2020 foi um ano desafiador de formas que ninguém poderia prever. Foi meu último ano na faculdade de Educação Física, o ano em que eu e Luke ficamos mais firmes e fortes como casal, e também o ano da pandemia de COVID-19 - aquele evento global que mudou tudo para todo mundo, nos forçando a ficar mais próximos seja por escolha ou por necessidade.
Durante todo esse tempo que passou desde que voltamos, meu relacionamento com Luke era extremamente bom. Não era perfeito - relacionamentos reais nunca são. Tínhamos sim nossas brigas, algumas crises de ciúmes ocasionais, momentos de tensão quando o remédio dele atrasava ou quando algum gatilho inesperado aparecia. Mas nada, absolutamente nada se comparava ao que tínhamos vivido antes. Éramos pessoas maduras agora, ou pelo menos tentando ser. E cada briga ou situação era resolvida na mesma hora através de conversas honestas, o que tornava as coisas infinitamente melhores.
Naquele ano, felizmente não perdi ninguém da minha família para o COVID. Mas perdi um ser que me trouxe mais alegria do que qualquer pessoa: Thanos, meu cachorro, meu companheiro de tantos anos, meu confidente peludo.
Tudo começou com um caroço que notei enquanto o acariciava. Levei ao veterinário achando que não era nada demais. O diagnóstico veio como um raio: câncer. E não era um câncer qualquer - era agressivo, já espalhado.
Foram meses difíceis de remédios, clínicas especializadas, tratamentos caros que eu mal podia pagar mas pagava sem pestanejar. Luke estava sempre ao meu lado nessas consultas, segurando Thanos enquanto ele tomava injeções, me abraçando quando eu desabava no estacionamento da clínica veterinária.
Thanos foi ficando mais fraco a cada dia. O cachorro enérgico que pulava em todo mundo foi se transformando num ser frágil que mal conseguia levantar. E eu sabia - todo dono sabe quando chega a hora. Aquele olhar que ele me dava, como se estivesse pedindo permissão para descansar, me despedaçava.
Foi numa terça-feira chuvosa que tomei a decisão mais difícil da minha vida: deixá-lo partir com dignidade. Luke estava comigo quando liguei para o veterinário para agendar a eutanásia. Chorei tanto que quase vomitei.
E então, no dia anterior ao procedimento, algo inesperado aconteceu: Carlos apareceu.
Não sei como soube - provavelmente Yan contou. Mas ele tocou a campainha do meu apartamento, e quando abri a porta, lá estava ele. Mais velho, mais maduro, com alguns fios brancos no cabelo que não existiam antes. Sem dizer nada, ele entrou e foi direto para onde Thanos estava deitado.
Vi Carlos se ajoelhar ao lado do meu cachorro, acariciar sua cabeça com aquele jeito gentil que eu me lembrava tão bem, e começar a chorar. Chorava por Thanos, pelo tempo que passou, por tudo que vivemos e perdemos. E Thanos, mesmo fraco, balançou o rabo reconhecendo aquele cheiro, aquela voz, aquela pessoa que tanto amava.
— Oi, gordinho — Carlos sussurrou, a voz quebrada — lembra de mim?
Aquela cena mexeu comigo de uma forma que eu não esperava. Era impossível ver Carlos ali, chorando pelo meu cachorro, e não sentir tudo voltar - todo o amor, toda a dor, toda a história que compartilhamos. Luke, que estava na cozinha, veio até a sala e viu a cena. Me olhou como se perguntando se eu estava bem, se aquilo era demais para mim.
Mas Luke entendia. Entendia o carinho que Carlos sempre teve com Thanos, entendia que aquele momento transcendia qualquer rivalidade ou mágoa entre eles. Era sobre amor - amor por um ser que tinha sido importante para ambos.
Carlos ficou ali por horas, acariciando Thanos, contando histórias antigas de quando levávamos ele pra praia, das vezes que Thanos roubava comida da mesa, de como ele sempre dormia entre nós na cama mesmo sendo proibido.
