Quarto e quinto encontro - A entrega

Um conto erótico de Leandro Gomes
Categoria: Homossexual
Contém 2518 palavras
Data: 27/11/2025 21:41:01

Quarto encontro - 05 de maio do Anno Domini XLII

Há algo em mim que não reconheço mais. Passei os dias inquieto, caminhando de um lado a outro do acampamento, incapaz de me concentrar no que antes era simples: treinamento, inspecionar lâminas, patrulhar a área. Cada gesto parece faltar uma peça oculta — como se a parte de mim que antes era inteira tivesse sido arrancada ou deslocada E agora, escrevendo estas linhas à beira da lamparina, percebo que esse vazio tem a forma de um homem que não é humano.

Tenho tido meus desejos carnais demasiadamente aguçados, o que tem me deixado teso em várias ocasiões. Para saciar esses instintos, estive várias vezes com a síria de olhos negros que sempre me serve na cama, mas, confesso envergonhado, que já não sinto o mesmo desejo e prazer com ela que antes sentia. A figura daquele homem tumultua minha mente com imaginações pecaminosas que mais parecem lembranças que me envergonham e deixam-me ao mesmo tempo ainda mais teso: vejo-me fazendo com ele o que faço, ou tento fazer, com a síria.

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Ontem a noite ontem caiu pesada, sem lua. Uma escuridão densa, quase sólida, envolvia o acampamento. Eu havia me deitado com a síria à tarde e, por isso, concluí que não iria procurá-lo. Jurei a mim mesmo que evitaria qualquer lugar ou hora que pudesse convidá-lo. Mas o corpo é traidor — e antes que eu me desse conta, meus passos me levaram à borda da floresta, onde a luz das fogueiras mal alcançava. E foi ali que ele veio a mim.

Não ouvi seus passos; ouvi apenas meu coração acelerar antes que meus olhos o encontrassem e senti seu cheiro – sim, ele tinha um cheiro peculiar, algo metálico e também de luxúria. Seu vulto emergiu da escuridão como se fosse feito dela. Por um instante, apenas me observou — e senti um calor súbito, profundo, que percorreu meu abdômen e me prendeu ao chão.

“Varro.”

A forma como pronunciou meu nome me desarmou por completo: era suave, íntima, quase como um reconhecimento.

“Quis evitar-me esta noite.”

O sangue subiu ao meu rosto. Fiquei em silêncio, incapaz de negar.

Ele sorriu. Não era um sorriso cruel — era pior: um sorriso que parecia me conhecer melhor do que eu mesmo.

“Por que foges de mim?”

“Porque… porque não entendo o que queres de mim.” — consegui dizer, embora a voz tenha saído baixa, rouca.

Ele se aproximou. Um passo. Depois outro. A cada avanço, o ar vibrava. Quando estava diante de mim, senti nossos corpos quase se encostarem — e com esse quase toque, algo em mim se acendeu de forma tão imediata e tão visceral que precisei inspirar fundo para não cambalear.

Mas então ele tocou o meu ombro. Leve. Quase imperceptível. Mas real. Um toque frio que me percorreu inteiro, acordando cada fibra como se eu estivesse vivo pela primeira vez. E nesse contato — ainda que mínimo — senti claramente: ele também reagiu. Senti um calor tenso, firme, inevitável, que denunciava que o que pulsava nele espelhava o que ardia em mim. Minha respiração falhou. Ele ergueu uma mão até meu ombro, e embora o toque fosse suave, senti meu corpo inteiro estremecer. Era como se o simples contato tivesse despertado algo adormecido, algo perigoso, algo que eu jamais ousara encarar.

“Não temas.” — A voz dele era baixa, profunda, quase um sopro. — “Não vim tomar-te, Varro. Vim preparar-te.”

“Preparar-me… para quê?” — perguntei, sentindo meu coração martelar contra as costelas.

Ele inclinou o rosto. Tão perto que pude sentir o calor da pele dele, o perfume indefinível que carregava — algo entre terra úmida, ferro e uma doçura luxuriosa.

