A Boceta de Pandora - Capítulo 11

Um conto erótico de Himerus
Categoria: Heterossexual
Contém 10107 palavras
Data: 13/10/2025 08:21:25

No Capítulo anterior:

Eu não sabia o que pensar. Débora falava com convicção, mas a perspectiva de que o relacionamento mais sólido da minha vida até então fosse uma fraude doía muito. Eu amei Ruth visceralmente, fui feliz com ela; como acreditar que fui um marionete em suas mãos? Enquanto Débora ligava seu laptop, eu me levantei e servi uma dose dupla de whisky. Bebi com uma talagada. A bebida, produzida muitos anos antes do meu nascimento, desceu rasgando. Servi outra dose, acho que quádrupla. Voltei para mesa e, com cara de pouco amigo, despejei:

— Não se preocupe com a minha dor; conte toda a história.

E ela contou.

Continuando:

Por três horas, ouvi Débora descrever como fui enganado por anos. Foi assustador; ela tinha provas e, por mais que eu não quisesse acreditar, tudo fazia sentido.

Sua explicação foi didática. Começou explanando que o básico para qualquer investigação ser bem-sucedida era reunir dados que permitissem entender o objetivo do investigado com suas ações. Para tanto, usualmente, o primeiro passo era “seguir o dinheiro”. Fazer um levantamento minucioso das contas. Foi exatamente isso que eles fizeram, mapearam absolutamente todo dinheiro que passou pelas contas de Ruth, desde dois anos antes de nosso casamento.

Débora abriu uma planilha que mostrava, mês a mês, todas as entradas e saídas de dinheiro, sua origem e destino. Não faço ideia de como eles conseguiram todas essas informações, mas tenho certeza de que não foi legalmente. Questionei se essas informações poderiam ser utilizadas no processo. Débora confirmou minhas suspeitas, elas não tinham valor legal, impaciente, chamou minha atenção:

— Chefinho, eu sei que a pancada foi dura, mas você precisa prestar atenção. Eu te falei que, nesse primeiro momento, o objetivo é entender o que motivou Ruth, descobrindo suas intenções escusas fica mais fácil produzir provas legais contra ela.

Ela tinha razão. Eu estava magoado, não estava pensando com clareza. Fiz um esforço enorme para colocar meus sentimentos de lado e pensar como o programador que sou.

Ruth sempre gastou muito, eu nunca me preocupei com isso, graças ao meu aplicativo dinheiro nunca foi problema. Sinceramente, fui negligente, eu deveria ter percebido que algo estava acontecendo. Lembro que as vezes ficava espantado com a capacidade da minha ex-esposa queimar dinheiro, raramente ela voltava para casa sem sacolas de lojas de grifes famosas. Eu achava que era uma forma de compensação por não ter tido acesso a produtos de luxo na sua adolescência.

Uma única vez eu a questionei. Foi em uma viagem a Paris. Eu estava no hotel enquanto ela fazia compras nos Champs-Élysées quando recebi uma ligação da administradora do cartão de crédito pedindo a confirmação de uma compra de trinta mil euros na loja Cartier. Pedi um minuto, coloquei a ligação em espera e, ao tentar ligar para Ruth, fui surpreendido pelo seu telefonema.

Irritada, ela reclamava que estava morrendo de vergonha, fez uma compra e o cartão não estava passando. Contei que, devido ao valor, eles ligaram pedindo a confirmação da compra. Ingenuamente, pedi para ela verificar com a vendedora, pois, provavelmente, ela digitou alguns zeros a mais.

Ruth virou um bicho, me chamou de mão de vaca entre outros adjetivos. Eu não estava entendendo, ela nunca tinha sido tão agressiva comigo. Perdi a compostura, respondi no mesmo tom. Conclui mandando ela a merda e desliguei o telefone.

Mesmo puto, até hoje não entendo por que, autorizei a compra. Algumas horas depois ela chega toda acabrunhada, deixa as sacolas no sofá (inclusive a da Cartier), e vem falar comigo. Pede desculpas, explica que ficou nervosa, foi humilhada pela vendedora. Por fim, ela disse que, se eu quisesse, devolveria o colar.

Acabei relevando, não queria que uma briga atrapalhasse nossa viagem. Acabei deletando esse episódio da minha memória.

Contudo, sob a luz das descobertas de Débora, um detalhe desse episódio iluminou meu córtex pré-frontal: eu nunca vi Ruth usando o tal colar. Contei para Débora, ela me perguntou a data e buscou na sua planilha as movimentações feitas.