No dia seguinte, quando levei Thanos para sua última viagem, tanto Luke quanto Carlos estavam comigo. Foi estranho, doloroso, mas também bonito de certa forma. Os dois homens que eu mais amei na vida, juntos, me apoiando no pior momento.
Segurei Thanos enquanto o veterinário aplicava a injeção. Senti seu coração ir diminuindo o ritmo até parar. E chorei como não chorava desde criança - soluços altos, desesperados, inconsoláveis. Luke me abraçou por trás, Carlos segurava minha mão, e juntos choramos por aquele cachorro incrível que tinha sido testemunha silenciosa de toda nossa história.
Enterramos Thanos na fazenda da minha mãe, debaixo de uma árvore onde ele costumava deitar quando visitávamos. E parte de mim foi enterrada junto com ele naquele dia.
Após a morte do Thanos e o breve apoio que tive do Carlos naquele momento impossível, a gente voltou a se falar com mais frequência. Não tínhamos uma amizade sólida ainda, era algo extremamente complicado, cheio de não-ditos e cuidados. Mas ali naquele momento, eu estava feliz com Luke. E pela primeira vez em anos, me sentia seguro estando no mesmo ambiente que Carlos.
A gente chegou a trocar algumas conversas durante os meses seguintes - coisas superficiais sobre como estávamos lidando com a pandemia, sobre trabalho, sobre planos futuros. Eu diria que era o início de um recomeço da amizade, mas uma que caminharia de forma bem lenta e cautelosa.
Óbvio que eu não tinha pretensão de largar Luke e viver um romance com Carlos. Naquele ano, definitivamente não era o que eu queria ali naquela época. Estava feliz com Luke, realizado, completo. E Carlos também estava mais maduro - ele tinha tido um relacionamento sólido em São Paulo que, segundo Yan, o tinha transformado bastante. Isso tornava as coisas "melhores" entre nós, menos carregadas de expectativas e possibilidades.
No final de 2020, eu finalmente estava formado em Educação Física. Tinha feito a última prova online devido à pandemia e apresentado meu TCC sobre "A Influência do Vôlei de Praia no Desenvolvimento Motor de Adolescentes" - um tema que unia minha paixão pelo esporte que praticava desde criança com conhecimento acadêmico. A banca aprovou com louvor, e pela primeira vez senti que tinha conquistado algo genuinamente meu.
Ainda faltavam seis meses para me formar em Nutrição, mas eu já tinha planos bem definidos. Já tinha alguns clientes para ser personal trainer - como fiz estágio numa academia famosa da cidade, acabei conhecendo possíveis clientes que se tornaram clientes fiéis. E quando me formasse em Nutrição, meu leque de possibilidades iria aumentar consideravelmente.
Até estava pensando em emendar uma nova faculdade de Fisioterapia, mas isso eram planos para um futuro próximo. Meu foco imediato seria trabalhar e ganhar dinheiro, construir uma vida financeiramente estável.
Naquele final de ano, eu e Luke viajamos para Fernando de Noronha. Passamos sete dias mágicos na ilha, logo após nossas últimas provas. Luke ainda iria demorar um ano para se formar, mas estava bem ativo e engajado com a rede de supermercados do pai, assumindo cada vez mais responsabilidades na gestão.
Aqueles dias em Noronha foram transformadores. Luke tinha planejado tudo nos mínimos detalhes - reservou a pousada com vista para o mar, pesquisou os melhores passeios, até aprendeu algumas receitas para cozinhar pra mim no chalé.
No primeiro dia, acordei com café da manhã na cama - nada elaborado, apenas pão com ovos e suco de maracujá, mas feito com tanto carinho que chorei. Luke riu de mim chorando por causa de ovo mexido, mas me abraçou forte.
No terceiro dia, fizemos o passeio de barco mais incrível que já fiz. E no meio do mar, quando todos estavam distraídos vendo golfinhos, Luke me puxou para um canto do barco e disse: "Eu queria ter trazido você aqui há anos. Mas talvez precisássemos de todo aquele caos para chegar até aqui e realmente aproveitar".
