GAROTO, EU ODEIO AMAR VOCÊ [77] ~ VINGANÇA SERVIDA FRIA

Um conto erótico de Lucas
Categoria: Gay
Contém 5061 palavras
Data: 14/10/2025 18:57:31
Assuntos: conto, Gay, Historias, Romance

As primeiras semanas de aula foram estranhas. Eu e Raul nos cruzávamos nos corredores da faculdade, nas aulas em comum, no estágio do CrossFit. Trocávamos olhares carregados de tensão, cumprimentos frios e educados, mas nada além disso. Era como se estivéssemos dançando ao redor de uma bomba, ambos sabendo que ela poderia explodir a qualquer momento.

Mas eu tinha algo que Raul não sabia que eu tinha: uma informação valiosa, um segredo sujo que poderia destruir completamente a vida perfeita que ele havia construído. Eu sabia que Raul era, ou pelo menos havia sido, garoto de programa. Sabia que Guto tinha sido um de seus clientes. E guardava essa informação como quem guarda um ás na manga, esperando o momento certo para jogar.

Durante aquelas semanas, observei Raul de longe. Ele e Carlos pareciam felizes, sempre juntos, sempre grudados. Via as fotos deles no Instagram - jantares românticos, viagens de fim de semana, declarações de amor nos comentários. E cada foto era como uma facada no meu peito.

Mas eu não estava pronto para ter Carlos de volta. Ainda não. Então, por que aquilo me incomodava tanto? Talvez porque era Raul. Talvez porque ele tinha me roubado Carlos de uma forma tão suja, ficando com ele pelas minhas costas. Talvez porque uma parte de mim queria vê-lo pagar por isso.

A vingança é um prato que se come frio, diz o ditado. E o meu estava congelando há meses.

Foi numa terça-feira, depois de uma aula particularmente tensa onde eu e Raul tivemos que trabalhar juntos em um exercício prático, que a oportunidade perfeita caiu no meu colo.

Eu estava no vestiário da faculdade, trocando de roupa depois do treino, quando ouvi uma conversa na entrada. Reconheci uma das vozes imediatamente, era Augusto, o pai de Carlos. Ele estava falando com outro professor sobre uma festa que estava organizando.

— Vai ser algo mais reservado, entende? Só alguns amigos próximos, drinks, música... algo mais sofisticado — dizia Augusto com aquele tom refinado que ele sempre usava.

Foi então que a ideia surgiu na minha mente como um raio. Perfeita. Cruel. Eficiente.

Esperei o professor ir embora e me aproximei de Augusto.

— Oi, Augusto — cumprimentei com um sorriso.

— Lucas! Meu querido, como você está? Cada dia mais gostoso! — ele me abraçou calorosamente.

— Tô bem. Ouvi você falando sobre uma festa...

— Ah, sim! Vou fazer uma reunião na casa de praia no próximo sábado. Nada muito grande, só uns amigos. Aproveitar que a Alinne está viajando Por que? Quer vir? — ele perguntou animado.

— Na verdade, eu queria te dar uma sugestão — disse, escolhendo cuidadosamente minhas palavras — você disse que quer algo sofisticado, certo? Então... e se você contratasse um entretenimento especial?

Augusto me olhou curioso.

— Que tipo de entretenimento?

— Conhece aqueles... como posso dizer... acompanhantes de luxo? Garotos bonitos, charmosos, que sabem conversar, entreter os convidados... — sugeri com naturalidade.

Augusto sorriu com malícia.

— Interessante. Você conhece alguém?

— Conheço sim. Inclusive, é alguém que você conhece também — fiz uma pausa dramática — o Raul. Namorado do Carlos.

O sorriso de Augusto desapareceu instantaneamente.

— Como assim? O Raul é garoto de programa?

— Era. Ou ainda é, não sei ao certo. Mas eu tenho certeza de que ele tem experiência nisso. Pode verificar se quiser — disse dando de ombros, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Lucas... o Carlos sabe disso?

— Não faço a menor ideia. Mas seria interessante se ele descobrisse, não acha? — disse com um sorriso que não escondia minhas intenções.

Augusto me olhou por um longo momento, como se estivesse processando a informação e minhas motivações.

— Você quer vê-los separados — não foi uma pergunta, foi uma constatação.

