GAROTO, EU ODEIO AMAR VOCÊ [82] ~ O ANO DO RECOMEÇO

Um conto erótico de Lucas
Categoria: Gay
Contém 2056 palavras
Data: 17/10/2025 10:07:18

O ano de 2019 realmente teve um marco na minha vida, e digo sem medo: foi a minha volta com Luke.

Sei que para muitos isso pode parecer uma surpresa absurda. Para outros, talvez até esperado. E sei também o que muitos devem estar pensando: "Porra, o Luke fez aquilo! Como você pode voltar com ele? O Luke te marcou, te agrediu, te traumatizou!" Sim, eu sei. Eu sei TUDO o que o Luke fez. Cada detalhe está gravado na minha memória e na minha pele. Eu sei o que senti naquele dia terrível, sei como fiquei no fundo do poço depois, sei das noites que passei sem dormir com medo, sei das cicatrizes que ficaram.

Mas eu não iria viver com essa mágoa pelo resto da vida. Não por ele, e sim por mim.

Luke tinha seus defeitos enormes, graves, até imperdoáveis para alguns. Eu tinha os meus também - e vocês já leram sobre cada um deles ao longo dessa história. E no final das contas, isso nos tornava apenas pessoas normais. Pessoas falhas, quebradas, tentando sobreviver da melhor forma possível.

Todo mundo erra. TODOS. E todo mundo merece uma nova chance - cabe a cada um julgar quantas chances está disposto a dar. Eu falo isso porque na vida sempre é mais fácil opinar sobre a vida dos outros do que sobre nossas próprias vidas. É como aquele ditado: a grama do vizinho sempre é mais verde. De fora, todo mundo sabe exatamente o que você deveria fazer, com quem deveria ficar, o que deveria perdoar ou não.

Mas quem vive a dor é você. Quem acorda todo dia com aquele buraco no peito é você. Quem tem que escolher entre carregar a raiva para sempre ou tentar algo novo - é você.

Eu sei muito bem tudo o que Luke fez de ruim, cada palavra cruel, cada momento de violência, cada surto descontrolado. Mas eu seria ingrato e hipócrita se esquecesse as coisas boas e os momentos incríveis que passamos juntos também. Os risos que compartilhamos, as madrugadas conversando sobre tudo e nada, a forma como ele me conhecia melhor que ninguém, como me fazia sentir vivo de uma forma que ninguém mais conseguia.

Claro que tivemos vários altos e baixos, mais baixos que altos por muito tempo. Mas eu não queria anular as coisas ruins nem idealizar as coisas boas. Precisava encontrar um equilíbrio, enxergar a pessoa completa: falha, mas tentando ser melhor. Perigosa às vezes, mas também capaz de amor genuíno.

E era assim que eu estava naquele momento pós-conversa na praia: em equilíbrio instável, mas consciente. Não estava decidido a voltar nosso namoro oficialmente. Até porque ainda existia uma sombra, mesmo que distante, que se chamava Carlos. E ele sempre foi sinônimo de tempestade no meu relacionamento com Luke, desde sempre. Mas eu escolhi não pensar no passado nem no futuro. Escolhi viver o presente pela primeira vez em muito tempo.

Luke e eu começamos a nos encontrar aos poucos. Conversas em cafés, beijos roubados depois do treino, sexo que ainda era explosivo mas agora sem toda aquela carga tóxica. Às vezes saíamos com nossos amigos, às vezes ficávamos sozinhos descobrindo um ao outro de novo.

Minha vida continuava puxada - duas faculdades, estágios no CrossFit, treinos na academia. Luke, além da faculdade, estava ajudando o pai no escritório que cuidava da administração dos supermercados da família. Então a gente meio que começou do zero, eu diria. Era um novo relacionamento, uma nova dinâmica, construída sobre as cinzas do que destruímos antes.

E Luke tinha mudado de verdade. Não era impressão minha, não era ilusão. Ele tinha voltado àquela mesma energia contagiante que tinha quando nos conhecemos no ensino médio - aquele Luke que me fez me apaixonar pela primeira vez. Embora estivesse sob o efeito do Vensanse diariamente, não ficava grogue ou fora de si. Ficava alegre, divertido, equilibrado. Era como se o remédio tirasse apenas o excesso ruim e deixasse só a essência boa dele.

Tivemos algumas cenas de ciúmes no início do nosso "pré-namoro" - porque era isso que éramos, algo indefinido entre ficar e namorar. Mas foram coisas bestas e pontuais. Luke sentia ciúmes quando eu conversava muito com alguém na academia, mas em vez de fazer um escândalo, respirava fundo e me contava depois: "Fiquei com ciúmes hoje, mas sei que é coisa da minha cabeça". Essa consciência, essa honestidade, era nova. Era bonita. Era o que eu precisava.

