cheiro doce de energético misturado com álcool era forte, e a música fazia meu estômago vibrar.

Felipe me puxou até uma mesa onde tinha salgadinhos e começou a falar sobre outro assunto que eu não consegui acompanhar — ele estava tão animado que eu só ficava observando, sorrindo. Até que ele disse:

— Vou pegar uma coxinha ali, já volto!

E sumiu no meio da galera.

Foi aí que senti uma presença pesada atrás de mim. Um cheiro forte de álcool, suor e perfume barato me atingiu antes da voz.

— Olha só… se não é o menininho novo da escola.

Meu corpo travou.

Virei devagar, e lá estava ele: Matheus. O mesmo que tinha arrumado briga comigo na primeira semana. O boné virado pra trás, a camisa meio suada, um copo cheio de algo vermelho na mão. Os olhos dele estavam meio turvos — estava claramente bêbado.

— O… oi — murmurei, tentando manter distância.

Ele deu um sorriso torto.

— O que você tá fazendo aqui, hein? — deu um passo pra frente. — Festa assim não é muito sua cara, não…

Olhei em volta, procurando Felipe, mas ele tinha desaparecido na multidão.

— Eu vim com um amigo só — respondi.

— Ah, claro… — ele ergueu o copo. — Quer beber?

— N-não, obrigado…

— Ah, qual é, cara — ele riu, um riso arrastado. — Bebe aí. Vai ficar mais solto… mais… sociável. — Ele tentou empurrar o copo na minha direção.

Eu dei um passo pra trás, sentindo o cheiro forte de vodka misturada com morango invadir meu nariz.

— Eu não bebo — falei firme.

Ele me encarou, inclinando a cabeça.

— Engraçadinho, né? — e deu outro passo, invadindo meu espaço. — Tá se achando só porque seu priminho valentão me peitou aquele dia?

Meu coração acelerou.

A música parecia ficar mais alta. As luzes piscavam rápido demais. O barulho das pessoas falando começou a virar um fundo confuso.

— Eu só quero curtir a festa… — murmurei.

— Então bebe — ele insistiu, quase encostando o copo no meu peito.

Minhas mãos começaram a suar.

Felipe ainda não tinha voltado.

E Matheus estava cada vez mais perto.

Matheus continuava me encarando, com aquele sorriso torto e insistente, o copo ainda estendido na minha direção. Meu coração estava acelerado, e a música parecia vibrar dentro da minha cabeça. Eu queria dizer não de novo… mas ele não saía dali. A sensação de estar sendo observado — julgado — começou a crescer no meu peito.

Ao redor, alguns garotos que estavam com ele começaram a perceber a situação. Um deles gritou:

— Êêê, o novato tá com medo de beber?

Outro riu alto.

E aí, sem pensar muito, talvez pra acabar logo com aquilo, talvez pra não parecer fraco… eu peguei o copo.

O cheiro doce e forte subiu imediatamente, queimando meu nariz. Dei um gole pequeno. Mas a reação foi instantânea — todos começaram a gritar:

— AAAAAALEC! AAAAAALEC! AAAAAALEC!

As vozes ecoavam, misturadas com a batida grave do funk. As luzes coloridas piscavam no meu rosto. Meu corpo inteiro esquentou.

Matheus bateu a mão no meu ombro.

— Aí, garoto! Assim que começa!

Eu ri, meio sem graça, devolvendo o copo, tentando sair dali… mas eles já estavam me puxando para uma mesa improvisada com copos vermelhos empilhados e várias bolinhas de pingue-pongue.

— Bora jogar! — alguém disse.

Antes que eu pudesse recusar, Felipe surgiu do nada, animado como sempre.

— ALEC! MEU DEUS, TU TÁ JOGANDO?! — ele gargalhou, já pegando uma bolinha. — Vai, eu te ajudo nessa rodada!

As regras eram simples: acertou o copo, o outro bebe. Errou… você bebe.

E, claramente, eu errava mais do que acertava.

Cada vez que errava, alguém empurrava um copo novo na minha direção. O gosto ardido da bebida já não doía tanto; meu corpo estava ficando leve, minhas bochechas quentes. A música estava mais alta ou eu é que estava mais sensível? Eu nem sabia.