— Eu quero que a verdade venha à tona — corrigi — se eles continuarem juntos depois disso, problema deles. Mas Carlos merece saber com quem está se relacionando.

Augusto assentiu lentamente.

— Você ainda ama meu filho, não é?

— Sempre vou amar — admiti — mas isso não tem nada a ver com amor. Tem a ver com justiça.

Mentira. Tinha tudo a ver com vingança. Mas Augusto não precisava saber disso.

Os dias que se seguiram foram de uma ansiedade torturante. Eu sabia que Augusto iria investigar, iria confrontar Raul de alguma forma. E então, numa quinta-feira, recebi uma mensagem dele:

"Lucas, confirmei a informação. Vou conversar com o Carlos no fim de semana. Obrigado por me contar."

Meu coração acelerou. Estava acontecendo. A bomba estava prestes a explodir.

Mas antes que Augusto falasse com Carlos, eu queria ter minha própria conversa com Raul. Queria olhar nos olhos dele e ver sua máscara cair. Queria que ele soubesse que fui eu quem destruiu tudo.

Mandei uma mensagem pra Raul naquela mesma noite:

"Precisamos conversar. Amanhã, depois da aula. Me encontra no estacionamento."

Ele respondeu depois de alguns minutos:

"Sobre o quê?"

"Você vai descobrir."

O dia seguinte pareceu durar uma eternidade. Cada aula, cada minuto era uma tortura de antecipação. Quando finalmente terminou, fui para o estacionamento e esperei encostado no meu carro.

Raul chegou quinze minutos depois, com aquela cara de quem não sabia o que esperar.

— E então? Sobre o que você quer falar? — perguntou ele, mantendo distância.

— Sobre você e seus segredos — disse, me afastando do carro e caminhando na direção dele.

— Que segredos? Do que você tá falando, Lucas?

— Ah, Raul... você realmente acha que eu não sei? — ri sem humor — você acha que eu não descobriria sobre sua vidinha dupla?

Vi o sangue sumir do rosto dele.

— Eu... eu não sei do que você tá falando.

— Não? Então deixa eu refrescar sua memória — me aproximei mais, invadindo seu espaço pessoal — garoto de programa. Acompanhante. GP. Quantos nomes você prefere que eu use?

— Como você... — ele começou, mas a voz falhou.

— Como eu descobri? — completei por ele — isso não importa. O que importa é que eu sei. E sabe quem mais vai saber muito em breve? O Carlos.

— Não! Lucas, por favor, não faz isso! — ele entrou em pânico, me agarrando pelo braço — isso foi no passado, eu não faço mais isso!

— Ah, é? E o Carlos sabe desse seu passado tão interessante? — perguntei com sarcasmo — porque pelo que vi, ele tá completamente no escuro sobre quem você realmente é.

— Lucas, eu te imploro... — ele estava quase chorando agora — eu amo o Carlos. Eu mudei. Aquilo ficou no passado.

— Você ama o Carlos? — ri com desprezo — você roubou ele de mim, Raul. Ficou com ele pelas minhas costas, destruiu o que a gente tinha. E agora vem me falar de amor?

— Eu sei que eu errei! Eu sei! Mas por favor, não conta pra ele. Isso vai destruir tudo!

— Exatamente — disse friamente — é exatamente isso que eu quero. Destruir tudo. Assim como você destruiu o que eu tinha com ele.

Raul caiu de joelhos no chão do estacionamento, soluçando.

— Por favor, Lucas... eu te imploro... eu faço qualquer coisa...

— Qualquer coisa? — perguntei, me abaixando para ficar na altura dele — então larga o Carlos. Termina com ele e some da vida dele. E da minha.

— Eu... eu não posso fazer isso... eu amo ele...

— Então você vai ter que lidar com as consequências — disse me levantando — porque o pai dele já sabe de tudo. E vai contar pro Carlos neste fim de semana.

A expressão de terror puro no rosto de Raul foi quase satisfatória. Quase.

— Você... você contou pro Augusto?

— Contei. E ele não ficou nada feliz em saber que o namorado do filho dele é um prostituto.

— Eu não sou prostituto! — Raul gritou, se levantando com raiva — eu fiz isso por necessidade, por dinheiro! Não é quem eu sou!