No quinto dia, ele me levou para uma trilha até uma praia isolada. Carregou a mochila pesada cheia de lanches, água, protetor solar. E quando chegamos lá, abriu uma toalha e ficamos horas apenas conversando sobre tudo - sobre nosso passado, sobre nosso presente, sobre possíveis futuros. Era como se estivéssemos escrevendo um novo livro juntos, página por página.
Todas as noites, antes de dormir, ele me dava um beijo na testa e dizia: "Obrigado por me dar uma segunda chance". E toda noite eu respondia: "Obrigado por ter valido a pena".
No hotel em que estávamos hospedados, iria ter um luau numa das últimas noites. Naquele dia, chegaram três caras que a princípio achei que fossem todos héteros - conversavam sobre futebol, cerveja, assuntos tipicamente masculinos. Mas depois descobri que eram um trisal - três homens num relacionamento amoroso conjunto.
Aquele era o primeiro trisal que eu conhecia de verdade, ao vivo, não apenas em histórias da internet. E claro que fiquei interessado em entender melhor aquela dinâmica. Não por interesse sexual ou desejo de me juntar a eles, mas para entender como funcionava, como lidavam com ciúmes, como se organizavam.
Naquele luau, acabei sentando perto de um deles - Renan era o nome. Tinha uns 28 anos, tatuado, sorriso fácil. E ele, meio que percebendo minha curiosidade, começou a contar a história deles:
— Eu e o Marcelo trabalhávamos juntos numa loja de roupas muito grande — começou ele, enquanto mexia na cerveja — ele era tirando a muito machão, e eu também fingia ser. Me interessei por ele logo de cara e investi naquelas brincadeiras típicas de brotheragem até a gente começar a ficar, sabe? Primeiro sem compromisso, sem rótulos, só sexo mesmo.
Ele deu um gole na cerveja antes de continuar:
— Mas me apaixonei rápido por ele. Muito rápido. Além da parte sexual, Marcelo é divertido, atencioso, presta atenção em mim e nos meus gostos. Temos formas de ver a vida muito parecidas. Rapidamente ultrapassou a parte sexual e virou amor mesmo.
— E o terceiro? — perguntei curioso.
— Aí é que fica interessante — Renan sorriu de forma enigmática — eu demorei pra tomar uma atitude com Marcelo, mantive nossa relação sem rótulo por muito tempo. Enquanto isso, ele estava conhecendo outra pessoa. Eu sabia que ele tava vendo outro cara, só não sabia quem era. Fiquei surpreso quando descobri que era meu irmão.
— Seu irmão? — quase engasguei com minha própria bebida.
— Meio-irmão, por parte de pai — ele corrigiu — ele é dez anos mais velho que eu, sempre foi minha referência de homem. Eu sempre desabafava com ele sobre minhas experiências sexuais e ele sempre me apoiou sem julgar. A gente tinha uma conexão muito forte, sabe?
Renan pausou, como se estivesse revivendo memórias:
— Eu já desejava meu irmão e ele diz que também já me desejava. Só que o fato dele ser meu irmão me bloqueava completamente. E pra ele, eu era o irmãozinho caçula. Foi Marcelo que fez a gente transar pela primeira vez, numa noite que rolou. E depois que isso aconteceu, foi como se tudo fizesse sentido na minha cabeça. Todo amor que eu sempre senti por meu irmão se somou ao tesão.
— E como funcionou o trisal? — Luke perguntou, tão curioso quanto eu.
— Como Marcelo e meu irmão estavam namorando, eles me chamaram para namorar com eles. Achei meio estranho no começo, não era o que eu tinha planejado pra minha vida. Mas aceitei porque amo os dois, de formas diferentes, e sinto tesão pelos dois, também de formas diferentes.
Ele explicou mais sobre a dinâmica:
— Meus dois namorados se dizem bissexuais. E eu adoro uma putaria com homens que se dizem héteros, então nosso relacionamento é aberto, sem muitas regras rígidas. A gente se prioriza acima de qualquer coisa e nunca ficamos com alguém que outro não goste. Só temos essas duas regras máximas, mas quando surge algo novo, vamos conversando e ajustando.
— E funciona? — perguntei.
