Noites Paraguaias

Um conto erótico de Cavaleiro do Oeste
Categoria: Heterossexual
Contém 44977 palavras
Data: 27/11/2025 13:52:30
Última revisão: 27/11/2025 17:38:20

Noites Paraguaias

Vou contar pra vocês sobre algumas andanças que tive em solo paraguaio. Aqueles que acompanham minhas histórias sabem que estive em muitos lugares desse mundão. Montado a cavalo, de caminhonete ou caminhão.

Queria que todos tivessem a mesma oportunidade de conhecer os lugares por onde passei, ao menos uma vez na vida, e ter esse gosto. Mas se não, espero sinceramente, de coração, que ao se aventurarem a ler as muitas linhas que vem logo abaixo (Donas Giz e lovenathy1), possam sentir um pouquinho daquilo que sinto quando me recordo das coisas que já fiz, nos meus quase 60 anos de idade, quando fico olhando o horizonte longe em um fim de tarde, e o peito apertado de tanta saudade…

Havia se passado dois anos desde que minha vida tomou outro rumo. Por conta própria eu me incumbi de inúmeras tarefas nas muitas propriedades do meu padrinho, patrão e amigo, o Véio. Nada melhor para desocupar a cabeça do que muito trabalho.

Ainda guardava na memória e no coração o calor de uma mulher linda, delicada e muito elegante que conheci na capital paulista, antiga dona de uma caminhonete vermelha que fomos buscar…

Pois bem, foi nessa viagem que conheci, pessoalmente, um dos muitos contatos de negócios do padrinho. O homem era um uruguaio “hijo de una gran puta” como ele mesmo diria, que negociava cavalos de raça, bois, terras, casas, dólares, ouro e tudo que pudesse dar algum lucro. Mas, acima de tudo, apreciava um bom whisky de 18 anos, charutos caros e belos corpos femininos como poucos fizeram.

Tio Paco, uruguaio de nascimento, paraguaio de alma e cidadão do mundo sem fronteira.

Alto, magro, voz eloquente, estilo galã antigo, pele queimada de sol, barba grisalha de três dias, camisa aberta até o umbigo, charuto eterno na boca e um olhar castanho claro vivo que enxergava tudo sem precisar falar.

Todo mundo na linha seca sabia quem ele era, o homem que resolvia problema com um gesto de cabeça, telefonema ou com um .38, que fechava bordel só pra receber amigo, que dava risada tão alta que os assustava cachorro.

Mas, convivendo dia após dia, descobri o que poucos percebiam: O Tio Paco era reservado!

Se não pisasse no calo dele, o homem era uma seda.

Guardava a dor da família perdida num canto que ninguém abria, carregava o passado nas costas como quem carrega sela velha, e só abria o coração para quem merecesse.

E eu, aqueles dias “me lo merecía”!

Lá se vão 30 anos do ocorrido, mas, se fecho meus olhos colocando a música certa para tocar, meu cigarro queimando no canto da boca, o coração dispara, logo sinto os olhos esquentarem e a vontade de chorar chega a galope…

Ah Tio Paco, como o senhor diria…

“¡Ay, guri… ! tantos recuerdos de aquellas noches que pasamos entre las piernas de morochas que todavía me calientan la sangre!”

🌕 💃🏼🧉🐎🍻💃🏼🥂🐎🍾💃🏼🥃🐎🍸💃🏼🍹 🐎🌌

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Engraçado que aquela semana eu andava pensativo além da conta. Sabe quando temos a sensação que algo vai acontecer, mas não sabemos explicar. Pois bem, era exatamente assim que me encontrava no dia em que tudo começou…

Ainda estava longe o horário da bóia, eu e a peonada no curral da sede ocupados lidando na tropa. Eram trinta potras novas quase no ponto de cobertura, entre castanhas e alazã, que tinham chegado da região de Avaré, todas quarto de milha. Serviço de tosa de crina e cascos. Eu mesmo fui acompanhar o embarque daquela eguada até a fazenda. Eu era e ainda sou muito enjoado com esse tipo de serviço, quando um peãozinho magrelo que trabalhava na fazenda chegou correndo, chapéu na mão:

— Ou Beto, Beto … O Véio mandô te chamá no escritório agora mêmu, disse que é pra ir ligeiro!

Deixei o laço enrodilhado no chão frio do galpão, limpei o suor do rosto com a manga da camisa e fui pro casarão.

Minutos depois, subi as escadas, passei pelo alpendre, a pesada porta da sala estava aberta…

Uma das empregadas que estava limpando o local já apontou o dedo me indicando onde a onça véia estava entocada, no escritório.

Quando me viu em pé na porta, sorriu com aquele jeitão, coçou o bigode me falando:

— Senta aí, Beto. Tenho um serviço pro cê que é metade negócio, metade remédio pra essa tua cara de lubisome. — dando aquela risadona alta que só ele tinha no mundo.

Abriu a porta de um armário que ficava ao lado da velha escrivaninha feita em madeira de lei escura, tirou uma bolsa de couro preta grossa, pesada. Jogou em cima da cadeira:

—Óia Beto, dentro tem cinco mil real e mais trinta mil dólar em nota de cem. Tudo limpo, do jeito que ocê sabe. Pega a caminhonete e vai pro Paraguai, lá no Pedro Juan Caballero, procura o Francisco, mai o povão chama ele de Paco, meu compadre véio uruguaio, já te falei dele. O hômi tem uma tropa de garanhão quarto-de-milha e apalooza que eu quero prá nóis miorá o nosso plantel das fazenda com essas raça diferente, boa pra lidá com boi. Ocê experimenta tudo, monta, galopa, pula, faz o que ocê sabe fazê … e mió que quarqué vivente. Escolhe os mió!E péga firme na hora de negociá, aquele uruguaio é quem nem cavalo redumão, duro na queda!

Tragou comprimido…

—Já deixei tudo certo, tem meio mundo sabendo da tua ida pra lá, mostra pro Paco que o afilhado do Véio não tem só nome de boiadeiro, tem traquejo, é lampino.

Fez uma pausa, me encarando, torcendo o bigode com os dedos:

— E de quebra… ocê aproveita, seu veiaco. O Paco é metido a galã, mai perdido que ocê num rabo de saia, conhece cada buceta e par de teta do rio Apa até Assunção, ocêis vai se dá bem junto. Deixa essas paraguaia te devorá iguár piranha do Araguaia, Betão Boiadeiro. Ocê precisa se alembrá que ainda tá vivo, meu fio, tá trabaiâno demais, rapaizim.

Me passou todas as coordenadas. Quem procurar, onde ir, telefones e endereços. Ele ficava tranquilo, sabia que eu desenrolava qual fosse a parada.

Finalizou me contando que trabalhava para o Paco um bugre velho, há muitos anos mesmo, lá da região de Porto Murtinho-MS, da banda de lá, que conheceu meu avô, e meio mundo da nossa ponta de Estado: —Ocê si dá bem com essa indiada mêmu…

Antes de eu sair, chegou em mim, e com aquela intimidade de quem havia me visto de fralda mijada no colo da minha mãe, me deu um tapa na nuca, um soco no braço, riu soltando fumaça e me empurrou porta afora. “Vai logo, moço, pica a mula no trecho, e se cuida, seu Beto, hãm…”

Sai do casarão pensando em tudo aquilo, coração batendo acelerado, cabeça fervilhando, carregando aquela bolsa recheada de dinheiro, um revólver, muita munição espalhada, e a missão de comprar os cavalos do tal uruguaio, que eu conhecia só de ouvir falar, e nas palavras do Véio, de “deixar essas paraguaia te devorá”, Beto”.

Esse Paco era um uruguaio legítimo, criador de cavalo quarto-de-milha e criollo de primeira, fazenda com mais de 8 mil hectares bem pra frente de Pedro Juan, haras que fornecia animais pra Argentina, Brasil e até Chile. Entre outros muitos negócios. Homem sério nos seus assuntos, mas mulherengo que dava gosto. Onde chegava era com uma diferente no braço. O Véio dizia que o Paco era “o único uruguaio que honrava a raça”.

Pois é, meus amigos e amigas… quando o Véio decidiu que eu precisava sumir uns dias do Brasil, ele não fez nada pela metade.

O Véio havia falado: “Eu já deixei tudo certo”, eu nem perguntava muito. Quando ele dizia “já deixei tudo certo”, era porque tava mesmo!

No outro dia antes das quatro da matina, saí da fazenda com a F-1000 azul zerada, que carinhosamente eu chamava de “Azulzona”, queimando pneu na estrada de terra. Presidente Prudente ainda dormindo, Presidente Venceslau e Epitácio se espreguiçando, atravessei a ponte do velho rio Paraná deixando o oeste paulista no retrovisor, entrei em terras do chão sul matogrossense pelo Porto XV... trilha sonora no toca-fitas era Sérgio Reis, Chitãozinho e Xororó, Roberta e Sula Miranda, Almir Sater, Tião Carreiro e Pardinho, Vieira e Vieirinha… escutando Fio de Cabelo, Comitiva Esperança, Boiadeiro Errante…

Dourados, Ponta Porã, sobá no Barracão, e depois só terra vermelha e poeira até Pedro Juan Caballero. Cheguei pouco depois da uma da tarde. A avenida principal tava fervendo de turistas brasileiros de D20, Parati, Monza, Gol e Saveiro tirando foto na placa da fronteira, policiais de uniforme cáqui me olhando de rabo de olho, um ou outro dedo coçando o gatilho do fuzil quando viram a F-1000 azul novinha e o loiro alto descendo com cara de quem não devia nada.

Assim que saí do casarão da sede, o Véio ligou para um amigo de outros muitos amigos, um tal de Coronel que sabia quem mandava na Polícia Rodoviária de Ponta Porã nos anos 80 e 90. Esse por sua vez fez a ponte, ligou pedindo para avisarem o tio Paco lá em Pedro Juan, falando mais ou menos assim:

Avisem o Paco que um afilhado do Véio paulista, um tal de Betão tá indo praí. O menino tá precisando de uns dias de paz, mulher bonita e tereré gelado. Fiquem de olho, viu, o rapaz é meio metido a garanhão…Também tô sabendo que vai olhar a tropa de raça do uruguaio e comprar uns cavalos. Fala pra cuidar dele como se fosse filho, porque se acontecer um arranhão nesse loiro, o Véio Paulista disse que atravessa a linha seca com exército, marinha e força aérea, vai ser uma segunda guerra do Paraguai sem Duque de Caxias ou Solano Lopez”.

O Paco quando soube, claro, adorou a ideia. Ligou na hora pro amigo dele, chefe do posto da fronteira em Pedro Juan, dando outros recados:

“–Compadre, amanhã vai passar um loiro alto de F-1000 azul placa paulista. É gente minha. Põe um dos teus homens de confiança pra trazer o guri direto até mim. Eu vou estar esperando na porta do hotel, local de sempre. Não me perca o menino, senão vai ter uma guerra nessa fronteira, hein. Tá avisado!”

E foi exatamente assim que aconteceu. Cheguei na linha seca com poeira até o teto da F-1000, a cara de safado que Deus me deu, barba crescendo, estilo cafajeste, óculos escuros enganchados entre os botões da minha camisa xadrez, calça Wrangler desbotada marcando o bichão, cinto de tala larga com a fivela boiadeira lustrada, calçando texanas empoeiradas, chapéu branco, rádio tocando um modão...

O policial, um paraguaio moreno grandão, maior que eu, cara de matador de aluguel, já me esperava com a viatura parada no meio da rua, luz piscando, sorrindo:

‘¿Usted es el Betáo Paulista? Don Paco mandó te buscá, hombre. — Bem assim, parecia cena de filme!

Segui a viatura e uns vinte minutos depois chegamos no centro de Pedro Juan.

Parei bem na porta de um hotel conhecido naquela cidade que cheirava a promessa de pecado.

O Paco já tava lá me esperando, não foi difícil identificá-lo, sentado numa cadeira de ferro na calçada, pernas abertas, cara de safado, guampa grande de tereré na mão direita, meio charuto na esquerda, barba ficando branca bem aparada, parecia um capitão de navio, camisa branca de gola bem engomada aberta até o umbigo mostrando o porte magro, em forma para idade e estilo de vida, peito peludo meio grisalho e corrente de ouro grosso, relógio Rolex dourado brilhando no pulso acompanhado por uma pulseira que mais lembrava corrente de cabresto de boi raçudo, volume da arma bem aparente na cintura, nos dedos anéis com pedras, tudo de ouro, calçado com botas de couro de jacaré.

Parecia um rei velho esperando o herdeiro.

Eu bati o olho e parece que eu estava vendo um dos meus heróis dos filmes de bang-bang italianos antigos. O homem era muito parecido com um ator véio, o George Hilton, que por acaso era conterrâneo do Paco! (Depois, no decorrer dos dias que passei ao lado dele, o próprio sempre me falava que as moças de outras épocas faziam esta mesma comparação)

— ¡Acá está el famoso Bêto! ¡El rubio guapo del viejo! Vení, vení, gurí… ya tengo la bienvenida más cálida desde la fronteira. (— Eis o famoso Beto! O lindo loiro do velho! Vamos, vamos, garoto… Já tenho as boas-vindas mais calorosas da fronteira!)

Levantou da cadeira com energia chegando onde eu estava, sorriso largo, me deu um abraço forte, muitos tapas nas costas, senti o cheiro de colônia 4711, cavalo e homem que não tem medo de nada. Ele fez sinal pras duas que estavam encostadas na parede, tomando cerveja gelada, olho grudado em mim desde o instante que pisei na calçada. Mercedes, ou Mercedita para os amigos, moça nova, devia ter uns 20 anos, morena clara, peitões quase pulando do vestido vermelho, e Yamila que regulava sua idade com a minha a época, que índia, pele quente cor de canela, bunda gorda que não cabia no short jeans curtíssimo.

A Mercedes chegou primeiro, já colando o corpo inteiro, mão descendo pra minha barriga:

— ¡Mirá vos, guapo… qué lindo rubio de ojo verde! ¡Este bulto ya me está matando! (Olha só, lindo… que loiro gostoso de olho verde! Esse volume já tá me matando!)

A Yamila veio por trás, peitões nas minhas costas, mão por dentro da camisa:— Añamemby reiko, guapo… nderehe roime hína che sy… (Tá gostoso demais, lindo… por causa de ti eu tô molhada…)

Mercedes riu, apertou mais forte:

— Che rymba che royu… ¡hoy quiero toda esta leche brasileña dentro de mí, papi! (quero todo esse leite brasileiro dentro de mim, paizinho!)

Yamila lambeu minha orelha sussurrando e completou em português de fronteira:— E eu quero na cara, guapo… pra levar pra casa e lembrar o resto da vida do teu gosto e cheiro.

O tio Paco só ria, batendo na coxa:

— ¡Vamos, Beto! La habitación del hotel ya está pagada y las yeguas ya están en celo. (O quarto já tá pago e as éguas já tão no cio! )

Em menos de vinte minutos a gente tava dentro do quarto. O resto… bom, o resto vocês já conhecem sobre minha vida. As bocas, mãos, gemidos em três línguas, suor, meu pau sendo medido, admirado, apertado , puxado e esticado, sendo usado até ficar inchado, e muita porra espalhada entre bocas, peitos, coxas e lençóis.

Que bela recepção o Paco e o Paraguai me deram, puta que pariu! 🤠

Quando o sol nasceu, o policial da calçada ainda tava lá, olhando torto pra F-1000 azul, mas eu já estava com a alma lavada e o corpo moído, carregando o cheiro e o sabor das amiguinhas paraguaias do Tio Paco.

Saímos ainda cedo da vila, fui com minha F-1000, Mercedes e Yamila disputando espaço no banco do meu lado, uma mão alisando dentro da minha calça, a outra no meu peito. Na frente, a Hilux prata do tio Paco levantava poeira vermelha sendo seguida por outra preta com dois homens dentro, duas gatas morenas novas com ele, gritando e mostrando os peitos quando passavam pelos caminhões.

Pensei: Que putaria da porra logo cedo!

Chegamos no haras Estância El Uruguayo perto das dez. O lugar era de encher os olhos. Tinha uma casa-grande branca de dois andares, rede de luz elétrica forte em todos os postes, muitos holofotes de mil watts instalados, dando impressão que a noite o lugar ficava parecendo um estádio de futebol. E o redondel de doma era grande, impressionante mesmo. Currais pintados de branco, mangueira de alvenaria, baias e cocheiras feitas em madeira nobre, potreiros e invernadas que não acabavam mais.

Quando parei a F-1000, fez-se silêncio. Desci com Mercedes e Yamila penduradas em mim, vestido subindo na bunda, batom borrado, cheiro de sexo ainda no meu corpo. A peonada inteira (uns quinze homens entre paraguaios, brasileiros e mestiços) ficou de boca aberta:

— ¡Mirá el rubio que llegó con dos reinas de Pedro Juan!

— ¡Yo doy un mês de pago pra ser amigo desse lôro!

Entre minhas especulações visuais, curioso igual uma galinha da Angola, eu vi no centro do redondel um garanhão da raça appaloosa preto, duas meias brancas, crina comprida, olho branco de louco.

O falatório do ambiente era que já tinha jogado dois peões no chão e aberto a testa de um terceiro.

O tio Paco desceu rindo e gritou:

— ¡Hoy la fiesta va a ser grande, muchachos! ¡Traje músicos y mujeres!

Não me passou despercebido um velho sentado num banquinho de madeira ao lado do portão do redondel, magro como cana seca, pele queimada de sol, rugas tão profundas que pareciam as curvas do rio Apa depois da cheia, a cada sulco uma seca, uma enchente, uma história. Cabelo branco comprido preso com tira de couro, olhos pretos quase sem branco, bombacha cinza desbotada de tanto uso, camisa branca encardida aberta no peito magro, chinelo com sola feita de pneu. Fumava um cigarrão de palha enrolado com maestria. Ele se levantou devagar, mas caminhando firme, chegou mim e falou num espanhol arrastado com fundo de guarani:

— El gringo rubio vino a ver el show, ¿no?

(O gringo loiro veio ver o espetáculo, né?)

Sorri, tirei o chapéu, estendi a mão:

— Vim ver uns cavalo, senhor… e levar os mejores pro meu padrino lá de Brasil. — rasgando meu portunhol que cresci ouvindo da boca do Miguel.

Ele olhou pras duas moças e fez um gesto curto:

— Dejen al hombre un momento, cunhatai kuéra. Este tiene olor de gente antigua. (Deixem o homem um instante, moças. Este aqui tem cheiro de gente antiga.)

As duas obedeceram o velho bugre na hora e foram rebolando pro casarão.

O velho chegou perto, me mediu de cima abaixo e cravou os olhos nos meus:

—Tienes los ojos de tu abuelo y la misma tristeza que Miguelito. Los conocí a ambos. (— Você tem os olhos do seu avô e a mesma tristeza do Miguelito. Eu conhecia os dois.)

Tragou a palha e continuou:

— Miguelito pudo haber sido uno de los grandes guaraníes-kaiowá, más temido que todos los pajés que vivían entre los ríos Apa y Paraguay-mirim. Pero eligió el camino. (Miguelito poderia ser um dos grandes guarani-kaiowá, mais temido que todos feiticeiros, entre o Apa e o Paraguai-mirim. Mas ele escolheu a estrada.)

“Hace mucho tiempo, un pistolero disparó al burro que montaba Miguelito. El animal cayó muerto sobre él, junto al camino de ganado. Fue Simón, un fornido hombre negro del séquito de su abuelo, quien oyó los gritos. Llamó a su padre y a su tío… Desde ese día, Miguelito juró lealtad eterna a su familia y se fue con ellos al estado de San Pablo. La historia se extendió entre nosotros como un reguero de pólvora.”

— (Há muito tempo, um pistoleiro atirou na montaria que Miguelito montava. O animal caiu morto por cima dele, ao lado da trilha da boiada. Foi Simão, um negro corpulento da comitiva do seu avô, que ouviu os gritos. Ele chamou seu pai, seu tio... Daquele dia em diante, Miguelito jurou lealdade eterna ao teu sangue e foi com eles para o Estado de São Paulo. A história se espalhou entre nós como fogo em palha seca.)

Por mais estranho que fosse naquele momento e lugar, o velho índio sabia de toda a história, e foi relatando os acontecimentos. Apesar da precariedade daqueles distantes anos 60, algumas histórias atravessaram fronteiras.

Tocou meu peito com a mão calejada, me arrepiei inteiro:

— Cuando te vi bajar del camion azul, supe. La sangra ancestral no miente, mbohapy. (Quando de te vi descendo do caminhão azul, eu soube. O sangue antigo não mente, meu irmão.)

O tio Paco chegou do meu lado calado, respeitava muito aquele índio velho, tirando o chapéu em sinal de respeito:

— Don Saturnino Yvytu ya te reconoció, Beto. Aquí, él es el viento que habla. (Don Saturnino Yvytu já te reconheceu, Beto. Aqui, ele é o vento que fala.) — Me disse o uruguaio exclamando com os olhos.

O velho apontou pro redondel:

—Ese potrillo negro, nadie lo toca hoy. Pero tú… tú sí puedes. Haz lo que te enseñó Miguelito. Respiren juntos, golpee su pecho, invoque a Tupã. El caballo sentirá que eres de los suyos. (Aquele potro preto, ninguém toca nele hoje. Mas você… você pode. Faça o que Miguelito te ensinou. Respirem juntos, bata no peito, invoque Tupã. O cavalo sentirá que você é gente dele.)

Na hora me senti estranho, outro arrepio me percorreu a espinha, mas eu sabia exatamente o que fazer na frente daquele povo estranho.

O velho ficou apontando o cavalo e fazendo gesto com as mãos para eu entrar no redondel.

Tirei camisa, bota, meia. Fiquei só de calça, descalço na terra quente, me lembrei exatamente como o velho Miguelito fazia lá na fazenda do meu pai. Me vi outra vez como menino, sentado na última tábua da curralama, olhos arregalados, roendo as unhas, vendo o baixinho magrelo descalço e sem camisa, faixa de ramas e penas coloridas na cabeça, encarando os imensos mangalargas paulistas que meu pai possuía.

Fiz um sinal com a mão, Yamila veio correndo,

entreguei o chapéu pra ela, que revirou os olhos me medindo enquanto passava a língua naqueles lábios pecaminosos. (Era safada)

A peonada toda quieta.

Entrei no redondel. O appaloosa rodava, bufava, relinchando com o focinho espumando. Parei no centro. Bati três vezes forte no peito com os punhos cerrados, mãos cruzadas, do mesmo jeito que o Miguel fazia — levantei o rosto pro céu e gritei:— “Tupã sy…Tupã ra’y… Dá-me tu fuerza Tupã…” —Tentei fazer mais ou menos como o magrelo fazia!

Bati de novo no peito, mais forte, encarando o cavalo. O apalooza parou. Baixou a cabeça. Caminhei até ele com meu braço esticado. Ele esticou o pescoço, cheirou minha mão, tremeu inteiro, murchando as orelhas, encostou o focinho no meu peito nu. Cinco minutos depois eu estava montado, sem arreio, sem freio, só a cabeçada de corda e barbe-cacho no focinho, bem à moda índia antiga, galopando em círculo, o bicho manso como se eu fosse dono dele desde potrinho.

Confesso que aquilo me emocionou muito, parece que eu estava em outro mundo, meus amigos!

A peonada explodiu em grito, chapéu voando, assovio, “¡Indio blanco! — Até o viejo Don Saturnino sorrindo —¡Es el hijo del Miguelito!”

O Paco com o charuto quase caindo da boca, chapéu nas mãos, nem piscava!

Depois da façanha, o tio uruguaio mandou buscar reforço: chegaram seis caminhonetes lotadas de putinhas de Pedro Juan (umas quinze no total), sainha jeans curta, top de renda, biquíni por baixo, batom vermelho, perfume doce. Junto vieram dois conjuntos de chamamé, completos com acordeão, violão e guitarra. Montaram o palco na varanda, ligaram as caixas e o haras virou baile brabo. Credo em cruz!

Sem brincadeira, aquela tarde e noite, acho que o Paco me deu uns 1000 abraços, era exagerado, estava com um litro de whisky nas veias. Dancei me esfregando com todas até meia-noite. Depois, entre disputas escandalosas, Mercedes e Yamila arrastaram o “Índio Blanco” pro quarto de hóspedes, trancaram a porta e aconteceu o caos.

Comi as duas a noite inteira, revezando, de quatro, de lado, de frente, de boca, de tudo quanto é jeito. O que chupei aquelas bucetas meladas, não tá escrito. Mordi muita aquela bundona fofa da Yamila, affff… Gozei feito cavalo registrado, que no final elas estavam com a cara, o cabelo, os peitos e a barriga lambuzados, rindo e dizendo que nunca tinham visto homem “botar tanto leite”. Eu parecia outra pessoa sexualmente falando. Estava tarado além do normal, e nem tinha bebido tanto!

Quando saímos do quarto caçando água, já era madrugada alta, eu com minha calça rancheira encardida de dois dias de uso, botão e zíper aberto, todo riscado de unhas, marcas de dentes, elas só de calcinha, descabeladas, a peonada que ainda estava no baile ficou boquiaberta.

Um capataz velho do Paco me olhou espantado, tirou o chapéu, fez o sinal da cruz três vezes sorrindo malicioso, e na sequência soltou aquele apito de boca paraguaio, gritando beeeeeeeeeem alto e debochado.

“Yyyyp YpYp…Aaaaah ha haaaaaaaaa… uuuuááá…” — que farra, meu povo, que farra!

No outro dia, a história já era lenda no haras del urugayo: o índio loiro brasileiro invocou Tupã, domou o apalooza preto descalço e depois comeu as duas mulheres mais gostosas da festa até elas andarem tortas. Ali ganhei o respeito da peonada.

Eu fui sair do quarto só à tarde. Quando o sol amainou, sentei na varanda com Don Saturnino Yvytu. Ele preparou um tereré do Bueno geladíssimo, guampa de chifre grande, erva bem forte e gelo picado.

Tomávamos devagar, olhando o potreiro. —Me conta mais do Miguelito, Dom. Ele sorriu, de olho perdido no horizonte e foi falando…

— “Miguelito era pequeno, magro, mas ninguém mexia com ele. Uma vez, um touro brabo quase matou um peão na comitiva do teu abuelo, ficou de arribada (alongado, fugido), lá pras bandas de Aquidauana. Eu morava naquela época perto de Campo Grande, contaram que o Miguelito cantou três noites seguidas pro espírito do touro, até o bicho voltar manso e deitar a cabeça no chão, perto dos pés dele pra pedir perdão. Outra vez salvou teu abuelo de febre maligna com rezo e folha de guavirová. Teu avô pousava em algum lugar com a comitiva, e o índio ajudava algum doente ou picado de cobra da região com os rezo e fumaça, naquele sertão do Mato Grosso. Contava pra quem quisesse ouvir, sempre: “Eu devo a vida pra essa família. Enquanto eu respirar, eles andam protegidos.”

(E assim foi até o último socorro que ele me prestou, quando me entreguei querendo morrer, coisa que aconteceu no ano seguinte destes fatos que estou contratando pra vocês.)

Ficamos ali até o sol baixar, tomando tereré, fumando palha, o velho contando causos e eu sentindo o peso gostoso da saudade antiga virar força nova no peito. Quando o dia raiou outra vez, eu já tinha um “abuelito” na fronteira, um tio urugayo loco, muchas mujeres morochas calientes, um appaloosa preto que só aceitava minhas tralhas no lombo… e a certeza de que aquela viagem estava só começando.

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Passei dias de rei no haras do tio Paco. Fiquei exatamente quarenta e oito horas virando dono da Estância do Uruguayo. O tempo perdeu o sentido: só existia sol rachando de dia, beira de piscina, whisky 12 anos de noite, charuto cubano queimando lento, mulher pelada andando pela casa gritando, como se fosse a coisa mais natural do mundo e o cheiro de pólvora misturado com sexo. O tio Paco tinha transformado a casa-grande num harém particular. Além da Mercedes e da Yamila, ainda tinha a Rosana (baixinha, peitão, bunda tatuada com rosa) e a Letícia (alta, pernas de jogadora de vôlei, buceta caprichosamente aparada com pêlos em forma de coração). As quatro andavam nuas ou só de calcinha fio-dental pela casa, servindo caña, acendendo charuto, ajoelhando pra chupar quando a gente mandava. E elas faziam sorrindo, olhos brilhando.

O uruguaio, já meio bêbado de Chivas Regal 12 anos, só ria e dizia:

— ¡Esto es vida de hombre, Beto! ¡En Uruguay nunca tuve tanto, carajo!

Mercedes e Yamila já tinham decidido que eu era delas. Quando viam a Rosana ou a Leticia se aproximando demais, a ciumeira explodia entre elas. Na segunda noite rolou a maior confusão. Bêbadas, Mercedes pegou a Rosana pelos cabelos na cozinha porque a coitadinha tinha se sentado no meu colo. Yamila entrou na briga defendendo a amiga, Letícia tentou apartar e levou um tapa na cara (coisa comum em um ambiente daquele). Em dois minutos as quatro estavam se estapeando, rolando no chão de cerâmica, peitos balançando, calcinha rasgando.

Eu e o Paco assistimos sentados no sofá, só de zorba, pernas esticadas na mesa de centro com os copos nas mãos, rindo alto.

Ele gritou: — Gurí, quien gane te llevará entre sus piernas! (Garoto, quem ganhar vai te agarrar entre as pernas.)

No final eu separei, peguei Mercedes e Yamila cada uma por um braço, levei pro quarto e tranquei a porta. Comi as duas com força, uma em cima da outra, até elas chorarem pedindo perdão e jurando que nunca mais brigariam por minha causa.

Quando saímos do quarto, as duas andavam tortas, pernas tremendo, marcas dos meus dentes nas costas, pescoço, barriga e coxas.

A Rosana e a Letícia aplaudiram de inveja, mas o uruguaio botou ordem na casa, dizendo que levaria embora quem brigasse e traria outra no lugar. Ali morreu o assunto!

Naquele dia, o tio Paco me levou pra conhecer sua sala de armas. Era um quarto blindado climatizado que parecia museu.

Ele era colecionador doente.

Tinha de tudo: Winchester Modelo 70 calibre .375 H&H (para caça grossa africana).

Uma carabina M1 Garand original da Segunda Guerra. Dois revólveres Colt Python .357 cano 6 polegadas, um niquelado, outro azul

Uma escopeta Ithaca 37 police com coronha de nogueira. Uns três rifles de precisão: um Remington 700 em .308 com luneta Leupold 10x, um Mauser 98k alemão restaurado e um raro Parker-Hale M82 (o mesmo que os snipers britânicos usaram na Guerra das Malvinas).

E o xodó dele: uma FN FAL paraquedista belga, cano curto, seletor de rajada, ainda com a marca do exército argentino. Aquele uruguaio era foda!

Ele estava me especulando, querendo saber se eu tinha noção de armamentos pesados, e nessa fui relatando minha passagem pelo exército em minha juventude, ele prestando atenção em tudo que eu falava. Depois de babar olhando aquele arsenal bélico, o tio me chamou para um desafio de pontaria no fundo do casarão, local onde fez um paredão alto de terra cheio de alvos pendurados em estacas fincadas no chão, outros em árvores, cavaletes e sobre mesinhas feitas de madeira. Tudo pintado em branco, preto e vermelho.

Primeiro me entregou o Remington 700 e apontou pra um gongo de aço que estava uns 400 metros, pendurado numa árvore. Me deu umas dicas no manuseio e ordenou, parecendo um capitán de infantería:

— A ver, soldado paulista… mostra pro uruguaio o que aprendeu no teu Ejército. Peguei o rifle, deitei no chão, ajustei a luneta, respirei fundo, soltei o ar, como me ensinaram no 2º BI e BG. Três tiros: clang… clang… clang. O gongo dançando.

Paco abriu a boca:

— ¡La puta madre… sos máquina, Beto! (Era exagerado o uruguaio)

Depois peguei o FAL, velho conhecido, foi baba… coloquei seletor em rajada, destruí uma fileira de garrafa de cerveja a 100 metros em menos de cinco segundos. O uruguaio me abraçou, olhos marejados de whisky:

— ¡Si los argentinos tuvieran diez como tu en las Malvinas, hoy la bandera diría: albiceleste, carajo! (Se os argentinos tivessem dez como você nas Ilhas Malvinas, hoje a bandeira diria: branco e azul, caralho!)

O homem estava se divertindo com aquela nossa brincadeira!

Depois pediu para eu buscar o meu revólver. Aquele uruguaio “hijo de puta”, fazendo graça, quase mijou de tanto rir, dizendo que não ficava bem, um homem com o meu tamanho e um tremendo “calibre de polla”, andar com aquela arminha de brinquedo, “para matar escarabajos” (besouros). Nem tive argumentos diante daquele arsenal de guerra!

Passamos a tarde atirando, bebendo, ouvindo discos do Johnny Cash (foi a primeira vez que escutei “ghost riders in the sky” — ele se emocionava ouvindo aquela) outras de filmes de faroeste, contando causos. Ele falava das guerras de contrabando dos anos 70, das noites de amor em Punta del Este com modelos argentinas, me mostrou algumas cicatrizes, falou da época de jovem quando comprava cavalos e domava junto com o pai, contou das vezes que quase morreu na fronteira com o Brasil. Eu contava das comitivas do meu avô, pai e tio, dos dias e madrugadas tocando berrante no ofício de ponteiro, do cheiro de gado e da tropa suada que nunca sai da pele, conquistas amorosas, algumas molecagens de poucos anos atrás…

À noite era sempre a mesma coisa: charuto cubano Cohiba aceso, Chivas 12 anos no copo de cristal, mulheres nuas servindo, música paraguaia alta, e eu no centro do sofá, rei absoluto daqueles dias naquele palácio de pecados. Uma hora, o tio Paco já bêbado, me puxou pro canto e falou com a voz embargada, quase chorando:

“— Beto… fica mais uma semana. Te dou metade do haras, te dou as quatro mulheres, te pago em dólar, te dou quantos apaloosas pretos quiser… só não vai embora ainda, gurí.”

Eu ri, abracei o velho uruguaio:

— Tengo que voltar, tio loco. O Véio tá esperando os cavalos, e eu… ainda tenho mucho Paraguai pra conhecer. Ele enxugou umas lágrimas fingindo que era suor, rindo rouco:

“— Então leva os melhores cavalos… e leva também a fama de que o loiro brasileiro domou o haras inteiro: cavalo, mulher e dono.”

Na manhã da partida, eu doido pra conhecer a famosa Asunción, as quatro choraram na porta, fazendo manha, beicinho. Mercedes e Yamila queriam ir comigo. Tive que prometer voltar em breve. O tio Paco ficou magoado de verdade, bravo. Negociamos, e por fim acabou me vendendo quatro garanhões puro-sangue quarto de milha, alazões cor de sangue e o appaloosa preto, e me deu caixas de charuto cubano de presente que era pro Véio.

Saí do haras pela manhã coração leve e a bolsa dos dólares ainda mais. O uruguaio, ainda de robe de seda azul, charuto na boca e olhos vermelhos de Chivas, me abraçou forte na porta do casarão, me agarrou pelas orelhas e disse:

— Los cinco mejores sementales son tuyos, e del viejo, Beto, puto… 30 % de descuento por la amistad y por el espectáculo que diste.

(Os cinco melhores garanhões são teus e do velho, Beto, seu puto… 30% de desconto pela amizade e pelo espetáculo que você deu.)

—Y no te preocupes con nada: yo mismo me encargo de llevarlos hasta la fazenda del Véio. Tengo gente en la Policía Nacional, en la Aduana, en el SENACSA, en el Ministerio… nadie va a tocar un pelo de esos caballos. En quince días llegan limpitios, con guía GTA, factura y todo lo que el viejo necesita. Vos solo disfrutá Paraguay, gurí. (E não te preocupa com nada: eu mesmo me encarrego de levar eles até a fazenda do Véio. Tenho gente na Polícia Nacional, na Alfândega, no SENACSA, no Ministério… ninguém vai tocar num pelo desses cavalos. Em quinze dias chegam limpinhos, com guia GTA, factura e tudo que o velho precisa. Tu só aproveita o Paraguai, guri.)