“Para quando chegares ao limite.”

Seus olhos brilhavam como brasas veladas.

“E estás perto. Muito perto.”

O ar ficou denso. Meu corpo inteiro parecia vibrar sob a mão dele, sob a proximidade dele, sob a presença dele. E, por um instante, desejei que ele não parasse. Que me tomasse ali mesmo — não como amante, não como mestre, mas como destino. Ele percebeu. Vi isso no brilho de seus olhos. E por isso se afastou. Devagar. Como quem encerra uma cerimônia que ainda não pode se cumprir. Ao se virar para partir, murmurou:

“Não lutes contra o que já desperta em ti.”

Quando desapareceu entre as árvores, fiquei imóvel por muito tempo. O calor dele ainda pressionava meu ombro, como o eco de um toque que não queria abandonar minha pele. E — embora me envergonhe admitir — havia uma tensão quente, persistente, latejando entre minhas pernas, um desejo que eu não conseguia extinguir. Fiquei ali até o corpo relaxar, até o ar voltar aos meus pulmões, até que eu pudesse enfim retornar ao acampamento sem que os homens percebessem a protuberância abaixo da minha cintura.

Me senti perdido. Entretanto, pela primeira vez, não quis ser encontrado.

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Quinto encontro - 10 de maio do Anno Domini XLII

Sinto que escrevo estas linhas como quem registra a própria condenação. Desde o último encontro, tenho vivido entre dois mundos: o dos homens, onde caminho, e o dele, onde minha alma parece ter encontrado morada. Desde o último encontro, não mais procurei a síria nem outra mulher para saciar meus desejos. Estes, tenho tentado alívio sozinho, quando minha mente é inundada de imaginações ainda mais reais, tão reais que pareço sentir toques no meu corpo... sobretudo nas minhas partes pudentas. O prazer é intenso, como nunca senti antes, ainda que continuo em uma busca incansável por algo a mais.

Não há repouso. Nem fome. Nem sono. Há apenas uma expectativa ardente, crescente, e uma excitação que me acompanham o tempo todo.

Pressenti o dia todo que ele voltaria nesta noite. E o que é mais terrível: desejei ardentemente que viesse. O acampamento já dormia. As fogueiras eram pequenos sóis moribundos, e o vento trazia um frio que não sinto mais na pele. Não sei a que horas ele apareceu — apenas que, de repente, estava lá. No limite da escuridão, seu vulto parecia esculpido a partir dela. Avançou com passos lentos, ritualísticos, e cada passo fez meu coração reagir como se reconhecesse seu senhor.

“Sabias que eu viria.”

Sua voz não era acusação, nem promessa — era simplesmente verdade. Eu assenti, incapaz de mentir.

A luz da tocha iluminou metade de seu rosto, deixando a outra metade mergulhada numa penumbra que parecia viva. Ele parou a apenas um passo de mim. Tão perto que senti sua respiração misturar-se à minha. Tão perto que o frio do seu corpo fez o meu despertar com violência.

“Estás pronto.”

O modo como disse isso fez minhas pernas estremecerem. Pronto para quê? Para ele? Para a perdição? Para o destino? Não tive tempo de formular a pergunta.

Ele ergueu a mão e tocou meu rosto. Sua mão era fria como o mármore, mas viva. E, ao toque, meu corpo inteiro respondeu como se até aquele instante tivesse vivido apagado. Meu peito se abriu, minha respiração falhou, e uma onda quente, urgente, tomou meu baixo-ventre com uma intensidade tão forte que precisei firmar os pés para não ceder.

“Há noites”, disse ele, “em que o destino se mostra sob a forma do prazer.”

Meu coração golpeou contra minhas costelas. Senti o frio de seu corpo que me queimava, senti sua voz vibrar na minha pele, senti um desejo súbito, descontrolado, que me percorreu como fogo líquido. Ele aproximou-se ainda mais — nossos corpos agora alinhados, pressionados um contra o outro. E dessa vez não houve dúvida: senti nele a mesma tensão, a mesma força ardente que dominava o meu corpo. Minha respiração tornou-se pesada; não pude ocultar o que acontecia por debaixo da minha túnica. Ele percebeu. Não precisava olhar — ele sentia cada parte de mim. Da mesma forma, eu também senti o que estava por baixo de seu manto. Temi e desejei.

