Segundo e terceiro encontro - O que sou eu?

Um conto erótico de Leandro Gomes
Categoria: Homossexual
Contém 1467 palavras
Data: 25/11/2025 21:31:36

Desde aquela noite na fronteira, não encontro descanso. O corpo voltou às rotinas da legião, mas o espírito permanece suspenso naquele instante em que a morte quase me tomou — e aquele homem, ou o que quer que fosse, entregou-me de volta à vida. Passei os dias seguintes inquieto, rondando o acampamento com a desculpa de inspeções triviais. Meus companheiros perceberam a inquietação. Menti dizendo que o ataque bárbaro abalara meus nervos, mas a verdade era outra: eu procurava o desconhecido. À noite, evitava dormir, temendo — desejando? — vê-lo novamente.

Seis noites depois, o nevoeiro retornou. Denso. Vivo. Tomando forma como se respirasse ao meu redor. O vento cessou; o mundo silenciou. E então a voz surgiu, tão próxima que empunhei a espada.

“Me procuras, Marco Aelius?”

Virei-me. Ele estava a um passo. Não tinha ouvido sua aproximação; era como se já estivesse ali antes de eu notar.

“Eu… não te procurava”, menti.

Um leve sorriso passou por seus lábios — não de escárnio, mas de quem enxerga através das máscaras.

“Mentes mal, Varro.”

A maneira como pronunciava meu nome queimava mais do que qualquer ferida de combate. Aproximou-se, e eu deveria ter recuado. Mas permaneci ali, enraizado, como se me faltassem forças para negar-lhe a aproximação.

“Tenho observado tua inquietação.”

“Por quê?”, perguntei, sem saber se queria realmente a resposta.

Ele inclinou o rosto como quem examina um objeto precioso.

“Porque te observo há muito mais tempo do que imaginas.”

Senti o estômago revirar. Não era metáfora. Eu sabia.

“Observas-me? Desde quando?”

Ele se aproximou, e desta vez não desviei o olhar. Seus olhos eram como poços escuros, cheios de algo que não compreendo — mas que me puxava.

“Desde antes de te salvares a ti mesmo.”

Meu peito apertou.

“Salvar-me? Foste tu quem...”

Ele me interrompeu com voz macia, porém inegável:

“Eu não te salvei.”

Deu mais um passo. A distância entre nossos rostos se reduziu a quase nada. Senti seu hálito, terrivelmente gélido, com uma fragrância peculiar muito agradável.

“Apenas afastei tua morte por um instante. Ela estava pronta para ti… mas eu decidi que não seria naquela noite.”

Aquela declaração me deixou gelado e quente ao mesmo tempo — uma contradição que se instalou sob minha pele.

“Tua vida ainda é tua, Varro… mas não é tão sólida quanto acreditas.”

Tentei recuperar a compostura.

“Quem és?”, sussurrei.

Ele passou ao meu redor devagar, quase sem tocar o chão, como se o nevoeiro o carregasse.

“Alguém que conhece teus silêncios.”

Fechou os olhos por um instante, como se escutasse algo dentro de mim. Quando fez isso, temi que ele pudesse ouvir o tumulto em meu coração — aquele ritmo desordenado, impuro, que nenhum soldado deveria sentir. Mas ele parece ter ouvido não só meu coração, mas meus pensamentos e memórias.

“Sei da mulher a quem quase deste teu nome sem amá-la; dos medos que escondes de teus comandantes; das noites em que desejaste ser mais do que um soldado; da angústia que carregas por nunca ser o bastante; e de um amor verdadeiro que se foi sem que tu tivesses a chance de se declarar.”

Meu corpo ficou rígido. Senti o rubor subir pelo pescoço. Nenhum homem vivo sabe dessas coisas.

“Carregas força, Varro. E desejo. E sombras.”

A forma como ele disse “desejo” pareceu tocar algo dentro de mim. Uma parte que desconheço ou que finjo desconhecer.

E quando o vento, em súbito capricho, abriu-lhe o manto, a visão do seu abdômen me feriu como uma lâmina: músculos tensos, pele clara e reluzente como ouro líquido sobre bronze. Quando se virou e seu rosto ficou de frente à luz da tocha, pude ver melhor o seu rosto, e reconheço, envergonhado, que jamais vi um homem possuir tamanha beleza. De fato, também nunca vi mulher alguma, nem mesmo as donzelas da nobreza, possuírem beleza semelhante. Meus olhos ficaram fitos nele, vasculhando todos os detalhes de seu rosto, seu corpo, seu ser.

Ele então parou diante de mim, tão perto que quase senti seu peito contra o meu.

“És mais do que acreditas… e menos do que finges.”

Não consegui respirar. Então sua voz caiu para um murmúrio grave, e era como se sussurrasse atrás de mim, depois à frente, depois ao lado, sempre próxima, sempre calma.