Beijei as quatro mulheres (Mercedes e Yamila chorando de verdade, Rosana e Letícia prometendo rezar por mim), dei um último tapa na bunda de cada uma, subi na F-1000, olhei no retrovisor, liguei o rádio na Ñandutí e saí cavucando, cantando pneu na estrada de terra vermelha, ouvindo o Tio Paco descarregando o revólver para o alto, enquanto as moças acenavam as mãos.

Pensei muito na proposta dele durante o trajeto até Assunção. Não que eu precisasse, mas aquela farra toda mexeu comigo!

“Salário gordo em dólar…, farra e mulheres à vontade…”

Confesso a vocês que quase virei o volante de volta umas cinco vezes. Mas alguma coisa dentro de mim dizia que a viagem ainda tinha muito chão pela frente.

Eu na minha inocência nem imaginava o quanto!

O uruguaio tinha me ensinado muitas coisas, me deu vários avisos sobre as noites daquele país e outros mais sobre as famigeradas paraguaias. Ele era um homem vivido, e lendo a minha bula, sabia que eu queria me divertir, e apesar de não ser mais criança, eu tinha muito que aprender naquele chão estrangeiro. Me deu dicas de onde me divertir e locais a serem evitados em Assunção.

Quando cheguei na capital paraguaia já era fim de tarde. O céu estava roxo, cheirando a jasmim, diesel e promessa de sexo. Deixei a F-1000 no estacionamento do Hotel Guaraní, peguei um quarto com vista para a Plaza de los Héroes, joguei as bolsas na cama, tomei banho frio, depois me vesti no estilo cowboy texano, camisa xadrez aberta até o umbigo, chapéu branco, imitando o tio Paco, calça jeans justa que marcava o volume do cacete e bota engraxada.

Desci pra rua feliz, Assunção naquele ano era um delírio de cores, sons e cheiros:

Calle Palma fervendo: lojas de eletrônicos, cambistas gritando “¡Dólar, real, guaraní!”, tereré gelado em cada esquina, mulheres de saia justa, batom vermelho nos lábios, olhando o loiro alto de olho verde como quem olha ouro em pó. Muito Chevette, Gol quadrado, Fiat Uno mille de brasileiros por todos os lados. Música saindo dos bares: “Ese Hombre de Myriam Hernández, Los Ojeda, chamamé ao vivo…

Na primeira noite andei bastante, soltinho, e como se diz lá no meu amado oeste paulista, “com a corda de arrasto”, sentindo o pulso da cidade, nem me lembrava de mágoas passadas, das minhas muitas obrigações com o Véio. Eu parecia uma criança!

Jantei no Lido Bar uma sopa paraguaia buena, mandioca frita, asado de tira com duas Pilsen geladas. A garçonete vendo meu sotaque, já sorriu maliciosa:

— ¿Brasileño guapo? ¿Primera vez en Asunción? Preparate… aquí las mujeres se enamoran rápido y matan más rápido todavía.

(Brasileiro bonito? Primeira vez em Assunção? Se prepara… aqui as mulheres se apaixonam rápido e matam ainda mais rápido.)

Na saída do Lido, uma morena de vestido azul colado encostou em mim:— ¿Querés pasear, papi? Te muestro la ciudad… y después vos me mostrás lo que está marcando esa jeans. (Queres passear, paizinho? Eu te mostro a cidade… e depois você me mostras o que está marcando essa calça.)

A moça tinha corpo de violão, boca carnuda, perfume de vainilla. Linda mesmo! Em vinte minutos estávamos no meu quarto do hotel. Comi ela de frente pro espelho da varanda, vendo as luzes refletidas nos vidros. Ela gritava em castelhano:

—¡Rubio, qué pedazo de polla! Me va a destrozar, papi.

Mordi e chupei ela inteira, e a bandida resmungando, fazendo charme, toda desalinhada, jogando os cabelos pros lados:

—¡Niño travieso, qué lengua tan caliente en mi culito!

Gozei tanto que escorreu pelas coxas dela até o tapete. Ficou até o amanhecer, falando que queria ser minha “novia”. Dei 50 dólares e mandei embora com um beijo demorado.

Assunção tinha acabado de me dar as boas-vindas oficiais. E os dias seguintes foram de puro fogo. Conheci o Panteón, Palacio de López, Galeria Jebai… e mujeres, muchas mujeres.

Mas a cidade guardava a bomba-relógio pra última noite. Sexta-feira, Bar San Roque, a terceira caña com gelo, eu toda vida fraco para o álcool…

Ela entrou feito um pé de vento no ambiente!

Cabelo preto, bem liso, até a cintura, vestido vermelho justo, pernas intermináveis, olhos cor de mel com pintas douradas que pareciam manchas de sol refletindo dentro d'água. Cheiro de perfume Chanel nº 5 misturado com buceta no cio.

Sentou do meu lado sem pedir licença e falou em português enrolado, sotaque doce de encarnación:

— Me llamo Maricruz… y vos sos el brasileiro que está deixando media Assunción sin dormir, ¿verdad, guapo? (Me chamo Maricruz… e tu és o loiro que está deixando louca toda Assunção, né, lindo?)

Maricruz, que mujer… Madre de Dios! 1,70 m de altura descalça, corpo esculpido por Deus num dia de inspiração: cintura tão fina que minhas mãos quase se fechavam inteiras, quadril largo de fêmea paraguaia parideira, bunda redonda e alta, daquelas que estica o vestido como se fosse explodir, pernas longas e grossas na medida certa, coxas que tremiam quando andava. Peitos grandes, pesados, redondos, mamilo marrom-escuro quase aparecendo pelo decote profundo.

Sorri, já sentindo o pau ganhando vida dentro da calça.

—Prazer, sou o Beto. E você deve ser o motivo de metade dos homens dessa cidade andarem babando pela rua igual a boi com febre aftosa. Linda assim, sozinha, não tem namorado?

Ela riu, passando a língua pelos lábios bem devagar.

— Casada, papi. Muy casada. Com dono de terras em Ñe’embucú e de três boates aquí en la capital.

Sendo como sou, levantei o copo. — Então vamos brindar enquanto ele não aparece, meu anjo.

Em quarenta minutos estávamos no meu quarto do Guaraní.

Foi uma luta, meu povo. Quando tirei a calcinha preta de renda, quase caí de costas. Era muito gostosa, demais, aquela fêmea paraguaia.

Surpresa foi quando ela viu meu pau pular pra fora — brabo de tudo, veias saltadas, cabeçona rosada brilhando — arregalou os olhos:

— ¡Dios mío… eso no entra en mujer, eso entra en yegua! (Meu Deus… isso não entra em mulher, isso só entra em égua!)

Ela me agarrou pela nuca, invadiu minha boca com a língua aflita, nos despimos com pressa, afoitos, um querendo entrar dentro do outro.

Empurrei ela na cama e comecei chupando os dedinhos dos pés, lindos por sinal, quando invadi sua bucetinha, que tinha um filete de pêlos parecendo um retângulo, bem aparados, a paraguaia gritou como se eu estivesse enfiando uma faca na sua barriga, fez um escândalo daqueles …

E quando soquei a bitela, fui empurrando devagar. Ela gritou, cravou as unhas nas minhas costas, lágrimas escorrendo:— ¡Me estás rompiendo, papi… ay, me duele… pero no pares, por favor… nunca sentí algo tan grande dentro de mí!

(Tu estás me rasgando, papi… ai, dói… mas não para, por favor… nunca senti algo tão grande dentro de mim!)

Chorava de dor e prazer ao mesmo tempo, pernas tremendo, boceta apertada tentando engolir tudo, a pele quente, saliva doce. Quase gozei dentro dela nas primeiras socadas. Mari soluçava, feliz:

— ¡Llename, guapo… quiero que me dejes marcada para siempre! (Me enche, lindo… quero que me deixes marcada pra sempre!)

Quem nunca esteve com uma mulher que fala em castelhano, ouvindo ela gemer, alucinada, aquele converseiro sem parar, choramingando e hablando, hablando, enquanto a rola tá entrando, puta que pariu, não sabe o que está perdendo!

Passamos o final de semana quase que inteiro deitados.

Fomos em Motéis, trepamos feito dois animais… passeamos feito namorados. Comi ela de todo jeito, até ela ficar rouca de tanto gritar, a buceta ficou vermelha e inchada, coxas marcadas de dedo, e muitas lágrimas de felicidade cada vez que eu chegava fundo naquela fenda macia muy caliente. No cuzinho só a língua, e quando eu tentava, destampava falar querendo chorar, fazendo manha, rebolando de costas pra mim, jogando os cabelos:

—No, papi, tengo miedo, me va a doler mucho, es un monstruo, es muy espeso. No me hagas daño, amor…

Olha meu povo, eu sabia que o Paraguai ia me pegar um dia.

Meu tio, o Brancão véio, irmão mais novo do meu pai, costumava dizer quando eu era novo:

— Óia Beto, paraguaia é igual veneno doce: ocê bebe sorrindo e morre feliz.

Naquela época ele me levava escondido pras zonas do Mato Grosso do Sul. Casas de madeira pintada de rosa, luz vermelha, cheiro de perfume barato e tereré. Mulheres paraguaias morenas, peitão, bunda empinada, falando “papi” com voz rouca. Eu ficava olhando, duro que nem mourão, enquanto o tio sumia no quarto com duas ou três. Voltava horas depois, camisa rasgada, batom no pescoço, rindo:— Aprende, meu fio, paraguaia quando gosta, gosta com faca na cinta.

Eu nunca esqueci aquela lição!

No domingo bem no começo da noite recebemos uma ligação no meu quarto, ela estava nua na cama, fumando Hollywood, após voltar o telefone no gancho ela falou com voz baixa assim como seus olhos: — Mi marido ya sabe todo. (Meu marido já sabe de tudo.)

— E agora? — perguntei!

—Que va a mandar matarte… y después a mí también. (Que vai mandar te matar… e depois a mim também.)

Ela se jogou em cima de mim chorando :

— ¡Llevame contigo al Brasil, guapo… prefiero morir a tu lado que vivir sin vos! (Me leva contigo pro Brasil, lindo… prefiro morrer do teu lado que viver sem você!)

Maricruz ainda estava nua, linda, enrolada no lençol branco, corpo marcado das minhas mordidas e apertões, buceta inchada de tanto levar vara, olhos vermelhos de chorar de prazer e agora de medo.

Quem avisou a Maricruz foi a amiga, uma que segundo ela, trabalhava em uma das boates do marido e viu quando ele recebeu uma foto nossa saindo de um motel. Já ligou correndo pra ela gritando: —¡Corre, loca, que te va a matar! ¡Seguro! (Corre, sua louca! Ele vai te matar! Tenho certeza disso!)

O corno devia aprontar as dele, mas tinha aquela sensação de posse com a esposa gostosona, e mantinha detetives no encalço dela.

E lá estava eu, o bonitão, envolvido na confusão até os pêlos da sobrancelha! (Rsrsrsrsss)

Eu já estava de calça jeans, camisa aberta, o 38 cano longo enfiado na cintura, mandando ela se arrumar e me acompanhar, bolsas na mão, a mente já bolando um plano de fuga ou enfrentamento, até porque eu não ia deixar aquela lindeza sozinha e com aquele abacaxi no colo pra ela descascar sozinha. Mesmo naquela idade eu já tinha enfrentado situações quase como aquelas, onde pais atentos, namorados enciumados, noivos preocupados e maridos raivosos haviam me jurado de morte.

O corno dela teria que entrar na fila. Como dizia o meu tio: “Só tenho medo de ir pro inferno e depois descobrir que a cerveja de lá é quente e não tem muié”.

Calcule a falta de juízo de um rapaz com fogo demais na rola! (Kkkkkkkkk)

E foi nesse vai-lá, vem-cá, eu tentando coordenar as ideias, que o santo telefone tocou de novo, e para minha grata surpresa era o Paco, voz calma mas urgente:

— Beto, estoy en la entrada del hotel con cuatro hombres fuertemente armados y dos vehículos blindados. Dom Yvytu me advirtió, vio sangre, tu cara y a una mujer vestida de rojo. Dijo que si no te sacaba de aquí hoy, te enterrarían mañana. Baja ya, muchacho. (Beto, estou na entrada do hotel com quatro homens fortemente armados e dois veículos blindados. Dom Yvytu me avisou; ele viu sangue, seu rosto e uma mulher vestida de vermelho. Ele disse que se eu não te tirasse daqui hoje, eles te enterrariam amanhã. Desça agora, garoto.)

Desliguei. Olhei pra Maricruz. — Veste rápido, muchacha. Nos vamos agora mismo.

Ela obedeceu sem perguntar. Vestiu o vestido vermelho que eu havia rasgado a alça na hora da vontade, nem calcinha colocou, pegou a bolsa pequena e os sapatos na mão. Saímos pelo corredor de serviço, descemos a escada dos fundos. No saguão dos empregados, o tio Paco já esperava, de terno branco impecável, charuto aceso, quatro paraguaios grandalhões atrás dele parecendo armários, dois com uma pistola em cada mão, outros dois com escopeta calibre 12 cano serrado, todos de colete à prova de bala por baixo da camisa.

Paco me viu, abriu aquele sorriso de uruguaio safado e falou alto, sem se importar com quem ouvisse:

— ¡Mirá vos, gurí… te dije que paraguaya era peligrosa y vos te fuiste a meter con la más brava de todas! — apontando a mão pra Mari. (Olha só, guri… eu te disse que paraguaia era perigosa e você foi se meter logo com a mais brava de todas!)

Maricruz baixou a cabeça, envergonhada. Eu ri, apertei a mão dele, trocamos um abraço apertado:

— No me reclamo, tío. Vale cada tiro que vão dar en mi rabo. E o senhor não precisava ter vindo até aqui, eu dava conta!

O uruguaio deu uma risada debochada, balançando a cabeça, nem dando bola pro que eu falava enquanto roncava valentia, e gritou pros seguranças:

— ¡Vamos, muchachos! Hoy le salvamos el pellejo al rubio más mujeriego del Brasil! (Vamos, rapazes! Hoje salvamos o couro do loiro mais mulherengo do Brasil!)

Um dos seguranças, o mais alto, chamado Carlitos (gente boa demais), apontou para minha F-1000 estacionada na rua: — Don Paco, ¿la camioneta del rubio también viene con nosotros? (Don Paco, a caminhonete do loiro vem com a gente também?)

Paco bateu no ombro dele: — ¡Claro, carajo! Esa F-1000 vale más que tres de mis Hilux. Vos la llevás atrás, Carlito. Nadie deja caballo de raza en la calle cuando hay guerra. (Claro, caralho! Essa F-1000 vale mais que três das minhas Hilux. Tu leva atrás, Carlitos. Ninguém deixa cavalo de raça na rua quando tem guerra.)

Carlitos sorriu, pegou as chaves que eu joguei no ar, entrou na minha caminhonete e ligou o motor. O ronco do MWM ecoou na noite. Paco abriu a porta traseira da primeira Hilux preta blindada:

— Subí, Beto. Y traé a la reina también. (Sobe, Beto. E traz a rainha também.)

Maricruz entrou tremendo, enrolada no lençol. Eu entrei atrás. Paco sentou na frente, dois seguranças na outra, Carlitos dirigindo minha F-1000 logo atrás da segunda Hilux. Saímos em comboio, faróis baixos, voando pela Mariscal López rumo à Ruta 1.

No caminho de volta (mais de 300 km de noite fechada), o tio Paco não parou de tirar sarro da minha cara. Acendeu outro Cohiba, tragou e começou:

— ¿Sabés que tuve que avisar a media Assunción que iba a buscar al famoso Beto Boiadêro porque sino me mataban a mí también? — (ele estava se referindo à promessa do meu padrinho) — (Sabes que tive que avisar metade de Assunção que ia buscar o famoso Betão Boiadeiro porque senão matavam a mim também?)

Riu alto, bateu no painel. — Llamé al jefe de policía, al coronel, al gerente del Shopping… todos me preguntaron: “¿Ese rubio hijo de puta todavía está vivo?”. ¡Tu fama ya cruzó la frontera antes que vos, gurí! (Liguei pro chefe de polícia, pro coronel, pro gerente do Shopping… todos me perguntaram: “Esse loiro filho da puta ainda está vivo?”. Tua fama já cruzou a fronteira antes de ti, guri!)

Maricruz, encolhida no banco, murmurou:

— Perdón, Don Paco… yo no quería causar tanto problema… (Desculpa, don Paco… eu não queria causar tanto problema…)

Paco olhou pelo retrovisor, piscando pra ela:

— Tranquila, mi reina. Si el problema tiene tetas así y culo de yegua premiada, yo lo cargo encantado. (Fica tranquila, minha rainha. Se o problema tem peitos assim e bunda de égua premiada, eu carrego feliz.)

O segurança riu alto. Paco virou pra mim, sério por dois segundos:

—En serio, Beto… Dom Yvytu nunca se equivoca. Te saqué de ahí con vida hoy por respeto al Viejo y porque te quiero como a un hijo… ¡Pero la próxima vez avísame con anticipación para poder llevar un tanque y no solo cuatro hombres! (—Sério, Beto… Dom Yvytu nunca erra. Eu te tirei de lá vivo hoje por respeito ao Velho e porque te amo como um filho… mas da próxima vez me avisa antes para eu trazer um tanque e não só quatro homens!)

Depois eu soube durante o conturbado trajeto de volta. O índio velho teve seus pressentimentos e visagens, avisou o Paco dizendo que ainda dava tempo de me tirar da encrenca, logo que ele chegou na fazenda. O “tio loco” já mandou avisar meio mundo. Ele também acertou minhas despesas, me tirando daquela arapuca paraguaia que eu, na minha santa inocência, achava que resolveria com meia dúzia de botinadas e socos de quebrar lajota.

Eu já tinha arrumado encrenca em praças, ruas, churrascos, rodeios, zonas, bailes, contra um, dois, três e até mais… Só que aquilo era confusão pra gente grande e munição de calibre grosso!

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Chegamos no haras de madrugada. Porteira aberta, luzes acesas, peonada armada e de prontidão fazendo ronda a cavalo desde a porteira de entrada da fazenda, Don Saturnino Yvytu em pé na frente do casarão, olhar perdido, como se em transe. Carlitos estacionou minha F-1000 do lado da casa-grande como se fosse carro de filho pródigo voltando pra casa. Mercedes e Yamila correram pra me abraçar. Viram Maricruz descendo só de lençol e vestido rasgado, descabelada, maquiagem borrada de chorar, e o ciúme já acendeu de novo. Paco desceu rindo, batendo palma:

— ¡Tranquilas, muchachas! Hoy trajimos una reina nueva… pero el rubio sigue siendo de todas… y la F-1000 volvió sin un riesgo!

(Fiquem tranquilas, meninas! Hoje trouxemos uma rainha nova… mas o loiro continua sendo de todas… e a F-1000 voltou sem um arranhão!)

Assim que a poeira baixou, O Paco dispensou parte da peonada, colocou a mulherada pra dentro da casa explicando que confusão era aquela, e quem era a gostosona quase pelada… eu fui falar com o índio velho, agradecer. Antes mesmo de eu abrir a boca, ele sorriu me olhando bem fundo nos olhos, colocou a mão no meu peito dizendo que estava feliz por eu estar bem, e por estar de volta na fazenda. —Te doy la bienvenida nuevamente. Nada mais me disse, virou as costas se espreguiçando cansado, bocejando e foi caminhando descalço sem pressa de volta para sua casa, até sumir da minha vista, só deixando um rastro de paz no meu peito.

E assim, entre charuto cubano, tereré gelado e mulheres disputando minha atenção, a noite terminou com a sensação de quem tinha escapado por um triz… e ainda trouxe a caminhonete inteira.

Acordei com o sol já alto, boca seca de tereré e muitos cigarros, e a cabeça confusa por conta de tudo que aconteceu.

O tio Paco, esperto que só, já tinha resolvido a guerra de ciúmes na casa antes que virasse briga de unha:

“— Hoje eu cuido das duas morenas do Pedro Juan! — gritou ele, agarrando Rosana e Letícia pelos cabelos. — Você, Beto, fique com as três rainhas: Mercedes, Yamila e a novata, Maricruz! Assim ninguém vai reclamar.” E assim foi.

A tarde inteira virou bagunça de mansão de rico. A piscina semi-olímpica do haras estava cheia de água gelada, mulheres semi-nuas correndo, gritando, jogando água, se empurrando de brincadeira.

Mercedes e Yamila de biquíni fio-dental, peitos quase pulando, marcando território nas minhas pernas.

Maricruz de vermelho (o mesmo vestido rasgado agora servindo de saída de praia), corpo perfeito brilhando de óleo, sentada na beira da piscina olhando pro horizonte, pensativa. Eu no meio, usando uma sunga apertada que o Paco me emprestou que mal escondia o sucuri, tomando caipirinha que as duas serviam direto na minha boca, enquanto uma massageava meu peito ou as costas. De vez em quando uma delas “acidentalmente” empurrava a outra na água, gritava “¡Puta!” e saía correndo, rindo, bunda balançando.

Que vida marvada aquela!

Eu só ria e aproveitava pra agarrar quem passasse mais perto. O tio Paco, do outro lado da piscina, de short florido e charuto na boca, tinha Rosana e a Letícia fazendo o mesmo com ele entre risinhos e beliscões nas polpas das bundas.

Gritava pra mim entre uma tragada e outra todo debochado:

— ¡Mirá, gurí! ¡Esto es vida de hombre! ¡Y vos todavía tenés tres… yo solo dos porque soy viejo y tengo que dosificar!

(Olha, guri! Isso é vida de homem! E tu ainda tem três… eu só duas porque sou velho e tenho que dosificar!)

Maricruz, mais quieta, veio sentar do meu lado, pernas dentro d’água, olhar perdido, triste:

— Estoy pensando, guapo… dejé todo por vos. Casa, ropa, vida… (Estou pensando, lindo… deixei tudo por você, Casa, roupa, vida…)

Paco ouviu, levantou de um pulo falando alto:

— ¡Y yo te ayudo a empezar de nuevo, reina! Te doy casa, te doy plata… ¡lo único que no te doy es pija porque ya entraste en el fierro del rubio! — fazendo aquela cara de safado. (E eu te ajudo a começar de novo, rainha! Te dou casa, te dou dinheiro… a única coisa que não te dou é pau porque tu já entrou no ferro do loiro!)

Todo mundo caiu na gargalhada. Até Maricruz sorriu, pela primeira vez desde Assunção.

No fim daquela tarde, o velho Don Saturnino Yvytu apareceu de novo, sereno como as águas de uma lagoa. Veio andando devagar, descalço, a mesma bombacha cinza, guampa de tereré na mão. Parou na beira da piscina, olhou a bagunça toda e abriu um sorriso quase sem dentes, olho brilhando de alegria:

— Te veo bien, mbohapy(irmão)… rodeado de vida, de mujer bonita, de risa.

(Te vejo bem, irmão… rodeado de vida, de mulher bonita, de riso.) El sangre antigo está feliz hoy. Miguelito estaría orgulloso. (O sangue antigo está feliz hoje. Miguelito estaria orgulhoso.)

Bebeu um gole de tereré, me entregou a guampa, tocou meus cabelos, meu peito, testa, rosto, ombro e foi embora, deixando só paz no ar.

O tio Paco era homem de resolver as coisas, mandão, desbocado, debochado, bravo, valente, bem resolvido na vida, mas quando o velho bugre aparecia, ele baixava a bola, ficava quieto só observando com a sobrancelha levantada. Em locais como aquele, as pessoas costumam respeitar figuras como o velho Yvytu. Em grandes centros urbanos, o povo nem sonha com essas coisas.

O sol ia caindo vermelho atrás do potreiro.

Cinco mulheres, piscina, um velho índio sorrindo e o tio Paco gritando que ia mandar fazer mais caipirinha. Naquele dia o haras inteiro cheirava a mulher, cloro, charuto cubano e paz.

E a noite ainda estava só começando…

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Na manhã seguinte, o tio Paco bateu na porta da suíte às sete em ponto, já de chapéu panamá, camisa de linho branca aberta até o umbigo, correntão de ouro pendurada, e aquele sorriso de quem já tomou duas doses antes do café:

—¡Vamos a Pedro Juan, muchacho! Necesito ajustar cuentas, ver cómo va el negocio y tomarme un buen whisky. Además, quiero saber cómo están los caballos que envié al rancho de tu padrino. ¡Sube al Toyota ahora, carajo! (Vamos até Pedro Juan, garoto! Preciso acertar as contas, ver como vão os negócios e tomar um bom uísque. Além disso, quero saber como estão os cavalos que mandei para o rancho do seu padrinho. Entre na Toyota agora, caralho!)

Deixei as três mulheres dormindo emboladas na cama (Mercedes roncando de boca aberta, a índia babando no travesseiro com o bundão pra cima e Maricruz agarrada na minha camisa como se eu fosse sumir). Beijei a testa de cada uma e saí.

Partimos na Hilux prata sem pressa, som no talo com Los Ojeda, os “auxiliares sempre atrás”, estrada de asfalto rachado, poeira vermelha subindo. Quase três horas depois, estávamos em Pedro Juan Caballero, fronteira viva, cheiro de perfume barato, cigarro paraguaio e gasolina batizada.

Paramos na casa de um amigo dele, um tal de Coronel que na verdade, era um capitão aposentado que vivia de leves contravenções e alguns “descaminhos” jurídicos/fiscais. O Capitán também se encarregava de enviar recados para o tio Paco, era um olho dele na fronteira.

O homem ficava em um escritório com porta blindada, ar-condicionado gelando as paredes cheias de fotos de cavalos e mulheres peladas. Na mesa: garrafa de Old Parr 12 anos, gelo picado, copo caro de cristal.

Enquanto Paco fechava negócio de whisky, pepitas de ouro e outras coisas, tomei a liberdade, peguei o telefone de uma mesa desocupada e comecei a marcar o número da fazenda do Véio nas teclas.

Queria contar sobre os cavalos, ouvir a voz do velho, matar a saudade do oeste paulista. Paco viu, chegou mansinho, parecendo onça na capoeira, tirou o fone da minha mão com jeitinho e desligou.

— Dejá, Beto… todavía no. (Deixa, Beto… ainda não.) Olhei estranho, querendo saber o porquê daquilo— Por qué, tío?

Ele encheu o copo até a boca, acendeu outro Cohiba, tragou fundo e falou com voz rouca, olho marejado de verdade:

— Porque si escuchás la voz del Véio ahora… vas a querer subir en la F-1000 y salir disparado pra Sao Pablo hoy mismo.

(Porque se tu ouvir a voz do Véio agora… você vai querer subir na F-1000 e sair disparado pra São Paulo hoje mesmo.)

—Y yo no quiero que te vayas todavía, gurí. (E eu não quero que tu vá embora ainda, garoto.)

Puxou uma cadeira, sentou do meu lado, pôs a mão pesada no meu ombro:

— Me encariñé con vos, carajo. Hace años que haras no tenía tanta vida, tanta risa, tanta mujer hermosa corriendo. (Me apeguei a ti, caralho. Faz anos que o haras não tinha tanta vida, tanta risada, tanta mulher bonita correndo.)

—Vos sos como lamparina en noche de verano: donde vos estás, las mariposas más lindas vienen a quemarse las alas. (Tu és como lamparina em noite de verão: onde tu estás, as borboletas mais lindas vêm queimar as asas.) Quedate un poco más… dejá que el viejo uruguayo disfrute un poco más de su sobrino brasileño favorito. (Fica mais um pouco, deixe o velho uruguaio aproveitar mais um pouco do seu sobrinho brasileiro favorito)

Deu um tapa nas minhas costas, riu alto, mas os olhos estavam sérios.

(Depois eu fui saber, o uruguaio não fazia “festinhas” na fazenda, raramente)

— Además… los caballos ya están en Ponta Porã. Mi gente me avisó ayer. Llegan en la fazenda del Véio en pocos días, limpitos, con toda la guía. No hay apuro. (Além do mais… os cavalos já estão em Ponta Porã. Minha gente me avisou ontem. Chegam na fazenda do Véio em poucos dias, tudo certinho. Não tem pressa.)

Encheu meu copo, brindamos entre “putas-madres” e muitos “carajos”.

— ¡A la salud del rubio que hace llorar de placer a las mujeres y de envidia a los hombres! (À saúde do loiro que faz as mulheres chorarem de prazer e os homens de inveja!)

Bebi tudo de uma vez. O Old Parr queimou gostoso na garganta. Naquele momento eu soube: o Paraguai ainda não tinha terminado de me ensinar. E o tio Paco, com aquele jeito maluco e coração grande, não ia me deixar ir embora tão cedo, nem tão fácil!

Eu sempre fui fraco pra bebida, um copo já me deixava falando alto, dois me deixavam cantando chamamé errado, três então, me deixavam sem freio.

Naquela noite em Pedro Juan, eu já estava no sexto Old Parr com gelo, rindo de tudo, abraçando o Paco como se fosse meu pai. Foi quando ele decidiu fechar o dia com chave de ouro:

— ¡Vamos a ver a la reina de la frontera, gurí! ¡A la Zulema, la puta vieja más caliente del Paraguay! (Vamos ver a rainha da fronteira, guri! A Zulema, a puta velha mais gostosa do Paraguai!)

Chegamos na casa dela depois das oito da noite.

Uma casa rosa choque na rua principal da zona, luz vermelha na porta, música alta, cheiro de perfume doce, cerveja derramada e pecado.

Zulema tinha uns quarenta e poucos anos bem vividos: falo sem medo de errar, era um gata, gostosona, corpo de viola, cintura fina, bunda e peitos de quem já levou muito homem à falência, cabelo loiro oxigenado, batom vermelho sangue, vestido preto colado que mal segurava tudo. Quando viu o Paco, deu um grito que me assustou, que fez as meninas da casa pararem:

— ¡Paco, hijo de la gran puta! ¡Cuánto tiempo, mi amor! (Paco, filho da puta! Quanto tempo, meu amor!)

Abraço, beijo na boca, mão na bunda dela, tentativas de se afogar no decote depravado.

Depois me viu e arregalou os olhos:

— ¿Y este rubio alto quién es, carajo? ¡Mirá qué guapo! (Querendo saber quem era o loirão)

O filho da puta do Paco falou perto do ouvido dela, só que bem alto, pra todo mundo ouvir, com aquele jeito safado que só aquele uruguaio tinha, fazendo caras e bocas, o sacana:

— Ten cuidado, Zule… este es el famoso Beto Rubio. Dicen que tiene una pija que parece brazo de peón de estancia. (Contou quem eu era e que tinha uma rola parecendo braço de peão de fazenda).

Zulema abriu a boca, levou a mão ao peito, como se atingida por um tiro, e gritou pro salão inteiro ouvir, escandalosa e debochada, bem à moda paraguaia:

— ¡Noooooo, mentiiiiiiiira! ¡Mostrame, rubio! ¡Quiero ver si es verdad o si Paco está exagerando como siempre! (Ficou doida implorando pra eu mostrar a bitela)

As muitas putinhas da casa já pararam tudo.

Olhares brilhando. Eu, já bêbado pra um caralho, ri e comecei abrindo a fivela do cinto, botão da calça, abaixando o zíper…

Zulema bateu palma:— ¡Traigan sillas, chicas! ¡Esto es espectáculo de primera! (Tragam cadeiras, meninas! Isso é espetáculo de primeira!)

O Paco batendo palmas, charuto no canto da boca, chamando para perto as putinhas e quem quisesse ver a brincadeira.

Em dois segundos minha calça estava no joelho, zorba abaixada, meu pauzão meio borrachudão, querendo ganhar forma balançando, meia-bomba de tanto whisky, inchado pelo excesso de uso dos últimos dias. Foi um silêncio total.

Depois explodiu um coro:— ¡La puuuuuuuta madre! ¡Virgen santísima!

Zulema era maluca, caiu de joelhos na minha frente, olhos arregalados, boca aberta, se abanando e gesticulando muito as mãos, tapando e esfregando os olhos, fazendo o sinal da cruz:

— ¡Es un monstruo, Paco! ¡Déjame tocar, por Dios! ¡Déjame dar un besito al menos!

(É um monstro, Paco! Deixa eu tocar, por Deus! Deixa eu dar pelo menos um beijinho!)

O safado do Paco riu tanto que chorou de escorrer lágrimas nos olhos:

— ¡Dale, vieja puta! ¡Un besito nada más, que el resto es propiedad privada! (Vai em frente, sua puta velha! Só um beijinho, o resto é propriedade privada!)

Zulema não pediu duas vezes.

Com todo traquejo que só uma velha dama da noite tem, com carinho, como se estivesse diante de algo sagrado, beijou a cabeça rosada que fez estalar, abriu a boca até onde conseguiu, língua de fora, abocanhou até onde deu a peça de carne borrachuda, e me deu uma chupada longa, gemendo alto, revirando os olhos, como se fosse o último pau da Terra.

Depois olhou pra cima, batom borrado, e gritou:— ¡Nunca había visto nada igual! ¡Este hombre no anda, vuela! (Nunca vi nada igual! Este homem não anda, voa!)

As meninas aplaudiram, gritaram, algumas se abanando. A farra continuou: champanhe, dança pelada, Zulema sentada no meu colo o resto da noite, mão no meu pau por baixo da mesa. Em vários momentos, fazendo graça, arrancava minha rola da calça, mais beijos, roçando entre os imensos seios…

Foi uma putaria daquelas que se leva a recordação para o caixão. De fazer anjinho de oratório verter água pelos olhinhos!

O velho uruguaio estava mais feliz que leitão no barro, eu então, nem falo!

A noite foi avançando, entre uma dose e outra, Paco puxou conversa de estrada:

Fui contando coisas que ele queria saber sobre os negócios do Véio, andanças, e com o álcool escalando a copa do meu chapéu, relatei algumas aventuras, como comprar jornal e caçar anúncios de carros, como se o padrinho precisasse. O Paco ficou acesso querendo saber:

— Contame, Beto… vos ibas con el Véio a comprar camionete en San Pablo, ¿no? ¿Cómo era eso, carajo? (Me conta, Beto… vocês iam com o Véio comprar caminhonete em São Paulo, né? Como era isso, caralho?)

Eu, língua solta, contei:— Era assim, tio: eu lia um anúncio no jornal — “Fdiesel, único dono” — e já arrumava desculpa. Mas a verdade é que a gente ia direto pra uma casa de luxo em Marília, cheia de estudantes universitárias. Meninas de 19, 20 anos, todas gostosinhas, corpo de academia, querendo homem de chapéu, bota e bolso cheio. A gente chegava sexta, saía, na volta passava outra vez. Voltava com uma caminhonete nova e o pau dolorido. Paco batia na mesa, rindo e gritando:

— ¡Igualito yo, carajo! ¡El viejo es un hijo de puta genial! (Igualzinho eu, caralho! O velho é um filho da puta genial!)

A noitada acabou comigo carregado pra Hilux com o dia amanhecendo, todo mundo bêbado, Zulema beijando meu pescoço, brincando, falava que queria ir comigo pro Brasil, distribuindo tapas nas putinhas que queriam me tirar umas cascas. Que noite!

No caminho de volta, Paco falou baixo:

— Sobre la Maricruz… ya tengo todo pensado.

Le doy una casa en Capitán Bado, terreno, boutique de ropa en Pedro Juan. Capital yo pongo, ella paga quando puder. Nada de favores, nada de deuda eterna. La muchacha es linda, trabajadora… merece empezar limpia.