— Mas é o que você fez — rebati — e agora vai ter que assumir as consequências. Talvez devesse ter pensado nisso antes de ficar com o Carlos pelas minhas costas.

— Isso é vingança — disse Raul, as lágrimas escorrendo pelo rosto — você tá fazendo isso por vingança.

— É vingança? — fingi pensar — ou é justiça? Difícil dizer. Mas sabe de uma coisa, Raul? Eu não me importo. Você merece tudo que tá prestes a acontecer.

— O Carlos nunca vai voltar pra você — disse Raul com raiva — mesmo que ele termine comigo, ele nunca vai te perdoar por isso.

A frase me atingiu como um soco, porque eu sabia que era verdade. Carlos ia descobrir que fui eu quem contou para Augusto. E ia me odiar por isso.

Mas naquele momento, com Raul destruído na minha frente, eu não me importava.

— Talvez — disse dando de ombros — mas pelo menos ele não vai estar com você.

E com isso, virei as costas e fui embora, deixando Raul sozinho no estacionamento, chorando como uma criança.

Naquela noite, não consegui dormir. Ficava revirando na cama, pensando em tudo que tinha feito, no que estava prestes a acontecer. Uma parte de mim se sentia poderosa, vingada, satisfeita. Mas outra parte - uma parte menor que eu preferia ignorar - se sentia suja, cruel, quase tão ruim quanto Raul.

No sábado à tarde, recebi uma ligação de Augusto.

— Lucas, falei com o Carlos. Ele... não está bem.

— Ele terminou com o Raul?

— Sim. Mas... ele tá muito abalado. E descobriu que foi você quem me contou.

Meu coração apertou.

— Como ele reagiu?

— Disse que não quer falar com você. Disse que você é... cruel. Manipulador — Augusto pausou — Lucas, eu sei que você fez isso por vingança, mas... você tinha certeza que era isso que você queria?

Desliguei o telefone sem responder.

Será que era isso que eu queria? Ver Carlos destruído, Raul humilhado, e ficar sozinho mesmo assim?

Peguei meu celular e abri o Instagram. Carlos havia postado uma foto dele e Raul há algumas horas, antes da conversa com Augusto. A legenda dizia: "Com meu amor". Mas agora, a foto tinha sido deletada.

Em seu lugar, havia apenas uma nova postagem - uma foto em preto e branco de Carlos sozinho, olhando pela janela. Sem legenda. Mas os comentários já estavam cheios de perguntas: "Tá tudo bem?", "Cadê o Raul?", "O que aconteceu?".

Eu tinha conseguido. Tinha separado eles. Tinha me vingado de Raul da forma mais brutal possível.

Mas por que, então, eu me sentia tão vazio?

Por que, em vez de satisfação, eu sentia apenas um buraco imenso no peito?

Talvez porque vingança nunca seja realmente doce. Talvez porque destruir o que a pessoa que você ama tem com outra pessoa não te traz ela de volta - só causa mais dor.

Ou talvez porque, no fundo, eu sabia que tinha perdido Carlos para sempre. Não para Raul, mas para minha própria crueldade.

Na segunda-feira seguinte, quando voltei pra faculdade, vi Raul de longe. Ele estava sozinho, o rosto abatido, os olhos vermelhos. Quando nossos olhares se cruzaram, ele não desviou. Apenas me encarou com um ódio puro que me fez recuar.

Carlos não estava indo para as aulas. Soube por comentários que ele havia faltado todas as aulas. Matias ficava com um menino da turma de direito da sala do Carlos e me contou que ele estava em casa, destruído.

E eu? Eu estava ali, tendo conseguido minha vingança, mas sentindo como se tivesse perdido muito mais do que ganhei.

Dizem que a vingança nunca é plena. Mata a alma e a envenena.

Naquele dia, sentado sozinho no refeitório da faculdade, eu finalmente entendi o que isso significava.

Eu tinha vencido a batalha, mas perdido a guerra.

Foram três dias de silêncio absoluto depois da bomba explodir. Três dias onde eu não tive notícias de Carlos, onde cada minuto parecia uma eternidade. Eu sabia que ele estava mal, sabia que tinha descoberto tudo - tanto sobre Raul quanto sobre mim ter sido o responsável por revelar o segredo.

Mas nada me preparou para quando ele apareceu na minha porta numa quinta-feira à noite.

