Onde o mar nos levou - Capítulo XXVI

Um conto erótico de Rafa & Caio
Categoria: Gay
Contém 2623 palavras
Data: 17/11/2025 12:46:27

Capítulo XXVI - O reencontro...

Caio narrando...

O corredor do hospital parecia infinito. Cada passo ecoava como se o tempo estivesse sendo esticado de propósito. Quando dois policiais surgiram no final do corredor, meu coração disparou. O inspetor se aproximou, a expressão séria.

— Senhora Eloísa, Caio… temos uma atualização.

Eu engoli em seco, sentindo a garganta apertar.

— O mandado de prisão contra Augusto foi expedido — ele informou, com a voz firme.

Um alívio breve passou por mim, mas logo a tensão voltou quando ele completou:

— Ainda não conseguimos localizá-lo. Acreditamos que ele possa ter fugido da cidade.

Dona Eloísa suspirou fundo e fechou os olhos, tentando manter a calma. Eu apenas fiquei parado, com o corpo rígido. Fugido… a palavra parecia um veneno.

Algumas horas depois, o dia começou a clarear pelas janelas do saguão. O médico finalmente apareceu, trazendo notícias que prenderam minha respiração.

— O quadro do paciente é estável, mas delicado — explicou, olhando para nós e repetindo o que já havia dito. — Ele está com anemia severa, desnutrição e infecção intestinal. Precisamos evitar qualquer risco de infecção hospitalar, então as visitas serão de uma pessoa por vez, sem contato físico. Apenas alguns minutos.

Eu assenti, mas o coração batia rápido demais. Sem contato físico… como se a distância pudesse me proteger da dor de vê-lo.

Dona Eloísa pousou a mão sobre meu ombro.

— Caio, deixa eu entrar primeiro. Só um instante.

— Vai… fala com ele. Diz que eu tô aqui. — minha voz saiu falha.

Ela entrou devagar, como quem caminha em um lugar sagrado. Eu fiquei no corredor, as mãos suadas e o peito queimando. Quando a porta se abriu, ela saiu com os olhos marejados, mas havia um leve sorriso em seu rosto.

— Ele reagiu à minha voz — sussurrou, emocionada.

Meu coração deu um salto. Era a centelha de esperança que eu precisava. Chegou a minha vez. Entrei no quarto e, assim que vi Rafael, senti o chão sumir sob meus pés. Ele estava tão magro que parecia afundar no colchão. Hematomas espalhados pelos braços, rosto marcado, a pele pálida demais. Cada ferida gritava a violência que ele sofreu.

— Meu Deus, Rafa… — foi tudo o que consegui dizer.

Um nó subiu pela garganta. A visão turvou, a respiração ficou curta. As imagens da nossa última briga voltaram como lâminas: as palavras duras, o ciúme, o orgulho. Senti as pernas fraquejarem.

Miguel, que havia entrado comigo, percebeu meu colapso.

— Caio, respira. Olha pra mim. Um, dois… inspira, expira.

Eu tentei, mas o ar parecia não entrar. Tremia inteiro. Miguel apertou meu braço, mantendo o olhar firme.

— Vai dar tudo certo. Ele está vivo. Concentra nisso.

Aos poucos, o som da voz dele me trouxe de volta. Respirei, ainda em soluços.

A enfermeira se aproximou, suave:

— Pode falar com ele, mas sem encostar, por favor.

Cheguei mais perto da cama, o coração despedaçado.

— Rafa… eu sinto tanto. Eu fui um idiota. Me perdoa, por favor. Eu te amo. Eu prometo que você nunca mais vai passar por nada assim. Eu vou proteger você. Eu juro.

Os olhos de Rafael se moveram levemente, como se buscassem minha voz. Um pequeno tremor nos lábios. Eu já ia saindo quando ouvi um sussurro.

— Fica… — ele murmurou, quase sem som.

Meu peito ardeu. Um pedido tão simples, mas que carregava tudo o que ele ainda tinha de força, mas não consegui permanecer ali. Quando saí do quarto, as lágrimas voltaram com força. A culpa pesava mais que o ar. Apesar de querer ficar, saí.

— Se eu tivesse ficado com ele aquele dia… se eu não tivesse dito aquilo…

Miguel segurou meu rosto com as duas mãos.

— Para com isso. O que importa é que ele está vivo. Agora é a hora de lutar, não de se punir.