—Y vos, cuando te canses de Paraguay, sabés que ella va a estar bien. Porque yo cuido de los míos… y ahora vos y todo lo que es tuyo también es mío. (E você, quando se cansar do Paraguai, sabe que ela ficará bem. Porque eu cuido dos meus... agora você, e tudo que é seu, também é meu.)

Chegamos no haras quando o sol já estava alto no céu.

Eu vinha na boleia da Hilux, corpo mole, cabeça pendendo de lado, cigarro amassado na boca, cansado, vidro aberto, curtindo a brisa da manhã, cheirando a perfume barato, batom, saliva de uísque e puta. Minha camisa estava aberta até o umbigo, cheia de marcas de batom vermelho, unhadas e beliscões.

Paco dirigindo, cantando chamamé desafinado, charuto apagado na boca, rindo sozinho, às vezes me dava tapas e socos nas pernas me chamando de “ my hijo… índio blanco hijo de puta, mujeriego, sinvergüenza ”.

Quando as duas Hilux pararam no pátio, as cinco mulheres já estavam na varanda, de camisola ou só de calcinha, braços cruzados, cara de quem não dormiu esperando. Mercedes foi a primeira a sentir o cheiro:— ¡Qué olor a puta barata es este, carajo! (Que cheiro de puta barata é esse, caralho!) Yamila já veio apontando as marcas na minha camisa:— ¡Mirá los besos, mirá las marcas de uñas! ¡Nosotros aquí preocupadas y vos de farra con cualquiera! (Olha os beijos, olha as marcas de unhas! Nós aqui preocupadas e vocês de farra com qualquer uma!) Maricruz, mais quieta, só baixou a cabeça, não disse nada.

Rosana e Letícia também chegaram farejando o perfume diferente, batom borrado em nossas roupas. Eu tentei descer da caminhonete e quase caí. Paco me segurou pelo braço, deu uma gargalhada rouca e gritou pro céu:

— ¡Arriba los corazones, muchachas! ¡Hoy el rey volvió vivo y con historias! (Ânimo, meninas! Hoje o rei voltou vivo e com histórias!)

Depois, do nada, puxou o 357 niquelado da cintura e deu três tiros pro alto.

As mulheres levaram um susto, eu levei outro, os cachorros latiram, os cavalos relincharam.

— ¡Esto es para acordar el haras. — gritou rindo. (Isso é pra acordar o haras)

As cinco ficaram de cara amarrada, metade bravas, metade preocupadas. Mercedes e Yamila me agarraram cada uma por um braço:— ¡Mirá cómo estás, guapo! ¡Te van a matar de tanto whisky un día! (Olha como você tá, lindo! Um dia esse uísque te mata!) Me levaram pra dentro, me jogaram no sofá, arrancaram minhas botas, roupas, depois trouxeram café preto forte, água com limão, toalha molhada na testa.

Paco sentou na poltrona do lado, pernas abertas, e começou a contar tudo, exagerando:

— ¡Muchachas, tienen que ver! La Zulema se arrodilló delante de este animal… abrió la boca… ¡y le dio un beso y una chupada al bicho que parecía que iba a rezar missa! (Meninas, vocês tinham que ver! A Zulema se ajoelhou na frente desse animal… abriu a boca… e deu um beijo e uma chupada no bicho que parecia que ia rezar missa!)

As meninas faziam “ooooh” tapando a boca, entre bravas e morrendo de curiosidade.

— ¡Y después pidió más! ¡Y el rubio, borracho como estaba, dejó! ¡Yo lloraba de la risa, carajo! ¡Nunca vi Zule tan feliz en mi vida (E depois pediu mais! E o loiro, bêbado como estava, deixou! Eu chorava de rir, caralho! Nunca vi a Zule tão feliz na vida!).

Maricruz, ainda quieta, veio sentar no braço do sofá, passou a mão no meu cabelo e falou baixo:— Yo no estoy brava… solo tenía miedo que no volvieras. (Eu não tô brava… só tive medo que tu não voltasse.)

Eu puxei ela pro colo, beijei seu rosto.

— Volví, minha reina! (Voltei, minha rainha)

Paco levantou o copo de café (já misturado com conhaque): — ¡Brindemos, carajo! ¡Por el rey que llega borracho, con olor a mujer y todavía hace las cinco felices! (Brindemos, caralho! Pelo rei que chega bêbado, cheirando a mulher e ainda deixa as cinco felizes!)

E assim, entre bronca fingida, café forte, risada alta e cheiro de pólvora no ar, a manhã virou festa de novo. Porque naquele haras, até a ressaca era motivo pra comemorar.

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Adormecemos perto do meio-dia, espalhados pelos sofás da sala grande, eu, Paco e as cinco mulheres.

Nem teve safadeza dessa vez: o corpo pedia cama, a cabeça pedia silêncio.

Só ronco, perna embolada, cheiro de café velho e alambique no ar. Acordamos quando o céu já estava querendo escurecer.

O Paco, de short e camisa aberta, bateu palma na varanda:

— ¡Muchachas, hoy no hay whisky ni ruido¡ Hoy es noche de familia! (Meninas, hoje não tem uísque nem barulho! Hoje é noite de família!)

—¡Asado reservado, solo para la gente de la casa!

Em uma hora o fogo estava alto, cheiro de costela, vazio, linguiça e mandioca fritando.

O Tereré gelado passando de mão em mão, música baixa de Luis Alberto del Paraná, luz de abajur e da piscina acesa.

Eu não bebi uma gota, precisava recuperar meu juízo… Paco tomou só duas cervejas Brahma gelada e parou, coisa rara.

Sentamos todos em volta da mesa grande. Eu no centro, Mercedes de um lado, Yamila do outro, Maricruz na ponta, Rosana e Letícia nos servindo e fazendo graça. Aí começou o “tribunal do ciúme”: Mercedes apontou um arranhão no meu pescoço:— ¿Quién te hizo esto, guapo? ¿Fue Zulema o alguna de las prostitutas que te observaban?(Isso quem te fez, lindo? A Zulema ou alguma das putas que estavam olhando?)

Yamila levantou a camisa do Paco e mostrou uma mordida no ombro:— ¡Y esto, don Paco? ¡Parece marca de onza! (E isso, dom Paco? Parece marca de onça!)

Paco riu alto, ergueu o tereré:— ¡Marca de guerra, mis reinas! ¡Marca de guerra!

(Marca de guerra, minhas rainhas! Marca de guerra!)

Maricruz, mais quieta, só sorria e passava a mão na minha coxa por baixo da mesa.

Foi uma noite leve, cheia de risadas, histórias antigas, carne suculenta e carinho de gente que já se sente em casa. Antes da meia noite, levei minhas três “namoradas oficiais” (Mercedes, Yamila e Maricruz) para a suíte.

Rosana e Letícia ficaram cuidando do Paco, que disse que “ainda tinha lenha pra queimar”.

Fechei a porta, apaguei a luz grande e deixei só o abajur vermelho.

Estava inteiro de novo, descansado, com aquela vontade que só um garanhão puro-sangue tem.

Comi as três com calma, uma de cada vez, gemidos abafados no travesseiro, corpos suados, buceta inchada, gozo escorrendo na coxa, clima de paixão louca, aquele cheiro no quarto. Enquanto eu estava cobrindo uma no meio da cama, as outras posicionadas nas laterais ficavam alisando minhas costas, passando os pés nas minhas pernas, beijando meus braços, minha boca, rindo da amiga que estava embaixo levando ferro, quando eu socava com um pouco mais de fundo, fazendo a moça suspirar assustada…

Aquilo era vitamina pura, na veia, pra um safado igual eu!

A Mari, apesar da situação, estava enturmada com as outras, sentindo segurança… Depois eu vim saber que, durante nossa ausência farreando na noite, as minhas três fizeram um acordo entre elas. Ou eu ficava com todas ou com nenhuma!

“Ay, Paraguay”

Quando acabamos, as três dormiram grudadas em mim, respirando fundo, satisfeitas como nunca.

No outro dia, às cinco da manhã, o Paco já estava na porta do quarto batendo, vestido igual um gaúcho dos Pampas uruguaios:

— ¡Arriba, gurí! ¡Hoy vamos a ser hombres de verdad otra vez! (Levanta, guri! Hoje vamos ser homens de verdade outra vez!)

Saímos pra lida de curral quando o orvalho ainda estava na grama.

O velho uruguaio andava leve, assobiando, olho brilhando:

— ¡Mirá vos, Beto… me hiciste rejuvenecer veinte años, carajo! (Olha só, Beto… tu me fez rejuvenescer vinte anos, caralho!)

¡Yo me siento con veinticinco otra vez! ¡Y la culpa es toda tuya, rubio hijo de puta!

Rindo, fomos escolher a tropa que já estava na forma.

Eu peguei um alazão, lombo largo, olho vivo.

Paco escolheu um baio gateado , que ele mesmo criou desde potro.

Cabresto na cara dos animais, fomos levando para o galpão de encilha.

O velho tio Paco tinha um verdadeiro “arsenal”, em matéria de tralhas de arreio. Parecia uma selaria!

Arreios e selas paraguaias, argentinas e chilenas, australianas, mexicanas, as famosas americanas e um sem tanto de arreios cutianos (corumbé, junco pantaneiro, banana, de cabeça, chapeado…)

Tralhas de cabeça, só com virolas e argolas de alpaca. De tudo tinha naquele galpão.

Joguei as tralhas no lombo do alazão, o Paco fez o mesmo com o baio, laços compridos de 18 braças na garupa, alforges…

Paco montou, deu um giro no baio e gritou pro céu:— ¡Hoy vamos a campeonar ternero en la invernada del fondo! ¡Y el que no lazar bien paga el asado de la noche! (Hoje vamos campear novilhos na invernada do fundo! E quem não laçar direito paga o churrasco da noite!)

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Saímos do curral quando o sol ainda era uma bola laranja no horizonte.

Fomos trotando, eu e o “viejo loco” de um lado, e mais outros dez peões do outro, sol nascendo vermelho, boi mugindo lá longe, poeira subindo.

E o Paco, com cinquenta e tantos anos nas costas e 20 no coração, galopava na frente rindo alto: — ¡Esto es vida, gurí! ¡Esto es vida!

O plano era simples: correr as invernadas, ir juntando a boiada, curar algum boi, olhar cerca, revirando sal nos cochos e, principalmente, fazer bagualada boa. O gado estava espalhado no capim alto.

Os peões do outro lado começaram chamando, gritando “¡Arreia, arreia!”.

Nós entramos pelo canto esquerdo, eu no alazão cor de sangue, Paco no gateado, laços nas mãos presos na chincha.

O primeiro boi que saiu foi um touro pintado brabo, chifre aberto, bufando.

Paco apontou:— ¡Ese es tuyo, gurí! ¡Dale!

Dei de rédea, o alazão disparou.

O boi correu pro mato distribuindo chifradas até na sombra, eu corri atrás, laço com a bóia bem larga, rodando acima da minha cabeça.

Poucas voltas, joguei a corda que não deu nem graça, cerrando firme nas aspas do bicho.

Puxei de leve o cavalo ensinado, travou as patas, os tentos trançados do laço cantaram na estirada, o boi girou no ar e caiu de focinho na terra.

Paco tirou o chapéu, gritou pro céu:— ¡Carajo, qué lazo fue ese! ¡Ese niño tiene un pacto con el diablo, lo juro! (Caralho, que laço foi esse! Este moleque tem pacto com o diabo, eu juro!) Ele era exagerado em tudo!

Depois foi a vez dele.

Um novilho preto, rápido que só um vento de agosto, saiu pro meio do campo mancando com bicheira pingando.

Paco saiu atrás, o baio no rastro, laço rodando tão rápido que parecia hélice.

Pegou pelas duas patas traseiras, derrubou o bicho de uma vez, desmontou ainda com o cavalo em movimento amarrando as patas do bicho com uma pêia,

Eu tirei o chapéu, bati palmas, ele se benzeu, olhou pra mim com olho marejado:

— Si tuviera un hijo, querría que fuera exactamente como tú, carajo! ¡Te adoptaría hoy mismo guapo! (Se eu tivesse um filho, queria que fosse igual a você, caralho! Te adoto ainda hoje mesmo, lindo!)

Passamos o dia inteiro assim: Curando bicheira em boi magro, passando pomada preta, aplicando injeção de ivermectina.

Ajudamos o “viejo” Yvytu a consertar uma cerca quebrada, esticando arame, cravando mourão novo. Ele era o “patrón”, mas colocava a mão na massa sem preguiça, qual fosse a empreitada.

O índio velho saia para o campo com um carroção com dois cavalos atrelados, levando tudo que era necessário para manutenção de cerca, sal de engorda, ferramentas, arames, cordas… tudo. Não precisava, o Paco não fazia questão, mas o índio queria ser útil. —“Todo esta bien entonces”.

Reviramos sacos de sal grosso misturados com farelos nos cochos de madeira, o gado vinha lamber antes da gente terminar.

Em cada laço bonito que eu dava, Paco gritava: — ¡Carajo, mirá este lazo! ¡Es el hijo que nunca tuve! (Caralho, olha este laço! É o filho que nunca tive!)

Em cada boi que ele derrubava, eu gritava de volta:— Esse véio é o mestre, CARAIU!

Quando o sol estava no meio do céu, o calor apertou e os cavalos já vinham suados, Paco levantou a mão:

— ¡Alto, muchachos! ¡Vamos a descansar bajo el timbó grande! Paramos debaixo daquela árvore centenária, parecendo um monumento silvestre, sombra fresca, folhas balançando no vento quente, bem ao lado de uma lagoa de água clara.

Desmontamos, amarramos os cavalos no mourão da cerca, tiramos os arreios para deixar o lombo da tropa respirar. Paco foi até a lagoa ali do lado, água limpa de vertente, pegou a guampa de chifre que sempre carregava no alforge, encheu até a boca com aquela água fria da lagoa, jogou um punhado de erva-mate grossa dentro, tampou, sacudiu um pouco e passou pra mim:— ¡Tomá, gurí! ¡Agua de vertiente coada na yerba, como las comitivas de antes… nada de termo, nada de gelo… esto es tereré de hombre de verdad! (Toma, guri! Água de vertente coada na erva, como as comitivas de antigamente… nada de garrafa térmica, nada de gelo… isso é tereré de homem de verdade!)

Bebi o primeiro gole amargo, a erva raspando na bombilha. Depois contei que aquilo não era novidade pra mim, o que deixou o uruguaio contente. “Bueno”

Passamos a guampa de mão em mão, cada um tomando um trago longo, limpando a boca na manga da camisa.

Paco sentou encostado no tronco, chapéu jogado nas pernas esticadas, e falou com a voz rouca de poeira e emoção:

— Escuchame, Beto… yo ya tengo edad de ser abuelo, pero hoy me sentí con veinte años otra vez. (Escuta, Beto… eu já tenho idade de ser avô, mas hoje me senti com vinte anos outra vez.)

Todo esto es por vos, gurí. Por tu alegría, por tu fuerza, por tu manera de vivir sin pedir permiso.

(Tudo isso é por ti, guri. Pela tua alegria, pela tua força, pela tua maneira de viver sem pedir licença.)

Si algún día te cansas del Brasil, este haras tiene tu nombre en la puerta. (Se algum dia se cansar do Brasil, este haras tem teu nome na porteira.)

Eu só abaixei a cabeça, engolindo seco, sentindo o gosto da erva ainda na boca, nem tive o que responder.

Depois levantei, dei um tapa no ombro dele, sorri: — ¡Vamos, viejo! Ainda tem muchos bois pra mirar e lazar.

Montamos de novo, toque de espora, galope de rédea solta, poeira subindo, laço voando de pialo, xingando palavrão, falando de mulher, bebida, dinheiro e valentia, gritos e risadas ecoando até o fim do mundo. Naquele dia, debaixo do timbó, tomando tereré com água de lagoa coada na erva, o Paraguai me deu mais um pai, “pero” meio maluco, mas um pai… e eu quase aceitei.

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O sol já estava caindo atrás das árvores quando Paco levantou a mão e mandou a peonada ir na frente.

— ¡Vayan adelante, muchachos! Nosotros vamos despacio… Tenemos que hablar de hombre a hombre.

A peonada deu rédea nas montarias, levantaram poeira e sumiram na curva da invernada.

Ficamos só eu e o velho uruguaio, nossos cavalos andando passo a passo, estribo quase se tocando. Durante um bom tempo ninguém falou nada, mas ele me olhava de uma maneira diferente, franzindo a testa, como quem te pede para ficar, não ir embora.

Só o barulho de casco na terra, o canto de quero-quero, o vento mexendo no capim. Foi o Paco quem quebrou o silêncio primeiro, voz baixa, quase um sussurro:

— Contame de verdad, Beto… ¿qué te trajo hasta acá de corazón tan pesado? (Me conta de verdade, Beto… o que te trouxe até aqui com o coração tão pesado?)

Eu respirei fundo, olhei pro horizonte e deixei sair.

Contei tudo quanto havia acontecido em minha vida a poucos anos passados, sobre como eu tentava lidar com aquilo, minhas mágoas, a saudade, os medos, incertezas. Também contei como aquele velho rabugento, meu padrinho e amigo, estava cuidando de mim, me orientando junto de sua elegante esposa… que foi a pedido dele que fui até lá olhar uns cavalos e tentar me distrair um pouco, tentar melhorar minha cara.

Abri meu coração como não costumava fazer com ninguém naquela época. Contei tudo!

Eu ainda era muito novo, apesar da vida que eu levava, era muito imaturo em determinados assuntos.

Paco me ouviu sem interromper, chapéu abaixado, mão apertando a rédea.

Quando terminei, ele limpou a garganta, cuspiu pro lado e falou rouco:

— Yo también perdí, gurí… perdí hijos, perdí mujer, perdí terras… y aprendí que hombre de verdad no es el que nunca llora, es el que llora y después monta de nuevo. (Eu também perdi, guri… perdi filho, perdi mulher, perdi terras… e aprendi que homem de verdade não é o que nunca chora, é o que chora e depois monta de novo.)

—Vos estás vivo, tenés sangre caliente, tenés gente que te quiere… el resto se arregla con tiempo y coraje. (Você está vivo, tem calor nas veias, tem pessoas que te amam... o resto se resolverá com o tempo e a coragem.)

Uma lágrima escorreu na poeira do rosto dele. Outras dos meus olhos. Ele limpou rápido com a manga, eu também. Ele fingiu que era suor, fiz igual. Mas eu vi as dele, ele também viu as minhas… não dissemos nada um pro outro.

Bem mais adiante naquela invernada, ele aproximou o cavalo, buscou meu ombro com a mão falando:

— Gracias por contarme, hijo… ahora entiendo por qué Dios te mandó hasta mi puerta. (—Obrigado por me contar, filho… agora entendo por que Deus o enviou à minha porteira.)

Chegamos na sede já estava escuro.

As luzes da casa-grande acesas, cheiro de banho tomado, perfume no ar. Na varanda estavam elas, cinco mulheres lindas, esperando como se estivéssemos fora há um mês.

Mercedes e Yamila de short jeans e blusinhas curtas, o de sempre. A Mari de saia emprestada da colega e uma das minhas camisas, descalça, sorriso tímido.

Rosana e Letícia de baby-doll, rindo e acenando. Quando desmontamos, vieram correndo.

Abraços, beijos, cheiro de cabelo limpo lavado com shampoo caro, mão na nuca. Paco olhou a cena toda, abriu os braços e gritou com a voz embargada balançando o rebenque no ar:

— ¡Mirá esto, Beto… mirá esta familia loca que armamos! (Olha isso, Beto… olha essa família maluca que a gente montou!)

E era mesmo! Uma família estranha, safada, cheia de marcas de batom, mordidas e arranhões, mas unida por algo mais forte que sangue: Risada, estrada, tereré gelado e a certeza de que, ali, ninguém estava sozinho.

Naquela noite jantamos na varanda, de mãos dadas, lua cheia em cima, cachorro deitado no pé da mesa.

E eu, pela primeira vez em muito tempo, senti que tinha chegado em casa.

Não posso ser covarde e dizer que o Véio não cuidasse de mim com todo zelo, pelo contrário, mas era diferente, acho que por sermos daquela região onde nasci e passei os melhores e piores anos da minha vida…

No fundo, meu padrinho sentia pena quando me olhava, e pra não me chatear tocando em alguns assuntos, ele se calava, mudava o rumo da prosa, fazia piadas, apontava o revólver me mandando pegar tipo de homem. Era o jeitão do Véio de ser carinhoso e atencioso!

Aquela noite a lua estava tão cheia que parecia farol.

Depois do jantar, Paco fechou as portas da casa-grande, apagou as luzes da varanda e acendeu só os abajures vermelhos da sala grande.

— ¡Hoy es noche de homenaje a las reinas!

— gritou, já tirando a camisa. (Hoje é noite de homenagem às rainhas!)

Em minutos estávamos os sete pelados no tapete da sala, almofadas espalhadas, som baixo de tango, cheiro de mulher no ar.

O safado do Paco, inventou um tipo de “rodízio de lambeção”:

—Primero, les mostraré cómo se hace. (Primeiro, vou mostrar como se faz)

Foi um forféu de gritinhos e gemidos. Ele e eu de joelhos, as cinco deitadas, pernas abertas.

Começamos devagar: língua lenta, beijo na coxa, chupada no grelho, língua no cu, dedo entrando junto.

Uma gemia, a outra puxava meu cabelo, outra rebolava na cara do Paco

Logo o velhaco falava. — ¡Cambio! — gritava ele a cada cinco minutos olhando no grande relógio da parede. Eu passava pra próxima, ele passava pra próxima. Eu com as minhas, ele com as dele. Nas todo mundo perto!

Cinco bucetas diferentes, cinco gostos, cinco cheiros, cinco jeitos de gozar.

Mercedes gozava apertando minha cabeça com as coxas.

Yamila escorria igual bica quando eu chupava forte o grelo.

Maricruz chorava manhosa de tanto tesão, pedindo “más lento, papi, más lento”.

Rosana e Leticia gritavam junto com o Paco.

Quando terminamos a empreitada, Paco ria, cara lambuzada:

— ¡Ahora cada uno con sus conchitas, carajo! ¡Y vos, Beto, no te metas con las mías que yo ya las tengo entrenaditas… si no, las vas a dejar estragadas para siempre! (Agora cada um com suas bucetinhas, caralho! E você, Beto, não mexe nas minhas que eu já tenho elas treinadinhas… senão você as estraga pra sempre!)

Rimos tanto que rolamos pelo chão da sala.

Eu levei Mercedes, Yamila e Maricruz pro sofá grande, comi de todo jeito, seguindo a regra das três muchachas. “O todas juntas, o ninguna de nosotras.” Gozei gostoso! (O uruguaio acho engraçado o nosso tal acordo e muito bem feito, assim evitando guerra de unhas pela casa)

Paco, do outro lado da sala, tinha Rosana e Letícia gemendo alto, ele alternando entre as duas, gritando “¡Esto es vida, carajo!”. Quando acabou, estávamos os sete no chão, suados, rindo, corpo colado no corpo, ninguém queria levantar. Vergonha passava longe de nós!

No outro dia cedinho, Paco já estava de terno branco, charuto na boca:— ¡Hoy es día de gastar plata, muchachas! ¡Vamos a Pedro Juan hacerlas princesas!

Entramos nas duas Hilux blindadas passava um pouco das 8:00hs: eu, Paco, as cinco mulheres e dois seguranças. Fora um caminhão da fazenda nos acompanhando.

Chegamos na cidade buzinando, com as duas Hillux blindadas pela Avenida Internacional, vidro aberto, som tocando Los Iracundos no talo. Paramos bem em frente a uma galeria (o point da época), bem no coração da zona comercial. Os seguranças do Paco já ficaram na porta, de óculos escuros, caras amarradas, porque todo mundo conhecia o “uruguaio de terno branco” e ninguém queria encrenca.

Mercedes saiu com vários vestidos justos, salto alto, perfume francês.

Yamila carregava sacolas de marcas famosas, Rosana e Letícia compraram biquínis que mal tinham pano.

E Maricruz… ah, a Maricruz.

Paco a puxou pra uma loja de enxoval de luxo:

— ¡Esto es para cuando empieces tu nueva vida, reina!

Vestidos, lençóis finos, jogos de toalha, panelas, eletros… tudo que uma casa precisa. (Eu casca grossa do jeito que era, e ainda sou um pouco, nem sabia de nada daquilo)

Eu empilhando caixas, seguranças já suando pra carregar. Maricruz olhava tudo, olhos marejados, mão na boca.

Quando a moça da loja entregou a última sacola, ela caiu no choro, abraçou a mim e ao Paco com força:

— Nunca nadie hizo esto por mí… nunca, guapos…(Nunca ninguém fez isso por mim… nunca, lindos…)

Eu também me emocionei ali no meio da loja, segurando ela, Paco rindo e limpando uma lágrima disfarçada.

E por onde passávamos, era o mesmo:

Paraguaiada — ¡Mirá ese rubio alto con cinco mujeres, hijo de puuuuuta…!

Brasileiros — O de terno branco parece mafioso de filme, credo!

Os seguranças tentavam acompanhar, mas perdiam a gente nas esquinas, voltavam correndo com sacola na mão, suados. No fim da tarde, as caminhonetes estavam lotadas das carrocerias ao teto, o caminhão com móveis e tudo mais… só então o tio Paco mandou os seguranças para o haras deixar as compras e voltar no rastro para nos apanhar.

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Paco disse a frase que já virou lei na nossa comitiva:

— ¡Hoy dormimos en Pedro Juan, carajo! ¡Y sin horario de vuelta! (Hoje dormimos em Pedro Juan, caralho! E sem hora pra voltar!)

Deixamos as meninas no Hotel Internacional (o point clássico da fronteira na época, com aquela calçada larga pra tropeiro sentar e esperar o compadre), na suíte de luxo com vista para a Avenida Internacional inteira.

Elas subiram correndo com as sacolas novas, gritando que iam “desfilar” pra gente aprovar as compras.

Meia hora depois começou o show mais quente que o corredor do hotel já viu:

Mercedes saiu com um vestido preto micro de marca famosa, decote até o umbigo, costas nuas que mal cobria o início do rego.

Yamila de shortinho jeans rasgado e top branco transparente, sem sutiã, mamilos marcando o tecido fino.

Maricruz de vestidinho vermelho coladíssimo, só pra variar, fenda na perna até o quadril, pernas morenas torneadas brilhando de tão lisas.

Rosana e Letícia de saia de couro curtíssima e blusinha de renda que mal segurava os peitos, salto alto estalando no piso de cerâmica.

Paco e eu sentados na cama king, copos nas mãos, batendo palma e assobiando como se fosse o Miss Fronteira.

— ¡Aprobado, aprobado y aprobado con honores, carajo! ¡Estas reinas van a quemar Pedro Juan esta noche! (Aprovado, aprovado e aprovado com honra, caralho! Essas rainhas vão queimar Pedro Juan esta noite!).

Umas oito da noite descemos pra rua, e que cena para recordar sonhando!

Paco de terno branco impecável, bolsos do paletó estufados com maços de dólar enrolados com elástico (uns 5 mil no total, notas de cem novinhas).

Eu de camisa preta nova que a Mari escolheu, aberta até o umbigo, calça justa marcando a ferramenta, minhas botas texanas, chapéu branco novo. Nas primeiras vezes eu achava estranho andar com a camisa aberta daquele jeito, coisa de caipira lá da minha terra, mas as moças paraguaias adoravam aquilo! “Ay, rubio”

As cinco gatas penduradas em nós como se fôssemos o último barco saindo do porto.

Primeira parada, Cassino Amambay. Puta que pariu, entramos como se a casa fosse nossa!

O salão era um delírio de luz néon, fumaça de cigarro, fichas tilintando e paraguaios de terno barato perdendo o salário da semana.

O crupiê da mesa de bacará quase engoliu a gravata quando viu o Paco sentar e jogar cinco mil dólares de uma vez na banca.

— ¡Jueguen, señores! ¡Hoy la suerte vino acompañada de rubio! (Joguem, senhores! Hoje a sorte veio acompanhada de loiro!)

Eu sentei do lado, as meninas em volta como guarda-costas de luxo, perfume Channel misturado com o cheiro de cigarro, feltro e desespero.

Paco começou a ganhar. Ganhar muito!

Em pouco mais de uma hora já tinha vinte mil dólares na frente dele, muito mais do que tinha levado, em fichas azuis e vermelhas, empilhadas.

O gerente veio pessoalmente trazer champanhe gelado para nossa turma e um charuto cubano de cortesia para o uruguaio. Paco levantou o copo, olhou pra mim com olho brilhando e gritou pro cassino inteiro ouvir:

— ¡Este dinero es del rubio, carajo! ¡Yo siempre salía con los bolsillos vacíos… hoy traje a mi amuleto de la suerte y miren esto! (Este dinheiro é do loiro, caralho! Eu sempre saía com os bolsos vazios… hoje trouxe meu amuleto da sorte e olhem isso!)

As meninas aplaudiram, batendo as unhas pintadas na mesa de feltro. Brasileiros e paraguaios vieram apertar minha mão, querendo tocar no “amuleto”, como se eu fosse o São Betão da Sorte, superstições de viciados em apostas. Alguns esfregavam suas mãos nos meus braços: “Tráeme suerte… dame suerte”

Uma morena de salto alto piscou pra mim do outro lado da mesa com cara de onça faminta, mas Mari já estava do meu lado, mão possessiva por dentro da minha camisa.

Depois do cassino, fomos jantar no restaurante do próprio Hotel Internacional (salão lotado de turistas brasileiros, com ar-condicionado rangendo e ventiladores de teto girando devagar).

A cena foi o show de sempre, só que pior…

Paco com Rosana e Letícia no colo, beijando uma de cada vez, língua na boca, mão na bunda, mordendo os braços delas parecendo um garanhão.

Eu com Mercedes, Yamila e Maricruz disputando espaço no meu colo, beijos molhados, promessas em gemidos e sussurros baixinhos.

Duas loiras de São Paulo mandaram bilhete pela garçonete: “Queremos conhecer vocês dois, vamos nos encontrar mais tarde."

Uma argentina de vestido azul colado e salto alto, linda pra um caralho, passou pela mesa e deixou o número no guardanapo do Paco. A bandida passou por nós rebolando de forma sensual, piscando em câmera lenta para o “viejo loco” e mordendo o lábio.

As meninas ficaram possuídas de ciúme e ódio: Mercedes arrancou o bilhete da minha mão e rasgou na cara da garçonete jogando o papel picado pro alto:

— ¡Estas putas brasileñas no saben con quién están hablando, carajo! (Estas putas brasileiras não sabem com quem estão falando, caralho!)

Maricruz segurou meu rosto com as duas mãos e me beijou na frente de todo mundo, língua até a garganta, gemendo rouca, mordendo minha boca:

— ¡Vos sos mío, guapo… y esta noche te voy a mostrar cuánto! (Você é meu, lindo… e esta noite eu vou te mostrar o quanto!)

Yamila e Rosana começaram a rir, Letícia e Mercedes bateram palma, gritando “¡Otra vez!” pra eu beijar de novo.

Os turistas brasileiros não sabiam se ficavam escandalizados ou com inveja. Teve uma senhora com aspecto distinto que estava próxima fez o sinal da cruz, um fazendeiro gordo de camisa polo e chapéu de abas largas ficou vermelho que nem pimentão, e um grupo de caminhoneiros na mesa do lado começou a aplaudir e assobiar, gritando “Brasil! Brasil!”.

Paco ria de chorar, batendo na mesa com o punho:

— ¡Esto es vida, carajo! ¡20 mil dólares en el bolsillo, cinco mujeres celosas y la frontera entera mirando con envidia! (Isso é vida, caralho! Vinte mil dólares no bolso, cinco mulheres ciumentas e a fronteira inteira olhando com inveja!)

O garçom serviu o assado de tira suculento, milanesa a caballo com ovo frito por cima, sopa paraguaia quentinha e mandioca frita crocante, mas ninguém comia direito — todo mundo olhava para a gente.

Um caminhoneiro de barba grisalha levantou e veio apertar minha mão, rindo:— ¡Brasileño, sos leyenda! ¡Enseñanos cómo se hace! (Brasileiro, tu é lenda! Ensina a gente como se faz!)

Paco pagou a conta (quase dois milhões de guaranis) em notas de cem dólares novinhas (mais ou menos unsdólares na época) e gritou pro salão:— ¡La próxima vez vengan con sus mujeres, que yo les presto las mías por una hora! (A próxima vez venham com suas mulheres, que eu empresto as minhas por uma hora!)

Saímos de braços dados, as cinco mulheres rindo alto, bolsas balançando, deixando o restaurante em silêncio absoluto e um cheiro de perfume caro que ficou no ar. Na porta, o Paco acendeu o charuto, olhou pra trás e gritou uma última vez:— ¡Gracias, paraguayos! ¡Y ustedes, brasileños, vuelvan más seguido… aquí les enseñamos cómo se vive de verdad! (Obrigado, paraguaios! E vocês, brasileiros, voltem mais vezes… aqui a gente ensina como se vive de verdade!)

Saímos de cabeça erguida, sete almas felizes, enquanto o povo ainda tentava entender o que tinha acabado de acontecer.

Vocês imaginem, eu que sempre gostei de ir contra as regras da sociedade puritana, católica e hipócrita do meu amado velho oeste paulista, estava me sentindo bem demais. Naquele momento eu nem me lembrava do meu próprio nome.

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Subimos as escadas do hotel rindo alto, Paco contando os maços de dólares no corredor, as meninas tropeçando de salto e champanhe.

Porta da suíte aberta, luz baixa, ar-condicionado gelando, cheiro de perfume caro e vitória no ar.

Mal fechei a porta, o tesão que eu segurava desde o cassino explodiu.

Segurei Maricruz pela cintura, empurrei ela contra a parede, subi aquele vestido vermelho colado até a cintura, me abaixei de joelhos na hora.

A calcinha de renda foi pro lado, eu abri aquelas nádegas perfeitas e enfiei a cara mordendo, cheirando, língua direto no cuzinho dela... Aquele aroma de fêmea no cio, suor e ciúmes.

Maricruz gemeu de forma sensual, mãos escoradas na parede, pernas tremendo:

— ¡Ay, papi… por ahí no… por ahí nunca…!

As outras pararam tudo, olhando com a boca aberta. Eu levantei, pau já rasgando a calça, cabeçona rosada latejando melada.

As meninas viram e recuaram um passo, olhos arregalados:

— ¡La puta madre… eso no entra por atrás, Beto… nos mata!

Eu estava em abstinência de comer um cuzinho, fiquei maluco… ali era a hora!

Paco, sentado na poltrona, copo de whisky na mão, ria como o diabo:

— ¡Dejen al rubio, carajo! ¡Él es especialista en terrenos vírgenes! (Ela tinha prestado atenção em minhas histórias sobre os cabacinhos que arranquei)

Yamila, já alta de champanhe, a coragem líquida, deu um passo à frente, tirou o top, a saia curta, ficou só de salto alto e calcinha fio-dental. Ela era um espetáculo, corpo perfeito demais, bunda redonda, empinada, cheia, espetacular.

Olhou pra mim, olhos brilhando de tesão e desafio:

— Si alguien va a probar ese monstruo por atrás… voy a ser yo. (Se alguém vai provar esse monstro por trás… vou ser eu.)

Subiu na cama king, ficou de quatro, bundão empinado, joelhos abertos, olhou pra traz e falou com determinação:

— Primero… limpiame bien con esa lengua tuya, guapo… quiero sentir todo!

Eu não pensei duas vezes, tarado por um cuzinho que só eu, parti pro ataque!

Ajoelhei atrás dela, abri aquela anca morena volumosa, beijando, cheirando, mordendo, e enfiei a língua no anelzinho suado, cheiro forte de mulher e xixi.

Yamila gritava, rebolava na minha cara, mão agarrando o lençol. Eu alternava entre cuzinho e bucetinha, que já estava ensopada. Meu queixo e boca ficaram brilhando.