Eu estava sozinho em casa, meu pai havia saído com Camille para mais um desses jantares ridículos deles. Quando a campainha tocou, nem imaginei quem poderia ser. Abri a porta e lá estava ele: Carlos, com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar, a mandíbula travada de raiva, as mãos fechadas em punhos ao lado do corpo.

— Carlos... — comecei, mas ele levantou a mão me interrompendo.

— Não. Você não fala. Agora quem fala sou eu — disse com uma voz tão fria que me fez recuar instintivamente.

Ele entrou sem pedir licença, passou direto por mim e foi para a sala. Thanos veio correndo para cumprimentá-lo, mas Carlos apenas fez um carinho rápido no cachorro e continuou me encarando com aquele olhar que misturava dor e fúria.

— Você sabia — começou ele, a voz tremendo de raiva contida — você sabia sobre o Raul desde quando? Desde o CrossFit? Desde que o Guto te contou?

— Carlos, eu...

— DESDE QUANDO? — gritou, fazendo Thanos se assustar e correr para o quarto.

— Desde o Guto. — admiti baixinho, sentindo o peso da culpa — desde que vi vocês juntos lá na pizzaria e percebi que o Raul ficou desconfortável com o Guto.

— Meses — Carlos riu sem humor, balançando a cabeça com incredulidade — você sabia há meses e não me contou. Ficou guardando essa informação, esperando o momento certo para me destruir.

— Não foi assim...

— NÃO FOI ASSIM? — ele deu um passo na minha direção, o rosto contorcido de raiva — então como foi, Lucas? Me explica! Porque do meu ponto de vista, você guardou essa informação como quem guarda uma arma carregada, planejou tudo direitinho, e destruiu meu relacionamento da forma mais cruel possível!

— Ele te traiu comigo! — rebati, sentindo minha própria raiva começar a subir — ele ficou contigo enquanto eu e você ainda estávamos juntos! Ele não merecia você, Carlos!

— E você merece? — Carlos perguntou com um sarcasmo venenoso — você, que me fez sofrer durante meses? Que me ignorou depois que eu abri meu coração pra você no diário? Que me deixou completamente exposto e vulnerável e simplesmente... simplesmente jogou tudo fora?

— Eu não te ignorei! Eu disse que não estava pronto!

— NÃO ESTAVA PRONTO? — ele gritou novamente, a voz ecoando pela sala — você não estava pronto pra ficar comigo, mas estava pronto pra destruir meu relacionamento com outra pessoa? Essa é sua definição de não estar pronto, Lucas?

Fiquei em silêncio, porque ele tinha razão. Eu não tinha argumento para isso, não tinha defesa.

— Eu me abri pra você, Lucas — continuou Carlos, a voz quebrando de emoção — eu escrevi cada sentimento, cada pensamento, cada momento que passei pensando em você. Eu coloquei minha alma naquelas páginas. Eu te entreguei meu coração de bandeja, sem medo, sem reservas. E você simplesmente... simplesmente jogou fora como se não significasse nada.

Ele parou para respirar, limpando as lágrimas que começavam a cair.

— Disse que não estava pronto, que precisava de tempo, e eu respeitei isso. Eu te dei espaço, eu esperei, eu continuei minha vida achando que talvez um dia você estaria pronto. Que talvez um dia a gente pudesse ter uma chance real.

— Carlos...

— Mas você não queria tempo, queria? — ele me cortou, a voz ficando mais dura — você queria vingança. Você queria me ver sofrer. Você queria que eu sentisse a mesma dor que você sentiu.

— Não é verdade! — disse me aproximando dele, tentando tocá-lo, mas ele recuou — eu não queria te ver sofrer, eu queria que você soubesse a verdade sobre quem o Raul realmente é!

— MENTIRA! — ele me empurrou com força — você queria que eu terminasse com ele. Você queria destruir o que eu tinha porque você não podia ter. Porque você não suporta me ver feliz com outra pessoa. Você é egoísta, Lucas. Sempre foi.

— Egoísta? Eu fui honesto com você! Eu disse que não estava pronto porque não queria te machucar!

— E você acha que isso não machuca? — Carlos perguntou com incredulidade, abrindo os braços — você acha que me deixar pendurado, me dar esperanças, ler meu diário inteiro sabendo de cada sentimento meu e depois simplesmente me rejeitar não machuca? E agora isso? Destruir meu relacionamento da forma mais suja possível? Isso não é machucar?

