Onde o mar nos levou - Capítulo XX Pt. I

Um conto erótico de Rafa & Caio
Categoria: Gay
Contém 2587 palavras
Data: 20/10/2025 12:53:30

Capítulo XX Pt. I - Um abismo muito mais profundo!

Caio narrando...

Os dias que seguiram foram uma mistura de silêncio sufocante e olhares que falavam mais do que qualquer palavra. Eu tentava, todos os dias, encontrar um jeito de me aproximar, de tocar a mão dele, de arrancar ao menos um sorriso. Mas Rafa parecia ter erguido um muro invisível, frio e alto, como se qualquer gesto meu fosse pequeno demais pra atravessar a barreira que agora existia entre nós. Eu chegava perto no sofá, ele se levantava pra beber água. Eu deixava bilhetes no caderno azul, ele fingia que não via. Eu preparava café, ele só agradecia com um aceno curto, sem sequer olhar nos meus olhos. E isso… isso me matava por dentro.

Naquela manhã, quando ele se aproximou com a chave do carro balançando entre os dedos, eu já sabia que vinha algo importante. O jeito que ele respirou fundo antes de falar me deu um frio no peito.

— Vou visitar minha mãe hoje — ele disse, a voz firme, mas com um cansaço que quase doía de ouvir. — Quero que você vá comigo!

Meu coração pulou, porque era a chance de ficarmos juntos, talvez de conversar. Mas minha boca… minha boca decidiu por mim.

— Acho que é melhor você ir sozinho — respondi, cruzando os braços pra esconder o tremor das mãos,.— Talvez vocês precisem desse tempo.

Ele insistiu, pediu de novo, os olhos suplicando mais do que as palavras. Mas eu… eu fiquei parado, como se o medo de ouvir algo que eu não estava pronto pra encarar fosse maior do que a vontade de consertar as coisas. No fim, ele suspirou, balançou a cabeça devagar e saiu. A porta fechou com um som que ecoou no meu peito, deixando um silêncio que parecia gritar.

Rafa narrando...

Dirigir até a casa da minha mãe foi como atravessar um túnel de pensamentos que não paravam de bater, um atrás do outro, como ondas numa maré brava. Eu olhava a estrada e me perguntava quando foi que deixamos de ser nós, quando foi que deixamos de rir de qualquer besteira. Quando cheguei, ela me recebeu com aquele abraço que sempre teve cheiro de lar, de colo, de perdão.

Conversamos por horas. Ela me ouviu, acariciou meu rosto, disse que o amor é feito de paciência, que às vezes um dos dois precisa segurar a barra quando o outro tá caindo. Eu ouvi cada palavra, mas no fundo só conseguia pensar em Caio, no jeito como ele desviou os olhos de mim antes que eu saísse.

Depois da visita, em vez de voltar pra casa, peguei o carro e segui até a praia. O mar sempre foi meu refúgio, meu lugar de pensar. Sentei na areia fria, deixei o vento bagunçar meu cabelo e fiquei olhando o horizonte, tentando encontrar alguma resposta nas ondas que iam e vinham. Foi então que ouvi uma voz atrás de mim, familiar.

— Rafa? Cara, é você mesmo? — era Théo, amigo de anos atrás. Um daqueles que a vida empurra pra longe sem explicação.

Ele sorria, surpreso, e eu, por um instante, senti algo que não sentia fazia tempo: a leveza de um reencontro sem cobranças. Conversamos, rimos das histórias antigas. Quando ele sugeriu irmos tomar umas cervejas pra matar a saudade, aceitei. Eu precisava disso. Precisava esquecer, nem que fosse por algumas horas, o peso que me acompanhava.

As horas passaram rápido, como se o tempo tivesse decidido me dar um intervalo. Eu exagerei. Exagerei feio. Bebi mais do que deveria, mais do que meu corpo aguentava. Em algum momento da noite, mandei uma mensagem curta pra Caio: “Vou beber um pouco com um amigo, voltarei mais tarde. Se cuida! Te amo”. Esperei uma resposta que nunca veio.

Quando percebi, já era madrugada. Théo insistiu pra eu não dirigir, ofereceu o sofá da casa dele. Eu não tinha forças pra discutir. Apaguei ali mesmo, com a cabeça girando e um gosto amargo na boca.