Paco e as outras quatro torcendo como se fosse final de Copa:— ¡Dale, Yamila! ¡Abríle camino a las demás!

— ¡No aflojes, rubio! ¡Esa cola es territorio virgen!

(Não desanime, loiro! Esse rabo é território virgem!)

Quando vi que ela já estava molhada de saliva e louca de tesão, implorando, levantei, segurei o pauzão com a mão, encostei a cabeçona no buraquinho apertado e empurrei devagar sentindo as pregas se alargando. Yamila soltou um grito que deve ter acordado Ponta Porã inteira do outro lado da fronteira, hora que o chapeuzão passou além do pescoço:

—Despacio… despacio… ¡Dios mío… está entrando todo, maldita sea, CARAJO… está entrando todo! ¡Me está destrozando, papy!

Centímetro por centímetro, fui entrando naquele cuzinho quente e apertado, até o talo, até sentir as bolas encostadas nela.

Ela tremia inteira, lágrimas nos olhos, agarrada ao lençol, dava socos e tapas.

Paco ficou em pé, se aproximou, levantou o copo, rindo e chorando ao mesmo tempo, bêbado, assim como eu, e emocionado de verdade:

— ¡Esto es hombría, carajo! ¡Esto es hombría

pura! (Isso é macheza pura)

As outras quatro olhavam hipnotizadas, mão na boca, mordendo os próprios dedos e lábios, algumas já se tocando por baixo do vestido.

Depois foi bagunça total: Yamila choramingando com aquela voz paraguaia gostosa… de quatro, gritando meu nome, eu socando até o fim, mãos alisando minhas costas e braços… acabei gozando fundo dentro dela, vendo ela cair de cara no travesseiro, a porra escorrendo farta em borbulhas avermelhadas por aquelas coxas morenas. Ela tentava sorrir com o olho vidrado, mas a carinha era de alívio!

Maricruz veio logo depois, beijou minha boca cheia do gosto de Yamila e sussurrou:— La próxima soy yo… pero dame tiempo, papi… ese bicho es de otro mundo.

Paco bateu palma, ainda rindo:

— ¡Señores… ¡Acabamos de inaugurar territorio nuevo en la frontera!

E a noite continuou assim, sete corpos suados, champanhe, dólar espalhado na cama e o cheiro de sexo tomando conta do Hotel Internacional inteiro. Pedro Juan Caballero nunca dormiu tão pouco… nem tão feliz.

Fui para o banheiro, precisava de uma ducha gelada, estava embriagado, fraco pra bebida, corpo pegando fogo, cheio de vontade, com tesão e um fogo na rola sem tamanho.

Quando voltei pra perto da cama, Yamila ainda de bruços, bundão pra cima, cuzinho inchado e melado, respirando fundo como quem tinha corrido maratona. Eu enrolado na toalha, a cena era de filme proibido.

Paco, de pé no canto do quarto, de calça abaixada, socando na Rosana contra a parede com força, que gritava chamando o uruguaio de velho bandido, Letícia incentivando a amiga…

Do outro lado, Mercedes e Maricruz cuidando da Yamila, consolando a amiga.

—Tranquilízate… ya pasó… (— Calma... já passou...)

Yamila apenas gemeu, com um sorriso bobo no rosto e um olhar perdido nos olhos:

—Valió la pena... cada centímetro, pero dolió mucho…(Valeu a pena... cada centímetro, mas doeu muito…)

Eu não aguentei ver aquela cena, o pau levantou por baixo da toalha como mastro.

Mercedes viu, sorriu safada, corpo moreno perfeito, peitões durinhos com bico marrom, cintura fina, buceta depiladinha brilhando de tão molhada.

Maricruz do lado, pele clarinha, peitos empinados, bunda redonda de quem malha escondido, pernas longas de modelo. Elas vieram pra mim sem falar nada. Primeiro Mercedes me empurrou na cama, subiu no meu peito, abriu as pernas e sentou a buceta quente direto na minha boca:

—Chúpame todo, guapo… como hiciste con Yamila…

Eu chupei com vontade, língua fundo, sugando o grelo duro, ela rebolando, esfregando, melando meu rosto inteiro de mulher no cio, falando sacanagem com a voz rouca: — ¡Así, papi… comé mi conchita… dejame correr en tu boca…!

Maricruz não esperou.

Pegou meu pau com as duas mãos, cuspiu na cabeçona, sentou devagarinho, nem quis chupar, bucetinha apertada engolindo centímetro por centímetro até eu sentir o colo do útero.

Depois começou a rebolar daquele jeito que só paraguaia sabe: devagar, depois rápido, cabelão acompanhando o movimento da cintura, depois em círculos, esfregando com força, depois socando até o talo, gemendo alto:

— ¡Todo tuyo, papi… todo… métemelo hasta el alma…!

Eu deitado, cara enterrada na buceta da Mercedes, ela gozando na minha boca, Maricruz cavalgando como se o mundo fosse acabar, peitos balançando, cabelo voando. De vez em quando uma delas virava de costas, empinava a bunda e pedia:— Lambeme el culito también, guapo… pero solo lengua, eh… que después de ver a Yamila no nos animamos todavía…

Eu obedecia: abria aquelas bundas perfeitas, língua no anelzinho, cheiro de fêmea, gosto de sexo, enquanto a outra continuava cavalgando ou esfregando na minha cara. O Paco, já acabando com a Rosana, apalpando a Letícia, gritava do canto:

— ¡Eso, rubio! ¡Trabaja como hombre! ¡Estas dos te van a dejar seco!

E foi o que aconteceu!

Gozei dentro da Mari com tanta força que ela gritou, caiu pra frente esbarrando na amiga, buceta pulsando no meu pau, leite escorrendo.

Mercedes gozou outra vez na minha boca, pernas tremendo, me afogando naquele caldo quente de fêmea e gemidos. Quando terminou, estávamos os três embolados na cama, suados, ofegantes, rindo baixo.Yamila, já conseguindo sentar, olhou pra gente e falou com voz de inveja:

—La próxima vez yo también quiero, pero con cariño, Beto, caballo sin alma.

Caímos na risada vendo aquela belezinha reclamando do estrago que fiz nela, se sentindo abandonada!

De manhã, Pedro Juan Caballero ainda cheirava a champanhe e sexo. Yamila mal conseguia andar.

Todo passo era um gemidinho, mão na bunda, olho lacrimejando.

Paco olhou pra ela descendo a escada do Hotel Internacional de lado e deu risada:

— ¡Muchacha, parece que te pasó un camión por atrás!

Levamos ela direto em uma clínica, doutor experiente (o mesmo policial que me buscou na fronteira indicou) clínico geral que já estava acostumado com “acidentes de paixão” da fronteira.

O doutor viu, fez cara de “outra vez?”, passou pomada com lidocaína, anti-inflamatório, receita de três dias de repouso e falou baixinho:

— Señorita, la próxima vez use más aceite y menos orgullo. (Moça, da próxima vez use mais óleo e menos orgulho.)🤣

Compramos tudo na Farmácia Catedral:

Tubos grandes de pomada cicatrizadora, anti-inflamatórios, duas almofadas redondas de espuma com buraco no meio, um pacotinho de algodão e água boricada…

Colocamos as duas almofadas no banco da Hilux, Yamila sentou com cuidado, cara de dor e de orgulho ao mesmo tempo.

Fomos “despacito” …durante as três horas de estrada até o haras ela foi se ajeitando no banco de trás, almofada embaixo, resmungando:

— ¡Nunca más...nunca más! (mentira, a gente sabia que era só esperar cicatrizar).

Chegamos já no fim da tarde, poeira vermelha subindo, cachorro latindo, cheiro de casa no ar.

Jantamos cedo e leve: costela no bafo, mandioca cozida, salada de tomate com cebola, tereré gelado para nós. Yamila teve que se contentar com um caldo. Pobrecita!

Todo mundo quietinho, lembrando da farra de Pedro Juan, rindo por dentro. Yamila, coitada, mal sentava na cadeira normal.

Depois do jantar olhou pra mim com olho pidão, abriu a boca… mas a dor falou mais alto:

— Hoy no, guapo… voy a dormir sola, que si me pones una mano encima voy a pedirte todo y después me muero.

Deu um beijo na minha testa, pegou a almofada e foi pro quarto de hóspedes, resmungando baixinho, mas sorrindo de canto de boca. Mercedes e Maricruz me levaram pro quarto.

Fizeram revezamento de luxo:

Mercedes chupando devagar, fundo na garganta, olho no olho, língua rodando na cabeçona.

Maricruz lambendo e mordendo meus dedos dos pés, depois as bolas, com vontade, mão firme na base, gemendo junto.

Depois trocavam, revezando até eu gozar forte na boca da Maricruz, ela engolindo tudo… Sei que foi leite escorrendo no queixo das duas. Elas sabiam amar um homem como poucas!

Paco levou Rosana e Letícia pro outro quarto da casa, porta fechada, mas dava pra ouvir o velho rindo e a cama rangendo até tarde.

No outro dia pulei cedo, deixando as duas delícias paraguaias descansando dos nossos excessos. (Segundo o que me contou o uruguaio, aquela disposição toda que ele tinha, naquela idade, era por conta das rezas e o tereré que o viejo Yvytu preparava com outras raízes misturadas)

Eu e Paco estávamos na varanda, café preto forte, charuto Cohiba dele e meu Marlboro, olhando o sol nascer atrás do potreiro.

Eu comecei:

— Tio… acho que já tá na hora de eu ligar pro Véio, saber dos cavalos, ver como tá a fazenda…Paco deu uma tragada longa, soltou a fumaça devagar e mudou de assunto na hora:

— ¿Viste los terneros que nacieron ayer? Todos colorados, fuertes… y mirá aquel potro alazán que está corriendo la cerca, parece que tiene motor… — Quanto ele ia desconversar um assunto, ele fala bem rápido!

Eu insisti:

— Tio… uma semana já, hein…Ele olhou pro horizonte, voz baixa:— Una semana es nada, gurí… aquí el tiempo anda despacio. Además, ¿Cansado de quedarse aquí?

Fez silêncio, depois pegou a guampa de tereré, ofereceu pra mim:

— Dejá el teléfono quieto un poco más… el Véio sabe que estás vivo y feliz. Cuando llegue el día, vos vas a sentir. Por ahora… quedate. (O Véio sabe que você está vivo e feliz. Quando o dia chegar, você sentirá. Por enquanto… fique.)

E eu fiquei.

Porque naquela varanda, com o uruguaio do meu lado, o cheiro de terra molhada subindo e as mulheres ainda dormindo lá dentro, eu sabia que ainda não era hora de ir embora. O lugar parece que me segurava com as duas mãos!

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Eu ainda estava na varanda, olhando o sol subir devagar por trás do horizonte, quando o tio Paco parou na minha frente. Ele não disse uma palavra. Só ficou ali, de braços cruzados, chapéu um pouco inclinado, aquele sorriso largo que misturava felicidade, admiração e uma pontinha de vitória. Era como se ele soubesse, sem precisar perguntar, que eu ia ficar mais uns dias. Só me olhou fundo, deu um aceno lento com a cabeça, como quem diz “tá certo, guri”, e ficou ali do meu lado, tomando o tereré em silêncio.

Não demorou muito, a Maricruz apareceu na porta.

Vestido simples de algodão branco, cabelo preso num coque frouxo, pé descalço na lajota fria da manhã. Ela trazia três canecas de café na bandeja e um olhar diferente: já não era mais aquela mulher assustada que tiramos de Assunção correndo. Era uma mulher que tinha dormido bem, pensado muito e começado a colocar a cabeça no lugar. Sentou do meu lado, entregou um caneco pro Paco, outro pra mim, e ficou com o dela nas mãos, aquecendo os dedos.

A gente começou a falar baixinho, como quem abre um álbum antigo. Eu lembrei do dia que o Paco me encontrou na calçada do Hotel Internacional, sentado na cadeira, charuto na boca, como se tivesse esperado a vida inteira por aquele momento. Lembrei da correria em Assunção, do marido, da amiga avisando para ela sumir, dos seguranças do Paco nos acudindo. Lembrei do vestido vermelho rasgado, da calcinha preta caindo no chão da suíte, do primeiro beijo que parecia que o mundo ia acabar. Ela baixou os olhos pro caneco de café e começou a falar com a voz firme, sem drama:

“Sabe, Beto… eu já estava decidida a me separar antes mesmo de te conhecer. Aquela vida de luxo em Assunção era bonita só na foto. Apartamento caro, carro importado, mas eu vivia trancada. Ele me batia quando bebia, e bebia quase todo dia.… Não era todo dia, mas bastava uma vez pra eu saber que ia ter outra. Muito diferente de você e do Paco. Eu saí aquele dia só pra respirar, pra andar sem rumo. E te encontrei. Não foi acaso. Foi salvação.

Fez uma pausa, respirou fundo.

“Quando você me tirou de lá, eu vim sem olhar pra trás. Mas agora, com a cabeça fria, eu vejo que não quero mais depender de homem nenhum pra viver. Quero trabalhar, quero ter meu nome na porta de algum lugar. O Paco prometeu a casa em Capitán Bado e a boutique em Pedro Juan. Eu vou aceitar, mas vou pagar cada centavo. Vou vender roupa, vou atender clientes, vou levantar cedo. Não tenho mais família, mas quero que meus filhos, se um dia eu tiver, saibam que a mãe deles nunca precisou abaixar a cabeça pra ninguém.

Eu senti um aperto no peito de orgulho. Aquela era a mesma mulher que dias atrás tremia dentro do carro? E agora falava com a firmeza de quem já tinha decidido o futuro. Paco ouviu tudo em silêncio, tragando o charuto, olhando o horizonte. Depois virou pra ela, com aquela voz rouca de quem já chorou muito na vida:

—“Maricruz reina...y si Beto se queda aquí trabajando conmigo? — Ele insinuou que a fazenda era grande, tinha campo para criar cavalo, muitos bois, terra pra plantar, contrabando honesto pra tocar… (rsrsrs).

“Soy viejo, necesito un joven a mi lado”

Eu só ouvindo, sem dar um pio, e sendo o sarrista de sempre, o Paco manda essa:

“E você, se ele ficar, já tem alguém de confiança pra te ajudar na loja, pra carregar caixa, pra espantar cliente chato… e pra te fazer feliz à noite.”

Ela sorriu de canto, olhou pra mim, depois pro Paco. —” Eu ia gostar muito disso. Mas só se ele quiser, mas não imagino um homem igual ele atrás de um balcão.”

Paco concordou rindo, soltando fumaça pelo nariz.

Mari arrematou aquele assunto… “Não quero prender ninguém. Já fui presa demais”.

Aí o velho uruguaio abriu o coração de vez. Ele falou baixo, olhando pro chão, como quem lembra de coisa que dói mas que faz bem lembrar.

“Eu perdi minha família inteira, Beto, Mari. Mulher, um filho homem, uma filha menina. Acidente na ruta 5, caminhão de cana que perdeu o freio. Eu tava em Montevidéu comprando cavalo, cheguei e só tinha caixão. Depois disso eu vim pro Paraguai, comprei essa fazenda, criei fama de maluco, perigoso, mulherengo… mas era só pra não ficar sozinho com a lembrança”.

Me contou como havia conhecido meu padrinho, o Véio. Foi em uma venda de tropa que fez para um fazendeiro de Campo Grande, muitos anos antes, início dos anos 80.

“Beto, teu padrinho estava lá, era amigo do comprador, chegou com aquela risada alta, bigode largo, trocamos um aperto firme de mãos e me disse: Paco, tu é uruguaio doente, mas sabe criar cavalo como ninguém. Viramos amigos ali mesmo.”

Ele levantou o olhar, já marejado, mas com aquele sorriso firme: “Quando te vi descer da tua caminhonete, chapéu na cabeça, barba mal feita, cara de safado, eu senti no peito. Por isso eu te segurei aqui, guri. Porque tu trouxe vida pra esse lugar que tava morto há anos. E porque, pela primeira vez em muito tempo, eu acordei feliz de verdade.”

Fez-se um silêncio bom. Daqueles que não precisa preencher. Maricruz pôs a mão na minha, Paco pôs a mão no meu ombro. Nós três na varanda do haras, com o sol já alto e o cheiro de capim molhado subindo, eu entendi que às vezes a gente não escolhe onde vai criar raiz. A raiz escolhe a gente. Aquilo eu levei para a vida!

Ali eu resolvi passar mais uns dias com aquele sujeito diferente. Eu não o julgava por ser como era, e com aquilo fui me apegando.

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Aquela nossa quietude foi quebrada quando o sol já entrava forte pelas janelas da casa-grande, e as moças começaram a aparecer, uma por uma, na cozinha.

Mercedes saiu primeiro, de camisola curta, coçando os olhos, já rindo. Depois Rosana e Letícia, cabelo bagunçado, marcas de travesseiro na cara.

A última foi a Yamila… mancando bonito, cada passo um “ai” baixinho, mão na cintura como se tivesse levado coice de mula.

Sentou na cadeira com cuidado extremo, almofada embaixo, cara de dor misturada com orgulho dizendo que “Nunca mais falo que aguento tudo… mas valeu cada segundo.”

Tomamos café com pão de queijo que a cozinheira tinha deixado pronto, chipa quente e café preto forte.

Deixamos as moças comendo e aproveitando a quietude que só uma fazenda tem, fui acompanhando o tio Paco até as baias dos garanhões. Ele já estava de bombacha, camisa aberta, espora de prata, olho brilhando como menino que ganhou brinquedo novo. O haras

dele parecia mesmo uma cabaña uruguaia de raiz: piquetes limpos, cochos de concreto, sombra de timbó centenário, e os cavalos… meu Deus do céu, que tropa!

Ele parava em cada cerca e falava como quem apresenta filhos:

“Olha este alazão Quarto de Milha, linhagem tal…, lombo largo, peito aberto, nasce laçando boi antes de mamar.

Este outro é Paint Horse tobiano preto e branco, importado direto do Texas, três vezes campeão de rédeas em torneios.

Aquele appaloosa leopard ali,parece que tem neve nas ancas, cruzamento com linhas australianas, olho azul que assusta até peão velho… E ali no fundo… os meus crioulos puro-sangue, pelagem gateada, crina grossa, casco duro que nem pedra, esses são os que cruzam a fronteira carregando carga sem reclamar. Ainda tenho dois andaluz puros, grisalhos, pescoço de touro, pra quem gosta de doma clássica e de desfilar em festa de padroeiro”.

Ele passava a mão no pescoço de cada um, conhecia o temperamento, a genealogia inteira, o dia que nasceu, a mãe, o pai, o avô.

Falava da importância do prepúcio curto no Quarto de Milha para corrida de tambor, do lombo curto no Paint pra rédeas, do osso largo no crioulo pra aguentar 500 km de tropeada sem ferradura.

“— Cavalo bom não é o mais bonito, Beto… é o que tem coração. O que olha pra você e entende o que você quer antes de você apertar a espora.” - E continuou na sua aula …

“Eu crio cavalo pra trabalhar, pra laçar, pra carregar homem e sonho junto.”

Eu ficava ouvindo, boca aberta, vendo aquele uruguaio de quase 60 anos falar de cavalos com a mesma paixão de quando falava de mulher.

Porque pra ele, cavalo e mulher eram a mesma coisa. Coisa sagrada que merece respeito, cuidado e, de vez em quando, rédea solta. Naquele dia eu entendi que o haras não era só terra e cerca.

E aquele em especial era o último pedaço de alma que o Paco ainda tinha inteiro. E eu estava dentro dele.

Passei dias inesquecíveis na companhia do Tio Paco. Eu jamais poderia imaginar que viveria tanta coisa e com tanta intensidade em tão pouco tempo: cavalo, mulher, risada, champanhe, dólar voando, coração aberto, até cuzinho rasgado teve. Era como se eu tivesse vivido dez anos em dez dias.

Dois dias depois fizemos uma viagem rápida até Pedro Juan.

Rosana recebeu o recado de urgência: a mãe dela, lá em Concepción, tinha sofrido um princípio de infarto. Não era gravíssimo, mas a velha estava sozinha e precisava da filha do lado. Paco não pensou duas vezes.

“— Vamos levar a Rosana até a rodoviária, gurí. Família é família. Depois a gente passa na casa da tia da Yamila pra deixar ela mais uns dias. Aquela bunda ainda tá pedindo licença pra sentar (risos)”.

Yamila, coitada, ainda andava de lado, mas já ria da própria desgraça.

Deixamos ela na casa da tia, em Zanja Pytã, com pomada, almofada, dinheiro e a promessa de voltar buscar quando estivesse “zerada” de novo.

Voltamos pro haras só cinco: eu, Paco, Maricruz, Mercedes e Leticia. Naquela noite, depois de um churrasco leve, costela no fogo baixo e mandioca assada, estávamos todos na varanda, noite serena, tereré rodando, silêncio gostoso. Foi aí que a Maricruz respirou fundo e falou firme:

— Gente… amanhã eu começo minha nova vida de verdade.

Chega de esperar. Quero ver a casa em Capitán Bado, quero escolher o ponto da boutique, quero começar a olhar catálogo de roupa. Não quero mais um dia sem ser dona do meu próprio tempo.

Paco ergueu a guampa de tereré, olho brilhando:

— ¡Esa es mi reina! Mañana mismo salimos, carajo. (Essa é minha rainha! Amanhã mesmo a gente sai, caralho.)

Mercedes bateu palma:— ¡Ya era hora, hermana! Vos merecés esto y mucho más. (Já era hora, irmã! Tu merece isso e muito mais.)Leticia completou:— Y nosotros te vamos ayudar en todo, ¿verdad, don Paco? (E a gente vai te ajudar em tudo, né, don Paco?)

Paco deu uma gargalhada:— ¡Claro, muchacha! Capital yo pongo, ponto eu arrendo, mostruário eu pago… pero vos trabaja y paga cuando pueda. Nada de deuda eterna. Aquí nadie es esclavo de nadie. (Claro, menina! Capital eu coloco, ponto eu alugo, mostruário eu pago… mas tu trabalha e paga quando puder. Nada de dívida eterna. Aqui ninguém é escravo de ninguém.)

Maricruz olhou pra mim, mão no meu joelho:— E tu, guapo… vem comigo amanhã? Quero que veja onde vou morar, onde vou trabalhar. Quero que faça parte disso.

Eu só apertei a mão dela e respondi:— Onde você estiver, eu tô junto, companheiro é companheiro.

Paco levantou outra vez a guampa:

— ¡Brindemos, carajo! Por la Maricruz que hoy renace… y por el rubio que todavía no se fue y ya es de la casa. (Brindemos, caralho! Pela Maricruz que hoje renasce… e pelo loiro que ainda não foi embora e já é da casa.)

Bebemos todos, a noite estava linda, o vento balançando as folhas de manga. Naquela noite ninguém foi pra cama cedo.

Ficamos conversando até depois da meia noite, fazendo planos, rindo de tudo que já tinha acontecido e sonhando com o que ainda ia acontecer.

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Na manhã seguinte saímos cedo, as três Hilux levantando poeira rumo a Capitán Bado. Primeira parada: a casa que o Paco já tinha escolhido. Depois eu soube que ele havia comprado!

Casita colonial reformada, parede branca, varanda grande, quintal com manga e laranjeira, a dois quarteirões da linha seca. Portão de ferro novo, pintura fresca, chão de cerâmica fria. Maricruz entrou, deu uma volta devagar, mão na boca. Quando viu o quarto com janela pro fundo, lágrimas escorreram sem barulho.

— Aquí empiezo de nuevo… aquí nadie más me grita. (Aqui eu começo de novo… aqui ninguém mais grita comigo.) Segunda parada: o ponto comercial na rua principal de Pedro Juan, não muito longe do Shopping China.

Bem localizado, duas portas de vidro, vitrine enorme, já com placa “próxima inauguração”.

Paco entregou a chave pra ela com um sorriso de pai:— Todo tuyo, reina. Nombre, color, mostrador… vos decidís. Yo solo pago la cuenta hasta que estés de pie. (Tudo teu, rainha. Nome, cor, mostruário… tu decide. Eu só pago a conta até você ficar de pé.)

No caminho de volta, quando Maricruz e Mercedes foram na frente na outra caminhonete, Paco baixou a voz e falou só pra mim, charuto na boca:

— “Gurí, ontem mandei recado pro ex corno dela em Assunção. Conheço gente que conhece gente… ele já sabe que a Maricruz agora é protegida minha.

Sabe quem é o Tio Paco pros amigos, e principalmente quem é Don Paco uruguayo loco pros inimigos”. Descobriu que ela não era casada no papel, mas ele a mantinha em rédea curta e soco na boca.

O Paco também deu recado que se ele ao menos pensasse em tocar em um fio de cabelos dela outra vez, ou no meu, ou mandasse alguém, ele daria “12, 357, 38, 44, 762” motivos de calibre para ele desistir! Segundo soube, o ex marido engoliu seco, disse que “deja pra lá”, que “não queria confusão com o uruguaio por causa de uma puta”.

Depois sorriu soltando fumaça, que eu poderia dormir tranquilo: ninguém mais ia tocar um dedo nela. Nunca mais!

É meu povo, coisas que só quem andou na fronteira sabe.

Chegamos no haras já no fim da tarde.

Seria a última noite da Maricruz dormindo ali antes de se mudar de vez. Depois do jantar, Mercedes puxou ela pro canto, as duas cochichando, rindo, se abraçando.

Quando voltaram, Mercedes veio com aquele olhar de quem sabe o que faz:

— Hoy yo me aparto, guapo. Esta noche es toda de la Mari. (Hoje eu abro mão, lindo. Esta noite é toda da Mari.) Hacela el amor como si fuera la última vez… (Faz amor com ela como se fosse a última vez.)

—Mañana ella empieza mujer nueva y vos tenés que dejarle una marca para que recuerde para siempre. (Amanhã ela será uma nova mulher e você tem que deixar marca pra ela se lembrar.)

Entramos no quarto principal, luz baixa, ventilador de teto rodando lento. Fechei a porta, Maricruz já estava descalça, vestido branco caindo no chão, corpo perfeito iluminado só pelo abajur.

Eu tirei a camisa devagar, ela veio pra mim, beijou meu peito, meu pescoço, sussurrou no meu ouvido:

— Haceme el amor como nunca, papi… quiero llevarte conmigo todos los días. (Faz amor comigo como nunca, paizinho… quero te levar comigo todos os dias.)

Fizemos amor com calma, com força, com lágrimas.

De frente, de lado, ela por cima, eu por cima, buceta molhada, pernas tremendo, gemidos abafados no travesseiro.

Gozei dentro dela algumas vezes, fundo, sentindo ela tragar tudo, chorando de tesão e de despedida.

Do quarto ao lado, o “hijo de puta” do Paco batia na parede, rindo alto:

— ¡Dale, rubio, carajo! ¡Trátala bien para que no te extrañe! ¡Que sienta hasta Capitán Bado!

(Dá duro, loiro, caralho! Dá um trato pra ela não sentir sua falta!)

Maricruz ria entre os gemidos, eu ria também, e a gente continuava, suados, grudados, como se pudesse parar o tempo. Fiz daquele jeito caprichado, mexendo com virilidade, beijando muito…Quando acabou, ficamos deitados, ela com a cabeça no meu peito, corpo queno, mão desenhando círculos no meu peito:

— Gracias por devolverme la vida, Beto. (Obrigada por me devolver a vida, Beto.)

—Mañana empiezo a pagar mi deuda con el mundo… pero contigo nunca voy a terminar de pagar. (Amanhã começo a pagar minha dívida com o mundo… mas contigo eu nunca vou terminar de pagar.)

E dormiu ali, respirando no meu peito, enquanto eu olhava o teto e sabia que aquela noite ia ficar marcada na pele dos dois pra sempre.

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Eu já tinha decidido, ia ficar mais uns dias, com o velho Paco.

O Véio que esperasse um pouco. Ali eu estava vivendo, não sobrevivendo. No dia seguinte cedinho saímos os quatro: eu, Paco, Maricruz e Mercedes.

Duas Hillux carregadas até o teto, um caminhão com geladeira, fogão, cama nova, televisão 29 polegadas, roupas de cama, toalhas, tudo que uma casa precisa pra nascer de novo. Chegamos em Capitán Bado antes do meio-dia.

Descemos tudo, suados, rindo, poeira vermelha nas botas. O Paco levou a peonada pra ajudar, em dois tempos estava tudo arrumado, e já mandou espalhar que ali era gente dele morando.

A casa estava ficando viva na nossa frente, cortina branca na janela, vaso de flores na mesa, cheiro de novo misturado com cheiro de liberdade.

Depois fomos pra loja.

Paco tinha mandado vir dois caminhões de Ponta Porã: centenas de vestidos de festa, jeans Levi’s, camisas de seda, lingerie Valisère, perfume importado, salto alto, bijuteria fina…

Era estoque pra boutique de gente grande.

A gente descarregava caixa, abria, pendurava, arrumava prateleira.

Maricruz olhava aquilo tudo e chorava baixinho, sem acreditar.

Quando terminou o dia, Paco me puxou pro canto, acendeu o charuto e falou só pra mim, voz baixa me chamando de guri… Que quando ela começasse a vender e quisesse pagar, ele ia fazer que nem fez com a Zulema em 82, montando o cabaré pra ela. E foi além, disse que era empréstimo… no fim passou tudo pro nome dela, quite, limpo.

Com a Mari ia ser igual.

“Ela nunca vai dever nada pra ninguém. Eu não preciso do dinheiro dela. Preciso ver essa mulher linda de pé, sorrindo, mandando no próprio destino. Isso pra mim vale mais que qualquer plata.”

Eu só apertei a mão dele. Não tinha palavra que chegasse.

Deixamos a Maricruz na casa nova, luz acesa, chave na mão, abraço apertado.

Chorando muito, ela beijou minha boca, beijou a testa da Mercedes, abraçou o Paco como se ele fosse pai de verdade. (Um pai bem safado, mas o clima foi aquele)

— Gracias por darme alas, don Paco…(Obrigada por me dar asas, don Paco…) – só lágrimas!

Voltamos pro haras só nós quatro: eu, Paco, Mercedes e Leticia.

A casa-grande ficou mais quieta, mas o cheiro da Mari ainda estava no ar. E alí, sentado na varanda naquela noite, tomando tereré e olhando o céu paraguaio, eu pensei no Paco.

O homem era um caso sério de safadeza e cavalheirismo misturados. Pegava todas: Loira, morena, casada, solteira, jovem, madura… não escolhia.

Gostava da noite mais que um lobisomem, do cheiro de perfume barato misturado com caro, do batom na camisa, do gemido abafado no quarto de motel ou na suíte de hotel.

Acho que ele nunca sentiu ciúmes na vida.

Dizia que “mulher é como cavalo: quanto mais gente monta, mais manso fica” – era um viejo hijo de puta”.

Era mais perdido do que eu jamais fui, acho que nem o meu tio, o Branco, era daquele jeito.

Mas tinha uma coisa que ninguém conseguia explicar direito, o sujeito era incapaz de ver uma mulher sofrendo.

Se soubesse de um marido que batia, aparecia com dois homens de confiança e resolvia na conversa… ou no cacete se precisasse, era ao gosto do freguês, dizia.

Se uma garota de programa ficava doente, pagava médico, remédio, comida. Se uma mãe solteira precisava de escola pros filhos, arrumava, dava leite, mandava carne, depois arranjava um trabalho.

Tudo sem alarde, na moita, sem cobrar favor, sem esperar agradecimento.

Era um filho da puta adorável!

Talvez um pequeno contraventor de terno branco, camisa de linho aberta até o umbigo, mostrando os pêlos grisalhos, o corpo em forma, a corrente de ouro grossa pendurada no peito e na cintura o volume do canhão, que sendo muito rico, compartilhava seus ganhos pra dar pras putas e viúvas.

Um uruguaio que perdeu tudo quando a família de forma trágica se foi, e decidiu que nunca mais ia deixar ninguém perder dignidade na frente dele.Talvez seja isso que faça um homem ser lembrado pra sempre. Não o tanto que ele pega, toma, mas o tanto ele protege quem já foi muito machucado.

Naquela noite, olhando pro céu do Paraguai, eu entendi que o Tio Paco não era só meu amigo.

Ele era, literalmente, o último cavalheiro da fronteira!

São coisas difíceis de explicar para alguém que jamais tenha pisado as solas dos sapatos, se aventurando, a mais de 200 km longe de onde nasceu e viveu.

Eu ainda era jovem, mas analisava muito as coisas, como era a vida. De certa forma eu também tive que amadurecer na marra, e me identificava com aquele maluco uruguaio.

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A Boutique da Mari virou um ponto bem frequentado em Pedro Juan. A notícia correu a fronteira inteira: “a ex-mulher do ricaço de Assunção agora vende roupa mais barata que no Shopping China e ainda dá sorriso de graça”.

A loja ficava lotada de manhã até a noite, caminhoneiros comprando jeans, esposas de fazendeiros escolhendo vestidos de festa, mocinhas provando salto alto pela primeira vez. Maricruz andava de um lado pro outro, cabelo preso, blusa branca, saia justa, voz firme atendendo todo mundo.

Já era dona. Já era rainha de novo!

Em um fim de tarde quente, estávamos eu e Paco correndo os pastos, olhando tudo, serviço corriqueiro de fazenda, quando chegamos próximo da varanda do casarão avistamos um táxi estacionado, mais adiante encontramos Mercedes, Letícia e a Dona Maricruz, sorridente, linda. As outras duas estavam com as malas prontas.

Mercedes falou primeiro, olhos brilhando, contando que a Mari precisava de ajuda.

“A loja tá explodindo.”

E prosseguiu relatando que a Mari ofereceu emprego fixo, quarto na casa dela, salário bom.

Queria trabalhar, ter o próprio dinheiro, crescer. Letícia completou, voz mais baixa, nos olhando com certa tristeza, mas decisão nos olhos.

Nos disse que foi tudo lindo, era grata ao Don Paco, mas elas não poderiam viver só de cama e churrasco pra sempre.

“A Mari nos deu asa, vamos voar com ela”.

Fiquei quieto um tempo, fumando, olhando as duas malas no chão.

Na minha vida, tudo sempre terminava assim, ou em lágrimas ou em safadeza.

Às vezes os dois juntos.

Maricruz veio caminhando, parou na minha frente, segurou meu rosto, dizendo que elas iam morar juntas, trabalhar e crescer.

E que eu sempre teria lugar na sua cama e no seu coração. A porta estaria sempre aberta para mim e para o Tio Paco.

Abracei e beijei a testa das três, uma por uma, assim como o Paco, que estava visivelmente emocionado.

Abraço apertado, cheiro de perfume, lágrima disfarçada.

Paco só olhava, fumando charuto, sem falar nada. Quando as três entraram no táxi e sumiram na poeira da estrada, o haras ficou vazio de mulher pela primeira vez em semanas.

Eu e o Paco ficamos na varanda sentados no chão, tereré na mão, silêncio pesado.

Ele quebrou o gelo:

— Bueno, gurí… ahora somos dos viejos solitos, carajo. (Bom, guri… agora somos dois velhos sozinhos, caralho.) Rimos, mas era riso triste.

No outro dia acordamos os galos, pegamos a caminhonete dele e fomos pra Pedro Juan sozinhos, sem segurança pessoal, “dar uma volta”, como ele dizia. Resolvemos uns assuntos dele, e a tarde, logo depois do almoço, calçadas cheias, som de Sérgio Reis saindo das lojas, cheiro de chipa quente, brasileiro de camisa xadrez comprando whisky, paraguaio gritando preço de tênis Nike. Paramos na frente da Boutique da Mari só pra olhar de longe.

As três lá dentro: Maricruz atendendo, Mercedes arrumando provador, Letícia, embalando compra.

Rindo alto, felizes pra caralho.