Se eu ainda tinha alguma dúvida sobre o caráter da minha ex-esposa ela morreu quando olhei a planilha. Ruth recebeu um depósito da Cartier de vinte e seis mil euros em uma conta no seu nome em Malta, dois dias depois da compra do colar.

Débora me explicou que ela deve ter devolvido o colar e pagado uma “taxa” para a operação com o cartão de crédito não ser cancelada e o valor ser devolvido em uma conta corrente, algo usual em joalherias, onde mulheres convertem em dinheiro presentes de seus amantes endinheirados.

Passei horas descobrindo os vários esquemas criados por Ruth para sugar meu dinheiro ao longo dos anos. Tenho de admitir, ela foi criativa. Não perdoava nada, seja no supermercado ou em supostos reparos na casa, tudo era superfaturado ou, o mais comum em pequenos gastos, duplicado. Eu não percebia nada, preocupado com a constante atualização do software e em ampliar o número de clientes, deixava as contas da casa nas suas mãos. Minha sorte é que ela nunca teve acesso às finanças da empresa.

Repito, ela gastava muito, mas, em minha defesa, eu nunca liguei. Minha empresa era uma mina de ouro; quando a vendi, ela estava entre as vinte maiores empresas de tecnologia do mundo. Ruth não precisava trabalhar, nem de esquemas, era só pedir. Volto à pergunta inicial: por que ela fez tudo isso? Se foi por um homem, seu “verdadeiro macho”, quem é esse homem?

Débora abaixou os olhos e começou a falar:

— Eu sei que minha irmã te contou sobre sua iniciação sexual precoce e fora dos padrões da moralidade defendidos pela comunidade religiosa que frequentávamos. Ela não mentiu, mas omitiu muita coisa. Tenho certeza de que essa falta de escrúpulos vem dessa fase. Vou explicar, mas tenha paciência, tenho quero te contextualizar.

— Meu segundo nome é paciência. Pode falar.

E ela falou...

A maioria das pessoas acreditam que diferentes igrejas evangélicas são, essencialmente, a mesma coisa. Pode mudar uma coisinha ou outra, mas todas são espaços de culto, regido por um pastor e com princípios morais conservadores. Não importa a igreja que a pessoa frequente, para a sociedade ela é, simplesmente, um “crente”.

Nada mais equivocado. Existem igrejas com doutrinas das mais diversas, muitas delas totalmente liberais, incluindo clérigos assumidamente gays. Cada igreja possui suas particularidades.

A igreja que minha família frequentava não fugia à regra, suas particularidades a tornavam única.

O primeiro ponto que você precisa entender é que a igreja considerava sua doutrina, construída no início do século XX, atemporal e perfeita. Quem quisesse fazer parte da comunidade tinha que se curvar a ela. Costumes modernos, impensáveis quando de sua elaboração, eram considerados “ação do inimigo” contra a virtude dos irmãos.

Essa doutrina era martelada na cabeça das crianças desde a primeira infância, quando chegavam a vida adulta não conseguiam ver a vida fora da igreja, estavam prontos para reproduzir o mesmo com seus filhos.

Apesar dessa doutrina condenar as modificações da conduta e da moral, apoiada mais nos valores do judaísmo que do cristianismo, os fiéis, na sua maioria, não eram infelizes. O respeito e amor ao próximo, o senso de comunidade e, principalmente, a obediência ao Decálogo (os Dez Mandamentos), garantia uma segurança emocional que os tornavam confiantes, mesmo quando muito pobres. Em síntese, o fiel viviam em uma realidade paralela, descolado do que a doutrina chama de “mundo”.

Diferentemente da maioria das igrejas, nossa igreja não era comandada por um pastor. Os fiéis mais antigos e respeitados formavam um conselho de anciãos que decidiam tudo. Entre suas atribuições, duas se destacavam: julgar e punir os fiéis que atentaram contra a doutrina, e escolher o ministro da palavra, o encarregado de levar a palavra de Deus aos fiéis durante os cultos.

Até hoje tenho pesadelos com as punições que aconteciam vez ou outra. Os anciãos andavam sempre com uma vara de bambu, símbolo informal do seu poder, e a usavam para punir aqueles que contrariavam algum preceito doutrinário. Crianças e adolescentes eram suas maiores vítimas.