— Funciona pra gente — ele deu de ombros — namorar meu irmão não é fácil, ele acha que manda em mim porque é mais velho, e a gente já terminou por causa disso. Mas estamos sempre nos ajustando porque nos amamos muito. Não sei se Marcelo e meu irmão se amam do mesmo jeito que me amam, não vejo muito carinho entre eles especificamente. Mas eles juram que sim.
Ficamos conversando por horas, e quando voltamos para nosso quarto, eu e Luke ficamos boquiabertos processando tudo aquilo.
— Você consegue imaginar algo assim pra gente? — Luke perguntou deitado na cama.
— Sinceramente? Não — respondi honestamente — cogitei por um segundo como seria se fosse eu, você e Paul, já que vocês são irmãos. Mas acho que não daria certo. Ou então eu, você e Carlos.
— Carlos? — Luke riu — nunca daria certo. Eu e ele nunca nos batemos, Lucas. Mesmo quando ficamos aquela vez, sempre teve um climinha estranho. Você era o elo entre nós.
— É verdade — concordei — mas acho bonito que funcione pra eles. Mais uma vez me pego refletindo sobre as diversas formas de amar que existem. Onde ninguém, absolutamente ninguém, deveria se intrometer na vida do outro.
E era verdade. Cada casal ou trisal, ou qualquer configuração, sabia o que funcionava para si. Monogamia, não-monogamia, relacionamentos abertos, trisais, poliamor, cada um tinha sua forma de construir amor e felicidade. E estava tudo bem. Não cabia a mim ou a ninguém julgar o que funcionava para outras pessoas.
A história do Renan me fez pensar profundamente sobre os limites que colocamos no amor. A sociedade nos ensina desde crianças que o amor "certo" é aquele entre duas pessoas, monogâmico, exclusivo, possessivo até. Qualquer coisa fora disso é vista como desvio, como promiscuidade, como incapacidade de amar "de verdade".
Mas quem define o que é amor de verdade? Quem tem autoridade para dizer que amar uma pessoa é mais legítimo do que amar duas? Ou três? Que construir uma vida a dois é mais válido do que construir a três, a quatro, ou quantos forem necessários para que todos os envolvidos sejam felizes?
O caso do Renan com seu irmão levantava ainda outra questão delicada: os tabus familiares. A sociedade coloca barreiras rígidas sobre quem podemos ou não amar baseado em laços sanguíneos. E sim, existem razões biológicas e históricas para isso. Mas quando se trata de meio-irmãos adultos, conscientes, que se escolhem mutuamente - quem sou eu para dizer que aquele amor é errado?
Eles não machucavam ninguém. Não estavam forçando nada. Eram três adultos que se encontraram numa configuração não-convencional e decidiram: "isso funciona para nós". E construíram suas regras, seus limites, suas formas de lidar com ciúmes e inseguranças. Não era perfeito - Renan mesmo admitiu as dificuldades. Mas era honesto. Era consentido. Era amor.
E talvez seja exatamente isso que mais importa: honestidade e consentimento. Não a forma, não o número de pessoas envolvidas, não se encaixa ou não no modelo tradicional. Mas se todos os envolvidos estão sendo honestos sobre o que sentem, sobre o que querem, sobre seus limites. Se todos consentem genuinamente com aquela dinâmica. Se ninguém está sendo coagido, manipulado ou machucado.
Pensei em quantas relações monogâmicas "tradicionais" eu conhecia que eram tóxicas, cheias de mentiras, traições escondidas, manipulação emocional. Quantos casais "normais" viviam infelizes mas continuavam juntos por convenção social, por medo do julgamento, por não conseguirem imaginar algo diferente.
E então pensei no Renan, Marcelo e o irmão do Renan. Três homens que provavelmente enfrentavam julgamento constante, que tinham que esconder sua configuração familiar da maior parte das pessoas, que não podiam simplesmente postar fotos juntos nas redes sociais sem receberem comentários horríveis. Mas que, segundo Renan, eram felizes. Que tinham encontrado uma forma de amor que funcionava para eles.
Quem era mais corajoso? Os que seguiam o script social sem questionar, mesmo sendo miseráveis? Ou os que ousavam criar seu próprio script, enfrentando todo julgamento que viria, porque sabiam que ali estava sua felicidade?