Paco acendeu outro charuto, voz rouca:

— Mirá eso, Beto… tres mujeres que llegaron rotas y hoy mandan en su propio mundo. (Olha isso, Beto… três mulheres que chegaram quebradas e hoje mandam no próprio mundo.)

“Esto vale más que cualquier noche de puterío.”

Eu concordei, garganta apertada. Andamos mais um pouco pela rua, sol caindo, poeira vermelha no ar, rádio tocando “Chalana” baixinho. Paramos na sorveteria em frente à praça, pedimos dois copos de coco gelado. Paco olhou pro céu, depois pra mim:

—Así es la vida, chico... la gente que amamos no se queda a nuestro lado para siempre. Se quedan dentro.

Naquele dia, há 30 anos contados em folhinha de parede, eu entendi que às vezes o maior presente que a gente dá pra quem se ama, se quer bem, não é segurar. É soltar pra voar.

E ficamos ali, dois homens sem mulher do lado, mas com o peito cheio delas.

Eu até aquele momento da minha jovem e conturbada vida achava que tinha o coração grande, maior que meu cacete, mas não. O tio Paco tinha o coração maior que o Paraguai inteiro.

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Depois do sorvete, eu e o Paco, dois corações vagabundos com saudade antecipada, resolvemos curar a dor do jeito que a fronteira ensina: mulher, uísque e música alta. Fomos pra caminhonete, o Paco bateu no volante da Hillux e soltou:

— ¡Hoy vamos donde la Zulema, gurí! ¡Y esta noche el cabaret es nuestro, carajo!

(Hoje vamos na Zulema, guri! E esta noite o cabaré é nosso, caralho!)

Chegamos quando o neon vermelho já piscava forte: “Club – 24 horas”.

Portinha de ferro, som de Zezé di Camargo & Luciano estourando caixa, cheiro de cigarro Hollywood e fragrância Brut misturados.

Paco desceu da caminhonete, aquele terno branco impecável, charuto cubano aceso, gritou pra dentro:

— ¡Zule, mi reina! ¡Cierra todo! ¡Hoy paga don Paco y entran sólo los amigos! (— Zule, minha rainha! Feche tudo! Dom Paco paga hoje e só amigos podem entrar!).

Zulema saiu rebolando, corpão de anos bem vividos, bata transparente, salto 15, sorriso de quem já viu o uruguaio fazer isso mil vezes:

— ¡Ay, don Paco, otra vez vos?! ¡Las chicas ya se están poniendo locas! (Ai, don Paco, outra vez tu?! As meninas já estão ficando loucas!)

Entramos, ela já ia fechar o portão quando um caminhoneiro brasileiro grandão, tipo de gaúcho, saiu do corredor, calça meio aberta, camisa pra fora, uma putinha de 18 anos agarrada na cintura dele.

Olho vermelho de pinga, voz grossa:— Que porra é essa de fechar? Eu paguei 200 mil guaraní por essa guria e ainda me falta meia hora de serviço!

Começou o show: o idiota virou mesas, quebrou garrafa de Ballantine’s no chão, empurrou a moça, cadeira voou, copo estilhaçou.

Eu já queria derrubar ele com um coice, o “viejo” percebeu!

Com toda calma do mundo, de quem já atravessou madrugadas com o cheiro da pólvora impregnado nos punhos e colarinhos, sorriso malicioso no canto da boca colocou a mão no meu peito me segurando. “Calmate amigo”.

O uruguaio só tirou o charuto da boca, voz calma:

— Tranquilo, amigo… respira fundo.

O caminhoneiro virou pra ele, peito estufado:

— Quem é esse véio fia da puta?!

Paco arregalando os olhos:

—Soy tu padre, ¿no te lo dijo tu madre? ¿Dónde está? ¡No la veo! (Eu sou seu pai, sua mãe não lhe contou? Onde ela está? Não consigo vê-la!)

Antes que o sujeito abrisse a boca de novo, o Paco já tinha sacado o .357 do coldre de cintura.

Coronhada seca na testa. Juro, doeu em mim a pancada!

O caminhoneiro caiu de joelhos, sangue brotando grosso da testa pingando no piso frio. Abriu uma buceta onde pegou a pancada! Zulema gritou, as meninas correram, mas o Paco só apontou o revólver pro sujeito e falou com aquela cara de safado:

—Levántate, valiente. Paga los daños, déjale a Zulema un regalo dey discúlpate con las damas. (— Levanta, valentão. Paga o prejuízo, deixa 500 mil de agrado pra Zulema e pede desculpa pras damas.)

De lo contrario... ¡te enterraré aquí mismo y nadie te encontrará jamás, chaval, estás hablando con Don Paco, cabrón! (Se não… te enterro aqui atrás e ninguém nunca vai te achar, moleque, você tá falando com o Dom Paco, seu puto!)

O sujeitão tonto, carteira tremendo na mão, abriu o velcro tirando tudo que tinha, jogou no balcão:— Perdão, seu Paco… perdão, dona Zulema… eu não sabia…

Paco guardou o 357, deu um tapinha no ombro do sujeito:

—Que Dios te acompañe, hijo. Y la próxima vez, pide permiso antes de hablar. Hoy te doy este regalo, pero… (Que Deus esteja contigo, filho. E da próxima vez, peça permissão antes de falar. Hoje te dou este presente, mas…) — O uruguaio estava com aquele olhar de quem havia dado o último aviso!

O caminhoneiro saiu cambaleando, porta batendo atrás dele.

Zulema já estava rindo, abrindo os braços:

— ¡Mi uruguayo loco! ¡Ahora sí, chicas… el cabaret es de don Paco y del rubio! ¡Todo gratis, todo permitido! (— Meu uruguaio maluco! Bem, meninas… o cabaré pertence a Dom Paco e ao loiro! Tudo é grátis, tudo é permitido!)

Entramos pisando em cacos de vidros e poças de bebida com respingos de sangue.

Dez mulheres esperando, todas de baby-doll, calcinha fio-dental, salto alto estalando no chão. Uma morena de bunda grande sentou direto no meu colo, mão já abrindo minha camisa:

— ¡Ay, rubio… vos sos el famoso Bêto que dejó el culo de la Yamila en carne viva, né? ¡Las noticias vuelan en la frontera, guapo! (Ai, loiro… tu é o famoso Betão que deixou o cu da Yamila em carne viva, né? As notícias voam na fronteira, lindo!)

Outra loira falsa de peito pequeno e durinho já ajoelhava na minha frente:— ¡Yo quiero probar ese palo que dicen que es de caballo! ¡Dicen que entra y no sale más! (Eu quero provar esse pau que dizem que é de cavalo! Dizem que entra e não sai mais!)

Paco ria alto, duas no colo dele, whisky sendo servido em copo de conhaque:

— ¡Esto es vida, carajo! ¡Esto es vida!

A noite virou farra completa: música alta, mulher pelada dançando no balcão, uísque descendo redondo, gemidos, risadas, cheiro de sexo misturados a fumaça dos charutos cubanos do Paco, “viejo loco”.

Eu e Paco, dois corações magoados, curando a dor do único jeito que a gente sabia, cada um à sua maneira: Com mulher demais, bebida demais e a certeza de que no amanhã o sol ia nascer de novo. Porque na fronteira, meu povo, quem tem saudade cura com corpo…Isso era sagrado pra quem pisava em marcos de divisas em outras épocas com o coração aberto e o cinto frouxo.

Só os que viram o sol nascendo em terra estrangeira, muito longe de casa, caminhando, coração e mente carregados de lembranças, as marcas de mordidas e arranhões ardendo na pele, a boca cansada, cigarro queimado lento entre os lábios, sabe o que este velho cavaleiro está falando!

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Acordei com o sol rachando na janela do quarto de hóspedes da Zulema, cabeça girando de uísque, boca com gosto de batom, buceta e cigarro, corpo cheio de marcas de unha e beijo.

Paco já estava na varanda do cabaré, de robe de seda aberto, peito de fora, tomando café preto e rindo sozinho.

Apareci onde ele estava, fiquei escorado na parede, vestido só de zorba, peguei uma guampa de tereré que a Zulema ofereceu e sentei do lado dele.

— ¡Buenos días, rubio del diablo! ¿Dormiste o te usaron de colchón toda la noche?

(Bom dia, loiro do capeta! Dormiu ou te usaram de colchão a noite toda?)

— Paco… acho que ontem quebrei meu recorde pessoal. Ele deu uma gargalhada rouca, pigarreando:

— ¡Y yo también, carajo! Pero valió la pena. Corazón magoado cura con conchas y uísque, ya lo sabes. (Eu também, caralho! Mas valeu a pena. Um coração partido se cura com buceta e uísque, você sabe disso.)

Ficamos ali um tempo, olhando a rua acordar, caminhão de gás passando, meninas do cabaré indo embora de táxi, cheiro de chipa e café forte no ar.

Foi quando eu falei:

— Viejo… ainda tenho uns dias antes de voltar pro Brasil. Quero aproveitar cada minuto deste Paraguai que tu me deu.

Paco acendeu o charuto da manhã, olho brilhando:

— Entonces vamos aproveitar de verdad, gurí.

Los próximos días van a ser así: de día: campo, caballo, lazo, tereré y asado; de noche: Pedro Juan, Zulema, cassino, motel, mujer que nunca ha visto a un brasileño rubio de cerca. Y cuando te vayas… vas a llevar el Paraguai tatuado en la piel y en el alma. (Então vamos aproveitar ao máximo, garoto. Os próximos dias serão assim: de dia: campo, cavalo, laço, tereré e churrasco; à noite: Pedro Juan Caballero, Zulema, cassino, motel, uma mulher que nunca viu um loiro brasileiro de perto. E quando você for embora… levará o Paraguai tatuado na pele e na alma.)

Eu só sorri, apertei a mão dele:

— Combinado, “viejo loco!”

O uruguaio pediu licença, disse que precisava se deitar mais um pouco, estava cansado, eu e Zule ficamos sozinhos na varanda dos fundos.

O cabaré estava fechado, as meninas que moravam no local dormiam, Zulema acendeu um Hollywood, deu um trago longo e começou a falar baixo, olhando pro céu como quem lembra coisa que dói gostoso.

“Beto… tu quer saber como eu conheci o “teu Tio Paco?”

Foi em 1982. Eu ainda era muito atraente, pele lisa, bunda dura, trabalhava numa casa de nome lá em Ponta Porã, do lado brasileiro.

Uma noite entrou um homem que eu nunca tinha visto.

Terno branco impecável, chapéu panamá, charuto cheiroso na boca, lindo que parecia ator de cinema… mas o olhar, meu Deus… o olhar era de quem tinha enterrado o mundo inteiro. Ele sentou no balcão, pediu um conhaque, não falou com ninguém. Eu fui servir, tentei puxar conversa. Ele só olhou pra mim, deu um sorriso triste e falou com aquele sotaque uruguaio que até hoje me arrepia:

“— Dejame solo con mi dolor, reina… hoy no estoy para compañía.”

Eu deixei ele quieto, mas fiquei olhando de longe.

O homem parecia que carregava um defunto nas costas. Dias depois voltou. E voltou de novo.

Sempre o mesmo terno branco, sempre o mesmo olhar de luto.

Eu comecei a sentar do lado dele, sem cobrar, só pra fazer companhia.

Um dia ele soltou:

“— Perdí todo, Zule… mujer, hijo, hija… un camión en la ruta 5. Yo estaba comprando caballo en Montevideo… cuando llegué solo había tres cajones.”

“Foi a primeira vez que eu vi aquele homem lindo chorar.

Chorou no meu colo feito uma criança. Me mostrou uma foto da mulher, a loira parecia uma modelo de revista de tão linda, e dos filhos, que carregava no bolso do terno.

Aí veio o dia que mudou tudo. Um cliente bêbado, um fazendeiro rico do Mato Grosso, me pegou no quarto, quis fazer coisa que eu não queria.

Eu disse não. Ele me deu chutes , tapas, socos, me rasgou a roupa.

Eu gritava, ninguém vinha. Naquela casa as meninas eram só mercadorias baratas.

Foi quando a porta se abriu com um chute”.(Ela me contando aquilo entre lágrimas)

“Era o meu urugayo loco.”

“Olhar que não era mais triste, Beto… era de matar. Pegou o sujeito pelo pescoço, jogou na parede, quebrou o braço dele de um jeito que se ouviu o estalo do outro lado da casa.”

“Depois tirou o revólver, enfiou na boca do sujeito e falou gelado:

— Tocaste a lo que es mío. Ahora vas a aprender a nunca más levantar la mano a una mujer.”

“O fazendeiro cagou no chão que escorreu quando ouviu teu tio Paco puxar o cão para trás engatinhando!”

“Paco ainda com ódio naqueles olhos castanhos, abriu a cabeça dele a coronhadas, depois fez ele pagar tudo que tinha na carteira, mais o prejuízo do quarto, e ainda o obrigou a me pedir perdão de joelhos. No dia seguinte ele voltou, me buscou com uma caminhonete nova e falou:

— Vos no trabajás más para hijo de puta. Te voy a montar una casa. Y nunca más nadie te va a tocar sin tu permiso. (— Você não vai mais trabalhar para filho da puta. Vou construir uma casa só para você. E ninguém nunca mais vai te tocar sem a sua permissão.)”

“E cumpriu.”

“Comprou o ponto, reformou, colocou meu nome na placa.

Disse que era “empréstimo”.

Nunca cobrou um centavo.

Quando eu quis pagar, ele riu: — Zule, reina… yo ya tengo todo lo que necesito. Lo que hago por vos lo hago por la memoria de mi mujer. Ella gostaria que yo cuidara de las que el mundo olvidó. (Zule, minha rainha… Eu já tenho tudo o que preciso. O que faço por você, faço pela memória da minha esposa. Ela gostaria que eu cuidasse daqueles que o mundo esqueceu.)”

“Beto… esse homem é um demônio lindo de terno branco. Briga, fode, bebe, joga, quebra tudo e dá tiros com a mesma paixão… mas se vê uma mulher sofrendo, vira anjo com revólver na cintura … por isso que até hoje, treze anos depois, quando ele aparece aqui eu fecho a casa pro resto do mundo.

Porque eu devo a ele a única coisa que dinheiro não compra, a certeza de que alguém no mundo olhou pra mim e viu gente.”

Zulema terminou, apagou o cigarro, enxugando os olhos e sorrindo.

Terminou aquela conversa me dizendo que o Paco havia me levado até a casa dela, … “ um outro loiro de olhar triste que precisava de cura.” "Loiro, o uruguaio se apegou muito a você, nunca vi ele carregando nenhum homem junto dele, a não ser os seguranças… "

— “Ustedes dos son iguales, tienen corazones demasiado grandes para sus pechos.

Nos abraçamos, não tinha palavra que chegasse!

Passamos o dia inteiro na casa da Zulema bebendo café, tereré gelado, meninas nos fazendo massagem, whisky 12 anos rolando solto no copo do Paco.

A casa continuava fechada pro público, era regra antiga. Quando o Tio estava “curando mágoa”, só entrava quem ele autorizasse. Mas lá pelas nove da noite, quando a gente estava jogando baralho, o Paco tentando me ensinar Poker, já no seu terceiro copo e o som tocando, ouvimos um estrondo na porta da frente. Uma voz grossa, brava, cheia de arrogância, gritando do lado de fora:

— Abre essa porra, Zulema! Sou eu, o “fulano” (era conhecido na região do lado brasileiro). Eu pago 500 mil adiantado nessa porra de zona toda sexta! Quem você acha que é pra me deixar do lado de fora, puta do caralho?!

Lembro da Zulema levantar os olhos, suspirando, reclamando do sujeito.

O tio já ia levantar, mão no 357, olho pegando fogo:

— Dejame a mí, carajo… hoy le enseño modales.

Eu levantei primeiro, deixei as cartas jogadas sobre a mesa, dei um tapinha no ombro dele, uma piscada.

— Viejo, descansa. Hoje é comigo! Deixa eu mostrar como a gente resolve isso lá no oeste do meu Estado, bem na divisa com o Mato Grosso véio.

Paco sorriu de canto, sentou de novo, reacendeu o charuto, ficou esfregando as mãos:

— ¡Dale, rubio! ¡Quiero ver si llevas sangre italiano en los ojos! (Ele queria ver se eu tinha o sangue do meu povo nos olhos?

Abri a porta com calma, a mulherada vindo atrás.

O sujeito com terno amarrotado, gravata torta, cara vermelha de raiva e bebida, demonstrando total falta de noção do perigo me soltou essa na cara:

— Quem é essa loirinha de chapéu? É puta nova na casa, Zulema? — gritando a todos pulmões.

Eu sorri, dei um passo pra frente

—Prazer, sou o Betão… tava aqui comendo o cu da tua mãe, oh mula véia que geme feio, biscate ruim de foda!

O Paco, a Zulema e as outras moças quase caíram da cadeira de tanto rir!

Eu ofendi o rapaz, que tomado de ódio mortal veio pra cima, mão levantada:

— Então vem aqui, viadinho… Nem deixei ele dar o segundo passo.

Ha ha, meu povo, não deu nêga a queda!

Resolvi o assunto como costumava fazer. Soltei uma botinada com ódio na boca do estômago, pior que um coice, bem no meio do fofo do estômago do folgado.

O sujeito dobrou no meio, ar saindo igual fole furado. Depois mandei um soco daqueles que onde pega, não nasce nem cabelo ou capim. Acertei no meio da cara, pegando beiço, nariz… – tudo em segundos.

Ele caiu de costas, espumando pela boca saliva e sangue na gravata.

Nem precisei de mais. Silêncio total.

As putinhas na porta com a mão na boca.

Zulema de olhos arregalados.

O tio Paco aplaudia de pé, arma na mão, rindo alto, fazendo deboche:

— ¡La puta madre, gurí! ¡Eso fue un coice de mula colorada! (Caralho, guri! Isso foi coice de mula vermelha!). ¡Miren esto, chicas... el rubio pega como un toro en un rodeo! ¡Una patada y un puñetazo y el tipo ya está rezando! (Olha só, meninas... esse loirinho bate como um touro no rodeio! Um chute, um soco e ele já tá rezando!)

Zulema correu, abraçou meu pescoço:

¡Mi héroe brasileño! ¡Jamás había visto a nadie derrotar a alguien tan rápido! (Meu herói brasileiro! Nunca vi ninguém derrubar alguém tão rápido!)

O sujeito ainda tentando respirar no chão:

— Eu… eu pago… eu pago … só não bate mais, tô errado, chega…Paco desceu os degraus, agachou do lado dele, ficou coçando o joelho com a mira do .357, voz bem calma:

— Paga el doble, deja un millón en propinas para las chicas y pide perdón de rodillas, doctor. De lo contrario, Beto te convertirá en un filete de hígado. (Pague o triplo, deixe um milhão em gorjetas para as garotas, senão o Beto te transforma em bife de fígado.)

O cara, chorando, tirou a carteira, jogou tudo no chão: — Perdão… perdão, don… perdão, meninas…

Paco pegou o dinheiro, entregou pra Zulema e deu um tapinha nas minhas costas:— ¡Viste, Zule? ¡El guri es más rápido que mi 357!

As meninas começaram a aplaudir, rir, pular, foi a maior algazarra:

—¡El rubio es un semental de pura raza! ¡Queremos al rubio como escolta! (O loiro é um garanhão puro-sangue! Queremos o loiro como nosso guarda-costas!)

Eu só ria, limpei o suor da testa e voltei pra dentro. Paco gritou atrás de mim:— ¡Hoy la casa abre de nuevo, chicas! ¡El héroe caído pagará por todo! (A casa reabre hoje, meninas! O herói caído vai pagar por tudo!)

“Y el rubio merece la mejor de la noche!”

A Zulema foi até a aparelhagem de som, colocou uma música que o Paco adorava, “Recuerdos de Ypacaraí” cantado por Júlio Iglesias… e se atracaram dançando no meio do salão, com rostos colados, naquele bailado suave, como se o tempo tivesse parado só pra eles dois. Eu via o velho uruguaio girando devagar, mão na cintura dela, olho fechado, lembrando talvez da mulher que perdeu anos atrás, e Zulema apertando o corpo contra o dele, sussurrando alguma coisa no ouvido que fazia ele sorrir triste.

Aquela noite eu dancei, fiz amor, isso mesmo, dentro de uma “zona”, na fronteira, eu fiz amor com uma jovem morena linda, longos cabelos negros que corriam como um rio escuro de águas profundas, de forma caprichosa por seus ombros, curvas distribuídas pelo corpo em ondas, como a melodia da harpa paraguaia, pele macia, olhos puxados, lábios sensuais muito carnudos, cheiro de jasmim mesclados a terra quente, vermelha e úmida del Paraguay.

Eu já nem me lembrava onde havia nascido, de onde vinha e para onde estava indo. As noites na fronteira paraguaia estavam me envolvendo em passos largos… mais e mais a cada manhã, tarde, noite e madrugada.

(Vou confessar a vocês, anos atrás comprei um CD do Júlio que tinha essa música. Puta que pariu, quantas recordações do veijo Paco , da fronteira, daquela época louca da minha vida…)

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Era como se o Paraguai tivesse me abraçado com braços de mulher, apertado e forte, e eu não quisesse mais soltar. Cada dia ali me fazia esquecer um pedaço do Brasil, das tristezas, da fazenda do Véio meu padrinho, o cheiro de curral, o som do berrante na comitiva. Em vez disso, eu sentia uma liberdade que eu nunca tinha provado, uma mistura de tesão, amizade e paz que preenchia o vazio que aquele incidente passado a pouquíssimo tempo tinha deixado na minha alma.

Eu me sentia vivo de novo, como se cada beijo, cada galope reboleando o laço atrás dos bois do uruguaio, montando em seus puros-sangues, cada copo de caña ou guampas de tereré fosse remédio pra uma ferida que eu nem sabia que ainda sangrava. Mas ao mesmo tempo tinha medo. Um medo de me perder tanto naquela terra vermelha que um dia eu não soubesse mais voltar pra casa. Medo de que essa felicidade fosse só ilusão de fronteira, daquelas que some quando o sol nasce e a ressaca chega.

Zulema, vendo que o Paco estava nos braços dela, piscou pra mim e apontou pra morena que tinha acabado de entrar no salão, uma novata que chamam de Sole, uns 20 anos, se muito, corpo de quem nasceu pra dançar guarânia. Eu a peguei pela mão, levei pro canto mais escuro, onde o som da música abafava os gemidos. Nos beijamos de forma aflita, ali mesmo, língua quente, mão correndo pelo corpo dela como se fosse mapa de tesouro. Subi o vestido dela, tirei a calcinha branca de renda que contrastava com sua pele morena clara, e quando a penetrei, de forma profunda, ela cravou as unhas nas minhas costas, sussurrando no meu ouvido:

— Haceme tuya, rubio… haceme olvidar que…. (Me faz tua, loiro… me faz esquecer...)

Fizemos amor de pé, encostados na parede, depois no sofá velho do canto, depois no chão mesmo, tapete desgastado testemunhando tudo.

As demais fingiam não estarem vendo, mas ficaram assistindo caladas, sem algazarra, parece que sentiam que ali estávamos fazendo amor.

Ela gozava em contrações violentas, pernas tremendo, e eu sentia uma coisa diferente, não era só tesão, era como se eu estivesse curando alguma coisa nela também, como se a gente fosse dois perdidos se encontrando no meio da noite. Quando terminei, beijando sua boca, ela chorou um pouco no meu ombro, e eu só abracei forte, sem falar nada.

O Paco, lá do salão, ainda dançando com a Zulema, gritou pra mim quando a música parou:

— ¡Rubio, carajo! ¡Dejá algo para las demás, que yo todavía tengo que enseñarles cómo se hace en Uruguay! (Loiro, caralho! Deixa alguma coisa pras outras, que eu ainda tenho que ensinar como se faz no Uruguai!)

Rimos todos, e a noite continuou assim: dança, beijo, amor disfarçado de safadeza, até o sol nascer e a gente cair dormindo, como se o mundo lá fora não existisse.

Na verdade , o uruguaio me lembrava dos meus heróis, familiares queridos… Tinha a seriedade nos negócios do meu avô e pai, a beleza, temperamento e o assanhamento do meu tio, o traquejo e tino do Véio meu padrinho para os contatos, e a generosidade de todos eles juntos!

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Depois de ficarmos internados ali, toda a farra, saímos da casa da Zulema quando o sol já estava alto, batendo na cabeça como martelo em ferradura.

A noite tinha sido longa, cheia de mulheres, risadas, mas na hora da despedida o ar ficou pesado de mágoa e saudade.

As meninas da casa, ainda de camisola e maquiagem borrada, vieram abraçar a gente como se fôssemos maridos voltando pra guerra.

Zulema me segurou pelo braço, olho marejado:

— Vuelve pronto, rubio… este lugar no es lo mismo sin vos. (Volte logo, loiro… esse lugar não é o mesmo sem você.)

Paco deu um beijo na boca dela, apertou a bunda com força, rindo safado:

— Tranquila, mi reina… yo siempre vuelvo. Y el gurí también, que ya es de la familia. (Fica tranquila, minha rainha… eu sempre volto. E o guri também, que já é da família.)

Deixamos dinheiro na mesa pra todas, gorjeta gorda, e saímos com o peito apertado, Hillux rodando na rua poeirenta. Fomos direto para a loja da Maricruz.

A botique estava aberta, movimentada, clientes entrando e saindo, cheiro de perfume novo no ar.

Entramos, ela viu a gente e veio correndo, sorriso largo:

— ¡Mira quiénes llegaron! ¡Mis dos ángeles guardianes! (Olha quem chegou! Meus dois anjos da guarda!)

A loja estava uma beleza: prateleiras cheias de vestido, jeans, lingerie, vitrine brilhando com luz neon.

Mercedes e Letícia atrás do balcão, atendendo, rindo, já parecendo donas também. Mas quando elas viram nossas caras amarrotadas, camisa suja de batom, cheiro de mulher, bebida e cigarro, veio a reclamação na hora. Maricruz cruzou os braços:

— ¡Qué olor, carajo! ¡Parecen que durmieron en un burdel! (Que cheiro, caralho! Parecem que dormiram num bordel!)

Mercedes apontou pro Paco:

— Y vos, don Paco… con esa cara de satisfecho, ¿cuántas te comiste anoche? (E tu, don Paco… com essa cara de satisfeito, quantas tu comeu ontem à noite?)

Paco riu alto, abriu os braços:— ¡Sólo las necesarias para olvidar que ya soy viejo, reinas! (Só as necessárias pra esquecer que já sou velho, rainhas!)

Leticia cheirou minha camisa e fez careta:

— ¡Y tú, guapo… hueles a perfume barato y a pecado caro! (E tu, lindo… cheira a perfume barato e a pecado caro!)

Rimos todos, abraço apertado, mas o cheiro ficou no ar.

Constatamos que estava tudo bem, as vendas boas, estoque girando, clientes felizes. Mari já era dona da sua vida.

Voltamos pro haras no fim da tarde, Hilux pesada de silêncio.

O resto do dia foi de quietude, banho frio, jantar leve, ninguém bebendo.

Eu e Paco sentamos na varanda, mas quem veio falar foi o velho Don Saturnino Yvytu. Ele apareceu devagar, descalço, guampa na mão, sentou do meu lado e falou baixo, olho no horizonte:

— Te veo confundido, mbohapy… como hombre que olvidó el camino de casa. (Te vejo confuso, irmão… como homem que esqueceu o caminho de casa.)

La frontera tiene eso, te envuelve como mujer hermosa, te hace olvidar el mundo de afuera. (A fronteira tem isso: te envolve como mulher bonita, te faz esquecer o mundo de fora.) Pero el sangre antiguo te llama. Tu tierra te espera. No te pierdas tanto que no sepas volver. (Mas o sangue antigo te chama. Tua terra te espera. Não te perca tanto que não saibas voltar.)

Ficou ali um tempo, tomando tereré, sem pressa, o Paco só observou balançando a cabeça como quem não queria aceitar aquilo que acabou de escutar.

Depois o velho bugre se levantou, tocou meu ombro e foi embora, nos deixando só com o chiado das cigarras e a reflexão no ar. Naquela noite, deitado na cama sozinho, eu senti o peso do que o velho disse.

O Paraguai me curou, mas o Brasil ainda era casa. E casa a gente não esquece, e só sente saudade quando se vai embora…

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No outro dia acordamos refeitos dos excessos com álcool e bucetas.

O corpo ainda doía gostoso, cheio de marcas de unhas e chupadas, mas a cabeça já estava limpa.

O uruguaio estava aceso, feliz, entrou onde eu estava dormindo às 4:00hs da manhã, cantando alto, falando alto, me chamando para um dia de rodeio no pasto, repassar cavalos vadios de arreios, olhar a boiada, disparar a galope por aqueles campos paraguaios de sua propriedade.

— ¡Levanta, rubio dormilón! ¡Hoy vamos a ser gauchos de verdad, carajo! (Levanta, loiro dorminhoco! Hoje vamos ser gauchos de verdade, caralho!)

¡El pasto nos espera, los caballos vadios están locos por correr, y la boiada precisa ojo experto!

(O pasto nos espera, os cavalos vadios estão loucos por correr, e a boiada precisa de olho experto!)

Eu ri, joguei o travesseiro nele, pulei da cama.

O uruguaio já estava vestido, ou como ele mesmo dizia, pilchado, em trajes de camisa e bombacha larga branca, cinto com guaiaca, lenço colorado, bota garrão de potro, chapéu quebrado na testa, esporas chilenas de prata (as nazarenas), tirador de couro, punhal na cinta…

Eu naquele meu traje que o velho dizia ser de “vaquero estadounidense de Texas”.

Paco já tinha mandado jogar os arreios em dois crioulos fortes. O meu um gateado malacara coisa mais linda, o dele um alazão moro. Duas máquinas, aqueles cavalos!

Saímos trotando devagar, o sol querendo aparecer no horizonte, orvalho brilhando no capim, cheiro de terra molhada subindo.

O haras dele era enorme, mais de 8 mil hectares de invernada cheia de nelore puro, outras cruzas de Angus preto e vermelho, Brangus, potro solto e vaca parideira. Primeiro paramos na mangueira dos vadios: uns 20 cavalos xucros, tudo brabo, crina selvagem.

Paco apontou fazendo algazarra igual maritaca:

— ¡Elegí uno, gurí! ¡Hoy vamos a domar como en los viejos tiempos! (Escolhe um, guri! Hoje vamos domar como nos velhos tempos!)

Peguei um tordilho manchado, subi no brete, respirei fundo, cantei o rezo do Miguelito baixinho, enquanto o “viejo hijo de puta” me xingava alto de “trampoooooooso” — (trapaceiro)

O bicho coiceou, rodou, tentou me jogar. Eu segurei firme, bem balanceado, falei no ouvido dele como se fosse gente.

Cinco minutos depois saí do curral montado, o cavalo trotando manso, de orelha em pé.

Paco tirou o chapéu, jogou pro alto gritando :

— ¡La puta madre, Beto! ¡Ese doma fue de maestro! ¡Miguelito te enseñó bien! (Caralho, Beto! Essa doma foi de mestre! Miguelito te ensinou bem!)

Depois fomos olhar a boiada: umas 3 mil cabeças de nelores pastando no capim alto.

Paco montou, deu um toque de espora, arrancou na minha frente gritando:

—¡Muy bieeeeeeen, guapooooo! ¡Galpeemos por estos campos paraguayos hasta el fin de los tieeeeeeeeeempos! — Grito só, esporas cravadas e rebenque comendo no estalo dos dois lados do cavalo, de paleta a anca…

Saímos voando, vento no rosto, cavalos suados, jogando cascalho, poeira subindo como nuvem vermelha.

Galopamos por horas, rodeando a invernada, olhando cerca, cocho vazio, laçando boi magro com bicheira, gritando, cantando, falando de mulher, das noites, rindo a não poder mais das histórias daquele “viejo loco uruguayo”.

Paramos numa lagoa pra dar água nos cavalos já era tarde. Fomos tomar tereré coado na erva, falar de vida.

Acendi meu Marlboro (que ele me comprou aos pacotes), o Paco acendeu o charuto, olho no horizonte:

—Sabes, Beto… Estos días contigo me han recordado por qué compré esta finca de caballos. No es por el dinero, no es por los caballos… es por momentos como este: el viento en la cara, un amigo a mi lado, el mugido del ganado a lo lejos.

(Sabes, Beto… esses dias com você me fizeram lembrar por que comprei esse haras. Não é pelo dinheiro, não é pelos cavalos… é por momentos assim, vento no rosto, amigo do lado, gadaria mugindo ao longe.)

Aquelas palavras me arrancaram um sorriso sincero. Eu só concordei com a cabeça, sentindo o mesmo.

Ficamos um bom tempo naquele lugar perdido no meio do mundo, soltando fumaça, e nada mais dissemos, só olhávamos um para o outro rindo, rostos suados, vermelhos de poeira daquela terra fértil.

Aquele dia de rodeio, galope solto e conversa de homem pra homem foi o que me fez ficar mais uns dias, ignorando meu retorno para o meu velho oeste paulista.

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Chegamos na sede da fazenda já no fim do dia, querendo escurecer, quando o sol estava caindo vermelho atrás das palmeiras, pintando o céu de laranja e roxo.

Os cavalos vinham suados, pernas tremendo de tanto galope, mas com aquele olhar de animal satisfeito que só quem já cavalgou o dia inteiro entende. Eu desmontei, tirei os arreios com cuidado, passei a mão no lombo quente dele e dei um punhado de milho que o capataz Ñato trouxe.

Paco fez o mesmo com a montaria dele, assobiando baixinho, o rosto corado de sol, poeira e felicidade. Ele estava tão revigorado, tão aceso, que parecia um homem de 30 anos de novo. O dia inteiro de laço, cura de boi, conserto de cerca e galope solto tinha injetado vida nas veias dele. Ele parou na porta da casa-grande, olhou pra mim com aquele sorriso de uruguaio maluco e falou:

— Hoy no entro en esa mansión, gurí. Dormimos bajo el sereno, a la moda antigua. (Hoje não entro nessa mansão, guri. Dormimos debaixo do sereno, à moda antiga.)

Eu ri, mas entendi na hora. Ele sabia que eu havia dormido daquele modo muitos dias, em viagens levando ou trazendo bois pela BR-267, estradas goianas, ou pelas estradas boiadeiras do Pontal do Paranapanema no meu oeste paulista. Aquelas noites ao relento, com o céu como teto, fogueira baixa, som de boi mugindo longe e o cheiro de orvalho na grama.

Não tinha cama melhor pra um homem de estrada. Fizemos o pouso perto do galpão do curral, onde o vento soprava fresco e o cheiro de estrume misturava com o de capim molhado.

Paco mandou o Carlitos trazer uns tocos de lenha, duas mantas de lã grossa, uma garrafa de caña Parapití, pão caseiro e queijo branco.

Estendemos as mantas no chão limpo, encostamos as costas no mourão de madeira, e ficamos ali, olhando o céu escurecer devagar, estrelas piscando uma por uma. Um dos peões que tinha uns 20 anos e cara de índio, apareceu com o violão de seis cordas, daqueles velhos com marca de unha na caixa.

Sentou perto da gente, afinou as cordas devagar e começou a tocar músicas paraguaias magoadas, daquelas que apertam o peito e fazem a saudade virar lágrima. Primeiro veio “Recuerdos de Ypacaraí”, ele sabia que o patrão gostava, com voz baixa e rouca:— Una noche tibia nos conocimos… junto al agua azul de Ypacaraí… (Uma noite morna nos conhecemos… junto à água azul de Ypacaraí…)

Paco fechou os olhos, balançou a cabeça devagar, como se estivesse lembrando de uma mulher que o tempo levou.

Eu senti um nó na garganta, pensando na minha família, no vazio que ainda latejava no peito. Depois emendou “Guyra Campana”, a melodia triste contando da ave que canta o luto do Paraguai:

— Guyra campana… tu canto triste… anuncia la muerte en el atardecer… (Guyra campana… teu canto triste… anuncia a morte no entardecer…)

O sereno começou a cair devagar, molhando a grama, o ar gelado entrando pela camisa aberta.