— Ele era garoto de programa, Carlos! Ele te enganou durante todo esse tempo!

— E VOCÊ NÃO ME ENGANOU? — Carlos gritou com toda força que tinha, o rosto vermelho — você fingiu que se importava, fingiu que me amava, leu meu diário todo, me deixou acreditar que talvez tivéssemos uma chance, e no fim das contas estava apenas guardando tudo pra usar contra mim! Pra me controlar!

— Eu não fingi nada! Eu te amo, porra!

— VOCÊ NÃO SABE O QUE É AMOR! — ele gritou de volta, vindo pra cima de mim — você não faz ideia do que é amor de verdade, Lucas! Porque amor não é egoísmo, amor não é posse, amor não é destruir a felicidade da pessoa porque você não tá pronto pra dar a sua!

— Eu sei o que é amor...

— NÃO SABE! — ele me cortou brutalmente — e sabe o que eu ouvi sobre você, Lucas? Sabe o que me falaram quando eu perguntei sobre você depois do nosso último encontro nas serras?

Meu sangue gelou, o que será que tinham contado?

— Que você tá vivendo uma vida completamente autodestrutiva — continuou Carlos, a voz carregada de desprezo e decepção — ficando com Deus e o mundo pelo Grindr, transando com gente que você nem sabe o nome, beijando qualquer um que aparecer na sua frente como se fosse um viciado procurando a próxima dose.

— Isso não é da sua conta!

— NÃO É DA MINHA CONTA? — ele riu com amargura — você leu meu diário, invadiu cada canto da minha alma, destruiu meu relacionamento, mas sua vida não é da minha conta? Você é hipócrita, Lucas!

— Eu fiz o que fiz porque você merece coisa melhor que o Raul!

— Você fez o que fez por pura vingança! — Carlos rebateu com firmeza — não tenta transformar isso em algo nobre. Você queria me ver sofrer, queria que eu sentisse o que você sentiu quando descobriu sobre mim e o Raul. E sabe o que é pior de tudo?

Ele pausou, me encarando com uma intensidade que me fez sentir pequeno.

— Você usou meu próprio pai contra mim. Você manipulou ele, plantou a semente da dúvida na cabeça dele, e fez ele ser o mensageiro da sua vingança. Você é covarde, Lucas. Nem coragem de vir falar comigo pessoalmente você teve.

— Eu não sou covarde!

— É SIM! — ele veio pra cima de mim, me encarando de tão perto que eu podia ver cada veia vermelha nos seus olhos de tanto chorar — você é covarde, é manipulador, é egoísta, é tudo que eu tentei ignorar porque te amava demais. Mas agora? Agora eu vejo você pelo que você realmente é.

— E o que eu sou? — perguntei, a voz saindo mais fraca do que eu queria.

— Um menino assustado que prefere destruir os outros do que enfrentar seus próprios demônios — disse Carlos com uma crueldade cirúrgica — você não me ama, Lucas. Você me possui. Você não quer me ver feliz, você quer me ver disponível para quando você decidir que tá pronto. Você quer que eu fique aqui, esperando eternamente por você enquanto você se destrói com estranhos.

— Isso não é verdade...

— Não é? — ele cruzou os braços, as lágrimas ainda escorrendo — então me responde uma coisa: por que você não veio falar comigo? Por que não me contou sobre o Raul diretamente, cara a cara, como um homem? Por que você teve que fazer esse teatro todo com meu pai?

— Porque... porque eu...

— Porque você queria me destruir da pior forma possível — ele completou — queria me fazer sofrer publicamente. Queria que meu próprio pai me desse a notícia. Isso é crueldade calculada, Lucas. Não é amor.

— Ele ficou com você nas minhas costas! Ele é um escroto!

— E você destruiu meu relacionamento nas minhas costas! — Carlos rebateu imediatamente — qual é a diferença? Por que você pode se vingar mas eu não posso seguir em frente?

— Não é a mesma coisa!

— É EXATAMENTE A MESMA COISA! — ele gritou — você só não enxerga porque você sempre se coloca como a vítima da história. O Luke te machucou? Sim. Mas já faz meses, Lucas! Em algum momento você vai parar de usar isso como desculpa pra ser um babaca?