Seu rosto se inclinou. Nossos lábios se aproximaram devagar, como se o próprio ar temesse testemunhar. Era o instante inevitável. O primeiro. O que mudaria tudo. E então sua boca tocou a minha. Não houve violência, nem urgência. Houve domínio. Houve promessa. Houve entrega. Meu corpo inteiro pareceu desmoronar numa onda quente, intensa, que fez minha pele arder e minhas mãos tremerem. Meu coração se apertou. Minha respiração falhou. Um tremor profundo — íntimo, visceral — percorreu minhas entranhas com tal força que quase caí de joelhos.

Ele me segurou pela nuca. E nesse contato, percebi que já não lutava. Nem podia. Nem queria. O seu cheiro e sua presença me envolveram como névoa. Aquela proximidade era vertigem, e eu, atordoado, deixei-me cair naquilo que não compreendia. Houve o gosto do ferro, do vinho e de algo mais — algo que me atravessou e, ao mesmo tempo, me preencheu.

“Entrega-te, Varro… o prazer nada mais é do que a forma pela qual o destino toca os escolhidos.”

Aquelas palavras entraram em mim como lâmina e carícia ao mesmo tempo. Meu corpo explodiu em ondas de calor e vertigem. O chão fugiu-me dos pés; o corpo tornou-se leve e ardente, como se o sangue se misturasse ao vento. Não sei se houve toque, se houve gesto, ou se o próprio espírito, por um instante, abandonou-me para segui-lo. Houve luz — intensa, vermelha, viva — e depois sombra. E dentro da sombra, uma sensação de paz e perda, como se a alma, saciada, lembrasse de sua prisão.

Seu manto caiu ao chão, revelando seu corpo nu. A visão de seu membro, já em riste, como uma espada empunhada para o ataque, estranhamente me fascinou e me atraiu. Sem que eu tenha dito nada, ele o ofereceu a mim. Eu finalmente o toquei — me envergonho muito em escrever isso... Eu o toquei envolvendo-o com uma das mãos. Foi estranho, mas a estranheza me dominava e me dava prazer. A rigidez do falo era absurda, e ao tocá-lo, um arrepio intenso e prazeroso percorreu meu corpo inteiro. Ele pulsava na minha mão e, sem pensar, me abaixei e... o coloquei na minha... boca.

Só agora me dou conta da insanidade do meu ato, tão impensável, tão alheio ao que eu sou... era... pensava que era. O fato de dois homens se entregarem ao prazer não era coisa estranha em Roma, sobretudo entre os soldados, que muitas vezes passam meses ou anos em acampamentos ou em treinamento, ou entre os homens devotos dos templos dos deuses e aos sábios. Entretanto, não era algo da minha natureza, ou do que eu pensava ser. Minha mente estava agitada com mil pensamentos e perguntas para os quais eu não conseguia achar respostas, mas estranhamente, minha “espada” estava tão “empunhada para a guerra” quanto a dele.

Do seu membro saiu um líquido transparente enquanto eu o manuseava, e num impulso, eu o lambi. Tinha um sabor um pouco salgado que me embriagou mais do que o vinho. Desejei mais e minha língua fez movimentos circulares na ponta do falo até que senti novamente o mesmo sabor. Me embriaguei no cheiro que exalava de seus pelos pubianos, tão forte e suave ao mesmo tempo que fechei os olhos e me perdi no tempo, no espaço... De repente, o membro ficou ainda mais rígido na minha boca. Me preparei para o que estava por vir: vários jatos de sêmen viscos, gélido e de sabor viciante inundaram minha boca e desceram queimando minha garganta. Em seguida, sem ao menos me tocar, cheguei também ao clímax do prazer, que deixou meu corpo em espasmos involuntários e minha túnica molhada.