Paco abriu a garrafa de caña, passou pra mim:

— Tomá, Beto… esto cura lo que el tiempo no cura!

Bebemos devagar, em silêncio, o violão preenchendo o vazio.

Ele falou de como era linda a mulher dele, da família perdida no acidente, de como o haras era o último pedaço de alegria que o destino tinha deixado.

Eu falei do Véio, das mágoas, da solidão que me empurrou pra fronteira naquela viagem…

E tocou mais uma, “India”, a música que fala da índia paraguaia que encanta o coração:

— India, tus cabellos son negros hilos de tus ruecas al tejer… (Índia, teus cabelos são negros fios das tuas rocas ao tecer…)

Paco, satisfeito, pediu para o bugre parar de tocar, que nos deu boa noite e foi embora, deixando só o som do vento e boi mugindo longe.

Paco esticou a manta, ajeitou o arreio como travesseiro, deitou olhando para o céu e falou antes de dormir:

— Mañana seguimos, gurí… pero hoy… hoy fue bueno (Amanhã seguimos, garoto… mas hoje… hoje foi bom.)

Eu deitei do lado dele, arrumei minha “dormida”, olhei pras estrelas e senti que, ali, ao lado do fogo, debaixo do sereno paraguaio, eu estava mais em casa do que nunca.

Aquela noite dormi com os tão falados e cantados “sonhos guaranys”.

Sabe meu povo, a fronteira tem disso: te faz esquecer o mundo… mas te lembra de quem você é de verdade! —"así no más, bueno”.

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Amanhecemos depois de uma noite dormindo no sereno, as botas frias de orvalho, mas a alma quente de conversa boa.

O chão de terra tinha deixado marca nas costas, mas o céu aberto como teto tinha sido remédio pra qualquer dor. Eu me espreguicei, o sol ainda tímido no horizonte, e vi o Paco já sentado, chapéu na cabeça, fumando o primeiro charuto do dia, olhando o curral como quem olha pro passado. Creio que pouco antes das seis da manhã, o velho Don Saturnino Yvytu apareceu devagar, descalço na grama molhada, trazendo uma bandeja velha de madeira com dois copos de café preto fumegante e pão de queijo assado na chapa. Ele sorriu, sentou do lado e ofereceu sem falar nada, só com o olhar. Tomamos em silêncio, o café queimando a garganta, acordando o corpo, o cheiro de terra úmida misturado com o de fumo de corda que o velho mascava.

Ainda estava comendo quando ouvimos o ronco de uma caminhonete se aproximando.

Era uma Ford F-100 velha, cabine simples, placa de Pedro Juan, poeira vermelha cobrindo tudo. O gerente do fazendeiro, um brasileiro moreno magro de bigode fino, muy amigo do Paco, desceu sorrindo, chapéu de carandá na mão.

— Don Paco… Buenos dias, vim te convidar pra um churrasco lá na fazenda do patrón.

Vai ser depois de uma lida de marcação de boi, montaria em baguá, vai ser um rodeio na fazenda. Sem falar nos dois dia de chamamé, polca, muita gente… e se o senho pudé vim com o grandão ai, que tá falado por aca, vai ser honra dupla pra nosotros. —(Ele falava embolado tudo que era idioma)

O tio Paco levantou o chapéu, deu uma tragada no charuto e respondeu:

— ¡Claro que vamos!, ¡Y el rubio va conmigo, que él es especialista en doma y lazo!

(Claro que vamos, Ramón! E o loiro vai comigo, que ele é especialista em doma e laço!)

O homem apertou nossas mãos, deu meia-volta e foi embora, dizendo por cima do ombro:

— Tamo esperando lá… se o Don Yvytu puder venir, vai ser una honra pra fazenda toda.

Paco ficou animado na hora, olho brilhando como menino:

— ¡Vamos, gurí! ¡Hoy vamos a ser gauchos de nuevo!

Entramos apressados na mansão do uruguaio que Insistiu muito, mas muito mesmo, pra eu vestir umas velhas roupas campeiras da terra dele que estavam guardadas no armário do quarto principal, trancadas num baú de madeira com cheiro de naftalina. Me disse que seria uma honra se eu as usasse.

Bombacha larga cinza velha, bem desbotada, camisa surrada de algodão branca com bordado no peito, espora de prata velha, lenço vermelho no pescoço, chapéu de aba larga preto com pena de avestruz, guaiaca e uma bota garrão de potro meio ressecada pelo tempo e falta de uso.

Tínhamos quase o mesmo porte: ele magro e alto, eu alto e forte, mas as roupas caíram como luva, até as botas. Quando eu saí do quarto pilchado daquele jeito, quase arrancando faíscas do piso frio da casa com as imensas rosetas das esporas chilenas, Paco parou na porta com olhos marejados de lembranças, ficou quieto um instante, depois tirou o chapéu e se emocionou de verdade, voz embargada, carregada de uma saudade velha guardada no peito:

— ¡Beto, hijo…Parecés un gaucho de las pampas uruguayas, carajo! ¡Mi padre vestía igual… y ahora vos también! (— Beto… filho…Você parece um gaúcho dos pampas uruguaios, caralho! Meu pai se vestia do mesmo jeito... e agora você também!)

Me deu um abraço tão forte, que estalou minha coluna, tapa nas costas de despregar os pulmões, e limpou a lágrima rápida com a manga.

O velho Don Saturnino Yvytu se juntou a nós, dizendo que “o vento chamava pra rodeio hoje”.

Gastamos poucos minutos arrumando nossas tralhas, subimos na Hillux, o uruguaio dispensou os seguranças, era um local tranquilo, sem “peligro”.

Fomos os três, levando na carroceria de um tudo para acampar, tralhas de montaria, eu dirigindo, Paco no carona rindo muito, xingando, com o charuto na boca, Yvytu no banco de trás com a guampa de tereré, olhar sereno, os cabelos brancos voando com o vidro traseiro baixado. As vezes aquele velho índio passava despercebido igual sombra de palmeira ao meio dia!

Fomos animados pro rodeio, dava quase uma hora de estrada de terra vermelha, acelerando sem preguiça, que ia serpenteando, coração acelerado como se fosse um primeiro dia de viagem com uma comitiva de boiada de primeira solta.

Chegamos na fazenda do amigo do Paco, por volta das nove da manhã. O lugar estava lotado de carros, caminhões e caminhonetes.

Era uma estanciazona de 5 mil hectares, curral grande de madeira nova pintada em preto e branco, boiada bonita mugindo, peão de todo canto já reunido, cheiro de ferro quente pra marcação e fumaça de churrasco no ar.

O amigo do Paco veio nos receber de chapéu de feltro, abraço forte no Paco:

— ¡Bienvenido, viejo amigo! ¡Y este debe ser el rubio paulista que laza boi dormindo! (Bem-vindo, velho amigo! E esse deve ser o loiro paulista que laça boi dormindo!) -- falando com sotaque embolado de fronteira.

Começamos a lida na hora: Era rodear a boiada no imenso curral, separar os garrotes para marcação, gritos , assobios, risadas, um querendo se mostrar mais que o outro. (Aquilo era gostoso, puta que pariu)

Eu e Paco laçando a pé de um lado, a moda gaúcha: corda curta, laço pequeno, derrubando a pialo (laço nas patas dianteiras ou traseiras) com precisão de cirurgião.

Um novilho saía correndo do brete, eu rodava o laço três vezes, jogava com calma, pegava as duas patas, puxava sem preguiça, o bicho caía de focinho, já juntava uns 3 em cima para fazer o serviço.

Paco fazia igual, gritando “¡Eso!” a cada laço bom meu.

O fazendeiro me olhava boquiaberto, batia palma:

— ¡Este rubio es un demonio con el lazo, Paco!

Em outros momentos, sugeri ao Paco para fazer a pega à unha. Quando soltavam o garrote do brete, eu já passava o braço no pescoço do bicho, à moda “estadunidense texana”, como diria o Paco, torcia as ventas, “quebrando a paleta”, rolando no chão. Às vezes eu já grudava nas orelhas, igual cachorro campeiro. Puta que pariu, que saudade… Um ou outro garrotão mais crescido me levantava do chão, o uruguayo loco gritava: “Mantente firme, indio blanco del diablo. No te sueltes” — Mãe do céu, era aquela gritaria bem à moda paraguaia.

Depois de horas naquela brincadeira, veio a montaria em cavalos xucros: Hora de separar menino de homem!

O Curral grande cheio de gente, mulheres e velhos na cerca comentando, crianças subindo nos mourões para ver melhor.

Não sei se fizeram de propósito, achando que eu e o Paco estávamos muito metidos, com aquelas roupas viejas de gaúcho uruguaio, dor de cotovelo por causa das morenas gritando “Don Pacoooo, Rubiooo… sei que deixaram os dois piores cavalos para nós, quase no fim da brincadeira.

Eu montei um tordilho brabo, crina caída no pescoço, o bicho roncava parecendo cateto dentro do brete, brabo, dando coice nas tábuas. Deu o que fazer pra apertar o arreio.

Respirei fundo, sentei no lombo, bem “despacito”, o bicho raspando e prensando minhas pernas nas tábuas… só não cantei o rezo do Miguelito, ali eu queria ver o bichão urrar debaixo das esporas. Mas quando mandei abrir a porteira, o bicho explodiu.

Pulou alto tirando as quatro patas do chão, soltou de roda escoiceando, tentava morder minha canela, coice pro céu, empinava e voltava cavucando a areia, segurei firme, dedos travados na crina da cernelha, espora leve, bem balanceado nos estribos apesar do meu tamanho…o bicho sentiu meu peso, foi perdendo o galeio, os coices viraram galope, cabeça baixa, aceitando o passeio no lombo. Venci!

A mulherada, campeiros, molecada … foi grito e aplauso. O Paco, viejo loco, estava encostado na cerca, rindo, assobiando, xingando, chutando areia pro alto, mostrando todos os dentes, chapéu quebrado na testa à moda de beijar santo em parede, aplaudindo, admirado…

Depois o Paco montou o dele, um cavalão preto grande e gordo, cruza de mangalarga, bem vadio, crina e rabo grande, cheios de carrapichos, ramas de mato e gravetos, era um capeta em quatro patas. Confesso que até eu fiquei cismado com aquele animal querendo morder a peonada ao lado do brete, tentando saltar por cima das tábuas, hora deitando, outras empinando… o viejo uruguaio gritando meio doido, parecia possuído, “ASÍ ME GUSTA”.

O Paco sentou no lombo, o cavalão tremia igual maleitoso… ganhou estribo, mexeu nas orelhas do bicho só pra deixar ele mais bravo ainda, mandou abrir a porteira… Meu pai amado!

Pensei que o cavalo ia saltar o tabuado da curralama com ele no lomba. Chegava pulando até a cerca, trombando, empinava, tentava saltar pra fora, enroscava as patas, depois voltava pra areia saltando de roda…

O uruguayo loco igual um galo índio cravando as esporas e o mango de couro cru comendo na tábua do pescoço e grito … PUTA QUE PARIU… domou o cavalão em uns cinco minutos, desmontou rindo, ficou de joelhos na areia, jogou o chapéu pro alto, mandando “besos” pras morenas. Chegou correndo onde eu estava e me abraçou com força: “LA PUUUUTA MADRE HERMANITOOOO…. ¿VISTE ESTO? CARAAAJO”.

A mulherada na cerca cochichava arrumando a roupa e ajeitando os cabelos:

“—Dios, mira a estos dos!”

— ¡Mirá el rubio alto… qué hombre! (Olha o loiro alto… que homem!)

— ¡Y el viejo Paco todavía doma como joven! (E o velho Paco ainda doma como jovem!)

Sei dizer que foi bonito aquilo tudo. O uruguaio me abraçava, beijava minha testa, me tacava areia, gritando que eu era o “hermanito” dele, parecia um moleque no parquinho.

O dono daquilo tudo veio até mim no final da lida, mão no ombro:

— Beto… quiero contratarte. Fica na minha fazenda, gerencia a tropa, laça, doma… pago bem, dou casa, dou cavalo, camioneta, e te caso com uma das minhas hijas…vamo mistura nossa raça...Quiero netos con ojos verdes! (bem desse jeito)

Fez pausa me encarando, nariz pro alto, olhando meio de lado, só pra ver se eu falava alguma coisa:

—Tu é o homem que eu preciso aqui, lóiro.

O Tio Paco ouviu, riu alto:

— ¡No… lo sueltes! ¡Pero si lo contratas, me llevo mitad de todo! (Não… solta ele! Mas se contratar, eu levo metade de tudo!)

Eu agradeci, apertei a mão dele, mas disse que ainda tinha muita estrada pra percorrer.

O Paco com aquele jeito “loco” ainda fez uma advertência ao amigo que me queria de todo jeito como genro e gerente:

—Mi amigo, su padrino está ordenando a Brazil que invada todo lo que nos rodea, solo por culpa de ese rubio que es bueno con el lazo, domador de caballos y mujeriego. (Meu amigo, o padrinho dele está ordenando que o Brasil invada tudo ao nosso redor, só por causa do loiro que é bom com um laço, domador de cavalos e mulherengo.) — foi só risadas de quem estava por perto.

O rodeio continuou até o escuro: churrasco de costela, mandioca cozida, polca paraguaia tocando, bailanta com chamamé, suor, risada e poeira vermelha subindo.

Eu e Paco dançamos, rimos, bebemos nos abraçando e fomos reis de novo. Mas no fundo do peito eu sabia: o chamado do Véio já estava sussurrando no vento.

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Aquela noite na fazenda do amigo do Paco foi uma daquelas que a gente guarda no peito como souvenir de juventude, mesmo que a idade já tivesse batido na porta. Depois do rodeio inteiro, da marcação de boi, laço voando, do churrasco que parecia não ter fim, gastar a sola da bota dançando e se esfregando com a morena que chegava primeiro, “muchos besitos”, a gente estava moído. Encardidos, parecendo dois tatus.

Aquela canseira gostosa no corpo que só sente quem já fez aquilo e sabe o quanto é bom!

Bem mais tarde, o Paco, eu e o velho Yvytu arrumamos nossas coisas perto da Hillux, estendemos as mantas no chão, deixando os arreios como travesseiro. O ar estava fresco, cheiro de fumaça de fogueira misturado com carne assada, graxa (gordura) e capim molhado – o tipo de cheiro que me lembrava as viagens na comitiva do meu velho, quando a gente dormia sobre os pelegos só com o céu estrelado como cobertor.

O Yvytu, sempre prático, acendeu o fogo com dois gravetos e uma faísca do isqueiro velho, arrumou as panelas de ferro com um resto da mandioca assada e um pedaço de costela que tinha sobrado. Ele cozinhou tudo ali mesmo, sem pressa, como quem sabe que a vida não corre. Comemos mais um pouco sentados no chão, bebendo cerveja Brahma gelada que o Don Alfredo tinha mandado do galpão, e quando a barriga ficou cheia e os olhos pesados, o fogo baixou pra brasas e os músicos do rodeio, lá no palanque distante perto da sede, tocaram mais baixo, como se soubessem que a noite estava pedindo sono.

Vocês imaginem. O Paco era rico de verdade, inúmeras posses, tinha seus negócios, não precisava fazer nada daquilo. Montar em rodeio, pegar boi a unha. Mas algumas coisas o homem traz na alma, e não há dinheiro ou saco de ouro que mude isso. Ele tinha uma mansão com todo o conforto que o dinheiro podia comprar naquela época, mas estava ali comigo e o velho Saturnino, roupa encardida, suado, cansado, deitado sobre baixeiros e mantas cheirando a cavalo e terra, ao lado da fogueira, beliscando pedaços de carne e mandioca com os dedos, bebendo cerveja direto do gargalo como qualquer outro peão da região.

A noite ainda não tinha acabado, e as surpresas começaram aparecer.

Duas morenas, sobrinhas do don Alfredo, que tinham vindo do Brasil pra festa, moravam perto de Ponta Porã, era aquela gente misturada da fronteira. Regulavam minha idade, mais ou menos, bem parecidas, cruza de branco com índia, como irmãs gêmeas que o tempo tinha separado só um pouco, cabelo preto liso até a cintura, olhos puxados, boca carnuda, corpo de violão com curvas que faziam homem esquecer o nome da mãe e a senha do banco.

Vestiam vestido florido justo, decote generoso, salto alto fincado na terra mole como se fossem donas do mundo. Elas eram de cidade, granfinas, mas gostavam de uma pegada bruta de peão cavaleiro!

Chegaram quando eu e o Paco já estávamos nos preparando pra dormir, esticando a manta e tirando o cinto. O Yvytu já estava deitado, manta na cara, pigarreando, peidando e roncando baixinho. Uma delas, a mais ousada, parou na frente da gente, mãos na cintura, rebolando um pouco só pra chamar atenção, silhueta bem desenhada e iluminada pelo fogo baixo da nossa fogueira:

— Ei, os dois… ouvi falar que vocês são os campeões do rodeio de hoje aqui no meu tio, verdade? Mas não dançamos nem uma com vocês. O mulherio não deixou espaço!

A outra riu, piscando pra mim:

—Verdade… e olha que a gente tentou. Todas falando com vontade do Don Paco e do sobrinho brasileiro bonito feito o diabo, cara de “rubio sinvergüenza” que enfeitiçou metade das morenas daqui.

Até mulher casada tava pra se perder e agarrar vocês dois, sabia?

O tio que já estava de olhos se acendendo, sentou de uma vez, rindo alto:

— ¡Mirá vos, las sobrinas del Alfredo! ¡Qué lindas están esta noche, carajo! (Olha só, as sobrinhas do Alfredo! Que lindas estão esta noite, caralho!)

¿Y qué quieren con dos viejos cansados como nosotros? (E o que querem com dois velhos cansados como nós?) —falou sorrindo com cara de cachorro ladrão de frango, piscando.

A primeira, que se chamava Lorena, se aproximou mais, deu pra sentir o cheiro de suor limpo, a quentura do corpo de quem estava dançando a pouco, invadindo o ar:

— Queremos saber se ainda sobrou disposição pra um passeio em local mais tranquilo. Aqui tem muita gente olhando… e a gente não quer dividir vocês com mais ninguém.

A outra, Luciana, olhou pra mim com aquele olhar de mulher que sabe o que quer:

— Vamos? A gente conhece um cantinho ali perto, debaixo das estrelas, loiro… sem ninguém pra atrapalhar.

O Yvytu, que nem tinha dormido de verdade, véio danado, levantou a manta da cara, um olho aberto e outro fechado, riu baixinho, achando graça de tudo:

— Vayan, mbohapy… déjenme dormir en paz.

(Vão, irmãos… me deixem dormir em paz.)

A gente riu alto, o Paco deu um tapa nas minhas costas, eu dei outro nele.

—E aí, tio loco! Ainda sobrou gás no tanque pro passeio?

Paco piscou pras duas:— ¡Vamos, mis reinas! ¡Pero guíen el camino, que nosotros somos visitas y no conocemos los secretos de esta tierra! (Vamos, minhas rainhas! Mas guiem o caminho, que nós somos visitas e não conhecemos os segredos dessa terra!)

E assim, como dois jovens sem juízo e longe de casa, eu e o Paco seguimos as sobrinhas do fazendeiro pela trilha escura, risada ecoando na noite, coração acelerado, sabendo que o “passeio” ia ser daqueles que a gente conta pros netos só pela metade.

Saímos igual gato, seguimos as moças que deram a volta por trás do curral, terra fofa e molhada de sereno, daqueles solos que afundam o pé e fazem a gente rir de tropeçar. As duas iam na frente, rebolando no escuro, salto alto fincado na lama como se fossem bandeiras plantadas em conquista. Mas o chão traiçoeiro não perdoava: a cada passo elas afundavam, xingando baixinho, rindo nervosas. Lorena foi a primeira a parar, tirou os saltos com um suspiro e falar com a voz dengosa, querendo vara de macho:

— Ai, esses saltos vão me matar antes de vocês dois! O Tio Paaaaaco… me leva nas costas? Eu sou levinha…

Luciana piscou pra mim, já tirando os dela também, pé descalço na terra fria:

— E tu, rubio… me carrega? Prometo não apertar muito as coxas…

Paco riu alto, aquele riso safado que eu já conhecia, que ecoava na noite, e abaixou pra Lorena subir nas costas dele, pernas dela em volta da cintura, bunda encostada nas costas dele:

— ¡Mirá vos, gurí! ¡Me convertí en caballo de dos patas! ¡Pero este caballo muerde si la amazona no se porta bien! (Olha só, guri! Me converti em cavalo de duas patas! Mas esse cavalo morde se a amazona não se comportar bem!)

Eu fiz o mesmo com Luciana, ela pulou nas minhas costas, pernas apertando, peito colado nas minhas costas, sussurrando no meu ouvido:

— Corre, cavalomão loiro… me leva pro mato que eu te dou um presente…Foi uma farra só.

Paco trotando devagar, relinchando falso, Lorena dando tapinha na bunda dele rindo. Eu correndo atrás, Luciana apertando as coxas, gritando “mais rápido, mais rápido!”.

A gente tropeçava na terra fofa, caía no capim, ria alto, o sereno molhando a roupa, o cheiro de terra e mulher subindo no ar.

Quando saímos do outro lado do curral, num pedaço de mato mais fechado, a surpresa, outros casais já estavam ali, metendo sem pudor, gemidos baixos, roupa no chão, silhuetas no escuro, barulho de atrito de coxas. Era peão com empregada de cozinha, namorados… a festa tinha virado bagunça total naquele canto escuro.

Paco parou, olhou a cena e caiu na gargalhada, rindo como criança que descobre brinquedo novo:

— ¡La puta madre, gurí! ¡Esto parece rodeio de bicho humano! ¡Todo el mundo montando y nadie con sela! (Caralho, guri! Isso parece rodeio de bicho humano! Todo mundo montando e ninguém com sela!)

Lorena desceu das costas dele, ainda rindo, puxou ele pro lado:

— Não liga pra eles, tio… a gente veio pra fazer o nosso próprio rodeio. Luciana fez o mesmo comigo, mão na minha nuca, beijo quente:

— Vamos pro galpão atrás da casa… ali ninguém vê. – sugerindo a Lorena.

Fomos pro galpão de tratores e maquinários, porta de madeira rangendo, cheiro de óleo e ferro velho, bancada de ferramentas.

A luz de um poste com refletor atrás do casarão da sede lançava feixes de luz por entre as frestas largas das tábuas sem ripas nas juntas da precária parede de onde estávamos.

Encostamos as duas ali mesmo, vestidos subindo, calcinha voando. Paco já estava com a Lorena de costas, mão na bunda dela, metendo devagar, ela gemendo toda dengosa:

— ¡Así, viejo lindo… dame todo!

Eu com a minha, subi ela na bancada, abri as pernas, desci de joelhos e chupei aquela buceta molhada, cheiro de mijo, suor e mulher no cio, língua no fundo, ela rebolando na minha cara, fiquei doido:

— Chupa mais, rubio… chupa que eu vou te dar tudo! — toda manhosa.

Depois levantei tarado com o cheiro da buceta quente da moça, saquei o pau pra fora da bombacha, metendo nela cada centímetro, bem devagar, ela gritando, unha nas minhas costas. Senti o cacete empurrando o útero da guapa que falava sem parar: “ Ai loiro, não cabe mais … ta abrindo tudo.”

Paco, do lado, metendo na Morena por trás, ria entre as estocadas, gemendo igual garanhão velho cobrindo potra nova, me provocando:

— ¡Ai Yamila, si supieran chicas… (e tome rola na moça) este rubio destruye colas como laza terneros! (Ai Yamila, se vocês soubessem meninas… esse loiro destrói cus como laça bezerros!)

As duas se olharam curiosas, mas continuaram gemendo, rindo da graça dele. A minha morena, já louca de tesão, saiu da posição, virou de costas, empinou a anca pedindo, enquanto dava tapas estalados na própria bunda:

— Então mete no meu cuzinho também, loiro… quero sentir esse pauzão todo aí atrás!

Eu hesitei um segundo, lembrei da Yamila, perguntei se tinha certeza daquilo. O filho da puta do Paco já tinha parado a foda e estava rindo. Como resposta começou a resmungar, “agora hablando”, com aquela voz manhosa, toda mandona:

—Lo quiero en mi culito, en mi culito papy, en mi culito, vem logo loiro.

Já que queria, o meu tesão falando mais alto, segurei o bruto, dei umas linguadas no cuzinho dela, depois cuspi na ponta, encostei no anelzinho, a cabeça da rola pulsando igual um coração, sentindo as pregas enrugadas quente… fui empurrando devagar… ela pisando nas pontas dos pés, até que, agarrei aquela cintura macia de fêmea no cio, estocada bruta. O pescoção da bitela passou arrancando faísca. Ah meu povo, não deu outra, estraguei a nossa foda, minha e do Tio Paco.

Hora que soquei o cavernoso, a coitadinha deu um tranco na bancada se desprendeu da minha vara, soltou um peido comprido e gritou de forma sofrida, bem escandalosa, como se tivesse levado uma facada, que ecoou dentro daquele galpão mal iluminado escapando pelas frestas largas da parede, espantou os cachorros que começaram a latir longe, quase acordou o rodeio todo:

— ¡Ayyyyyy… carajo… me mataste! — aproveitei aquela viagem, mas cu que é bom, zero!

Quase desmaiou ali mesmo, pernas amolecendo, corpo escorregando da bancada, espalhando ferramentas enquanto tentava se agarrar, tive que acudir nos braços a lindona.

O Paco olhou pra mim e caiu na gargalhada, chorando de rir, tentando falar:

¡Chico, ¿qué hiciste? La morena se ensució por completo! (Rapaz, o que você fez? A morena se cagou toda) — rindo, mas consolando as primas, e fingindo estar bravo comigo.

— ¡La puta madre, Beto! ¡Mataste a la pobre! ¡Yamila número dos, chicas! ¡Este rubio es un asesino! (Caralho, Beto! Matou a pobre! Yamila número dois, meninas! Esse loiro é um assassino!)

A Lorena assustada, sem graça, mão na boca:

— ¡Dios mío, Luciana… está viva?!

Luciana, ainda tremendo, sentou no chão, rindo e chorando ao mesmo tempo:

— Viva… nunca mais quero isso…que dor nu cu dos infernos!

O clima da foda acabou ali, virado em risada e gemidos de dor.

Vestimos as roupas, eu ajudei Luciana a andar, Paco ainda rindo, contando piada:

— ¡Gurí, la próxima vez avisa que tu pija es calibre 50, animal! (Guri, da próxima vez avisa que teu pau é calibre 50, seu animal!)

Levamos as duas até próximo à sede da fazenda, beijo de despedida no escurinho, promessa de “outra vez sem cuzinho”, e voltamos pro pouso, rindo baixo pra não acordar o Yvytu, mas o velho já estava sentado na manta, rindo junto:

— Vi todo, mbohapy… las estrellas también rieron esta noche. (Vi tudo, irmão… as estrelas também riram esta noite.)

E dormimos ali, embaixo do sereno, rindo da nossa própria falta de juízo, como dois jovens que nunca cresceram aprontando arte.

Eu sentia o Paco como um irmão mais velho que nunca tive.

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Nem havia clareado ainda, mas o dia começou com o cheiro de café coado na panela velha, fogo baixo crepitando e o velho Yvytu mexendo as brasas com um graveto. Ele tinha acordado antes de todos, como sempre fazia, e quando eu e o Paco abrimos os olhos, já tinha tudo pronto: pão assado na chapa, queijo branco fatiado, um pedaço de linguiça grelhada, mandioca do churrasco frita, e dois copos de café preto bem quente. O índio sentou do meu lado, a inseparável guampa de tereré na mão, e começou a fazer graça com a gente, voz baixa e rouca, olho brilhando de malícia:

— Buenos días, mbohapy… dormiste bien después del “paseo”? (Bom dia, irmão… dormiu bem depois do “passeio”?)

Ele riu baixinho, olhando pra gente como quem sabe segredo. Paco sentou, coçando a barba, ainda com o chapéu torto na cabeça:

— ¡El viejo indio ve todo, carajo! (O velho índio vê tudo, caralho!)

Yvytu deu uma gargalhada seca, e apontou pra nós dois, estava fumando o pito de palha, depois olhou pro céu. Ele ergueu a cabeça, ficou quieto um segundo, como se escutasse o vento falando no ouvido dele, depois abriu aquele sorriso banguela e soltou:

— Mirá, mbohapy… una estrella…

(Olha, irmão… uma estrela…) Fez outra pausa dramática, olho pequeno brilhando, e completou:— …pero la estrella era una puta con dos maridos… (…mas a estrela era uma puta com dois maridos…)

Eu e o Paco nos entreolhamos sem entender nada. Aí ele deu a gargalhada e apontou pra nós dois:

— ¡Porque ustedes dos son iguales, carajo! ¡Siempre con mujer, bebida y lazo en la mano! (Porque vocês dois são iguais, caralho! Sempre com mulher, bebida e laço na mão!)

O Paco caiu na risada, bateu na coxa com força:— ¡Viejo hijo de puta… hasta las estrellas nos tienen miedo!

(Velho filho da puta… até as estrelas têm medo da gente!)

E ali, debaixo daquele céu paraguaio que parecia rir junto, a gente deixou o velho índio fazer graça com as nossas caras.

Enquanto comíamos, o povo da fazenda começava a passar perto do nosso pouso, um peão levando cavalo pro curral, uma empregada com balde de leite na cabeça, um convidado de ontem ainda bêbado voltando pro acampamento. Todo mundo olhava a gente com admiração, outros já meio assombrados, como se fôssemos fantasmas ou coisa ruim. Um velho de chapéu de palha se benzeu três vezes, murmurando reza baixinho. Uma mulher com criança no colo apertou o passo, olhando pra trás. Paco adorava aquilo tudo, ria alto, acenava exagerado:

— ¡Buenos días, gente! ¡No tengan miedo, carajo! ¡Somos solo dos viejos inofensivos y un indio brujo! (Bom dia, gente! Não tenham medo, caralho! Somos só dois velhos inofensivos e um índio bruxo!)

O Yvytu ria junto, fazendo gesto de fantasma com as mãos. O povo apertava mais o passo, se benzendo de novo. Paco batia na coxa:

— ¡Mirá, gurí! ¡Piensan que somos el diablo y sus ayudantes! ¡Esto es mejor que teatro! – ele era debochado ao extremo.

Depois do café, fomos pro curral. A lida já estava armada, a boiada mugindo, ferro quente pronto pra marcação, peão de todo canto esperando ordem.

Eu e o Paco lado a lado no brete, laço na mão, olho no boi. Ele estava “muy loco” de felicidade, a cada laçada gritava bobagens, voz ecoando no curral:

— ¡Ay, Yamila! ¡Socorro, acudam! ¡Este boi me miró mal! (Ai, Yamila! Socorro, acudam! Esse boi me olhou torto!) Eu laçava outro, derrubava no pialo da corda, ele laçava o outro, gritando:

— ¡Ay, Yamila, mi amor! ¡Este lazo es para ti, reina del dolor! (Ai, Yamila, meu amor! Esse laço é pra ti, rainha da dor!)

Eu pedia pra ele largar mão daquilo, que eu estava perdendo a concentração. Aí é que ele gritava com gosto. Parecia um moleque de quinta série.

¡Corran, chicas! El rubio las está mirando.(Corre mulherada, o Loiro está de olho)

O povo ria, batia palma, sem entender nada, o Don Alfredo olhava impressionado. As duas sobrinhas morenas da noite passada estavam ao lado do tio e da tia, assistindo de perto, olhos brilhando de desejo, cochichando entre elas, rindo das graças do Paco. E certamente lembrando da carcada que dei na Luciana.

Mas dava pra ver o ciúme quando alguma moça piscava pra mim ou pro velho. Outras mulheres da fazenda, casadas ou solteiras, velha ou nova, se juntavam, comentando baixo:

— Mirá el rubio alto… qué hombre para lazar y para otras cosas también! (Olha o loiro alto… que homem pra laçar e pra outras coisas também…)

— Y el Paco, viejo pero todavía fuerte… ¡qué envidia de las que bailan con ellos! (E o Paco, velho mas ainda forte… que inveja das que dançam com eles!) — Falavam se abanando!

A lida foi assim até a tarde: boi caindo, ferro quente chiando no couro, fumaça subindo, laço voando, Paco gritando “Ay Yamila!” a cada acerto, o povo rindo.

Quando a marcação terminou, Don Alfredo veio até nós, mão no ombro do Paco:

— Paco, viejo amigo… este rubio teu é ouro puro. Quiero contratarlo, amigo, fala com o loiro, se não quer casar, bueno, está bien, mas fala pra ele...

O Tio Paco ria mandando ele desistir, que não venderia meu passe por dinheiro nenhum do mundo. “El caballero rubio es mío.”

Outra vez eu agradeci, apertei a mão dele dizendo que o Paco era o meu “patrón” enquanto estivesse no Paraguai. —Don, gracias por todo!

O uruguaio sorriu, me encarou e depois me deu um abraço forte, que atirou meu chapéu longe:

—Beto, eres como un hijo, un hermano menor loco... ¡gracias por hacerme retroceder décadas en el tiempo! (Beto, você é como um filho, um irmãozinho, maluco... obrigado por me fazer voltar décadas no tempo!)

Todo mundo reparou e comentou que nunca viram o “uruguayo loco” daquela forma, rindo solto.

Depois veio o churrasco: costela no espeto, mandioca assada, cerveja gelada, mesa cheia de gente.

À noite o baile armou com acordeão chorando chamamé, polca tocando forte, mulherada dançando solta. As duas primas morenas vieram direto pra nós, enciumadas, disputando dança.

Lorena puxou meu braço:

— Agora é minha vez, Loiro… não deixa essas outras te agarrar!

Luciana fez o mesmo com o Paco:

— Vamos dançar, viejo lindo… essas casadas não tiram o olho de você!

Outras mulheres da fazenda vinham tentar, piscando, rebolando, mas as duas apartavam na hora, ciúme pegando fogo, Paco rindo e tentando acalmar:

— ¡Tranquilas, reinas! ¡Hay Paco para todas! (Fiquem tranquilas, rainhas! Tem Paco pra todas!)

Eu ria, dançava uma com cada uma, as outras disputando por espaço nos meus braços, a noite virando bagunça de risada e suor.

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Durante o baile e churrasco da noite, o ar estava quente de gente, cheiro de carne assada e suor de dança. O acordeão chorava chamamé, a polca fazia o chão tremer, e a mulherada parecia que tinha tomado poção de loucura. Elas vinham em cima de mim como onça em cima de capivara. Uma puxava pro lado pra dançar, outra piscava pedindo beijo, uma terceira encostava o peitão “sem querer” no meu braço. Eu repelindo com graça, dando tapa na mão, rindo e dizendo “calma, moça, que eu sou homem casado com a estrada”.

Mas o Paco… ah, o Paco era o alvo principal das que queriam um “pedacito do viejo loco”.

Ele ria, girava no meio do baile com três de uma vez, mas quando via uma vindo pra cima dele com cara de fome, me chamava gritando pra acudir: “¡Ayuda, rubio, carajo! ¡Estas yeguas me van a comer vivo!” (Ajuda, loiro, caralho! Essas éguas vão me comer vivo!)

O povo ia comentando próximo a nós, voz baixa mas alta o suficiente pra gente ouvir, como se fosse segredo de comadre:

— ¡Mirá al Don Paco… nunca lo vi tan diferente!

(Olha o don Paco… nunca o vi tão diferente!)

— ¡Sí, hombre… él siempre era temido en la región, nadie se atrevía a mirarlo dos veces! (Sim, homem… ele sempre era temido na região, ninguém ousava olhar duas vezes!)