— Eu não uso isso como desculpa!

— Usa sim! — Carlos apontou pra mim — você usa o trauma do Luke como desculpa pra tudo. Pra não ficar comigo, pra transar com estranhos, pra se comportar como um idiota. Em algum momento você vai assumir responsabilidade pelas suas próprias escolhas?

Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas nos encarando, ambos com os olhos cheios de lágrimas e raiva. A tensão no ar era tão densa que eu mal conseguia respirar.

— Sabe de uma coisa, Lucas? — Carlos disse finalmente, a voz cansada e derrotada — eu vim aqui achando que a gente poderia conversar de verdade. Que você poderia me explicar, que talvez... talvez a gente pudesse consertar isso de alguma forma. Mas olhando pra você agora, vendo essa pessoa em que você se transformou, eu percebo que não tem conserto.

— Carlos, por favor...

— Não — ele balançou a cabeça com firmeza — eu cansei. Cansei de te amar, cansei de te esperar, cansei de sofrer por sua causa. Você disse que não tava pronto pra ficar comigo? Ótimo. Porque agora eu que não tô mais pronto pra você. Nunca mais vou estar.

— O que você tá dizendo?

— Eu tô dizendo que acabou, Lucas. De verdade dessa vez — ele enxugou as lágrimas com as costas da mão, mas novas continuavam caindo — não tem mais volta, não tem mais espera, não tem mais nada entre a gente. Acabou.

— Não fala assim... a gente pode conversar, pode tentar...

— Tentar o quê? — ele me interrompeu — você teve sua chance de tentar. Teve várias chances, na verdade. E desperdiçou todas. Agora é tarde demais.

— Nunca é tarde demais, a gente pode...

— Lucas, para! — ele gritou — para de fingir que se importa! Você não se importa comigo, você se importa com a ideia de me ter. Você não quer um relacionamento comigo, você quer me manter como uma opção até você decidir que tá pronto. E eu não vou ser a opção de ninguém nunca mais.

— Eu não te vejo como opção...

— Então o que eu sou pra você? — ele perguntou diretamente — porque claramente não sou importante o suficiente pra você querer ficar comigo. Mas também sou importante demais pra você me deixar ser feliz com outra pessoa. Então o que eu sou, Lucas? Seu brinquedo? Sua propriedade?

Não consegui responder. As palavras morreram na minha garganta.

— É isso mesmo — Carlos assentiu, como se meu silêncio confirmasse tudo — eu sou só um troféu pra você. Algo que você não quer, mas também não quer que ninguém tenha.

— Não é assim...

— É exatamente assim — ele disse com tristeza — e sabe o que mais? Eu vou tomar outra decisão errada na minha vida. Vou cometer mais um erro.

— Do que você tá falando?

Carlos respirou fundo, como se estivesse se preparando para dar a notícia que mudaria tudo.

— Eu vou embora pra São Paulo — disse, e senti o mundo desabar ao meu redor.

— O quê?

— Vou terminar a faculdade lá — ele continuou, a voz firme apesar das lágrimas — já conversei com meu pai, já acertei a transferência, já comprei as passagens. Vou morar com meus tios. Vou na próxima semana.

— Não... não faz isso — senti minhas próprias lágrimas começarem a cair descontroladamente — por favor, Carlos, não vai embora...

— Por quê? — ele perguntou com uma crueldade desesperada — porque você vai sentir minha falta? Porque você não quer me perder? Bem-vindo ao clube, Lucas. É exatamente assim que eu me senti durante meses enquanto você me ignorava.

— Carlos, eu te amo, eu juro que te amo...

— Você não me ama — ele disse, cada palavra cortando como uma navalha — você ama a ideia de me ter. Mas não me ama de verdade. Porque se amasse, não teria feito o que fez. Se amasse, teria lutado por mim. Se amasse, teria me escolhido.

— Eu só preciso de mais tempo...

— TEMPO? — Carlos quase riu de desespero — quanto tempo, Lucas? Quanto tempo até você estar pronto? Um ano? Dois? Cinco? Dez? Você quer que eu espere a vida inteira por você enquanto você fica se destruindo em aplicativos de pegação e transando com estranhos?

— Não é assim...