Outro aspecto interessante, para você entender como fomos criadas, é saber que a igreja proibia o namoro. Garotas e garotos não tinham contato uns com os outros. Quando completavam quinze anos, as garotas eram apresentadas à comunidade pela família como candidatas ao matrimônio; os rapazes, entre dezoito e vinte anos, na maioria das vezes, elegiam sua futura companheira, e seus pais propunham casamento ao pai da moça. Caso concordasse, ele informava a filha quem seria seu futuro marido. Normalmente, o casamento acontecia logo que a jovem mulher completava dezoito anos. Sexo era visto como algo funcional, e o prazer feminino, como um pecado.

— Puta que o pariu, não consigo entender como você e Ruth conseguiram se desvencilhar de tal armadilha. Não deve ter sido fácil...

— Realmente, não foi. Pelo menos para mim. A história de Ruth é outra...

— Continua, Débora. Desculpe-me por interrompê-la.

— Imagina. Interrompa sempre que achar necessário.

No ano que Ruth completou quatorze anos, meu pai tornou-se um ancião. Minha mãe estava animada; o novo status garantiria um noivo com mais recursos, um casamento que assegurasse uma vida mais confortável para sua filha mais velha. Meu pai, por outro lado, não tinha tempo nem disposição para pensar nisso; como ancião mais novo, era bombardeado com inúmeras tarefas, sem contar seu trabalho mundano para garantir nossa sobrevivência.

Uma dessas tarefas acabou por transformar a vida de nossa família.

A igreja vivia um grande problema, os três últimos ministros da palavra não conseguiram empolgar os fiéis. Em uma reunião exaustiva, de mais de cinco horas, o Conselho de Anciãos escrutinou todos os possíveis candidatos à função e não encontrou nenhum qualificado. A solução foi buscar em comunidades irmãs um possível candidato. Cartas foram enviadas, e muitos irmãos se candidataram. Depois de entrevistá-los, o Conselho selecionou quatro candidatos. Foi montado um cronograma: cada um deles deveria passar um fim de semana hospedado na casa de um ancião, participar de todas as atividades da igreja e ministrar a palavra no culto de domingo à noite.

No segundo fim de semana do cronograma, recebemos o irmão Mauro. Ele era do sul de Minas, com um jeito alegre e divertido; não demorou muito tempo para ganhar a simpatia da família. O mesmo aconteceu com a comunidade: ele cativou a todos. Os jovens gostaram do seu jeito alegre; os anciãos, do seu sermão recheado de ameaças aos pecadores. As mulheres da comunidade, mesmo sem falar, demonstraram com o olhar que gostaram da aparência do candidato a ministro da palavra.

Pode parecer contraditório, mulheres completamente reprimidas por uma doutrina opressora reparando nos atributos de um jovem macho, mas não é. O desejo pode ser reprimido, mas não suprimido. Inconscientemente elas reparavam que aquele mulato de vinte e sete anos, estatura mediana e muito musculoso, era um belo exemplar de macho. Mesmo sendo muito jovem e ingênua percebi, em vários momentos, senhoras casadas admirando o grande volume que sua calça social deixava entrever.

Depois de receber os outros candidatos, não foi surpresa para ninguém a escolha de Mauro como ministro da palavra.

Ele veio para São Paulo procurar uma casa para alugar. Não podia ser um imóvel caro, a ajuda de custo paga pela igreja era modesta. Como todos na comunidade, ele teria que ter uma outra fonte de renda para sobreviver. No sul de Minas, ele era empreiteiro, tinha uma equipe que construía casas do alicerce ao acabamento. Seu plano era pedir o apoio dos anciãos para fazer contatos com engenheiros e arquitetos e, depois de firmar o primeiro contrato, trazer parte de sua equipe para São Paulo. Enquanto isso, ele ia usar suas economias e a ajuda de custo da igreja para sobreviver.

Locar uma casa tornou-se um problema inesperado. Como não tinha carteira assinada, nenhuma imobiliária o aceitou como locatário. Foi então que meu pai teve a infeliz ideia de alugar a edícula do nosso sobrado para ele. Minha mãe não gostou da ideia; embora jovem, Mauro era viúvo, tendo perdido sua esposa em um atropelamento ao atravessar uma rodovia que cruzava a cidade onde moravam. Minha mãe argumentou que não era adequado um homem solteiro, que não era parente, morar na mesma casa em que viviam duas garotas. Meu pai concordou, mas apresentou uma solução: ele, com a ajuda de Mauro, construiria um muro para isolar a edícula e o corredor direito da casa, garantindo sua autonomia e silenciando os maledicentes. Minha mãe gostou da ideia; ela, como todos na comunidade, tinha se afeiçoado ao novo irmão.

Rapidamente o muro foi construído e Mauro mudou-se.