— Es por causa del rubio paulista, te digo… los dos parecen hermanos. (É por causa do loiro paulista, te digo… os dois parecem irmãos.)

Eram verdades na fronteira, o uruguaio era lenda de medo, homem que resolvia briga com coronhada, não piscava nem mostrava os dentes pra ninguém. Mas comigo do lado, ele parecia outro. O loco ria solto, contava piada, dançava como jovem. Alguns diziam que eu era o motivo, que tinha amolecido o coração do uruguaio.

Outros juravam que éramos parentes, que o sangue siciliano do meu nono tinha se misturado com o uruguaio dele em alguma comitiva antiga.

Depois da meia-noite, quando o fogo do churrasco já era brasa baixa e os músicos tocavam mais devagar, o Paco veio até mim, suado, chapéu torto, e falou cochichando no meu ouvido:

“— Vamos aunque, gurí… fin de fiesta es como culo de mono: feo y lleno de mierda.”

(Vamos embora, guri… fim de festa é como cu de macaco: feio e cheio de merda.) —Até hoje dou risada lembrando do jeito que ele falou aquilo.

Concordei com a cabeça, tapando a cara com o chapéu, chorando de rir, e fomos chamar o Yvytu, que já estava enrolado na manta perto da fogueira, roncando baixinho.

Na hora da despedida, Don Alfredo veio pessoalmente, abraço forte, mão no ombro:

— Gracias por todo, Paco… y al rubio también. Quería darte plata por lo que hiciste en la lida, pero sé que no aceptás. (Obrigado por tudo, Paco… e ao loiro também. Queria te dar dinheiro pelo que fez na lida, mas sei que não aceita.)

—E estoy feliz que mis sobrinas estén aficionadas a vosotros dois… son buenas chicas, solteras…

Paco riu, deu tapa nas costas dele:

— ¡Dejalas en paz, Alfredo! ¡Si se casan conmigo se vuelven viudas ricas en un mes! (Deixa elas em paz, Alfredo! Se casarem comigo viram viúvas ricas em um mês!)

Don Alfredo riu, mas aí começou a fila, parecia campanha política. Peão, empregada, convidado, todo mundo querendo apertar a mão, dar abraço, dizer “gracias por la doma”, “nunca vi lazo igual”. Paco fazendo graça o tempo todo, contando piada:

— ¡Gracias, gente! ¡Pero no me abracen tan fuerte que yo ya estoy viejo y se me quebra el hueso! (Obrigado, gente! Mas não abracem tão forte que eu já tô velho e o osso quebra!)

O velho Yvytu abençoava quem não tinha medo dele com rezo guarani, mão na cabeça de criança, sussurrando palavras antigas que ninguém entendia mas todo mundo respeitava.

As mulheres, ah as mulheres… beliscavam meu braço, beijavam meu rosto quase na boca, pescoço, uma mordia orelha disfarçando.

Causou um ciúme danado nas nossas morenas, que apartavam na hora, puxando pelo braço: “Sai, sua vaca casada!”. Paco ria, dizendo “¡Dejen, chicas… el rubio tiene carne para todas!” (Deixem, meninas… o loiro tem carne pra todas!).

Gastamos quase uma hora pra conseguir sair de lá. Abraço aqui, piada ali, promessa de volta, as primas nos escoltaram até a caminhonete e com promessas de nos encontramos em Pedro Juan. Quando finalmente entramos na Hillux, liguei o motor enquanto o tio loco gritava pra multidão:

— ¡Hasta la próxima, gente! ¡Y no olviden: quien baila con Paco nunca baila solo! (Até a próxima, gente! E não esqueçam: quem dança com Paco nunca dança sozinho!)

Saímos devagar, poeira subindo, as luzes da fazenda sumindo no retrovisor.

E assim aquela lida inesquecível acabou. Foram dois dias de rodeio, música magoada, laço voando, ciúme gostoso e o velho Yvytu rindo de tudo do canto dele com o olhar em outro mundo.

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Uns 5 km pra frente, estrada escura, farol alto cortando a noite, percebi um carro logo atrás que vinha apressado, como se nos seguindo. Luz baixa, perto demais. Paco viu pelo espelho, sua cara já fechando:

—¿Bailaste o abrazaste a alguien que no debías, hermanito? (Você dançou ou apertou alguém que não devia, irmãozinho?) — ¡Ah, la puta madre… un marido celoso, seguro! (Caralho… deve ser um marido ciumento, certeza!)

Pegou o revólver, jogou outro no meu colo, nem tive o que argumentar:

— Acelera, gurí… esconde la camioneta en esa entrada adelante y esperemos. (Acelera, guri… esconde a caminhonete naquela entrada adiante e esperemos.)

Eu acelerei, baixei uma marcha, pé embaixo… bem mais adiante, entrei numa trilha lateral, um corredor meio estreito que deveria sair em alguma outra fazenda, apaguei os faróis, paramos perto de uma moita. Paco saiu pela porta, escondeu atrás da lataria, revólver engatilhado já fazendo mira. Eu do outro lado, 38 na mão, coração saindo pela boca, fiquei agachado do meu lado. Chamei o índio, mas o Yvytu viejo ficou sentado dentro da caminhonete, silencioso como onça, tranquilo para uma situação daquelas como se já soubesse.

O carro parou perto, faróis acesos. A porta abriu… e saíram elas: As duas primas, rindo alto, salto na mão.

— ¡No disparen! ¡Somos nosotras! (Não atirem! Somos nós!)

Paco guardou o 38 na cintura, riu aliviado:— ¡Las sobrinas locas, CARAJO! — Gritando —¡Pensé que era el diablo con cuernos! (As sobrinhas loucas, caralho! Pensei que era o diabo com chifres!)

Elas vieram correndo, abraçaram a gente:

— Queremos mais do passeio de ontem… mas sem culitos, en Beto!

Yvytu disparou a rir baixinho:

— Vayan, mbohapy… la noche es joven.

(Vão, irmãos… a noite é jovem.) — O índio velho sabia que não era nada, mas sabem como é, na fronteira, não se pode descuidar, meus amigos!

Paco piscou pra mim:

— ¡Vamos, rubio! ¡Las señoras quieren un paseo nocturno! (Vamos, loiro! As senhoras querem passeio noturno!)

E as duas nos seguiram até o haras!

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Chegamos no haras já tarde da noite, a Hillux roncando baixo na estrada de terra vermelha, faróis cortando o escuro como faca em manteiga. Paco no carona ainda rindo do susto da estrada, Yvytu no banco de trás quieto como sombra, olhando pro céu como se as estrelas tivessem contado a graça pra ele.

Atrás de nós, os faróis baixos da caminhonete das sobrinhas do compadre do uruguaio, Lorena e Luciana nos seguindo de perto, buzinando leve de vez em quando como quem diz “não esqueçam da gente”.

Paramos no pátio, poeira assentando, cachorros latindo ao longe. Elas desceram da caminhonete delas, salto na mão, vestido amarrotado, cabelo bagunçado, mas olhos brilhando com uma mistura de medo e tesão que só mulher paraguaia sabe ter. O Yvytu desceu primeiro, deu boa noite com um aceno, riu baixinho de nós dois e foi andando devagar pra casinha dele nos fundos da sede do haras, resmungando em guarani algo como “jóvenes sin juicio” (jovens sem juízo).

Paco e eu ficamos ali, encostados na Hilux, olhando as duas se aproximarem. Paco abriu o sorriso de sempre:

— ¡Qué susto nos dieron, mis reinas! ¡Pensamos que eran maridos celosos con escopetas! (Que susto nos deram, minhas rainhas! Pensamos que eram maridos ciumentos com escopetas!)

Lorena, a mais ousada, veio direto pra mim, abraço apertado, peito colado no meu:

— Foi culpa de vocês, provocando todas na fazenda do nosso tio, seus safados… depois sacando armas assim na estrada! Também ficamos assustadas… e calientes também. Pareciam cowboys de filme, prontos para defender honra com bala! Meu coração acelerou tanto que pensei que ia sair pela boca, papy!

Luciana abraçou o Paco, creio que com receio do meu pau, mão já descendo pra barriga dele, sussurrando:

— Sim… agora queremos que nos defendam de outra coisa… temos medo da noite, Dom Paco. Tá escuro, né…

Eu e o Paco nos olhamos com aquele ar de irmandade e farra, rimos, e convidamos as duas pra entrar na mansão. A casa-grande estava quieta, só o ventilador de teto rodando devagar na sala, cheiro de jasmim e rosas do jardim entrando pela janela aberta. As meninas tiraram os vestidos ali mesmo, ficaram de calcinha e sutiã, rindo e rebolando, enquanto Paco acendia as luzes da piscina, fui correndo buscar toalhas.

(O povo do Paraguai sempre foi fogoso, desde os tempos do meu pai e tio, e naquela época eram ainda piores. Imagino hoje!

As moças eram atiradas como flecha de índio, sem medo de tomar a frente, pedir o que queriam, agarrar o homem escolhido pela nuca e beijar como se o mundo fosse acabar. Não era como no Brasil, onde às vezes a vergonha ainda travava o passo. Ali na fronteira, o calor da terra vermelha entrava no sangue, e mulher paraguaia, quando queria, queria com o corpo inteiro, sem meio-termo, sem pudor de igreja. Madre Santa! Era herança guarani, mistura de indígena livre com espanhol conquistador de “sangre🔥caliente” e o resultado era essa paixão que pegava fogo só com um olhar...)

As duas sentaram na beira da piscina, pés na água fresca, e começaram a conversar com a gente, voz manhosa de bebida e vontade .

Lorena, olhando pra mim com aqueles olhos puxados, Luciana, mão no joelho do Paco:

—Vamos entrar na água? Mas sem armas… só com isso aqui que tá duro debaixo da tua calça, Beto.

Paco riu, tirou a roupa, olhos arteiros de um rapaz de 20 anos:

— ¡Entren, mis reinas! ¡Yo las defiendo de lo que sea… menos de mi pija! (Entrem, minhas rainhas! Eu as defendo do que for… menos do meu pau!)

Também fiquei peladão, mergulhei primeiro, água fresca cortando o calor e a canseira do dia. Elas tiraram o resto que tapava suas intimidades, nuas como vieram ao mundo, e pularam rindo, os mergulhos ecoando no escuro.

Paco já estava dentro, charuto molhado na boca, abraçando Luciana por trás.O clima esquentou na hora: beijo molhado, mão escorregando na pele úmida, peito colado no peito. Eu peguei a Lorena pela cintura, beijei o pescoço, a mão descendo para o bundão dela, e a gente meteu ali mesmo, na borda da piscina, água chapinhando. Paco do outro lado, com a Luciana pendurada na rola dele, rebolando devagar, gemendo manhosa:

— ¡Así, mi reina… rebola como si fueras la dueña del mundo! (Assim, minha rainha… rebola como se fosse a dona do mundo!)

Às vezes o sacana saía pro raso da piscina, olhava pra mim piscando, apontava o dedo pra bunda da Luciana, apalpava e caçava o cuzinho dela com o dedo. Ela gritava escandalosa, dizendo que no cu nunca mais, que ainda estava dolorido por minha causa. Que farra gostosa!

Lorena, pernas em volta da minha cintura, unhas cravadas nas minhas costas, sussurrando no meu ouvido:

— Mete fuerte, Loiro… quiero sentir todo ese palo hasta el fondo… ay, Dios, qué grande sos!

Eu socava devagar, depois rápido, sentindo ela mordendo com a “boca de baixo”, buceta quente pulsando em volta do meu pau.

Quando ela gozou, gritou alto, ecoando no haras inteiro, pernas tremendo, água espirrando pra todo lado. Paco parou um segundo, olhou pra gente e gritou rindo:

— ¡Ay, Lorena… eso fue grito de yegua en celo! ¡El rubio te mató y te resucitó al mismo tiempo!

(Ai, Lorena… isso foi grito de égua no cio! O loiro te matou e te ressuscitou ao mesmo tempo!)

Luciana, ainda rebolando no Paco, riu alto:

— ¡Mi prima es una gritona! ¡Ahora mirá cómo hago yo! (Minha prima é uma escandalosa! Agora olha como eu faço!)

O tio apertou ainda mais o abraço, aumentou o ritmo, ela gritando mais alto ainda, água voando, as duas competindo quem gemia mais…

Depois a gente trocou de parceira, de posição. E foi de quatro na borda, em pé na água rasa. Pau duro, buceta molhada, cuzinho piscando mas ninguém ousando pedir depois do grito da Luciana e “los recuerdos del culito de Yamila, pobrecita”.

Gozei na boca da Lorena, ela engolindo tudo e lambendo os beiços.

Paco gozou gritando na boca da Luciana “¡Uruguay!” como se fosse gol, rindo alto, batendo palma.

No fim, exaustos, saímos da água, deixamos as duas dormindo nuas no sofá da sala, corpos suados brilhando na luz baixa dos abajures, cabelos espalhados, sorriso bobo na cara de quem descobriu como um homem faz de verdade.

O Paco vestiu o robe, eu joguei uma toalha nas costas, saímos pra fora da casa, sentamos na escada da varanda, bebendo cerveja gelada da geladeira, rindo baixinho pra não acordar elas, fazendo um apanhado dos ocorridos nos dois dias. Sem brincadeira, parecíamos dois moleques!

— Mirá, Beto… ayer el rodeio, el lazo, el baile… hoy el susto na estrada com las armas, y ahora esto na piscina. (Olha, Beto… ontem o rodeio, o laço, o baile… hoje o susto na estrada com as armas, e agora isso na piscina.) —¿Vos crees que es nuestra pinta o el diablo que nos cuida? (Você acha que é o nosso jeito ou o diabo que nos cuida?)

Eu ri, tomei um gole da cerveja:— Um pouco dos dois, mi hermano urugayo loco. Mas o que importa é que a gente tá vivo pra contar.

Paco olhou pro céu, charuto na mão:

— Y las noches como esta… son las que me hacen olvidar lo malo. Gracias por estar aquí, gurí. (E noites como essa… são as que me fazem esquecer o ruim. Obrigado por estar aqui, garoto)

Ficamos ali até o sereno cair de novo, sentados lado a lado, rindo dos gritos das primas, da confusão de dias atrás na casa da Zule, da cara do sujeito que eu derrubei no chão, do outro que ele abriu a testa, da Yamila mancando com o cu ardendo, da lida de boi, a doma, das nossas namoradas que foram embora, da vida toda…

Aquele uruguaio costumava dizer que, na fronteira, a gente não contava os dias… contava história.

Era nossa vida boiadeira de fazenda: cavalo bom, boi bravo, mesa farta, prosa sincera, negócios, mulheres, mulheres, mulheres…muchas mujeres.

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Eu dormi pouco, acordei, o corpo moído de cansaço, água, mulher e risada da noite anterior. A Lorena e a Luciana ainda dormiam nuas no sofá da sala, pernas emboladas, cabelo espalhado como o rio negro, semblante na cara de quem sonha com mais. (Um detalhe, o Paco tinha duas senhoras que cuidavam da casa, mas elas nem se importavam mais. E quando viam rastros de “bagunça”, ficavam só na cozinha, deixavam tudo pronto e vazavam embora)

O Paco já estava na cozinha, de robe de seda aberto, caçando um café preto forte, rindo sozinho:

— ¡Buenos días, rubio del demonio! ¿Sobreviviste al grito de las sobrinas? (Bom dia, loiro do demônio! Sobreviveu ao grito das sobrinhas?) Eu ri, peguei um copo de água e sentei do lado dele:

— Sobrevivi, tio. Mas acho que o haras inteiro ouviu. O que foi aquilo, caraiu? Ele deu uma gargalhada rouca, serviu o café:

— ¡El grito de Luciana? ¡Fue como yegua en celo llamando! ¡Mejor que chamamé!

(O grito da Luciana? Foi como égua no cio chamando! Melhor que chamamé!)

As duas acordaram com nossas risadas, se espreguiçando nuas, sem pudor, e vieram pra mesa, cobrindo só o essencial com as toalhas. O café virou conversa leve, cheia de piada sobre o “passeio” da estrada, as armas sacadas e o susto que virou tesão.

Lorena piscou pra mim:

— Vocês dois com revólver na mão… pareciam pistoleiros de filme. A gente quase desmaiou de medo… mas só aumentou a vontade, sabe. — Fazendo aquele charme de moça querendo rola.

Ainda nos contaram das conversas na casa do tio nas duas noite que passamos por lá. Que o velho estava mesmo decidido a me casar com uma das duas filhas que estavam estudando no Brasil. Também fizeram pouco caso das primas, caso eu me ficasse interessado de verdade.

Luciana apertou o joelho do Paco:

A outra enrolando os cabelos compridos com os dedos :

— E agora? Sobrou fôlego pra mais um passeio antes de ir embora?

Paco riu, mas olhou pro relógio:— Hoy no, mis reinas. Hoy hay trabajo en el haras… ¿Pero quién sabe qué traerá el mañana? (Hoje não, minhas rainhas. Hoje tem trabalho no haras… mas o amanhã, quem sabe?)

Beijamos as duas na boca, um abraço apertado, logo elas se arrumaram com promessas de voltar e saíram rindo, a caminhonete sumindo na poeira vermelha.

Eu não me reencontrei com elas, mas depois descobrimos pela “rádio esquina” que ambas sempre perguntavam para as pessoas em ambos os lados da fronteira seca, e as notícias corriam: “alguém sabe do uruguaio loco ou de su sobrino rubio?”

O dia foi de lida normal. Teve curral, boi, laço, carreiras pelas invernadas, suor. Eu e aquele uruguaio não sentíamos canseira no corpo.

É como se diz, quando se faz aquilo que gosta, ama, não é trabalho, é diversão, prazer puro!

Mas à tarde, quando o sol já baixava, eu senti o chamado do Véio mais forte que nunca no meu peito.

Aquela noite nós chamamos o velho Don Saturnino para comer um assado com mandioca e queijo frito na sede. O velho paraguaio parece que lia meus pensamentos, assim como fazia o Miguel, anos antes.

Com toda calma, mão no meu braço, o índio me disse para eu sossegar e fazer o que meu coração estava mandando.

O uruguaio já captou a coisa no ar, e com jeitinho foi entrando no assunto, entre gracejos, tentando me fazer esquecer aquilo que estava me afligindo:

—Tu padrino está bien., y tu aun mejor… ¿Visitamos mañana a Mari y a las demás para ver cómo están?¿Qué opinas, chico? Vayamos a Pedro Juan a pelear, disparando armas, corriendo desnudos, borrachos, locos... Vamos a invadir Brazil con nuestras pijas en mano.…

(Seu padrinho está bem, e você está ainda melhor... Que tal visitarmos a Mari e as outras amanhã para ver como elas estão? O que você acha, garoto? Vamos para Pedro Juan brigar, atirar, correr pelados, bêbados, loucos…Vamos invadir o Brasil com a rola na mão)

Eu e o Saturnino começamos a rir da cara dele, que nos falava aquilo tudo com o aspecto muito sério, arregalando os olhos, braços abertos, cerrando punhos, dando murros na mesa, apontando o dedo, como se estivéssemos discutindo assunto militar em sala de guerra.

Hora que o uruguaio parou de falar sobre nosso plano de invasão ao solo brasileiro, percebendo eu e o velho Yvytu rindo de chorar, ele ficou ainda mais sério, me mandou “a la mierda”, me xingando de tudo que era nome.

Por fim, sob muito protesto, muitos “carajos”, acabou concordando em me levar para “hablar por teléfono” com “mi padrino viejo en San Pablo”. Como se eu não pudesse montar no “carajo” da caminhonete e ir sozinho naquele “carajo” de cidade.(Rsrsrsrsss)

Para ser bem sincero, eu estava gostando daquele rabugento me tratando daquela forma, cuidando de mim, me querendo por perto, fazendo coisas como se fosse meu pai em alguns momentos, em outros tantos como se fosse meu irmão mais velho. A gente só se separava na hora que um ia cagar.

A verdade é que até hoje gosto de conversar com pessoas mais velhas, cheias de histórias, me apego fácil, e elas se apegam a mim, sei lá… talvez uma carência de coração órfão, não sei dizer ao certo…

Aquele noite o Tio Paco foi dormir cedo, me deu um boa noite seco, meio desanimado. O Don Saturnino Yvytu tinha me avisado, antes de também ir para sua casa, falando baixinho, me dando tapinhas nos ombros: “Paco tiene miedo de que te vayas.” (medo que eu fosse embora)

No outro dia o uruguaio pulou cedo da cama, mas me encontrou na cozinha rodeando o café:

—Buenos díííííías ¿Pero por qué tanta prisa, hijo?

Estava de bom humor, mas eu sentia as alfinetadas em suas palavras.

Comemos um pouco, tomamos um café reforçado, me pediu para esquentar o motor da caminhonete enquanto ele se arrumava.

Aquela manhã que falei com o Véio, meu padrinho, fomos na minha caminhonete.

Demorou uns 15 minutos, eu sentado com as pernas pra fora da cabine, ouvindo uma música, fumando, o Paco apareceu vestido de branco, chapéu Panamá tapando os olhos, charuto queimando no canto da boca, gritando, chamando um e outro, delegando ordens, verificando e municiando as armas…

Quando me viu sentado na minha caminhonete, uniu as mãos no peito, olhou pro céu com pesar.

Assim que tomou assento do meu lado:

—Estoy listo, ¡vamos! — falando seco, contrariado de tudo, olhando pro outro lado.

Saímos do haras escoltados por seus “auxiliares”, que já me tinham como parte da equipe, e a toda hora faziam graça piscando os faróis quando me viam olhando pelo retrovisor.

Tentei animar o velho rabugento, falar das nossas peripécias dos últimos dias, que nada, o homem estava inconsolável, e limitava-se a dizer:

—Déjame en paz, se va lá mierda, guri.

Horas depois, chegamos na casa do amigo do Paco, o tal coronel que era capitão. Eles ficaram falando de negócios, vendas de cavalos, possíveis compradores de gado, ouro, troca de dólares… o de sempre.

Lembro do tal “coronel” entregar a ele um pacotão cheio de notas de 100 dólares, e 100 reais, umas caixas de charuto, coisa fina, outras caixas com bebidas de tudo que era tipo, um “regalo” para o uruguaio.

Depois de falarem sobre várias coisas, mas de um jeito muito acelerado, bem rápido, que não consegui entender sequer uma palavra, o “coronel” empurrou o telefone da sua própria escrivaninha.

Olhei para os dois, virei o aparelho pro meu lado e comecei a teclar. Engraçado que cada vez que eu batia a ponta do dedo em uma tecla, o viejo Paco tinha um tique nervoso no canto do olho e torcia o charuto na boca.

Tocou pouco, e logo ouvi aquele vozeirão conhecido desde que eu molhava os cueiros.

— Alô? Ou… ou quem é que tá tá falânu?

— Aoooooo véio… tudo bão, é o Beto. — Silêncio do outro lado, depois a risada alta, tossindo, pigarreando e xingando muito.

—Ah rapaizim, seu cachorro do mato, veiaco! Onde ocê tá, caraiu? Os cavalo chegô faz tempo, são lindo que nem retrato, rapaz… mai eu tava achâno que o Paraguai tinha engolido ocê vivo!

Eu ri, mas o peito apertou:

— Engoliu sim, Véio… Mai de um jeito bão. Tô vivo, tô bem, tô aprendendo umas arte com o Paco, aquele “viejo hijo de una gran puta”.

Ele tossiu, ficou sério:

—Óh, mai ocê tá bão, então? Tá precisando de dinheiro, de arguma coisa? E óia Beto, larga mão de falá enrolado iguar esse lubisôme uruguaio, eu conheço aquele tipo, mai perdido que ocê. Hãm, ocêis dois pega tipo de homi, rapaizim. — Ele gritando aquilo e depois se matando de rir.

Comecei rir de chorar, o Paco e o Coronel ficaram curiosos, chamei o uruguaio entregando o telefone.

—Viejo hijo de puta, Paco hablando… bandido, zorro ladrón de pollo, ¿Qué te parece? ¿Te gustaron los caballitos? (Seu velho filho da puta, Paco falando, seu bandido, raposa ladra de galinhas, o que você achou? Gostou dos cavalinhos?)

Ficaram mais de dez minutos ao telefone, rindo, trocando ofensas.

Engraçado foi quando o Paco falou bem devagar para o Veio:

—Quería darte las gracias, me he quedado sin palabras ante el regalo que me enviaste, viejo. — fazendo aquela cara sem vergonha! —No pude encontrar a nadie como el rubio Beto para que cuidara de mi tierra, mi ganado, mis caballos y mis mujeres... ya lo hemos arreglado todo... Te pagaré el triple de lo que le pagas a él. (Queria te agradecer, estou sem palavras com o presente que você me mandou, velho. — Não consegui encontrar ninguém como o loiro Beto para cuidar das minhas terras, do meu gado, dos meus cavalos e das minhas mulheres... já resolvemos tudo... vou pagar três vezes mais do que você paga a ele.)

De onde eu estava, consegui ouvir o tanto que o Véio xingou, resmungou, chamando o Tio Paco de ladrão de afilhado, bandido, safado, filho da puta…

O uruguaio ria solto, balançando a cabeça entre “ahã” e muitos “sí, por supuesto”...tinha voltado o bom humor.

Se despediu do Véio, agradeceu por me deixar sob sua responsabilidade aqueles dias, me passando o telefone na sequência.

Ainda fiquei uns cinco minutos falando com o Véio, que me xingou mais um pouco, mas estava feliz por me ouvir alegre, como costumava ser quando moleque. Relatei meio por cima as aventuras dos últimos dias. O padrinho me chamando de perdido, que eu e o Paco éramos dois cachorros, biscateiros, putanheiros, zoneiros…

Finalizamos aquele reencontro por telefone:

—Óia Beto, faz assim…fica aí mais uns dias com esse perdido, mai num vai virá uruguaio. Preciso do cê comigo, rapaizim, tua madrinha te mandou um beijo e abraço… as assombração da tua casa tão chorando de saudade.

Desliguei com o coração dividido, o Paraguai me puxando pra ficar, o Brasil me chamando pra voltar.

Paco viu minha cara, acendeu o charuto e falou: —El viejo envió… Se quedará un poco más de tiempo… Pero con el uruguayo, aquí, yo!

Eu assenti, e dali por diante foi só alegria. O Tio Paco mudou da água para o vinho. Eu sabia que ele havia se apegado a minha pessoa, mas não tanto, juro.

Se despediu do coronel com um baita abraço, falando alto, gesticulando as mãos…

O amigo dele chegou no meu ouvido, sorrindo, me disse enquanto eu apertava sua mão suada:

—Niño, cambiaste al viejo uruguayo y ni siquiera tienes vagina. (Moleque, você mudou o velho uruguaio, e nem tem uma vagina)

Caímos todos na risada, principalmente o Paco, que estava contente de verdade.

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Naquele fim de tarde em Pedro Juan, devia estar regulando umas quatro da tarde, o sol já amarelão caindo atrás das palmeiras da avenida principal, pintando tudo de ouro velho.

Só tentem imaginar aquele cenário todo…

O calor ainda apertava, uns 30°C, mas a brisa que vinha do lado brasileiro começava a refrescar, carregando cheiro de chipa quente, gasolina barata e perfume de mulher passando na calçada. A rua cheia de vida: motoqueiro buzinando, menino vendendo água gelada, paraguaias de shortinhos jeans apertados calçadas nos pés com havaianas, rebolando com sacolas da Bonanza nas mãos, indo pros lados do Shopping Cinha, brasileiro de camisa do Corinthians comprando whisky no duty-free…

Tudo misturado, aquela bagunça, tudo feliz!

Estávamos sentados na calçada do Bar El Bohemio, na esquina da Cerro Corá com a Mariscal, devia ficar a uns quatro quarteirões da linha seca, em uma mesinha de ferro verde descascada, cadeiras de ferro branco da Brahma que rangiam a cada movimento, toalha xadrez vermelha e branca já desbotada, cheia de marcas de copo. Na nossa frente, duas guampas de tereré suando gelo, um prato de mandioca frita com pedaços de torresmo que o Paco beliscava sem parar. Dois passos atrás de nós, encostados na parede do bar, o Ñato e o Carlitos, os fiéis seguranças do Paco, com seus jeans desbotados, camisa colorida aberta no peito, pistolas carregadas, e olho vivo no movimento da rua, tomando conta da gente como sempre. Ali, naquela mesa da calçada do El Bohemio, com o cambista gritando a todo pulmão, quase cantando: “¡Dólar, real, guaraní! ¡Cambio bueno, cambio bueno, amigo!”

O cheiro de chipa quente vindo da padaria da esquina… com tudo aquilo, eu e o uruguaio estávamos mais vivos do que nunca.

Chegamos na casa da Zulema depois das oito da noite, minha F1000 estacionada na rua lateral, os dois seguranças do Paco já dentro do salão, de costas pra parede, braços cruzados, mas rindo de canto de boca porque sabiam o que vinha pela frente. Paco tinha fechado a casa inteira, só nós dois, as dez meninas mais bonitas que ele escolheu a dedo, uísque 18 anos aberto, caixas de Brahma gelada, carne assando na churrasqueira do pátio e som de chamamé no último volume. “CREDO EM CRUZ, AVE MARIA”

Zulema veio nos receber já alta, com um copo de caña com limão na mão, olhos brilhando mais que o neon da entrada:

— ¡Mis reyes llegaron! ¡La reina del burdel está lista para servirles! (Meus reis chegaram! A rainha do bordel está pronta pra servir vocês!)

Abraço apertado, beijo na boca do Paco, mão já descendo pra minha barriga:

— ¡Ay, rubio del demonio… hoy sí que te voy a confesar, carajo! (— Ah, loiro do demônio… hoje eu vou mesmo confessar para você, caralho!

Mal entramos no salão e a palhaçada começou de novo, sem freio, a Zule com uns goles na cabeça, caiu de joelhos no chão gasto, mãos unidas como quem reza no altar, olhos arregalados, falando alto e bem sério:

—Hazle que muestre su gran polla, Paco, por favor, te lo pido por todo lo que es sagrado— ¡Por la Virgen de Caacupé, por San Blas, por todos los santos del Paraguay! ¡Mostrame esa pija otra vez, rubio! ¡Una sola vez más y me muero feliz!

(Faça-o mostrar a rolona, Paco, por favor, eu imploro em nome de tudo que é sagrado— Pela Virgem de Caacupé, por São Brás, por todos os santos do Paraguai! Mostra esse pau de novo, loiro! Só mais uma vez e eu morro feliz!)

As meninas explodiram em gritinhos, batendo palmas, já sabendo onde aquilo ia parar. Paco caiu na gargalhada, segurando a barriga:

— ¡Mirá vos, Zule… otra vez con la misma comedia! ¡Dale, gurí, no la hagas sufrir! (Olha só, Zule… de novo com a mesma palhaçada! Vai, guri, não faz ela sofrer!)

Eu, já com umas três cañas no sangue (sempre fraco pra bebida apesar do tamanho), subi no balcão do bar. A puta ali era eu... um calor da porra, camisa aberta, joguei o chapéu que saiu rodando no ar, cinto desabotoado. Comecei o striptease lento, todo sem jeito, balançando os ombros, jogando a camisa pro lado, as meninas gritando, Zulema com as mãos no rosto, espiando entre os dedos, fazendo sinal da cruz a cada peça que caía, bem escandalosa:

— ¡Ay Dios mío, ay Dios mío… esto es pecado mortal! ¡Pero qué pecado rico, Virgen santísima!

(— Oh meu Deus, oh meu Deus… isto é um pecado mortal! Mas que pecado maravilhoso, Virgem Santíssima!)

Bota e meias no chão... Quando a calça e a zorba caiu e o bicho apareceu, livre e já pegando forma, ficando duro, olhando aquele bando de paraguaias quase nuas, meu sangue fervendo, o salão inteiro perdeu o juízo.

Zulema deu um grito que quase derrubou o neon:

— ¡LA CONCHA DE LA LORA! ¡Es más grande que la última vez! ¡Paco, viejo hijo de puta, cómo me hiciste estoooo! (— Pela Buceta Loira! É maior do que da última vez! Paco, seu velho filho da puta, como você pôde fazer isso comigo!)

Paco, já sem camisa, de quatro no chão com duas peladinhas nas costas, se matando de rir:

— ¡Mirá, gurí! ¡Soy caballo otra vez! ¡Pero este caballo no galopa… este caballo vuela, carajo!

(Olha, guri! Virei cavalo de novo! Mas esse cavalo não galopa… esse cavalo voa, carajo!)

As meninas subiram no balcão comigo, beijando, chupando minha rola, lambendo meu peito, braços, coxas, mordendo meus pés e minha barriga.

Zulema se levantou, cambaleando, copo ainda na mão, e gritou pro salão inteiro:

— ¡Hoy nadie trabaja! ¡Hoy todos follamos por amor al rubio y al viejo loco uruguayo! ¡Que viva el Paraguay, Uruguay e Brazil, carajo! (—Ninguém trabalha hoje! Hoje estamos todos transando por amor ao loiro e ao velho uruguaio maluco! Viva o Paraguai, Uruguai e Brasil, caralho!)

E foi o caos mais lindo que a fronteira já viu:

Eu no balcão, três bocas no meu pau, Zulema ajoelhada de novo, agora de boca aberta, implorando “¡una gotita, rubio, una sola gotita!”.

Paco tava no chão rolando com duas por cima dele, outras gritando “¡Arre, caballo uruguayo!”.

Seguranças rindo e batendo palma, "el patrón és loco", whisky voando, corpos nus rolando no chão, cheiro de sexo, caña e perfume no ar. Quando gozei nos peitões e barriga da Zule, ela olhou pro teto, fez sinal da cruz, fingindo que estava desmaiando de felicidade, ainda murmurando:

— Gracias, Virgen… ya puedo morir en paz.

Paco, suado, rindo até perder o fôlego, gritou pro salão inteiro:— ¡Esto, gurí… esto es el Paraguay! ¡Acá no hay pecado, solo remedio para el alma! (— Isto, garoto… isto é o Paraguai! Aqui não existe pecado, só remédio para a alma!)

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No outro dia acordei depois da uma da tarde, o sol já queimando o telhado da casa, o quarto da Zulema parecendo sauna de tanto calor. O corpo inteiro doía gostoso, como depois de uma viagem de comitiva de três dias sem dormir, embaixo de chuva. Abri os olhos rindo sozinho, porque lembrava da farra, mas lembrava pouco. Levantei de zorba, senti o pau latejando dentro da cueca, as coxas ardendo, gosto de sangue na boca.

Cheguei na cozinha arrastando os pés, cabelo de quem pegou ventania, e encontrei os dois, Paco sentado na cadeira de palha, camisa aberta, charuto apagado na boca, e Zulema de camisola curta mostrando metade da bundona, servindo café preto forte, os dois já rindo antes mesmo de eu abrir a boca. Zulema correu pra me acudir, abraço apertado, beijos na minha cabeça, cheiro de café e perfume doce:

— ¡Ay, rubio mío… perdoname, por Dios! ¡Anoche perdí la cabeza! ¡Nunca vi un hombre hacer lo que vos hiciste! (Ai, meu loiro… me perdoa, por Deus! Perdi a cabeça ontem! Nunca vi homem fazer o que você fez!)

Paco levantou, deu uma tragada no charuto que nem tava aceso, e começou a rir:

— ¡Mirá cómo quedó el pobre gurí, Zule! ¡Parece que pasó por un tornado de conchas! (Olha como ficou o coitado do guri, Zule! Parece que passou por um tornado de bucetas!)

Os dois me examinaram como se eu fosse cavalo premiado na exposição. Zulema puxou minha zorba pra baixo sem pedir licença, era tudo delas, arregalou os olhos:

— ¡La puta madre… mirá el mordisco que te dejaron! ¡Está tan hinchado como una salchicha de Pascua ¡Y las marcas en las piernas… parece que te atacó una onza! (— Meu Deus… olha a mordida que te deram! Tá inchada igual a um linguiça de Páscoa! E as marcas nas suas pernas… parece que você foi atacado por uma onça!)