Ele me levantou e me beijou. Um beijo ardente, como de amantes apaixonados. Ainda mais intenso do que quando me apaixonei perdidamente pelo meu grande amor da juventude. Então, senti sua boca descer até meu pescoço, e pensei ser um toque de carinho e paixão, mas o que se seguiu foi uma dor aguda, cortante, tão fina e profunda que se confundia com prazer. Minha mente me dizia para fugir e lutar contra, mas havia um prazer em ficar. O mundo oscilou; as estrelas pareceram ter sido lançadas ao abismo. Tentei gritar, falar — ou clamar aos deuses por socorro — mas minha voz não saía. E então tudo escureceu.

Despertei algum tempo depois caído ao chão dentro da minha tenda, o corpo nu, exausto e trêmulo. Ao tocar meu pescoço, senti uma dor aguda — duas pequenas perfurações latejantes. O sangue seco em meus dedos provava que aquilo não fora sonho. Senti também, entre minhas pernas, o vestígio quente do clímax que me tomara antes de desmaiar. A vergonha que se seguiu foi profunda e cruel — porém, incapaz de silenciar o desejo dolorido que ainda ardia dentro de mim. Sentindo-me fraco, voltei a dormir.

Ele havia me levado. De um modo ou de outro, havia me tomado para si. E, por mais terrível que seja admitir… uma parte de mim desejou seu retorno.

Despertei ao amanhecer — se é que despertei de fato. O sol, pálido e distante, filtrava-se pelo tecido da tenda como se temesse tocar-me. Senti o corpo febril, exausto, como se houvesse lutado uma guerra que ninguém viu. Levei a mão ao pescoço e as duas pequenas feridas tinham uma ardência que não cessava. O sangue, seco e escuro, manchava meus dedos e minha túnica. E, no entanto, havia algo mais terrível do que a dor: a lembrança da noite anterior fascinava-me e deixava-me teso. E isso me trouxe, em seguida, uma vergonha abissal, extremamente dolorosa. Tentei durante o dia todo fugir dos olhares dos meus companheiros soldados, pois minha vergonha me fazia imaginar que todos testemunharam meu ato sórdido na noite anterior.

No início da noite, procurei refúgio nos braços da síria para tentar remediar ou reverter esse desejo que me consumia, mas ela não despertou em mim senão uma ternura distante, como lembranças de uma vida que já não era mais minha. O toque dela foi sombra; o calor dela, frio. Nem mesmo o seu perfume foi capaz de apagar o rastro daquele que me tocou, nem o vinho mais forte me embriagou como a lembrança de seu olhar. Consumei o ato com dificuldade sem entusiasmo, mas no rosto dela, eu o via com seu sorriso enigmático, sarcástico, perturbador e encantador. Saí às pressas da presença dela após ter-lhe jogado as moedas à cama. Queria me esconder de vergonha. Voltei ao acampamento direto para a minha tenda.

O nome dele — não ouso escrevê-lo, por receio de que isso seja uma invocação — não foi dito em palavras, mas eu soube de alguma forma dentro de mim, pois agora habita cada pulsar do meu sangue. Quando fechava os olhos, sentia sua presença — o hálito perto, a voz que não precisa de som para ser ouvida. Às vezes, quando o vento atravessava o acampamento e fazia as tochas vacilarem, juro ter visto sua silhueta à distância, imóvel, observando-me.

E, ao invés de temor, senti desejo. Desejo de vê-lo, de sentir novamente seu membro na minha boca, e de seu líquido do prazer jorrando na minha garganta. Senti desejo daquele arrepio ao sentir seu toque. Entretanto, sinto-me impuro. E, contudo, não quero pureza. Pois a pureza agora é fria, e o que ele me deixou — essa febre que queima e corrói — é a única chama que me faz lembrar que ainda vivo.

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Comentários

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Cada vez melhor. Parece um lamento mas na real é uma paixão avassaladora recheada com um tesão incontrolável. E ele foi possuído. Ele tenta mas nem mais consegue esconder de si próprio o que está sentindo. Conto surreal e avassalador. Amando.

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