Até que na Semana Santa, a gente decidiu dar mais uma chance ao nosso namoro oficialmente. Sim, eu voltei pro Luke. Estava gostando dessa nova versão dele - a versão que me mandava flores no estágio sem motivo, que plantava presentes surpresa na minha casa (uma vez encontrei um bilhete escondido na gaveta: "Procure debaixo da cama"), que me fazia rir de forma genuína, que inventava coisas mirabolantes para fugirmos da rotina.

Uma vez, Luke preparou uma viagem maluca que durou menos de 24 horas: pegamos um voo para São Paulo sem eu saber para onde íamos, jantamos num restaurante caro que ele fez questão de pagar, caminhamos pela Paulista de madrugada só conversando, e voltamos de avião no mesmo dia. Foi completamente desnecessário, absurdamente caro para nossa realidade, mas inesquecível.

Eram essas loucuras, esses gestos grandiosos, que me faziam olhar para Luke de uma forma completamente nova. E eu conscientemente escolhi não lembrar do passado ruim. Tinha colocado uma pedra pesada em cima de todas as coisas horríveis que aconteceram. Não esqueci - nunca esqueceria -, mas escolhi não deixar que aquilo definisse nosso presente.

Meu relacionamento com Luke, porém, tinha uma particularidade que precisava ser endereçada: entramos num acordo sobre não-monogamia. Conversamos longamente sobre isso, porque eu não queria repetir os erros do passado onde ciúmes e controle destruíram tudo.

Não seríamos monogâmicos no sentido tradicional, mas prometemos respeitar um ao outro acima de tudo. Eu tinha certo "passe livre" para fazer o que quisesse - ficar com outras pessoas se sentisse vontade -, desde que não fosse na cara dele, desde que não desrespeitasse nossa relação principal. E ele tinha o mesmo.

No início, achei que isso seria necessário, que eu iria querer explorar, que precisaria dessa válvula de escape. Mas a verdade é que não sentia necessidade de ficar com outros caras na maior parte do tempo. Luke me completava de uma forma que eu não esperava. Ele estava mais versátil também, o que resolvia questões práticas do sexo. Mas obviamente, em alguns momentos, eu procurava uma "distração" - às vezes contava pra ele, às vezes não. Foi estranho no início, navegar por essas águas turvas da comunicação sobre outras pessoas. Mas com o tempo, funcionou para nós.

Da mesma maneira, Luke também tinha seus encontros ocasionais. E sabe o que descobri? Que isso não diminuía o que sentíamos um pelo outro. No fim, a gente se amava. Genuinamente, profundamente. E esse era o jeito que encontramos de fazer as coisas funcionarem entre nós. Não era perfeito, não era o modelo dos filmes românticos, mas era nosso. E estava funcionando.

Carlos acabou sabendo sobre nossa volta - não sei exatamente como, mas notícias viajam rápido em círculos sociais pequenos. Yan comentou casualmente que Carlos tinha perguntado sobre mim, porque viu muitas fotos e postagens nossas juntos no Instagram. Yan confirmou que tínhamos voltado.

Não sei o que Carlos sentiu quando soube. Não sei se foi um choque, se foi indiferença, se foi raiva. Afinal, eu era uma pessoa que não fazia mais parte da vida dele - ele mesmo tinha garantido isso quando saiu da minha casa sem olhar para trás.

E a cada dia que se passava, eu esquecia mais e mais de Carlos. Não de forma ativa ou forçada, mas naturalmente, como quem esquece o caminho de uma casa onde não mora mais. Quando ouvia seu nome ou alguma notícia através de amigos em comum, ainda me dava um frio na espinha - uma memória corporal de tudo que vivemos. Mas a cada menção, a cada vez que seu nome surgia, aquele frio ia sumindo gradualmente.

Até que finalmente Carlos virou apenas um livro que eu guardaria naquela estante velha da memória. Estaria ali, existiria sempre, mas não seria mais o livro que eu fico folheando toda hora. Apenas uma história que vivi, que me marcou, mas que acabou.

Yan e Isaac eram namorados desde o ensino médio, e eles tinham uma relação ultra aberta que sempre me fascinou e confundiu em igual medida. Ambos ficavam com outras pessoas - às vezes juntos em esquemas a três, às vezes separados em suas próprias aventuras. Todo final de semana eles estavam com pessoas diferentes, mas no final sempre voltavam um para o outro.

Não sei se era por carência, por amor genuíno, ou por medo de ficarem sozinhos. Mas acontece que eles tinham encontrado uma solução, um jeito específico que fazia o relacionamento deles funcionar. Pessoalmente, eu não me via num relacionamento tão aberto assim - na minha humilde opinião, seria melhor estar solteiro. Mas claro, era uma opinião que guardava para mim. Jamais chegaria no Yan para julgar ou questionar seu relacionamento. Afinal, era da vida dele, e não cabia a mim interferir ou me meter.