Eu respirei fundo, mas o ódio contra Augusto queimava como fogo.

— Ele não vai fugir pra sempre. Eu juro que ele não vai.

O inspetor, que ainda aguardava no corredor, reforçou:

— Estamos monitorando estradas e fronteiras. É questão de tempo.

Dona Eloísa se aproximou e apertou minha mão com carinho.

— Caio, meu filho… ele vai se recuperar. E Augusto vai pagar pelo que fez.

Eu fechei os olhos, tentando acreditar.

— Eu não saio daqui até Rafael estar fora de perigo.

Miguel assentiu, firme.

— Nem eu. Vamos atravessar isso juntos.

O médico voltou momentos depois, trazendo uma boa notícia:

— O tratamento está surtindo efeito. Ele reagiu bem ao soro e aos antibióticos. Mas precisamos continuar com cuidado absoluto.

Respirei fundo. Ainda havia um caminho enorme pela frente, mas, pela primeira vez em dias, consegui sentir algo que parecia esperança.

Saí devagar pelos corredores do hospital, sentindo o ar frio bater no rosto como se fosse a única coisa capaz de me manter de pé. Cada passo ecoava dentro de mim, pesado, sufocante. O cheiro de desinfetante, o som distante de máquinas apitando… tudo parecia me lembrar que a vida do Rafa ainda estava por um fio.

Quando cheguei ao jardim externo, um canto silencioso atrás do prédio, me encostei na mureta de cimento e finalmente respirei fundo. O sol da manhã surgia tímido, mas nem a claridade conseguia aquecer o que eu sentia.

No bolso, o caderno azul. O mesmo que Dona Eloísa havia me dado e estava em nosso quarto antes de tudo acontecer. O mesmo onde ele despejava sua alma em poemas, rabiscos e pensamentos que só ele era capaz de transformar em beleza. Segurei o caderno com as duas mãos, como se fosse algo sagrado. Sentei no banco de madeira, com a grama ainda úmida roçando meus pés, e abri uma das páginas ao acaso.

Era um poema recente. Eu reconheci a caligrafia apressada, as palavras ainda levemente borradas, como se ele tivesse escrito chorando.

"Se um dia eu não voltar, quero que saiba que você sempre foi o meu lar. Que cada briga nunca apagou o amor, que cada lágrima só provava que eu me importava. E mesmo quando o medo tentou me calar, foi você quem me ensinou a ficar."

As palavras me atravessaram como lâminas. Meu corpo inteiro tremeu. As lágrimas começaram a cair antes mesmo que eu pudesse impedir. Desabaram quentes, molhando as linhas do poema, como se quisessem se misturar à tinta de Rafael. Eu passei os dedos devagar pelas palavras, sentindo a textura do papel úmido, tentando guardar cada letra dentro de mim.

— Rafa… por que você escreve essas coisas? — sussurrei, a voz falhando. — Por que você sempre soube amar mais do que eu?

Meus ombros começaram a sacudir com os soluços. A memória de cada briga voltou em flashes doloridos: eu, com ciúmes de mensagens bobas; ele, tentando me acalmar, sempre paciente; eu, duvidando do amor que ele nunca deixou de demonstrar. Cada cena era uma acusação. Lembrei da noite em que eu o acusei de traição, das palavras que joguei como pedras, do olhar ferido que ele me deu antes de sair. Era como se meu peito estivesse sendo esmagado de dentro pra fora.

Foi então que ouvi passos atrás de mim. Virei o rosto e vi Miguel se aproximando. Ele parou a alguns metros, respeitando meu espaço. Seus olhos analisaram meu rosto molhado, as mãos tremendo, o caderno aberto sobre o meu colo.

— Caio... — a voz dele era baixa, quase um sussurro. — Você não precisa se culpar assim.

Balancei a cabeça, incapaz de olhar pra ele.

— Miguel… eu fui um idiota. Eu estraguei tudo. Eu… eu joguei nele coisas horríveis. E agora… olha onde ele está. Eu devia ter protegido, não machucado.

Miguel se aproximou devagar e se abaixou ao meu lado.

— Ei, olha pra mim.

Eu levantei os olhos com dificuldade. Miguel me encarou firme, mas com um carinho que quase me desmontou.

— Rafa te ama, Caio. Eu sei disso desde o primeiro dia que vi vocês juntos. E quer saber? Ele já te perdoou. Eu conheço aquele olhar. Ele nunca carregou rancor, mesmo quando você errou.