Caio narrando...

Eu vi a mensagem. Vi, li, reli, e mesmo assim não respondi. Orgulho idiota. Raiva disfarçada de indiferença. Eu fiquei sentado na sala, encarando o celular, esperando que ele mandasse outra mensagem, uma ligação, qualquer coisa que me fizesse sentir que ainda importava. Mas nada veio. As horas foram passando, e cada minuto que ele não entrava por aquela porta era uma lâmina fina cortando meu peito.

Quando o sol começou a nascer, eu já não sabia mais se estava mais cansado ou mais desesperado. A cada barulho de carro lá fora, meu coração disparava. Mas não era ele. Nunca era ele. Até que, já de manhã, ouvi a chave na fechadura.

Ele entrou. O cabelo bagunçado, os olhos vermelhos, o corpo exalando álcool e sal de mar. Eu levantei tão rápido que a cabeça rodou.

— Onde você estava? — minha voz saiu mais alta do que eu queria, quebrada pelo choro que eu já não conseguia segurar. — Você tem ideia do que eu passei essa noite?

Ele parou no meio da sala, confuso, quase tropeçando.

— Eu… eu te mandei mensagem — respondeu, a voz arrastada, cansada. — Disse que ia beber com um amigo.

— Um amigo? — minha risada saiu amarga, quase um soluço. — E dormir na casa dele faz parte do pacote, é isso? Você acha que isso é normal, Rafael? Você some, volta bêbado e espera que eu acredite nessa história?

Rafael narrando...

Aquelas palavras me acertaram como um soco no estômago. O olhar dele era de mágoa, mas também de desconfiança. Desconfiança que eu não merecia. Senti o sangue ferver.

— Caio, você tá me acusando de quê? De trair você? — minha voz falhou, mas eu continuei. — Eu nunca faria isso. Nunca!

— Então me explica! — ele gritou, dando um passo à frente. — Porque, pra quem ficou a noite inteira sem notícia, essa sua história não cola!

— Eu te mandei mensagem! — eu também gritei, sentindo a garganta queimar. — Você que ignorou! Você acha que eu ia dirigir bêbado? Eu fiquei lá porque não tinha condição de voltar!

— E eu tinha que simplesmente acreditar? — ele rebateu, os olhos brilhando de lágrimas. — Você tem noção do que é passar a noite achando que… que talvez você nem voltasse?

— Eu entrei na frente de uma bala por você! — as palavras explodiram da minha boca antes que eu pudesse controlar. — Eu quase morri, Caio! Eu me joguei por você, e mesmo assim você continua duvidando do meu amor, das minhas intenções… O que mais eu preciso fazer pra você acreditar em mim?

O silêncio que veio depois foi pior que qualquer grito. Só o som da respiração pesada dos dois preenchia a sala. Eu sentia minhas mãos tremerem, meu corpo inteiro latejando de raiva e dor.

Caio narrando...

As palavras dele ficaram ecoando na minha cabeça: “Eu entrei na frente de uma bala por você.” Eu queria dizer algo, pedir desculpa, correr e abraçá-lo. Mas o orgulho ainda segurava minha boca fechada. Eu via as lágrimas escorrendo pelo rosto dele, e cada gota era como uma acusação muda: você não confia em mim.

— Eu… — minha voz falhou, e eu engoli em seco. — Eu só… eu fiquei com medo, Rafa. Eu achei que… que você tivesse desistido de mim, que estivesse cansado. Eu não sou bom em lidar com isso.

Ele me olhou, os olhos vermelhos, mas ainda ardendo de dor.

— Medo não é desculpa pra duvidar de quem tá do seu lado — ele disse, baixo, mas firme. — Eu não sei mais como provar que eu te amo.

Meu coração se quebrou ali. Tudo que eu queria era apagar as últimas horas, as últimas palavras. Mas o que eu tinha, agora, era aquele silêncio pesado, cortado apenas pelo som das nossas respirações e pelo peso de tudo que ainda precisava ser dito.