— Vai lá, Alec! — Felipe gritou, rindo. — Última! Se você errar essa, você bebe e eu vou atrás da Júlia!

Eu errei.

Todos gritaram.

Eu bebi.

Felipe deu um beijo rápido na minha bochecha, rindo.

— Já volto! Vou achar ela!

E sumiu.

E eu fiquei ali.

Rindo junto com os meninos, errando mais do que acertando, bebendo de novo. As luzes girando. O som batendo. A cabeça leve. O corpo quente demais.

Até que senti uma vibração no bolso.

Peguei o celular.

Caíque.

"Tá tudo bem aí?"

Meu coração deu um salto estranho no peito.

Eu tentei digitar, mas meus dedos estavam pesados, embaralhados, e a visão meio tremida.

“ta tdo be, tô compo felpe”

Enviei assim mesmo.

Depois de uns segundos, ele respondeu:

"Alec, manda um áudio."

Engoli seco.

Apertei o botão de gravação.

— Tô… hic… tô bem, Caí… tô de bôa… tô… tô jogando aqui… uns negócio… tô com o Felipe… ele foi falar com a Júlia… mas tô… tô legal… tô… tô vivão… — dei uma risadinha idiota no final.

Enviei.

Assim que o áudio entregou, fiquei encarando a tela, zonzo, sentindo a batida da música ecoar junto com o sangue na minha cabeça.

​A resposta veio na hora.

​— "Alec… você bebeu?"

​Eu respirei fundo e, com dificuldade, escrevi a palavra que confirmava sua suspeita:

​— "sim"

​Passei alguns segundos encarando a telinha brilhante. Os três pontinhos de digitação apareceram. Sumiram. Voltaram. Sumiram de novo. Como se ele estivesse respirando fundo do outro lado, tentando não explodir.

Como se ele estivesse digitando um sermão gigante e o apagando em seguida.

​Mas nada chegou.

​A galera ao meu redor começou a chamar:

— ALEC! É sua vez! Vem, pô!

E eu guardei o celular de volta no bolso, cambaleando um pouquinho.

— Tô indo! — falei, e minha própria voz soou meio longe.

A cabeça girava um pouco…

Mas o grito dos meninos chamando meu nome deixava tudo tão leve…

Eu fui.

Rindo.

Bêbado.

Me deixando levar.

Sem imaginar o que Caíque estava fazendo naquele exato momento, do outro lado da tela.

Sem saber que ele não ia ficar parado.

Eu não sei exatamente quanto tempo passou depois do meu último gole. A música já não parecia mais música, era só um barulho grave atravessando meu peito. O calor da casa estava forte, e o cheiro de bebida misturado com perfume barato grudava no ar como um vapor doce… enjoativo.

As brincadeiras continuaram.

Muita gente gritando, festa inteira se aglomerando, garrafas circulando como se tivessem vida própria.

Eu só lembro de flashes.

Em um momento, alguém apagou as luzes da sala e acendeu uma luz de celular no copo enquanto eu tentava acertar uma bolinha dentro dele.

— VAI ALEC! — todo mundo gritou.

Eu joguei torto. A bolinha bateu na borda, caiu na mesa… e mesmo assim eles mandaram eu beber. Eu ri, sem entender mais as regras. Acho que ninguém entendia. A graça era beber.

Depois alguém trouxe um baralho.

Jogaram “rei do copo”, “eu nunca”, “adivinha quem eu imito”.

Cada rodada era mais bebida.

Cada risada, mais alta.

Cada passo meu, mais torto.

Eu já tinha perdido completamente a noção de tempo.

Em algum momento, quando dei por mim, estávamos entrando em um dos quartos lá do fundo da casa. O quarto cheirava a perfume forte, cigarro e desodorante masculino misturados. As paredes estavam cheias de posters de banda e luzes LED piscavam roxo e azul.

No chão, uma garrafa de vidro.

Ao meu redor estavam:

Matheus, já meio vermelho, segurando outro copo.

Dois amigos dele — Renan e Breno, se apresentaram assim, mas eu mal lembrava quem era quem.

E duas meninas: Lara, loira com pontas roxas no cabelo, e Giovana, baixinha, com um sorriso travesso e gloss brilhando na boca.

— Vamo de verdade ou desafio! — Lara anunciou, já jogando a garrafa no centro.

Todos gritaram.