Eu não sei se conseguiria viver num trisal. Sinceramente, acho que não. Sou ciumento demais, possessivo demais, preciso daquela sensação de exclusividade mesmo que teoricamente saiba que ninguém "possui" ninguém. E está tudo bem eu saber isso sobre mim. Assim como estava tudo bem o Renan saber que ele funcionava melhor dividindo amor entre duas pessoas.
O que não estava bem era eu achar que minha forma de amar era a única certa, a única válida, a única que merecia respeito.
Naquele momento, ali com Luke naquela ilha paradisíaca, conversando sobre as infinitas possibilidades de configurações amorosas, eu percebi algo fundamental: amor não é uma competição de quem ama "melhor" ou "mais certo". Não é sobre seguir regras estabelecidas há séculos por sociedades que nem existem mais da mesma forma. É sobre encontrar o que funciona para você e para quem você ama, e ter a coragem de viver isso autenticamente.
Eu sabia que monogamia - ou quase monogamia, com nossos pequenos acordos de flexibilidade ocasional - funcionava para nós. Luke precisava daquela segurança de ser minha pessoa principal, mesmo que eventualmente eu ficasse com alguém mais. Eu precisava daquela liberdade ocasional de explorar, mas sempre tendo Luke como meu porto seguro. E encontramos um equilíbrio que respeitava as necessidades de ambos.
Era perfeito? Não. Tinha ciúmes às vezes? Sim. Tínhamos que conversar constantemente sobre limites e renegociar acordos? Sempre. Mas era nosso. Era honesto. Era consentido. E acima de tudo, nos fazia felizes.
E se amanhã o Renan e seus namorados decidissem adicionar uma quarta pessoa? Ou se decidissem fechar o relacionamento completamente? Ou se Marcelo e o irmão do Renan descobrissem que só se mantinham juntos por causa do Renan e resolvessem terminar essa parte? Tudo bem também. Relacionamentos são organismos vivos que mudam, evoluem, se adaptam. O que funciona hoje pode não funcionar amanhã. E ter a honestidade de reconhecer isso e fazer os ajustes necessários é mais maduro do que se prender teimosamente a um modelo que não serve mais.
O amor deveria ser sobre adicionar felicidade à vida das pessoas, não sobre seguir regras rígidas estabelecidas por quem nem te conhece. Deveria ser sobre encontrar pessoas que te completam - seja uma, duas, três ou quantas forem - e construir algo bonito juntos. Deveria ser sobre respeito mútuo, comunicação honesta, e a coragem de viver sua verdade mesmo quando o mundo inteiro te diz que está errado.
Então sim, eu não conseguiria viver num trisal. Mas aprendi naquela noite, conversando com o Renan, que isso não tornava minha forma de amar superior à dele. Apenas diferente. E na diversidade das experiências humanas, na infinita variedade de formas que o amor pode tomar, havia espaço para todos nós.
Havia espaço para o trisal do Renan com toda sua complexidade familiar. Havia espaço para a monogamia tradicional de casais que encontravam plenitude um no outro. Havia espaço para relacionamentos abertos como o do Yan e Isaac. Havia espaço para a nossa quase-monogamia com acordos flexíveis. Havia espaço para quem escolhia não ter relacionamentos nenhum e era feliz assim.
O amor não é uma caixa única onde todos têm que se encaixar da mesma forma. É um espectro infinito de possibilidades, e cada um de nós tem o direito - e eu diria até a obrigação - de encontrar onde se encaixa melhor nesse espectro.
E mais importante: nenhum de nós tem o direito de dizer aos outros onde eles deveriam se encaixar.
Naquele momento, ali com Luke, eu sabia com certeza absoluta onde me encaixava. E era o suficiente. Era mais do que suficiente. Era tudoNo outro dia, Luke me chamou para um passeio especial. Iríamos ver o amanhecer do sol fazendo remo até uma praia pouco explorada da ilha.
Acordamos de madrugada, o céu ainda completamente escuro e estrelado. Caminhamos pela praia deserta até onde estava o barco pequeno. Logo entramos e começamos a remar juntos, em sincronia, até chegarmos numa pequena ilha particular.