— É EXATAMENTE ASSIM! — ele rebateu, a voz quebrando — você tá se escondendo atrás do trauma do Luke, usando isso como desculpa pra não assumir o que realmente sente. Você tem medo, Lucas. Tem medo de se entregar, tem medo de se machucar de novo, tem medo de ser feliz de verdade. E enquanto você tem medo, você destrói todo mundo ao seu redor.

— Eu não tô destruindo ninguém!

— Destruiu o Raul. Destruiu a mim — Carlos contou nos dedos — e sabe quem mais você tá destruindo? Você mesmo. Olha pra você, Lucas. Quando foi a última vez que você dormiu direito? Que você comeu uma refeição decente? Que você se olhou no espelho e gostou do que viu?

Eu não tinha resposta para isso. Porque ele estava certo. Eu não me reconhecia mais.

— Você tá se perdendo — continuou Carlos, a voz mais suave agora, quase triste — e eu não posso te salvar, Lucas. Por Deus, eu tentei. Eu tentei tanto te salvar. Mas você não quer ser salvo. Você quer afundar e arrastar todo mundo junto com você.

— Eu posso mudar... eu prometo que posso mudar...

— Não pode — ele disse com uma certeza que me despedaçou completamente — não enquanto você não quiser mudar de verdade. E você não quer. Você quer continuar sendo a vítima, continuar culpando o Luke por tudo, continuar usando isso como desculpa pra suas merdas.

— Carlos, por favor, não vai embora pra São Paulo... a gente pode tentar, eu prometo que vou tentar...

— Já decidi — ele disse, a voz voltando a ficar firme — eu vou na próxima semana. E quando eu for, quero que você me esqueça. Apaga meu número, me bloqueia nas redes sociais, deleta minhas fotos, finge que eu nunca existi. Porque é isso que eu vou fazer com você.

— Você não tá falando sério... você não pode estar falando sério...

Ele se virou pra mim uma última vez, e a expressão no rosto dele era de uma determinação que eu nunca tinha visto antes. Era o rosto de alguém que tinha tomado uma decisão definitiva.

— Eu tô falando mais sério do que nunca na minha vida — disse, cada palavra pesada como chumbo — você teve sua chance, Lucas. Na verdade, você teve várias chances. Inúmeras chances. E desperdiçou todas elas. Todas. Agora eu vou viver minha vida longe de você, longe dessa cidade, longe de tudo que me lembra você. E quem sabe, em São Paulo, eu finalmente consiga te esquecer. Consiga te arrancar do meu coração de uma vez por todas.

— E se eu for atrás de você? E se eu aparecer em São Paulo?

— Não vem — ele disse com uma frieza que me congelou por dentro — porque se você vier, eu juro por tudo que é mais sagrado que não vou nem abrir a porta. Não vou atender seu telefone, não vou ler suas mensagens, não vou olhar pra sua cara. Acabou, Lucas. A-CA-BOU. Não existe mais nós. Nunca mais vai existir.

As lágrimas escorriam pelo meu rosto descontroladamente agora.

— Não faz isso comigo... por favor...

— Você fez isso conosco — ele disse, apontando entre nós dois — não eu. Você escolheu vingança em vez de amor. Você escolheu destruir em vez de construir. Você escolheu machucar em vez de curar. E agora tem que viver com as consequências dessas escolhas.

— Carlos...

— Adeus, Lucas — ele disse, se virando para a porta.

— Espera! — gritei, tentando segurá-lo, mas ele se desvencilhou.

— Não me toca — disse sem olhar pra trás — você perdeu o direito de me tocar. Perdeu o direito de dizer meu nome. Perdeu o direito de estar na minha vida.

E com isso, ele abriu a porta e saiu, fechando-a atrás de si com um som que ecoou como um tiro na minha alma. Não bateu, não gritou, apenas fechou. E de alguma forma, aquele silêncio foi pior que qualquer grito.

Fiquei ali parado, sozinho na sala, com Thanos voltando devagar do quarto e se deitando aos meus pés, sentindo que ele também sabia que algo terrível tinha acabado de acontecer. As palavras de Carlos ainda ecoavam na minha cabeça como um sino fúnebre.

São Paulo. Ele ia pra São Paulo. Pra outro estado, pra longe de mim, pra uma vida completamente nova onde eu não existiria.