E naquela sala, entre lágrimas, orgulho e feridas abertas, nós dois entendemos — mesmo sem dizer em voz alta — que amar alguém é também saber quando a desconfiança machuca mais do que qualquer erro. Mas, naquela manhã, nada parecia simples. O amor estava ali, inteiro, mas perdido em um campo de batalha feito de mágoa, medo e a incontrolável vontade de não desistir.

Rafael narrando...

As palavras de Caio ficaram presas na minha cabeça como cacos de vidro, cada uma rasgando um pedaço de mim por dentro.

“Dormiu na casa de outro cara e acha isso normal?”

Não importava quantas vezes eu tentasse respirar fundo, cada sílaba voltava com mais força, como um eco cruel. Eu saí de casa sem olhar pra trás, sem saber exatamente pra onde ir. A porta bateu às minhas costas como um tiro, e o som ficou rodando na minha mente, misturado ao gosto amargo da discussão.

Eu caminhei sem rumo até sentir o cheiro de sal no ar. A praia estava quase vazia, apenas alguns surfistas recolhendo as pranchas, famílias desmontando guarda-sóis, casais caminhando de mãos dadas. O céu começava a ganhar tons de laranja e roxo, e cada passo na areia parecia me enterrar mais fundo no que eu estava sentindo. Sentei perto da beira, onde a água vinha beijar os pés, e deixei que as ondas levassem o pouco de força que ainda me restava.

Foi ali que a primeira lágrima caiu. Depois a segunda. E, quando percebi, eu já chorava de um jeito que há muito tempo não chorava — sem segurar, sem vergonha, sem ninguém pra ver.

Eu lembrava do rosto de Caio quando gritou comigo, da desconfiança nos olhos dele, e aquilo me rasgava mais do que qualquer cicatriz do meu corpo. Eu entrei na frente de uma bala por ele… e mesmo assim ele achava que eu poderia traí-lo. Doía, foi uma das piores coisas que eu já senti. Sufocava meu coração e da dilacerava minha alma.

Meu celular vibrou no bolso. Uma, duas, três vezes. Mensagens, ligações, chamadas de vídeo. Todas dele. Eu via o nome Caio brilhando na tela, o coração disparando, mas não atendia. Cada toque era uma ferida nova. Cada mensagem — “Desculpa”, “Rafa, por favor atende”, “Eu errei, volta pra casa” — só deixava a distância mais dolorosa. Eu não queria ouvir desculpas; eu queria que ele tivesse confiado quando era preciso.

As horas foram passando. O sol mergulhou no mar e deu lugar a um céu cheio de estrelas que pareciam zombar de mim. Casais continuavam a passar, alguns rindo, outros abraçados, alguns trocando beijos demorados. E eu, ali, sozinho, me perguntava quando o amor que eu sentia tinha começado a doer tanto.

Quando a noite caiu de vez, as luzes da orla começaram a acender e o vento ficou mais frio. Eu levantei, cansado de mim mesmo, e caminhei de volta até o carro. Eu não queria voltar pra casa. A ideia de entrar naquele apartamento vazio, sentindo o cheiro dele em cada canto, era insuportável. A única pessoa que eu queria ver era minha mãe.

Cheguei na casa dela já tarde da noite. A luz da sala ainda estava acesa. Quando toquei a campainha, ela abriu a porta com um sorriso que desapareceu assim que viu meu rosto.

— Filho… — ela disse, puxando-me pra dentro antes mesmo de eu falar. — O que aconteceu?

Eu desmoronei nos braços dela. Foi como se todo o peso que eu vinha carregando tivesse encontrado um lugar seguro pra cair. Chorei como uma criança, o corpo inteiro tremendo.

— Mãe… eu… eu não sei mais o que fazer — minha voz saía entrecortada. — Eu amo o Caio, você sabe que eu amo. Mas ele… ele acha que eu traí… ele não acredita em mim.

Ela me levou até o sofá, segurando minhas mãos com firmeza. Seus olhos brilhavam de preocupação, mas havia uma serenidade que só uma mãe consegue ter.

— Rafa, olha pra mim — ela disse, acariciando meu rosto. — Vocês dois passaram por tanta coisa. A vida de vocês nunca foi simples. Isso que você sente agora… é dor de quem ama de verdade. Mas amor também é paciência. Às vezes quem a gente ama tem medo, tem insegurança, e acaba dizendo coisas que não quer dizer.

