Semanas se passaram em um silêncio torturante após aquela nova humilhação. A ordem dele – "Não me procure" – ecoava em cada canto vazio do apartamento, em cada pensamento ocioso. Mas a ausência era pior. A dinâmica doentia que havíamos estabelecido, a mistura de medo e desejo, a atenção dele, mesmo que cruel, corroía minha sanidade. Eu precisava... não sabia bem do quê. De confirmação? De punição? De qualquer migalha da sua atenção perigosa? Eu me sentia patético, mas a compulsão era mais forte.
Com as mãos tremendo, abri o aplicativo do supermercado do pai novamente. Era loucura? Provavelmente. Racionalizei: era só uma garrafa de vinho caro, um queijo importado. Uma necessidade banal, sofisticada até. Cada minuto após a confirmação do pedido foi uma agonia de ansiedade, o estômago revirado, o coração batendo descompassado. Desta vez, a espera pareceu mais longa, mais carregada.
O toque da campainha foi como um tiro. Gelei. Caminhei até a porta como um condenado, a respiração presa. Girei a maçaneta e... não era ele. Era um entregador diferente, mais velho, indiferente. Senti uma onda de decepção tão forte que quase me derrubou, seguida por uma vergonha ainda maior por sentir essa decepção. Peguei as compras mecanicamente, fechei a porta e me encostei nela, o silêncio do apartamento amplificando meu vazio.
Foi então que meu celular vibrou. Número desconhecido. A mesma mensagem de antes?
Não. Era uma ligação.
Atendi com as mãos trêmulas.
"Desce." A voz dele. Curta, fria, sem identificação. A ligação caiu.
Descer? Para onde? Olhei pela janela. O carro escuro dele estava parado do outro lado da rua, quase invisível na sombra de uma árvore. Ele estava lá. Ele estava... irritado? Ou algo mais?
Meu coração disparou. Medo e uma faísca de excitação perversa. Vesti um casaco sobre a roupa de casa e desci, as pernas bambas. Atravessei a rua e parei ao lado do carro. O vidro do passageiro desceu.
"Entra," ele ordenou, sem me olhar. Ele vestia as mesmas roupas casuais – camiseta preta desta vez, que abraçava seus ombros largos e bíceps definidos, short cinza de moletom, tênis escuros – mas a expressão era outra. O maxilar estava travado, os nós dos dedos brancos no volante.
Entrei. O silêncio dentro do carro era pesado, elétrico. Ele não deu partida. Apenas ficou ali, olhando para frente, a respiração controlada. O silêncio era mais ameaçador do que qualquer grito.
"Você realmente não aprende, não é?" A voz era baixa, sibilante, cada palavra carregada de uma tensão contida que era quase pior do que os gritos. "Eu disse pra não me procurar. Eu disse pra esperar. Acha que é quem?"
"Não! Eu só... eu pensei que você não viria... eu..." gaguejei, o pânico subindo.
"Pensou errado." Ele se virou para mim, os olhos claros como lascas de gelo, mas havia uma agitação por trás da frieza. "Ninguém brinca comigo." Sua mão veio rápida, agarrando a frente do meu casaco, puxando-me para perto. O cheiro dele era intenso, quase agressivo. "Você vai fazer o que eu digo, entendeu? Quando eu digo."
Sua proximidade era sufocante. Eu podia sentir a vibração da raiva ou frustração emanando dele.
"Responde!" ele exigiu, sacudindo-me levemente.
"Sim... me... me desculpe..." Meu olhos marejaram de medo.
"Desculpa não adianta." Sua outra mão subiu, mas não para me bater. Agarrou meu queixo, forçando meu rosto a se virar para ele. "Você vai aprender a obedecer. Vai aprender a esperar. Vai aprender que sou eu quem decide as coisas aqui." Ele roçou o polegar sobre meu lábio inferior, um gesto quase íntimo em meio à ameaça, seus olhos buscando os meus como se quisesse decifrar minha reação. "Hoje você vai ficar pensando na merda que fez. E vai esperar."
Ele me empurrou de volta contra o banco com força. "Agora desce. E não ouse pedir nada de novo até eu te chamar. Se eu te chamar." A ameaça final pairou no ar, mas soou mais como uma tentativa de reafirmar um controle que talvez ele sentisse estar perdendo sobre si mesmo.
Abri a porta, tremendo, e saí do carro. Ele arrancou, os pneus cantando levemente no asfalto, desaparecendo na esquina.
Fiquei ali, parado na calçada, o coração batendo forte, a respiração ofegante. Não houve humilhação física desta vez, mas a intensidade da reação dele, a fúria fria misturada com algo que parecia frustração pessoal, foi quase pior. Ele não me queria fora de sua vida, ele me queria sob seu controle, reagindo a ele. E a parte mais doentia? Uma pequena e vergonhosa parte de mim sentiu uma validação distorcida naquela intensidade. Eu o afetava. Mesmo que fosse da pior forma possível.
Voltei para o apartamento, a garrafa de vinho caro esquecida na bancada. A dinâmica havia mudado novamente. Não era só desejo e humilhação. Era uma necessidade mútua e confusa de controle e reação. E pela primeira vez, senti um medo genuíno não só do que ele poderia fazer comigo, mas do que essa relação distorcida estava fazendo com a minha própria mente, com a dele. Mas a ideia de cortar o laço... parecia impossível. Eu estava preso nesse jogo estranho que nenhum de nós parecia entender completamente.