Achei tudo um tanto estranho - por que acordar tão cedo? Por que remar tanto? Mas quando chegamos lá, tive a maior surpresa da minha vida.
Luke havia preparado TUDO. Havia uma decoração linda com velas e flores, uma mesa de café da manhã completa, e até músicos tocando violão suavemente. O sol começava a nascer no horizonte, pintando o céu de laranja e rosa, criando o cenário mais perfeito que eu poderia imaginar.
— Luke, o que... — comecei, mas as palavras morreram quando o vi se ajoelhar na areia.
Ele tirou uma caixinha do bolso, as mãos tremendo ligeiramente, os olhos cor de mel brilhando com lágrimas não derramadas. E então começou a falar:
— Lucas, eu sei que eu já errei. Errei muito. Errei de formas que não deveriam ter perdão. Sei que já tivemos bons e maus momentos - mais maus do que bons por muito tempo. Mas eu tenho uma plena certeza nessa vida, uma única certeza absoluta: eu quero viver o resto da minha vida com você.
A voz dele tremeu, mas continuou:
— Desde que te conheci, eu nunca fui mais o mesmo. Você me transformou, me mostrou quem eu poderia ser, me fez querer ser melhor. Eu sempre te amei, Lucas. Sempre. Mesmo nos piores momentos, mesmo quando te machuquei, mesmo quando você me odiava com razão - eu te amava. E sempre vou te amar, até meu último dia nesta terra.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto agora, impossíveis de conter.
— Sei que eu não sou perfeito. Tenho uma doença que vou carregar pra sempre, tenho cicatrizes na alma, tenho medos que me assombram. E sei que você também não é perfeito - você é teimoso, orgulhoso, às vezes frio demais. Mas hoje a gente se entende. Hoje a gente se respeita. Hoje a gente construiu algo bonito a partir das cinzas do que destruímos.
Ele abriu a caixinha, revelando alianças lindas de ouro branco:
— Você me deu uma segunda chance quando eu não merecia. Me ensinou sobre perdão de uma forma que nenhuma terapia conseguiria. Me mostrou que pessoas podem mudar, que amor pode sobreviver a tempestades, que vale a pena lutar por quem a gente ama. E eu prometo, pela minha vida, que vou honrar essa segunda chance todos os dias.
A voz dele quebrou completamente:
— Eu quero acordar ao seu lado pelos próximos cinquenta anos. Quero envelhecer com você, ter uma casa com você, talvez até adotar cachorros que a gente vai amar como amamos o Thanos. Quero estar lá quando você conquistar seus sonhos, e quero que você esteja lá quando eu conquistar os meus. Quero brigar com você sobre coisas bobas e fazer as pazes logo depois. Quero ser seu porto seguro, como você é o meu.
Ele respirou fundo, me olhando diretamente nos olhos:
— Lucas Maia, você aceita se casar comigo? Aceita ser meu marido, e me deixa ser seu marido, para te amar por toda eternidade?
O sol tinha nascido completamente agora, banhando tudo em luz dourada. Os músicos tocavam suavemente ao fundo. As ondas quebravam na praia. E ali estava Luke, de joelhos na areia, me oferecendo não só uma aliança, mas um futuro, uma promessa, uma vida inteira juntos.
E eu, chorando copiosamente, mal conseguindo falar através dos soluços, disse a única palavra que importava:
— Sim. Mil vezes sim.
Ele se levantou e me beijou como se fosse a primeira e a última vez, como se quisesse gravar aquele momento para sempre. Colocou a aliança no meu dedo com mãos trêmulas, e eu coloquei a dele também.
E ali, naquela ilha deserta em Fernando de Noronha, com o sol nascendo e os músicos tocando, nos tornamos noivos.
Dois meninos que se conheceram no ensino médio, que se apaixonaram de forma tempestuosa, que se destruíram e se reconstruíram, que aprenderam sobre perdão e segundas chances da forma mais dolorosa possível - finalmente tiveram seu final feliz.
Ou seria apenas o começo?