E pela primeira vez, a real magnitude do que eu tinha feito me atingiu em cheio. Não só tinha destruído o relacionamento dele com Raul - tinha destruído qualquer chance, qualquer esperança, qualquer possibilidade que a gente ainda pudesse ter juntos.

Carlos estava certo sobre tudo. Eu era egoísta, era manipulador, era covarde. Eu tinha usado meu trauma como desculpa pra fazer merda, pra machucar as pessoas ao meu redor, pra justificar ações injustificáveis. E agora ia pagar o preço final dessa vingança vazia: perder Carlos. Não pra outro cara, não por traição, não por distância física. Mas por minhas próprias escolhas, minhas próprias ações, minha própria crueldade calculada.

Ele ia pra São Paulo. Pra outra cidade, outro mundo, outra vida onde eu não teria lugar. E eu ia ficar aqui, sozinho, com o peso da minha vingança vazia e o gosto amargo da vitória que não significava absolutamente nada.

Me deixei cair no sofá e comecei a chorar. Chorei como não chorava desde o surto do Luke. Chorei por Carlos, por nós, pelo que a gente poderia ter sido e nunca seria. Chorei pelo diário que ele me deu, pelas palavras de amor que eu tinha lido e desperdiçado como se fossem lixo. Chorei pela última chance que eu tinha jogado fora por orgulho, por vingança, por puro egoísmo destrutivo.

Thanos subiu no sofá e deitou sua cabeça no meu colo, como se tentasse me consolar. Mas não havia consolo possível. Não havia palavras, não havia abraços, não havia nada que pudesse preencher o vazio que Carlos deixou ao sair por aquela porta.

E pela primeira vez em muito tempo, tive certeza absoluta de uma coisa que me destruiu completamente: eu tinha perdido o amor da minha vida. Não por azar, não por destino, não por circunstâncias. Mas por minhas próprias mãos. Eu tinha destruído a única coisa boa que tinha na minha vida.

E dessa vez, não havia mais volta. Não havia mais chances. Não havia mais nada.

Carlos ia embora pra São Paulo em uma semana.

E eu ia ficar aqui, sozinho, vivendo com o peso dessa perda pelo resto da minha vida.

O pior de tudo? Eu merecia cada segundo dessa dor.

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Comentários

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To com um aperto no coração, pois eu acho a química dos dois bem surreal. Mas o Carlos fez a palhaçada com o Lucas quando ele estava amando muito carlos, mas essa vingança do lucas foi muito baixa e mostra o quão imaturo ele é, não amadureceu em nada, teria várias outras formas dele chegar no carlos e falar sobre, pórem ele foi bem insentado nesse ponto. Um amor tóxico, mas o tempo cura e vermos nos proximos capítulos. maravilhoso esse capitulo, me senti agoniado.

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Eu acho é bem feito kkkkk, quem mandou ser um ótario egoísta. Ele quis julgar o diabo por ser GP...mas ele é igualzinho, só que ele dá de graça pra todo mundo. E Carlos é outro que merece se arrombar tbm...merecia sim a vingança, se Lucas não tivesse se vingado ele não sentiria a dor que ele sofreu, traídor tem que se arrombar mesmo. Cada teve o que merecia e é isso que importa...Mas meu desvio de caráter é amar eles juntos, não vejo a hora de ver o reencontro dos dois rsrsrs.

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CARALHOOOOOOOOOOOO LUKAS QUE CAPÍTULO FOI ESSE?!???! MEU DEUS Não consigo escolher um lado, sinceramente. Ambos estão errados. O Raul perdeu o namorado rico dele, e teve o que merecia, mas olha só o preço que o Lucas pagou? Que dor (Convenhamos que ele não soube planejar a vingança, né? Agiu na raiva e no impulso infelizmente.)

O Carlos um certinho (Um tanto quanto hipócrita também) que acha que ele e o Raul não mereciam se fuder pelo que fizeram. Ele também foi manipulador.

E ainda queria que o Lucas tivesse falado do segredo do Raul pra ele no instante que soube, sendo que eles estavam brigados 🙄 (?)

Enfim...

Realmente senti que o Carlos vai demorar a reaparecer, ou talvez nem apareça mais :'(

Tô muito triste. Ansioso demais pra ler a continuação, não demore a postar o próximo, pfvr ❤️

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