“Quando compreenderes o que és — e o que posso ser para ti — não tentarás fugir.”

Deu um último olhar, intenso, firme, como se marcasse algo em mim — não na pele, mas mais fundo. E então retrocedeu, envolvido pela névoa. Cada passo que dava parecia apagá-lo da realidade, até sumir por completo.

O vento voltou. As árvores mexeram-se. A noite respirou novamente. E eu permaneci ali, com o sangue quente demais, com minha parte pudenta respondendo de forma que não ouso dizer, pois me envergonha só de lembrar, e com a alma apertada entre duas forças: o medo dele e o desejo absurdo de que retorne.

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Terceiro encontro – 28 de abril do Anno Domini XLII

A noite caiu como um véu pesado. As fogueiras do acampamento crepitavam ao longe, mas eu não conseguia descansar. Os homens dormiam ou jogavam dados, alheios ao que se movia nas sombras. Eu permanecia desperto, como se algo dentro de mim — algo que não ouso dizer — esperasse por ele. Não precisei procurá-lo. Como da última vez, ele me encontrou.

O vento soprou na direção errada, vindo de dentro da floresta. O nevoeiro ergueu-se como se obedecesse a um comando. E então ele surgiu, silencioso, quase etéreo, caminhando entre as árvores com passos tão leves que a terra não ousava responder. Ele ficou diante de mim. Não pediu permissão. Nunca pede.

“Tuas vigílias têm sido longas, Varro.”

“Não tenho dormido bem”, murmurei, sem saber por que dizia a verdade.

“É porque esperas por mim. A inquietação te consome.”

Meu coração vacilou. Quis negar — mas o olhar dele me prendeu antes que a mentira escapasse. Ele se aproximou devagar, examinando cada linha do meu rosto como quem lê uma inscrição sagrada. Senti o ar ficar mais denso. A presença dele sempre fazia isso — como se o mundo se encolhesse ao redor de nós dois.

“Deverias manter distância”, tentei dizer com autoridade. “Tenho deveres. Sou soldado.”

Ele inclinou a cabeça, como se meus argumentos fossem quase ternos para ele.

“És muitas coisas, Varro. Soldado é apenas uma delas.”

Aproximou-se ainda mais. Eu podia sentir algo — não calor, não frio — mas uma força que parecia emanar da pele dele e que mexia com a minha respiração.

“E tens lutado contra quem és.”

“E o que sou?”, perguntei, num sussurro quase irritado.

Ele ergueu a mão devagar, como se testasse minha reação. Não me mexi. Talvez não conseguisse. Os dedos dele tocaram meu queixo. O toque era leve, mas firme o bastante para que eu sentisse um arrepio percorrer meu corpo inteiro.

“És alguém que sente mais do que admite.”

Fechei os olhos por um instante. Era como se aquele toque despertasse algo adormecido, algo que eu mesmo temia.

“Sentes o peso da guerra, da solidão… e de um desejo que não compreendes.”

Meu peito se apertou. Ele não precisava explicar do que falava. Eu sabia. Meu corpo sabia. E então, como se quisesse testar os limites do que eu suportava, passou os dedos pela linha do meu pescoço — lentamente — descendo apenas o suficiente para que eu sentisse a pele queimar sob o toque. Meu fôlego falhou. Uma tensão quente formou-se em meu ventre, descendo com força. Tentei afastar-me — mas a vontade não era real. O desejo de ficar era maior. Ele percebeu. Claro que percebeu.

“Eis o que temias admitir.”

Eu estava à beira de perder a compostura. Senti que, se ele avançasse mais um passo, eu cederia completamente a um ato impulsivo. Mas então ele recuou. Apenas um passo — mas o ar pareceu colapsar entre nós.

“Ainda não, Varro.”

O tom não era de recusa, mas de promessa.

A névoa começou a se erguer novamente, envolvendo seus ombros como um manto vivo.

“Quando chegares ao limite entre tua força e tua vontade… eu estarei lá.”

Começou a se afastar.

“Espera”, tentei dizer, mas a palavra saiu fraca, quase suplicante.

Ele voltou o rosto para mim — apenas o rosto — e naquele instante vi algo que jamais admitiria a outro homem: queria que ele ficasse. Queria sentir de novo o toque da mão que agora me faltava.

“Logo, Marco Aelius Varro.”

E então desapareceu no nevoeiro. Eu fiquei ali, incapaz de mover-me, com o corpo ainda quente e os músculos tensos, especialmente abaixo da cintura, onde a reação que eu tentava esconder pulsava de forma traiçoeira e inegável debaixo das minhas vestes. A pele ardia no ponto em que ele me tocara; a confiança que eu carregara a vida inteira parecia agora um fio desfiado.

E pela primeira vez não era o medo que me dominava. Era a espera.

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