Eu balancei a cabeça, tentando conter o choro, mas as lágrimas continuavam.

— Mas, mãe… ele não confiou em mim. Como é que eu… como é que eu volto depois disso? Eu fiz tudo, eu dei tudo… eu quase morri por ele.

Ela apertou minhas mãos com mais força.

— Filho, confiança não é uma linha reta. Às vezes ela quebra, às vezes ela se perde. Mas quando há amor, ela pode ser reconstruída. Não é sobre quem tem razão. É sobre o que vocês ainda querem um com o outro. O que você quer, Rafael?

Eu fechei os olhos, tentando encontrar uma resposta que não doesse.

— Eu quero ele, mãe. Eu só quero ele. Mas eu tô tão cansado… tão cansado de ter que provar.

Ela me puxou para um abraço demorado, daqueles que parecem segurar o mundo inteiro.

— Então respira. Se cuida. Fica aqui hoje. Amanhã, com a cabeça mais clara, você vai saber o que fazer. E se for pra lutar, lute com o coração, não com o orgulho.

Eu me agarrei a ela como se fosse meu último porto seguro, sentindo o cheiro familiar que sempre me lembrava de quem eu era antes de tudo. Pela primeira vez no dia, eu consegui respirar.

Algumas horas depois...

Do lado de fora, a noite escondia outros planos.

A poucos quarteirões dali, dentro de um carro estacionado discretamente, um homem observava a movimentação da rua com um sorriso frio. Augusto, o pai de Rafael, mantinha os olhos fixos na janela iluminada da casa da ex-mulher. Ele já sabia que Rafael estava lá. Há dias ele vinha acompanhando cada passo do filho, cada saída, cada demora em voltar pra casa.

O plano vinha sendo construído como um quebra-cabeça cruel. Ele queria mais do que afastar Caio. Queria feri-lo de um jeito que jamais pudesse ser curado. Na mente doentia de Augusto, tirar Rafael de cena não era apenas vingança — era a maneira mais perfeita de esmagar o coração de Caio.

“Eles pensam que podem me desafiar. Pensam que esse relacionamento vai sobreviver a tudo”, ele murmurou, enquanto os dedos tamborilavam no volante. “Mas ninguém desafia a minha vontade e sai ileso.”

Ele já tinha tudo organizado: os horários, os percursos, os pontos cegos da cidade. Esperou dias, observando Rafael de longe, anotando cada padrão de comportamento. Soube quando Caio não estava em casa. Soube quando Rafael saía sozinho. E agora, sabia que ele estava ali, vulnerável, longe do namorado, protegido apenas pela confiança ingênua de estar no lar materno.

A ideia era simples e brutal: interceptar Rafael na volta para casa, quando ele estivesse cansado e emocionalmente abalado. Ninguém suspeitaria de um sequestro naquela noite tranquila. Uma abordagem rápida, um carro sem placas, um sumiço que deixaria todos em desespero.

Augusto acendeu um cigarro, o olhar frio refletindo a chama do isqueiro. O cheiro da fumaça misturava-se ao ar salgado que vinha da praia próxima.

“Primeiro eu tiro ele do jogo. Depois eu vejo o Caio implorar. Quero que ele sinta a mesma impotência que eu senti quando esse garoto resolveu desafiar a minha autoridade. Quero que ele perca o chão, que ele aprenda o que é ter tudo arrancado de uma vez.”

Ele deu uma última tragada e apagou o cigarro no cinzeiro cheio. O plano estava pronto.

Só restava esperar a hora certa.

Enquanto Rafael buscava conforto no abraço da mãe e Caio tentava, em vão, alcançá-lo através de mensagens desesperadas, a sombra de Augusto se movia na escuridão, pronta para transformar toda aquela dor em algo muito mais perigoso do que eles poderiam imaginar.

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Foto de perfil de T. Lys. RT. Lys. RContos: 21Seguidores: 4Seguindo: 2Mensagem "Escrevo com o coração em carne viva, transformando dor, amor e redenção em capítulos que sangram poesia — onde cada palavra carrega o peso da verdade e o alívio da esperança."

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