Depois o Paco apontando com o charuto:

— ¡Y el labio partido, carajo! ¡Esa morocha te mordió como si quisiera llevarse un pedazo! (—E aquele lábio rachado, caralho! Aquela morena te mordeu como se quisesse te arrancar um pedaço)

Eu coçava a cabeça, sem lembrar de quase nada, só flashes de bocas, pernas, peitos, bucetas na minha cara, bundas, gritos e uísque voando.

— Quem foi que mordeu minha boca, Tio?

Zulema riu, cobrindo o rosto:

— ¡La Yamila número tres! ¡Ya está en el médico, pobrecita… el Carlinhos la llevó! ¡Dice que le rompiste el culo, que quedó sangrando y todo! ¡La pobre anda de lado hoy! (Yamila número três! Ela já está no médico, coitadinha... Carlinhos a levou! Disse que você rasgou o cuzinho dela, está sangrando e tudo! A coitada está andando de lado, hoje!)

Paco caiu na gargalhada, batendo na mesa:

— ¡Este rubio tiene talento para destruir culitos, carajo! ¡Es un especialista! ¡Debería cobrar por consulta! (Este loiro tem talento pra destruir cuzinhos, caralho! É especialista! Deveria cobrar consulta!)

Eu, ainda zonzo, procurando meu chapéu embaixo da mesa:

— Cadê meu chapéu, gente? E meu cinto? E minha vergonha?

Zulema trouxe café, beijou minha testa, voz doce:

—Tu vergüenza acabó en mi cama, rubio… y un poquito en el balcón, un poquito en la piscina y un poquito en el pasillo. ¡Pero te juro que nunca me he divertido tanto en mi vida! (—Sua vergonha acabou na minha cama, loirinho… e um pouquinho na varanda, um pouquinho na piscina e um pouquinho no corredor. Mas juro que nunca me diverti tanto na minha vida!)

Paco me serviu um café forte, deu tapa nas minhas costas:— ¡Tomá, gurí… esto cura hasta el alma! ¡Y tranquilo, que hoy descansamos… mañana destruimos otro burdel! —rindo com aquela cara de “urugayo loco.”

Eu ri, sentei do lado deles, o pau e as costas doendo, meus mamilos estavam para cair, de tantas dentadas que levei, o corpo todo marcado, mas o coração leve feito menino.

Passamos tempo conversando na cozinha, quando ouvimos a porta da frente ranger. Era a morena da noite anterior: a mesma que gritou “¡más adentro, rubio!”, e que eu, sem querer, acertei com um pouquinho mais de força, mais que o habitual. Me contaram que ela estava de quatro, mãos abrindo o rabão moreno, rebolando, pedindo no cu, que aguentava e nunca tinha visto “una polla tan rosada y grande” como a minha.

Vinham ela e o Carlitos.

Ela mancando de lado, arrastando as solas no chão, cara de quem sentou num formigueiro, e o Carlitos segurando o riso com as duas mãos, quase chorando.

— ¡Patrón… el doctor mandó el recado! — disse o Carlitos, entregando um papelzinho dobrado pro Paco quase não se aguentando. A morena, sem graça mas ainda safada, ficou parada na porta, mordendo o lábio, me paquerando com aquele jeitão de puta querendo vara. Paco abriu o papel, pegou um ar e leu em voz alta, com aquela voz de locutor de rodeio:

“Estimado don Paco:

Seu amigo Loiro é um fenômeno da medicina moderna.

A paciente apresentou fissura anal de grau elevado, hematoma perianal e dilaceração em estrela.

Nunca vi um instrumento (não cirúrgico) causar tanto estrago em um ânus.

Proponho sociedade: ele traz as pacientes, eu faço a cirurgia. 50% para cada um, ficaremos ricos!

Abraço,

Dr. Ramírez – Clínica del Buen Dolor de Culos”

Juro, pensei que a casa ia desabar!

Zulema engasgou, saiu café pelo nariz, Paco engasgou com o charuto, os dois começaram a rir tão alto que Zulema teve que agachar no chão, segurando nas pernas do Paco pra não cair, lágrimas escorrendo: “Mira lo que le hiciste a Zule.” ¡Vas a matar a esa vieja puta de la risa!— ¡No respira, no respira…

A Zulema chorando: “¡Ayúdame, por Dios! Me muero, me muero!”

A morena, vendo que a apelação era geral, resolveu entrar na brincadeira.

Apoiou as duas mãos na mesa da cozinha, abaixou a calcinha devagarinho, virou de costas e abriu as nádegas com cuidado de quem mostra troféu:

— ¡Miren, miren… esto es arte, carajo de Rubio!

E era mesmo gente, que estrago!

O cuzinho todo estufado, vermelho-vivo, parecendo um beiço virado, cheio de pomada branca, rachaduras em estrela, parecendo que tinha caído um relâmpago por ali. Arregacei com força, mas foi sem querer. Juro!

Paco caiu da cadeira, Zulema rolou no chão, eu fiquei olhando sem saber se ria ou se pedia perdão, o Carlitos, segurando a barriga escontado na parede pra não cair:

— ¡El doctor dijo, Patrón, que si el rubio sigue así, va a tener que abrir una clínica solo de reconstrucción anal en Pedro Juan! (O médico disse, patrão, que se o loiro continuar assim, ele vai ter que abrir uma clínica só para reconstrução anal em Pedro Juan!)

A morena, ainda de bunda empinada, olhou safada por cima do ombro, voz manhosa:— ¡Pero valió la pena, rubio… !

E a cozinha inteira desabou na gargalhada mais alta que aquelas paredes já ouviram.

Passamos o dia inteiro na casa da Zulema, eu deitado na rede da varanda, corpo moído, fedendo de preguiça e sono, pau inchado, pernas cheias de roxo e arranhões. Elas não paravam de tirar sarro da minha cara, e cada vez que eu tentava levantar, alguma das meninas passava e fazia “aiiiiii” segurando a própria bunda, ou fingia estar mancando, e a casa inteira caía na gargalhada. A morena do anel rasgado ficou o dia todo deitada de bruços na cama passando pomada nas pregas. As amigas acudiam ela com gelo, ventilador e caña com limão, mas também zoavam:

— ¡Cuidado, chicas… el rubio está descansando, pero en cualquier momento vuelve al ataque!

Só quem já viveu uma putaria daquelas vai entender o que este velho cavaleiro está escrevendo.

Ao cair da noite não rolou putaria nenhuma. Só churrasco no pátio, costela grossa pingando gordura, linguiça defumada, mandioca assada, cerveja Brahma gelada pra eles e tereré pra mim, eu precisava desintoxicar o sangue depois de dois dias de “mucho pelear”.

Sentamos os três em volta da mesa de madeira velha, luz baixa do abajur, som de grilo e rádio tocando baixinho “India” do Cascavel. Zulema, já mais calma, foi buscar uma caixa de fotos antiga e colocou na mesa. Abriu um envelope amarelado e tirou uma Polaroid de 1984. Lá estava ela e Paco, mais novos, em plena festa de São João na Praça Uruguaya em Assunção. Ela de vestido branco rodado, cabelo cacheado solto, sorriso de jovial, Paco de camisa xadrez aberta, chapéu de palha, braço em volta da cintura dela, os dois com copo de caña na mão, atrás um palco com Los Ojeda tocando polca.

— Mirá, rubio… este era el Paco que me enamoró. (Olha, loiro… esse era o Paco por quem me apaixonei.)

Paco sorriu, olho perdido na foto:

— Y vos eras la reina de Assunción, Zule… todavía lo sos. (E você era a rainha de Assunção, Zule… ainda é.) Eu peguei a foto, senti um aperto gostoso no peito e comecei a falar.

Ficamos falando sobre nossas vidas.

Contei do oeste paulista, sobre uma viagem que fiz para Goiás naquele mesmo ano, buscando uma boiada com meu pai, tio e o Miguelito, descendo para o Mato Grosso do Sul… do envolvimento com uma morena baixinha, linda, que o pai era doleiro e negociava ouro. O Paco riu safado, dizendo saber quem era pai e filha: "Beto, hijo de puta, Zule! ".

Também me fizeram contar como foi a minha primeira vez com uma mulher, e minha primeira visita em uma casa de “amores pagos”, das molecagens, como eu levava as mocinhas da cidade pra passear na carroceria da C10 do meu pai, estacionava no carreador do velho cafezal, fazendo amor olhando a lua, com cheiro de mato e juventude. Das festas e bailes, minhas brigas… Contei das primeiras mágoas, das perdas, do buraco que ficou quando a vida começou a cobrar caro e outras aventuras que tive em fronteiras mais abaixo no mapa…

Zulema ouviu quieta, depois olhou pro Paco e falou baixo:

— ¿Ves, viejo? Lo mismo que yo te decía… este rubio tiene la misma mirada que vos tenías cuando llegaste aquí roto en el 82. (Viu, velho? O mesmo que eu te dizia… esse loiro tem o mesmo olhar que tu tinha quando chegou aqui quebrado em 82.)

Ela se levantou, veio pra trás de mim, me abraçou por cima dos ombros, mão no meu peito, beijou minha cabeça:

— Quédate más días, mi rubio… este lugar cura corazones partidos. Paco assentiu, voz rouca:

— Ya está decidido, Zule. El gurí se queda. (Já tá decidido, Zule. O garoto ficará.)

E assim ficamos até tarde da noite. Eu, Paco e Zulema, três almas marcadas pela mesma terra vermelha, rindo baixo, chorando por dentro, curando um ao outro com silêncio, tereré e o cheiro de churrasco queimando na brasa.

Naquela noite o Paco e a Zule dormiram juntos, não ouvimos bagunça, nem gritos. Eu também estava mais calmo, acabei fazendo amor com uma moça de cabelo pintado de loiro, abraçados, indo fundo, arrancado suspiros…

Entre tantas coisas que aprendi, uma foi que na fronteira, meus amigos, a farra acaba, mas a amizade fica!

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No outro dia, lá pelas onze, a F1000 já roncava na porta.

Beijos na boca, abraços apertados, cheiro de café, pasta de dentes e perfume no ar. Zulema me agarrou pelo pescoço, olho marejado:

— ¡No te vayas nunca más, rubio del diablo! ¡Este burdel es tuyo cuando quieras! (Nunca mais vá embora, loiro do demônio! Este bordel é teu quando quiseres!)

Paco, como sempre, abriu a carteira grossa, não me deixava gastar uma moeda, tirou um bolo de dólares e jogou na mesa, debochado:

— ¡Para las chicas, para la carne, para la caña… y esto aquí… (Para as meninas, pra carne, pra caña…) — separou umas notas e entregou direto na mão da morena do cuzinho rasgado que ainda mancava — …para que compres pomada buena, mi reina, ¡que el rubio te dejó como nuevo camino de tierra! (…pra comprar pomada boa, minha rainha, que o loiro te deixou como estrada de terra recém-aberta!)

A moça pegou o dinheiro, fez careta de dor, mas logo abriu o sorriso safado, virou de costas, abaixou a calcinha até o joelho e empinou a bunda, com as mãos abriu devagar, mostrando o cuzinho ainda vermelho e inchado, cheio de pomada:

— ¡Vení, rubio… dame besitos en la herida, que cura más rápido! ¡Y si querés, de lengua también, que yo no cobro extra! (Vem, loiro… me dá beijinhos na ferida, que cura mais rápido! E se quiser, de língua também, que eu não cobro extra!)

As meninas explodiram na gargalhada, Zulema bateu palma, o tio rindo segurando a barriga:

— ¡Escuchaste, gurí? ¡Besitos terapéuticos! ¡Esto solo pasa en Paraguay, carajo! (Ouviste, guri? Beijinhos terapêuticos! Isso só acontece no Paraguai, caralho!)

Eu dei um beijo estalado em cada nádega dela, ela gritou “¡ayyy, doctor!” e a casa inteira desabou de novo na risada.

Subimos na caminhonete, o motor roncando, a poeira subindo.

Zulema e as meninas na porta, acenando:

— ¡Vuelvan pronto, mis amores! (Voltem logo, meus amores!)

Paco ligou o rádio, deu uma piscada pra mim me mandando acelerar:

— ¡Ahora sí, gurí… todavía tenemos muchos rabos que salvar… y otros que romper! (Agora sim, guri… ainda temos muitos cus pra salvar… e outros pra romper!)

E partimos rindo alto, com o sol queimando o capô e o coração feliz, cheio de fronteira.

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Era um dia preguiçoso, Pedro Juan ainda estava de ressaca.

Chegamos na loja da Mari lá pelo meio dia, o calor e a poeira vermelha de sempre. Por sugestão dele, resolvi ficar com nossas amigas naquele dia.

Ela estava atrás do balcão, shortinho jeans desfiado, top branco, cabelo preto solto até a cintura. Quando viu a minha caminhonete parar, correu pra porta, virou a placa de “VOLTO JÁ” e já veio me agarrando pelo pescoço:— ¡Rubio! ¡Por fin apareciste, carajo!

Paco deu risada, abraçou ela, trocou gracejos de sempre, mas logo falou sério:— Tengo que volver al haras, Mari… los caballos no esperan. (Tenho que voltar pro haras, Mari… os cavalos não esperam.)

— Pero el rubio se queda con vosotras hasta mañana. (Mas o loiro fica com vocês até amanhã.)

Depois eu soube que antes de ir pra fazenda, Paco fez questão de parar em três lugares: em um no bar, na casa de câmbio e na porta do hotel. Também fez recomendações para alguns policiais.

Em cada canto, a mesma frase, voz baixa e olho pequeno:— El rubio está en Pedro Juan sin mí.

Si una mosca sienta en la camioneta de él… me voy a enojar mucho con el infeliz. (O loiro tá em Pedro Juan sem mim.

Se uma mosca sentar na caminhonete dele… eu vou ficar muito bravo com o infeliz.)

Todo mundo entendeu. Ninguém ia mexer comigo!

Quando a loja fechou de vez, eram quase três da tarde. As três (Maricruz, Mercedes e a Leticia) subiram na cabine da minha caminhonete amontoadas, pernas por cima de pernas, risada alta, perfume doce enchendo o ar.

Eu dirigindo, Mari no meio, mão no meu joelho, Leticia cantando chamamé, Mercedes beliscando minha nuca, e fomos assim até chegarmos na casa delas, na saída pra Capitán Bado.

O ambiente estava leve, tudo arrumadinho, casa de moça. Lá dentro conversamos sobre como andavam os negócios, a vida…

Eu doido pra tomar um banho, aquele calor absurdo, perguntei se tinha uma toalha no jeito. A Mari foi correndo buscar, e no retorno, ela e as outras tiveram a surpresa.

Com a intimidade de pessoas que ficaram nuas por vários dias em um mesmo ambiente, tirei o chapéu, camisa, abri a calça e fui baixando tudo, ali na porta da cozinha mesmo, me preparando pra pegar a toalha e ir pro banheiro.

Quando viram meu corpo, as três pararam no meio do movimento, boca aberta. Mercedes foi a primeira:

— ¡La puta madre, rubio! ¿Qué te pasó? ¡Pareces que caíste en una jaula de onzas! (Caralho, loiro! Que te aconteceu? Parece que caiu numa jaula de onças!)

Letícia deu um passo pra trás, apontando os arranhões nas costas:

— ¡Estas marcas son de mujer o de gato montés?! (Essas marcas são de mulher ou de gato-do-mato?!)

Mari, já vermelha de ciúme, cruzou os braços e bufou:

— ¡Yo sé quién fue! ¡La Zulema y sus garras de siempre! ¡Mira esto… hasta mordida en el hombro! ¡Ese burdel te dejó como mapa del tesoro! (Eu sei quem foi! A Zulema e suas garras de sempre! Olha isso… até mordida no ombro! Esse bordel te deixou parecendo mapa do tesouro!)

As três começaram a falar ao mesmo tempo, bravas, batendo pano de prato no ar:

— ¡Hombre sinvergüenza! (Homem sem-vergonha!)

— ¡¡Luego dijo que vino a Paraguay a descansar!! (E diz que veio descansar no Paraguai!)

— ¡Y todavía huele a perfume barato! (E ainda fede a perfume barato!)

Dei muita risada, e parafraseando o Paco, falei levantando as mãos em rendição:

— Calma, mis reinas… são cicatrizes de guerra…

Mari pegou minhas roupas sujas de farra e

mulher, jogou na máquina de lavar roupas. Depois me trouxe uma camisa nova, calça e zorba ainda com cheiro de loja:

“— Essas tuas fedem a Zulema e caña… toma, loiro, fica cheiroso de novo”.

Sei que apelaram muito, fizeram aquela cena, reclamando que eu e o Tio Paco não tínhamos juízo, éramos dois “sin vergüenza”.

A coisa só acalmou depois que apareci cheiroso, cabelo penteado. Eu adorava aquele ciúmes!

Me serviram janta cedo, mandioca frita, carne de costela na chapa, salada…

Depois da janta sentamos na varanda dos fundos, cerveja Brahma gelada, tereré pra mim. Ficamos um bom tempo por ali falando da vida, junto ao som do rádio ligado e cigarras chiando…

As três me olhando como quem olha o presente de Natal.

Amigas, sim… mas com segundas, terceiras e quartas intenções brilhando no olho.

Mari, de pernas cruzadas na cadeira, me encarando, balançando o pezinho lindo:

— Entonces… ¿hoy duermes acá, rubio? (Então... você vai dormir aqui hoje à noite, loiro?)

Já sabendo da paixão da amiga, Mercedes e Letícia trocaram um olhar rápido, um olhar cúmplice que não precisa de palavras.

Mercedes levantou-se, beijou a testa da Mari e falou baixo, com carinho de quem já viveu isso antes:

— Esta noche es tuya, reina. (Esta noite é tua, rainha.)

Letícia, sorrindo falou: —Yo sé lo que es estar enamorada, Mari… (Eu sei o que é estar apaixonada, Mari…)

Nos deixaram conversando sozinhos, Mari me olhando com aquele fogo que só uma paraguaia possui no olhar… levantou, me pegou pela mão me levando para o quarto.

O quarto estava arrumadinho, cama de casal, ventilador girando, cheiro de sabonete Phebo e perfume Channel. Ela trancou a porta, apagou a luz, deixou só o abajur laranja aceso.

Veio pra mim devagar, sem pressa, como quem tem medo de quebrar algo muito frágil.

— Beto… voy a amarte como si nunca más fuera a verte. (Beto… Vou te amar como se nunca mais fosse te ver)

E amou!

Com a pressa de uma pantera faminta, ficou nua em pêlo. Depois tirou minha camisa botão por botão, beijando cada pedaço de pele que aparecia.

Desceu de joelhos, me abriu a calça com os dentes, olhou de baixo pra cima com aqueles olhos brilhantes que guardavam o mundo inteiro.

Me chupou devagar, como quem reza, como quem agradece, como quem se despede.

Depois me empurrou pra cama, deitou em cima de mim, cabelo caindo no meu rosto:

—Quiero sentirte todo… sin apuro… sin mañana. (— Quero sentir você por inteiro… sem pressa… sem amanhã.)

Ela quem me possuía, gemendo baixinho, corpo quente tremendo, agarrando com muita força meus braços. Fechou os olhos, apertou minha mão contra o peito dela, deixou que eu sentisse como seu coração estava disparado.

“Siente como está mi corazón, Beto.”

Serpenteando de forma sensual sobre meu corpo, bem fogosa, conectou nossos sexos…

Fizemos amor de forma lenta, profunda, sem brincadeira.

Apenas nos amamos!

Só pele com pele, só suspiro, só o nome dela na minha boca e o meu nome na dela. Provei cada milímetro daquele corpo moreno perfeito, da sola dos pés aos cabelos…

Na última vez, ela gozou chorando, agarrada aos meus cabelos, aqueles lábios sensuais parcialmente colados aos meus, repetindo baixinho:

“— Mi cariño, mi amor, mi corazón, mi hombre, mi rubio hermoso como el diablo, te amo… — me falando aquilo tudo sussurrando de um jeito que só as paraguaias fazem!

Ficamos assim até o sol nascer, abraçados, nos cheirando, trocando lambidas, aquelas coxas grossas esfregando nas minhas, a pele quente macia… eu e ela, naquela fronteira infinita de sentimentos e sensações. Brasil e Paraguay!

Quando saí do quarto, deixei Mari dormindo de forma serena, calma, um leve sorriso estampado naquele rosto bonito. Mercedes e Letícia estavam na cozinha fazendo café.

Não falaram nada quando eu apareci, só me abraçaram forte, uma de cada lado.

Mercedes também sentia vontade de estar comigo, eu via nos olhos dela, mas não me disse nada, tampouco se insinuou aquele dia. Creio que em respeito a amiga que havia dado a ela nova oportunidade de vida.

Ainda demorou para Maricruz dar as caras, e quando o fez, me encontrou falando com as irmãs que a vida havia lhe arranjado.

E ali ficamos falando dos seus negócios, planos para o futuro.

Elas ainda não sabiam, mas o Paco não cobraria nada delas, só que estivessem bem e cuidando das próprias vidas, sem depender de ninguém. — “sin depender de nadie en sus vidas.”

Sai da casa delas com uma sensação boa, peito mais leve, feliz de verdade.

A Mercedes, Letícia e Mari crescendo, donas do próprio nariz, sem namorado ciumento, marido violento ou amantes possessivos.

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Saí da casa da Maricruz depois do almoço, lá pelas duas da tarde.

Mercedes e Letícia me entregaram dois pacotes, um de chipa embrulhado em jornal e o outro com minhas roupas lavadas e cheirosas. Dei um beijo carinhoso em cada uma na boca. Mari ficou na porta, mão na cintura, olhos marejados, mas sem dizer adeus. Só acenou até eu sumir na poeira.

A caminhonete ainda guardava o perfume delas na cabine.

Rádio tocando um modão, janela aberta, vento quente batendo no rosto. Voltei sem pressa, despreocupado, como quem não quer chegar nunca. Deixei Capitán Bado, saí pela rua principal, passei na frente do posto Ypf ainda com a bandeira velha, menino vendendo laranja no sinal, cachorro dormindo no meio da rua. Segui pra Zanja Pytã, aquela estrada de terra vermelha poeirenta, tinha que ir atento, sempre tinha alguma boiada atravessando, peão boiadeiro montado em burro com chapéu de carandá acenando… Lá em Karapaí a gente passava sobre a velha ponte de madeira rangendo sobre o rio Apa, água marrom correndo devagar, era o mesmo cenário de sempre, com gente pescando com vara de bambu.

Coloquei marcha, passei por Pedro Juan Caballero saindo pela Ruta 5, entrei pela lateral, passei na linha seca, polícia rodoviária paraguaia pescando de sono no posto, brasileiro comprando whisky duty-free, cambista gritando “¡cambio bueno!”.

Era ou ainda é, só seguir um trecho na rota do lado brasileiro pegando a saída pela BR-463, depois era rodovia asfaltada, mas cheio de buracos, caminhão de soja buzinando, a placa pra Amambay…

Quem já passou por ali, sabe! Depois da curva do Cerro Memby a estrada vai subindo, de lá se avista o vale inteiro, gavião voando baixo.

Ponte sobre o rio Aquidabán, a água ali era cristalina, molecada nadando, boi e vaca bebendo na margem…

Os últimos 20 km eram de terra batida, plantação de soja que se perdia de vista, dos dois lados… a placa velha da fazenda do uruguaio…

Quando cheguei na porteira, abri e fechei sozinho, gado olhando curioso, cachorro latindo de longe.

A poeira vermelha subindo atrás da caminhonete... bem lá adiante se via o casarão branco do Paco na parte elevada do haras. Deu pra ver de longe o brilho das esporas prateadas. O tio loco estava na varanda em pé, encostado em uma coluna, sem camisa, chapéu campeiro na cabeça, a bombacha empoeirada, uma baita guampa de tereré trincando de gelada, charuto na boca, esperando como quem já sabia a hora exata que eu ia chegar.

— ¡Llegaste, rubio…! — Y con cara de quien dejó un pedazo de corazón en el camino. — Rindo safado!

Parei a caminhonete na frente da casa, tirei o chapéu, limpei o suor da testa com a manga da camisa me sentindo vivo. E tinha mesmo deixado um pedaço do meu coração perdido por aqueles caminhos!

Aquele fim de tarde foi de muita conversa entre eu, o Paco e o Don Saturnino Yvytu.

Falamos de vida, de saudade, de coisas do mundo.

Descarreguei o peso de tudo que eu estava trazendo desde o oeste paulista, desde aquelas velhas estradas boiadeiras, cafezais e fazendas de pecuária próximas da região de Presidente Prudente. Desde a divisa com o Mato Grosso do Sul, perto do majestoso Rio Paraná, onde eu aprendi a laçar bois e domar cavalos antes de aprender a lidar com gente.

O Yvytu soltou uma fumaça longa, olhou pra mim com aquele olho pequeno que vê tudo.

"— Mágoa é como boi brabo, mbohapy… quanto mais você corre, mais ele te segue. — e prosseguiu — Homem que não sente mágoa não é homem. É pedra, mbohapy Beto!"

Aquele velho índio me disse muitas coisas, me ensinou outras tantas, falou da minha vida, dos longos caminhos que eu ainda percorreria…

E ficamos os três olhando o horizonte, com aquele vermelho que parece que o céu está sangrando devagar, em mais um fim de tarde lindo que vinha anunciando outra noite paraguaia cheia de sentimentos…

Ainda tive algumas andanças com o Paco por aquela região, nos quase cinquenta dias que passei no Paraguai. O acompanhei até a loja das moças. Almoçamos e jantamos na casa delas algumas vezes, fiz muito amor com minhas três namoradas: Mercedes, Yamila e Maricruz. A Yamila quando "sarou", também foi trabalhar na cidade com as amigas/irmãs de vida.

Voltei na casa da Zule, sempre aquela alegria, algazarra, mãos bobas na chegada e abraços saudosos cheios de lágrimas na partida. Vi o uruguaio cuidando de todas aquelas moças que passaram por nossos braços naqueles dias de riso e festa.

Me despedi de todas aquelas mulheres com muitos abraços, longos beijos na boca com gosto salgado de lágrimas…

Confesso que me senti dividido, perdido em sentimentos. Minhas paixões recentes naquele Paraguai, e o sentimento das responsabilidades que eu tinha com meu padrinho, do compromisso e a palavra dada. (Aínda hoje, em pleno 2025, trinta anos depois, se ouço música com acordes de harpa paraguaia me lembro delas, principalmente da Mari)

Eu e o viejo Paco, el loco uruguayo, passamos os últimos dias juntos na fazenda, dormindo no chão ao lado da fogueira, domando cavalo brabo, laçando boi no meio do pasto, galopando lado a lado como se o vento pudesse levar embora tudo que um dia machucou a gente.

Cavalo suado, laço cantando no ar, poeira vermelha subindo até o céu, e a gente sem falar quase nada, só o barulho dos cascos batendo na terra e o coração batendo junto.

Às vezes ele virava pra mim no meio do galope, cara de louco, charuto na boca, olho pequeno brilhando, e gritava a todo pulmão:— ¡Dale, rubio! ¡Más rápido, carajo! ¡Que el pasado no nos alcance!

E eu apertava as esporas na montaria, baixava o corpo no cavalo e ia, ia, ia… como se fosse possível mesmo deixar pra trás tudo que me magoava.

A gente não falava das dores. A gente cavalgava elas. Porque tem ferida que não cicatriza com a palavra: Cura com galope, com suor, com o grito do boi laçado, o relincho do xucro embaixo das esporas e o silêncio depois.

E ali, nas terras imensas do Amambay, correndo lado a lado com o Paco, eu entendi uma coisa que nunca mais esqueci:

“Homem não esquece o que doeu. Ele só aprende a correr mais rápido que a dor. E enquanto tiver cavalo embaixo do arreio e irmão do lado… a gente corre.”

Conheci a fronteira de ponta a ponta.

Vi o sol nascer vermelho atrás das palmeiras e se pôr dourado na poeira.

Cheirei terra molhada, chipa quente, perfume barato e pólvora.

Tive o prazer de domar cavalos em rodeio, lacei bois, galopei da alvorada ao pôr do sol.

Passei noites impregnado com cheiro de cloro, saliva, fumaça de fogueira, churrasco e charuto.

Segurei muitas mulheres nos braços, algumas por uma noite, uma por quase uma vida.

Amei, fui amado, ri até perder o fôlego, chorei sem ninguém ver.

Fiz amor de forma intensa com belas fêmeas fogosas de pele morena, que loucas de ciúmes, mordiam minha boca arranhando minha pele até sangrar.

Dancei chamamé com desconhecidas, bebi caña na zona até cair, briguei por desaforo e besteira.

Vi magia num rezo de pajé, amizade que não se explica, inveja que pode matar.

Vi dois países separados por uma linha que ninguém respeita, e um só povo que vive junto e misturado.

_____________________________________________________________

Depois de tudo que relatei acima, vocês já sabem… Tudo, absolutamente tudo na minha vida acaba em safadeza ou lágrimas!

Quando chegou a hora… PUTA QUE PARIU!

Lá estavam todos reunidos na frente do casarão. Todos os peões, empregados da casa, até os cachorros e todos os melhores cavalos da tropa amarrados nos palanques.

Eu, o Paco e o velho Yvytu choramos feito criança grande, sem vergonha nenhuma.

O velho índio me abraçou com força, cheirando a fumaça e terra, e só disse:

— Mbohapy… te llevo en la sangre.

O Paco me apertou tanto que quase quebrou minhas costelas.

— Mi hermanito… mi índio blanco… Nunca te voy a soltar, carajo. ¡No quiero que te vayas, hijo!

Entrei na caminhonete tremendo e dei a partida com o peito explodindo, olhos ardendo de tanto chorar.

Engatei a marcha, fui saindo devagar, e aí vi pelo retrovisor o Paco e todos os peões já montados, saindo em galope atrás de mim, chapéu na mão, gritando, chorando, disparando tiros para o alto, poeira subindo como fumaça de batalha…

— ¡El Rubioooooooo! — ¡Índio Blancoooooo! — ¡Vuelve cuando quieras, vaya con Dios hermanoooooooooooo...

Tive que acelerar fundo pra não frear e voltar correndo, porque se eu parasse, ficava ali pra sempre.

Na estrada inteira, em cada parada, em cada posto, alguém chegava perto:

— ¿Vos sos el rubio del Paco?

Ele ligó agora mesmo… quer saber se estás bien, hijo.

Isso foi até Bataguassu.

Parei num posto na beira da rodovia, e o frentista veio direto:

— Óh, o uruguaio ligou três vezes… disse que se eu não te visse bem, ele vinha até aqui. Teu parente? Engraçado que ele te chamou de índio blanco, e que você tinha que chegar inteiro. Então cê tava no Paraguai, peão?

Eu nem conseguia falar, só acenava com a cabeça.

Cheguei na fazenda de noite, sem pressa nenhuma, poeira até na alma.

Desliguei o motor, fui em ponto morto até a frente da minha casa. Fiquei um bom tempo olhando o escuro… e senti que não tinha ido embora coisa nenhuma. Porque o Paraguai não fica na terra.

Fica na gente!

Entre as coisas que ganhei, laços de 18 braças, chapéu, pala de cavaleiro, mantas de lã de ovelha, sacos de erva de tereré paraguaia “Do Bueno”, pacotes de chipa embrulhados em jornal, caixas de charuto pro meu padrinho, bebidas caras… O uruguaio me deu muitas coisas que eu não pedi, e a única coisa material que eu queria, de verdade, ele não me deixou trazer. Por várias vezes eu pedi, para guardar como recordação, aquela roupa campeira uruguaia, mas aquilo ele não me deu. Disse que guardaria do jeito que estava, encardida, amarrotada, cheirando a terra, fumaça, boi, cavalo e o aroma das morenas paraguaias… nem mandaria lavar, do contrário, poderia perder as lembranças de su hermanito, rubio del diablo, mujeriego, hijo de una gran puta.

Naquela noite eu não consegui entrar na minha casa. Fiquei no gramado da frente do lado da caminhonete, joguei as tralhas no chão, um zumbido nos ouvidos, sentei e olhei pro céu do meu amado oeste paulista.

As mesmas estrelas…

E fiquei pensando se, naquele exato momento, elas também estavam brilhando sobre a varanda e os potreiros do Paco, sobre a cabeleira branca do pajé viejo Yvytu, sobre o neon da Zulema, sobre os olhos da Maricruz e das outras...

Porque eu estava em casa… mas ainda estava lá!

Só no outro dia entrei em casa, e quando abri minha bolsa, lá estavam os dólares dobrados, direitinhos, escondidos por baixo da roupa, exatamente o que eu tinha pago pelos cavalos, US$ "15 000". Nem um bilhete, só o dinheiro e o cheiro do charuto dele grudado nas notas.

_____________________________________________________________

A fronteira, meus amigos e amigas, pode ser sua mãe, uma amiga, a melhor ou a pior das amantes. A fronteira é as três coisas ao mesmo tempo, e nenhuma delas pela metade.

É mãe quando te acolhe sem perguntar de onde você veio nem pra onde você vai.

Chega quebrado, sem um real no bolso, com o coração em frangalhos, e ela te dá tereré gelado, chipa quente, um canto pra dormir e uma mulher que te chama de “mi amor” mesmo sabendo que você não vai ficar. Ela limpa teu sangue, cura tua alma com rezo de pajé ou caña com limão, e te devolve inteiro pro mundo. É amiga quando te conhece melhor que você mesmo. Sabe quando você tá mentindo pra você mesmo, quando diz “é só mais uma noite” e ela já tá rindo porque sabe que você vai ficar mais um mês.

É a única amiga que nunca cobra explicação, que te empresta dinheiro sem juros, que te esconde do marido ciumento e depois te entrega pra outra mulher sem julgar.

Mas, acima de tudo, é amante cruel, ciumenta, apaixonada, insaciável, das que te abraça tão forte que dói, te beija mordendo a boca até tirar sangue e o fôlego, fode até você esquecer seu próprio nome e, quando menos espera, te chuta pra fora da cama no meio da madrugada.

Te deixa marcas de unha no peito, cheiro de jasmim no travesseiro e saudade que não passa nunca.Você sabe que ela vai te matar um dia: envenenado, de bala ou de faca, de paixão ou de tanto amor, mas volta mesmo assim, porque nenhuma outra te faz sentir tão vivo.

A fronteira não é terra de ninguém, é terra de todo mundo que já perdeu tudo e encontrou tudo de novo ali. É mãe que acolhe, amiga que entende, amante que destrói e reconstrói.

E você, quando encontra com a “mbo’ehára guasu”, nunca sai dela do mesmo jeito que entrou, porque quem prova da fronteira leva ela na veia pro resto da vida. Pode ter certeza!

Hoje em dia, tenho a mesma idade que o Paco tinha na época, e posso compreender melhor a maneira dele levar a vida.

E se estiver vivo, aquele “viejo loco hijo de una gran puta”, deve estar passando a bengala na bunda das enfermeiras e cuidadoras, rindo pigarreando enquanto tenta olhar por dentro dos decotes delas, com uma caixa de charutos cubanos e garrafa de whisky 18 anos escondidos ao lado da cama!

Ainda encontrei com ele em mais duas oportunidades, mas isso meus amigos e amigas ficam pra uma outra hora…

Sim, a sensação é de ter vivido trezentos anos em trinta…

Sei que muitos hoje em dia acham que o povo da minha época é atrasado, tiram sarro porque não existiam celulares nem internet… . Eu trocaria toda tecnologia que tenho e conheço hoje em dia, para poder reviver tudo aquilo só mais uma vez.

"Sentir, ver y escuchar los sonidos... en una noche cálida en la frontera con Paraguay.”

Eita tempo… mundão véio furado de bala!

🐂 🐎

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