As palavras dele me atingiram como um abraço invisível. Mesmo assim, a culpa não soltava meu peito.

— Mas eu não me perdoei, Miguel. Eu não consigo.

Miguel suspirou, apoiando uma mão no meu ombro.

— Então começa agora. Ele precisa de você forte, não se destruindo. Se o Rafa, que passou por tudo aquilo, ainda consegue te amar, quem é você pra não se perdoar?

Fiquei em silêncio, sentindo cada palavra ecoar dentro de mim. Miguel se levantou lentamente.

— Quer que eu fique com você?

Olhei pra ele, ainda com os olhos cheios de lágrimas, e balancei a cabeça.

— Não… preciso ficar sozinho um pouco. Mas obrigado.

Ele assentiu, respeitando meu pedido. Antes de sair, apertou meu ombro mais uma vez.

— Eu tô por perto. Não esquece disso.

Quando Miguel se afastou, o jardim voltou a ficar em silêncio. Fiquei ali, só eu, o caderno azul e a lembrança de Rafael. As lágrimas continuavam a cair, mas agora vinham misturadas a um calor estranho, quase como um fio de esperança.

Comecei a pensar em cada momento que vivemos. A primeira vez que o vi na praia, o sorriso tímido que me desarmou. A noite em que ele me mostrou suas tatuagens, orgulhoso, e eu fiquei fascinado. As madrugadas em que ele fazia café só pra me ver sorrir. As vezes em que ele atravessou a cidade só pra me dar um abraço depois de um dia ruim. Ele sempre foi maior que as minhas crises, mais forte que o meu ciúme, mais paciente que eu merecia.

Passei a mão pelas páginas do caderno e encontrei outros poemas, todos falando de amor, de esperança, de um futuro juntos. Em cada verso, Rafael deixava claro o quanto me amava, mesmo quando eu não conseguia enxergar.

— Eu prometo, Rafa… — murmurei, sentindo o vento tocar meu rosto. — Eu prometo que nunca mais vou duvidar de você. Nunca mais.

Fechei o caderno devagar e o abracei contra o peito, como se pudesse sentir o coração dele batendo ali dentro. Respirei fundo, tentando encontrar força no amor que ele sempre me deu. O céu começava a clarear mais, tingindo de dourado as folhas do jardim.

Pela primeira vez em dias, senti que eu precisava me perdoar não apenas por ele, mas por mim. Porque, se Rafael ainda acreditava em nós, eu não podia ser covarde com a nossa história.

Apertei o caderno com força e, entre um soluço e outro, deixei escapar um sussurro que só o vento ouviu:

— Eu te amo, Rafael. E vou esperar você acordar… o tempo que for preciso.

Fiquei ali, sozinho, chorando até não restar mais nada além da certeza de que, por mais que a vida tivesse tentado nos quebrar, o nosso amor era a única coisa que ainda me mantinha inteiro.

Ainda estava sentado no banco do jardim, com o caderno azul apertado contra o peito, quando meu celular vibrou no bolso da calça. O som seco da notificação me fez pular, como se um raio tivesse atravessado meu corpo. Por um segundo, tive medo de atender. Mas a tela mostrava o nome de Dona Eloísa.

— Alô? — minha voz saiu trêmula, quase um sussurro.

— Caio? Filho… venha rápido, por favor. — a voz dela soava embargada, carregada de emoção e urgência.

— Rafael está… inquieto. Ele está chamando por você. Eu acho que… ele está acordando.

Meu coração disparou de um jeito que doeu. A respiração falhou, as mãos tremeram.

— Ele… ele falou meu nome? — perguntei, engolindo em seco.

— Falou sim, querido. Eu ouvi. Ele está se mexendo e tentando dizer alguma coisa. Ele precisa de você agora.

Não pensei em mais nada. Enfiei o caderno no bolso do casaco, levantei tão rápido que quase tropecei e comecei a andar, depois correr, sentindo o frio cortar o rosto. Cada passo ecoava como um martelo dentro da minha cabeça. Eu só conseguia pensar: ele está acordando… ele está me chamando.

Quando alcancei a entrada da UTI, encontrei Dona Eloísa à minha espera. Os olhos dela estavam vermelhos, mas havia um brilho de esperança que me fez respirar um pouco melhor.

