João olhou para mim, sorriu, olhou para o pai que nós vigiava de canto.
Sem entender no momento o que podia estar acontecendo, falei com toda a boa vontade:
- Oi João.
Mais uma vez meu primo olhou na direção do pai.
- E aí… - ele deu um gole no refrigerante e continuou agindo com indiferença. - Licença, minha mãe está me chamando.
Eu achei que aquele gelo era por causa do que havia acontecido na piscina, por isso, não desisti, e quando percebi meu primo indo em direção ao interior da casa, eu o segui. Antes que ele entrasse no banheiro, segurei seu ombro:
- Ei João! A gente pode conversar?
Ele virou-se para mim, as sobrancelhas pesadas, e um jeito estranho de falar como quando estamos com tosse e a garganta dói.
João respirou fundo colocando as mãos dentro dos bolsos, meu primo olhou por cima do meu ombro mas ao me virar não vi ninguém.
- Olha Henrique! - disse ele alto. Mas sem me encarar, olhando para meus pés. - Eu percebi que o que estava acontecendo era errado! A gente é homem! Não é certo. Eu peço desculpas se… se…
A sensação de congelamento no meu corpo inteiro, de calafrios por minhas costas, paralisou os meus sentidos. Eu apenas assentia com um gesto idiota de cabeça. Ouvindo as palavras de meu primo que nem pareciam vir do João com quem convivi.
- Ah… Tá legal – foi tudo que conseguir dizer.
João limpou os olhos, entrou no banheiro, fechou a porta, eu voltei por onde havia vindo, e tive a impressão de que o meu tio, pai do João, estivera ali no corredor, sabe quando uma pessoa corre para você não perceber que ele estava por perto? Eu senti isso.
Eu só entendi que havia recebido um golpe doloroso quando cheguei em casa e deitei para dormir, meus olhos esquentaram, no inicio úmidos apenas, até que uma crise de choro me dominou por horas.
Nos dias seguintes, não recebi mensagem nenhuma do João mas decidi mandar uma desejando boa viagem. Mais uma vez eu chorei quando estava no quintal da minha casa olhando para a árvore.
Raul apareceu no final da tarde, cheirando a shampoo e desodorante masculino mas ainda com o quimono sujo na mochila de tecido.
- Rique está?
Minha mãe que o atendeu – e desconfio que ela o chamou para me animar – eu estava no sofá da sala e ouvi a voz do Raul, levantei sem animo.
- Oi Ru… - uma tosse me atacou.
Raul deu um soquinho no meu ombro:
- Gostei do Ru – sorriu.
- Foi sem querer…
- Escuta, vim te convidar para uma aula lá na academia amanhã, topa?
Minha mãe que estava ouvindo nossa conversa respondeu por mim:
- Ele vai, que horas vai ser?
Minha experiência com o jiu-jitsu foi em uma palavra: traumática. Mas em outra: excitante.
Os caras como o Raul que já estavam na faixa amarela, eram a definição de tentação, e tive problemas para realizar na minha mente que o homem que estava agarrando meu pescoço só queria me mostrar um golpe.
Mas a academia era um lugar bem mais amplo e assim que a aula terminou, durou pouco mais de uma hora, ficamos perambulando pelos corredores, e uma coisa atraiu minha atenção.
- O que é isso? - perguntei ao Raul.
A gente dividia um assai que ele vinha segurando.
- Dança ou é…
Meus olhos vidraram nos movimentos das pessoas e o ritmo da música. Raul percebeu como eu olhava para aquilo e sugeriu:
- Porque você não se inscreve?
- Meus pais iam encher o saco – falei – além do quê não sei nada de dança.
Ela deu outro soco no meu ombro e dessa vez doeu.
- Para Ru, isso dói.
Eu percebi que quando o chamava por esse apelido, as bochechas do Raul ficavam coradas.
- Eles nem vão saber seu bobão, você se inscreve na academia e diz que é para ir conhecendo a musculação, o judô, o jiu-jitsu, e qualquer dia conta que está matriculado na dança, quando eles descobrirem você já vai ser um profissional.
Raul tinha a mesma facilidade prática de resolver as coisas que me encantava em João, eu assenti, e no dia seguinte, voltei a academia para minha primeira aula de dança.
A primeira pessoa que vi assistindo pelo vidro foi o Raul ainda com quimono e um pode de assai dentro de uma sacola.
- Você estava certo – eu falei para ele, ofegante – acho que encontrei minha praia.
- Que bom!
Não levou muito tempo depois disso para o Raul se tornar – apesar da nossa diferença de idade – o meu melhor amigo. Também não demorou para ele me fazer uma pergunta que ouvida de outras pessoas me incomodaria sempre:
- Rique, não leva a mal, mas você é gay?
AVISO: "Meu primo virou um gostoso" é a primeira parte de uma história que começa nos anos de descoberta de dois primos e avança para a idade mais madura, onde acontece o desfecho propriamente dito. Desde já agradeço a todos que leram, e deram a estrelinha, obrigado, boa leitura!