Eu sorri meio sem entender direito.

A garrafa rodou.

Rodou.

Rodou.

Caiu primeiro apontada pra Giovana.

— Verdade — ela disse.

Renan perguntou:

— Quem foi teu primeiro beijo?

Ela riu e respondeu, mas eu nem ouvi direito… meu ouvido já estava abafado. Só vi ela dando risada e o pessoal reagindo.

O jogo foi seguindo assim.

Perguntas bobas.

Primeiros beijos.

Quem ficaria com quem.

Quem achava quem bonito.

Depois desafios leves.

“Bebe dois goles.”

“Canta tal música.”

“Abraça alguém.”

Mas conforme a garrafa girava… o clima ia mudando.

As luzes do quarto tremiam.

A bebida queimava minha garganta, mas eu continuava aceitando copos que nem eram meus.

Até que a garrafa parou entre Lara e Giovana.

— Beijem. — Matheus falou, sem nem esperar desafio.

E elas simplesmente foram.

Se inclinando devagar, rindo, até os lábios delas se encontrarem. O quarto inteiro explodiu em gritos e assovios. Eu senti minhas bochechas queimarem — não sei se de vergonha, bebida ou calor.

Depois elas se separaram, ainda rindo, e Giovana segurou o queixo de Renan.

— Agora você.

E ela deu um beijo nele também, meio brincalhão, meio… algo a mais.

O clima ficou pesado.

Não ruim — mas denso, quente, malicioso.

Eu não sei exatamente quanto tempo passou depois do meu último gole. A música já não parecia mais música; era só um barulho grave atravessando meu peito e batendo no meu crânio. O calor da casa estava opressivo, e o cheiro doce de energético e álcool grudava no ar como um vapor enjoativo.

As brincadeiras continuavam. Gritos. Garrafas circulando. Eu só tinha flashes de memória. Em um momento, alguém apagou as luzes da sala e acendeu uma lanterna no meu rosto. Em outro, jogamos baralho. Em cada rodada, mais bebida. Minhas risadas estavam mais altas, e meus passos, mais tortos. Eu já tinha perdido completamente a noção do tempo e do espaço.

Até que, em algum momento, eu me vi entrando em um dos quartos lá no fundo da casa. O cômodo cheirava a perfume forte, cigarro e desodorante masculino, tudo misturado em uma névoa pesada. As paredes estavam cheias de posters de banda e luzes LED piscavam roxo e azul, dando uma aura sinistra ao lugar.

No chão, uma garrafa de vidro. E ao meu redor, apenas quatro figuras masculinas: Matheus, já vermelho e suado, segurando outro copo; dois amigos dele — Renan e Breno, os nomes que eu mal lembrava; e eu. As meninas tinham saído em um desafio qualquer.

Foi nesse instante que a realidade me atingiu de um jeito ruim e gelado.

O quarto pareceu encolher.

A luz roxa ficou mais forte, mais invasiva, ou talvez eu estivesse muito mais tonto do que percebia.

Senti a garganta fechar em pânico. O estômago embrulhar. O corpo inteiro pedia para eu parar. Eu precisava sair dali. Agora.

Tentei me levantar devagar, apoiando a mão no colchão que estava no chão.

— Ei, vou… só lá fora… preciso… preciso dar um tempo. — minha voz saiu arrastada, embolada.

Eu me ergui meio torto, mas antes que eu terminasse de ficar de pé, senti uma mão pesada prender meu ombro e me empurrar de volta para o colchão no chão.

Matheus.

O olhar dele não estava mais brincalhão.

Estava duro.

Fixado em mim.

— Senta aí, caralho. — ele disse, grosseiro, a voz arranhada de bebida. — O jogo não acabou.

Meu estômago gelou na hora.

Renan e Breno se entreolharam, meio rindo, meio desconfortáveis… mas não falaram nada.

E eu fiquei ali.

Sentado.

Tonto.

Com a porta atrás de mim ficando cada vez mais distante.

Eu nem percebi quando a garrafa começou a girar de novo. Minha cabeça já não acompanhava mais nada, era como se o quarto estivesse flutuando, quente, apertado, abafado pelo cheiro de perfume barato misturado com suor e álcool derramado no chão. As risadas ecoavam pesadas dentro da minha cabeça, misturadas ao som distante do funk tocando na sala, grave demais, vibrando no piso.