— Caio… — ela segurou minhas mãos com força. — Ele realmente está chamando por você. Venha. O médico deixou, mas… seja delicado. Ele ainda está muito fraco.

Assenti sem conseguir falar. A garganta estava apertada demais. Segui atrás dela pelos corredores brancos e silenciosos. O cheiro de desinfetante queimava minhas narinas, misturado ao som distante dos monitores cardíacos. Era como caminhar em um túnel que não terminava.

Quando a porta se abriu, meu coração quase parou.

Lá estava Rafa.

Meu Rafa.

Deitado, cercado de tubos e fios, o corpo magro demais, a pele pálida. Mas algo nele… algo estava diferente. Os dedos se mexiam, roçando o lençol, e os lábios tremiam, formando palavras quase inaudíveis. Inclinei a cabeça, e então ouvi.

— “Ca… io…” — saiu baixo, como um sopro quebrado.

Senti as pernas fraquejarem. Dei dois passos trêmulos até a beira da cama, estendi a mão e toquei a dele com a maior delicadeza do mundo, com medo de machucá-lo. A pele estava morna. Era real.

— Eu tô aqui, Rafa… eu tô aqui, amor. Sou eu, Caio.

Os olhos dele, ainda pesados, se abriram devagar. Primeiro um borrão, depois aquele castanho profundo que sempre me desarma. Ele piscou algumas vezes, tentando focar, e então um sorriso fraco, quase imperceptível, se formou.

— Caio… é você mesmo? — a voz rouca parecia vir de muito longe. — Eu… achei que estava sonhando.

Meus olhos se encheram de lágrimas no mesmo instante. Apertei a mão dele contra meu rosto, sentindo o calor que eu temia nunca mais sentir.

— Sou eu, amor… sou eu. Eu tô aqui. Tô com você agora. Não precisa ter medo, tá?

Ele respirou fundo, a voz ainda fraca, mas cheia de uma doçura que fez meu peito doer.

— Eu senti… tanta saudade. Todos esses dias… eu só pensava em você. Eu queria… queria te dizer que… nada do que aconteceu importa. Eu te perdoo, Caio. Não importa o que a gente falou… eu te perdoo.

Meu corpo inteiro se desfez. As lágrimas caíram com força, lavando minha culpa. Eu me ajoelhei ao lado da cama, apertando a mão dele como se fosse meu único fio de vida.

— Não fala assim, Rafa… não precisa me perdoar. Eu que… eu que preciso do seu perdão. Eu fui um idiota. Eu deixei o medo e o ciúme falarem mais alto. Eu disse coisas horríveis… e eu daria tudo pra voltar atrás. Eu só quero que você viva, que você fique bem. Eu te amo mais do que qualquer coisa.

Ele tentou mexer a cabeça, um gesto pequeno, mas cheio de certeza.

— Ei… olha pra mim.

Levantei o rosto, mesmo com a visão turva de choro.

— Eu tô olhando, amor… tô aqui.

— Você já tem o meu perdão, Caio. Sempre teve. Eu sei que você me ama. Eu sei quem você é lá dentro. E… eu também te amo. Mais do que eu consigo explicar.

Um soluço escapou da minha garganta, e eu me inclinei, encostando a testa na dele, sentindo a respiração quente e fraca.

— Eu prometo, Rafa… eu prometo que nunca mais vou duvidar de você. Nunca mais. Eu vou confiar, eu vou cuidar, eu vou te amar do jeito que você merece… todos os dias da minha vida.

Ele fechou os olhos por um instante, um suspiro leve escapando entre os lábios. Quando os abriu de novo, havia um brilho suave, quase sereno.

— É tudo o que eu sempre quis ouvir, Caio. Você é… meu lar. Sempre foi.

Segurei a mão dele com mais força, sentindo a vida pulsar de volta, cada batida empurrando o medo para longe.

— Você é o meu também, Rafa. Sempre será.

E ali, cercados de máquinas, fios e a luz fria da madrugada, o mundo deixou de existir. Era só a gente. E o amor que nos trouxe de volta um para o outro.

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Foto de perfil de T. Lys. RT. Lys. RContos: 28Seguidores: 4Seguindo: 2Mensagem "Escrevo com o coração em carne viva, transformando dor, amor e redenção em capítulos que sangram poesia — onde cada palavra carrega o peso da verdade e o alívio da esperança."

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