E estou falando isso por um motivo muito específico: na vida, muitas vezes a opinião dos outros pode fazer muito mal para a gente. Pode plantar dúvidas onde não existiam, pode criar inseguranças desnecessárias, pode destruir algo que estava funcionando perfeitamente para as pessoas envolvidas.

Relacionamento é algo que só quem está dentro realmente sabe como funciona. Eu sei o que passo com Luke, sei o que sinto, aceito meus próprios julgamentos sobre minhas escolhas. Yan sabe o que é bom para ele e Isaac, sabe o que faz o relacionamento deles funcionar. Quem vê de fora não conhece a fundo a dinâmica, não sabe o que se passa na cabeça e no coração das pessoas, não vive as dores e alegrias do dia a dia.

E é sobre isso: a gente tem que aprender a viver mais e julgar menos.

Por isso não liguei absolutamente NADA para todos os ataques que recebi sobre minha volta com Luke. Seja dos meus amigos bem-intencionados que se preocupavam com minha segurança, seja de conhecidos que adoravam opinar sobre vidas alheias, seja até mesmo de você, leitor, que talvez esteja neste momento pensando "como ele pode ser tão burro de voltar com quem o agrediu?"

Eu entendo a preocupação. Eu entendo o julgamento. E em outra situação, talvez até concordasse com vocês. Mas essa é MINHA vida, são MEUS sentimentos, é MINHA escolha.

Eu amava Luke. Disso eu tinha certeza absoluta. E quem conhecia esse amor melhor do que qualquer outra pessoa no mundo era eu. Eu que sentia meu coração acelerar quando via ele, eu que conhecia cada nuance do seu sorriso, eu que sabia diferenciar o Luke do surto do Luke real, eu que via o esforço genuíno dele para ser melhor todos os dias.

Não importava a opinião de ninguém. O que importava era minha opinião e como eu me sentia. E eu me sentia bem, feliz, completo. Pela primeira vez em muito tempo, acordava sorrindo em vez de com aquele peso no peito.

Aprendi algo fundamental naquele ano: você pode ouvir conselhos, pode considerar opiniões, mas no final do dia, quem vai dormir com suas escolhas é você. Quem vai viver as consequências - boas ou ruins - é você. Então que sejam consequências de decisões que VOCÊ tomou, não decisões que outros tomaram por você.

Se Luke me machucasse de novo, a culpa seria minha por ter dado uma segunda chance? Talvez. Mas também seria meu mérito se desse certo, se conseguíssemos construir algo bonito a partir das cinzas. E eu escolhi acreditar nessa possibilidade.

Escolhi acreditar que pessoas podem mudar. Que segundas chances existem por um motivo. Que amor verdadeiro vale o risco. Que perdão liberta mais quem perdoa do que quem é perdoado.

E se isso me tornava ingênuo, tolo, ou qualquer outro adjetivo que quisessem me dar - que fosse. Eu preferia ser feliz e "burro" do que infeliz e "certo" aos olhos dos outros.

Porque no final, quando as luzes se apagam e você fica sozinho com seus pensamentos, não são as opiniões alheias que te aquecem. É saber que você viveu autenticamente, que amou intensamente, que deu o melhor de si.

E em 2019, pela primeira vez em anos, eu estava fazendo exatamente isso.

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Comentários

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Ja dizia Caetano Veloso, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é… rs sempre que falam sobre relacionamento muito possessivo eu lembro dessa figura de linguagem… segura um bichinho na sua mãozinha rs se vc aperta ele tenta de todas as formas escapar pelos vãos e frestas dos dedos… mas se vc abrir e deixa-lo solto, ele fica com medo de cair e vai se segurar… penso sempre nisso…

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Esse capítulo foi muito estranho, parece uma bonança antes de uma grande tempestade. Espero estar errado. É bom ver Lucas sendo feliz, eu acho.

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Show. Capítulo perfeito e revelador. Concordo plenamente sobre autonomia nas escolhas para a própria vida. EU não admiro a escolha mas isso é só a MINHA opinião de leitor. Continuo dizendo que não sei qual dos dois presta menos. Acho que se merecem. Gostaria que Carlos conhecesse um grande amor, verdadeiro, correspondido e finalmente ser feliz.

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Os argumentos do Lucas nesse capítulo foram tão bons que quase que eu concordo também. Quase...

Deus me livre voltar com alguém que poderia me dar um facada se não seguisse com um tratamento psicológico corretamente. E ainda me agrediu fisicamente e sexualmente no passado.

Mas a vida é dele, ele tem o direito de fazer escolhas péssimas se quiser.

Enfim

ótimo capítulo Lukas, como sempre! Muito bem escrito.

Não demore a atualizar, bjs ❤️

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