Quando dei por mim, o Matheus estava segurando a garrafa com a mão espalmada, impedindo que ela parasse. Ele me encarava com um sorriso torto, cruel, os olhos vermelhos de bebida.

— Agora sim, princesa... — ele disse, arrastando as palavras. — Agora você tem um desafio de verdade. Bem grande. Pra você aprender.

Meu estômago virou.

Ele ficou em pé, cambaleando um pouco, mas firme o bastante pra intimidar. E então… ele puxou a própria bermuda pela frente, enfiando a mão por dentro, apertando ele mesmo, como se fosse uma ameaça, como se estivesse me mostrando o que tinha planejado.

O quarto inteiro girou.

Minha respiração travou.

— Chega, Matheus… isso não é jogo — eu consegui dizer, minha própria voz soando distante de mim, como se estivesse dentro de um túnel.

Ele riu.

— Você não tem que querer nada, caipira. — cuspiu de volta. — Senta aí. O jogo não acabou.

Eu tentei levantar. Tentei mesmo. Mas meu corpo não respondia direito. Minhas pernas falharam por causa da bebida, e antes de conseguir dar um passo, dois dos amigos dele já tinham me segurado pelos braços.

— Solta — eu tentei dizer, mas minha língua parecia pesada. — Me solta…

Eles me empurraram pra trás, e meu corpo caiu mole sobre a cama. O colchão afundou com um baque abafado, e tudo à minha volta ficou mais escuro, como se as luzes tivessem diminuído.

Um garoto segurou meu braço direito.

Outro segurou o esquerdo.

Eu não conseguia puxar de volta.

O Matheus veio na minha direção, devagar, saboreando cada passo, cada segundo em que eu não conseguia escapar. O rosto dele pairou sobre o meu, tão perto que eu podia sentir o cheiro forte de álcool e menta velha.

— Agora você vai aprender que não mexe comigo. Nunca. — ele rosnou. — Eu disse que ia ter desafio grande. Não chora, não.

Ele levou a mão até o botão da própria bermuda e começou a desabotoar. Meu coração disparou tão rápido que doeu. O teto começou a girar de novo. Eu piscava, e cada piscada demorava demais pra abrir os olhos de novo.

Eu só queria acordar.

Queria desaparecer.

Queria que aquilo não estivesse acontecendo.

— Para… — eu murmurei, já sem força. — Eu não tô brincando… para…

Matheus se inclinou mais perto, a sombra dele cobrindo meu rosto.

E então eu ouvi.

BANG.

Uma pancada na porta.

Os meninos se entreolharam.

BANG. BANG.

Mais forte.

Eu tentei virar o rosto para olhar, mas minha visão era um borrão.

— Quem é o idiota—?! — ouvi o Matheus dizer, irritado.

B A N G !

A porta se abriu com tanta força que bateu na parede.

Os meninos me largaram ao mesmo tempo, cada um recuando assustado. O Matheus se virou pra frente, mas não deu tempo de entender nada. Eu só vi vultos se movendo rápido, muito rápido, e um som surdo de impacto, como carne batendo contra parede.

Alguém gritou.

Alguém caiu no chão.

Eu tentei focar… tentei… mas minha visão se apagava e voltava como se alguém estivesse acendendo e apagando um interruptor.

Pisquei uma vez…

vi o Matheus indo pra trás, batendo em algo.

Pisquei de novo…

vi sangue respingado no chão.

Pisquei mais uma…

e então… vi ele.

No meio do caos.

No meio dos vultos e das sombras.

Com o peito arfando, a expressão tomada por um ódio que eu nunca tinha visto.

Caíque.

Meu primo.

No quarto.

Por mim.

Ele deu um passo na minha direção, e eu senti meu corpo finalmente desmoronar por dentro, como se tivesse recebido permissão pra desligar.

A última coisa que me lembro é o rosto dele ficando borrado…

cada vez mais distante…

enquanto o mundo inteiro escurecia.

E então eu apaguei.

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Comentários

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Tenho mixed feelings por essa proteção do Caique viu...nesse caso foi necessária, mas tem essa veia possessiva que é inegável né!

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Tenso. Fiquei nervoso e até pensei que Caíque chegaria e chegou pra salvar o caipirinha. Ufa.

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