Tudo parecia correr bem, ele fechou dois contratos, trouxe alguns homens da sua antiga equipe, mas nós nunca os víamos. Eles saíam cedo e ao voltar tomavam banho, comiam e iam dormir. Nos finais de semana voltavam para suas casas no sul de Minas, todos eram casados e faziam parte da igreja onde Mauro fora criado.

Nossa comunidade estava feliz com o novo ministro da palavra. Ele superou em muito as expectativas. Passou a organizar cultos em praça pública para evangelizar, atraiu muitos novos fiéis. Os anciões, inclusive meu pai, eram só elogios ao mineirinho.

Tudo começou a mudar na apresentação da minha irmã. Ela foi, sem sombra de dúvidas, a garota mais bonita do ano. Meus pais, felizes, receberam seis propostas de casamento, uma delas do filho único de um irmão que era dono de quatro postos de combustível. A maior fortuna na comunidade.

Minha mãe não cabia em si de tanta felicidade, já fazia planos para o casamento. Apesar de meu pai, por respeito às famílias que fizeram as propostas, ainda não ter formalizado o acordo, simulando estar estudando as possibilidades, todos na comunidade davam como favas contadas o casamento de Ruth com Matheus.

Todos estavam felizes, menos a maior interessada. Ruth tentava disfarçar, mas, para mim, que a conhecia muito bem, estava claro que ela não fazia gosto no casamento. Eu não entendia, o garoto era de uma boa família, herdeiro de um senhor patrimônio e, para completar o pacote, era um gato. Matheus tinha dezenove anos, era alto, loiro, olhos azuis e fazia administração de empresas na USP. Era o pretendente dos sonhos!

Uma semana depois, quando meu pai já pretendia marcar um jantar com a família do escolhido, surge um novo pretendente. Mauro, treze anos mais velho que Ruth, faz a proposta ao meu pai.

Apesar de gostar muito do ministro da palavra, meu pai já tinha feito sua escolha. Tentando ser o mais polido possível, ele explicou que preferia que a filha se casasse com um irmão de idade parecida. Agradeceu, disse que a família se sentia honrada com a proposta, mas declinou.

Eu e Ruth ouvimos tudo, escondidas. Quando Mauro foi embora, ela começou a chorar. Sua expressão mudou, invadiu a sala e, pela primeira vez na vida, confrontou meu pai. Aos prantos, disse que não queria se casar com Matheus, que ela só se casaria se fosse com Mauro.

A discussão foi feia. Meus pais até tentaram mostrar as vantagens do casamento com Matheus, mas ela não aceitava, quando falou que amava Mauro minha mãe surtou, deu um tapa na sua cara e foi taxativa, ela ia casar com quem seu pai mandasse.

Ela acabou cedendo. Por precaução, meu pai adiou o convite, querendo ter certeza de que a filha não contestaria sua decisão.

Tudo parecia ter voltado à normalidade, se considerarmos normal o pai escolher o marido para filha de quinze anos...

Mas minha família é complicada. Três dias antes do jantar, minha mãe, a maior entusiasta do casamento de Ruth com Matheus, questionou meu pai. Lembro-me como se fosse ontem, minha mãe falando que talvez fosse melhor deixar Ruth casar com Mauro, ela gostava dele e ele era respeitado na comunidade. Meu pai ficou indignado, como ela se atrevia a questionar sua decisão.

Pela primeira vez vi meus pais brigando. Minha mãe, contrária a tudo que aprendemos, argumentou, chorou, implorou e até ameaçou. Ela, do nada, passou a defender Mauro. Ruth ouvia tudo com um sorriso no rosto. Não demonstrava surpresa, sabia de algo.

As surpresas continuavam. Transtornado com a briga, meu pai ligou para os pais de Matheus e adiou o jantar. Mentiu, dizendo que seu chefe o convocou para uma viagem de trabalho urgente. A viagem realmente aconteceria, mas no dia seguinte ao jantar. Foi a primeira vez que vi meu pai mentindo.

Para não ser desmascarado, ele viajou no dia seguinte à discussão.

Eu não estava entendendo nada. Minha mãe e Ruth ficavam conversando baixinho e, quando eu chegava perto, elas se calavam. Algo estava acontecendo, e eu acabei descobrindo da pior maneira possível.

Rodolfo, por ser uma menina ingênua, que não tinha malícia, acabei sendo pivô de uma história tenebrosa. Ruth te contou que perdeu a virgindade com o ministro da palavra, que teve um caso com um missionário, mas ela omitiu muita coisa.

Toda quinta-feira eu saia da escola, almoçava na casa da Márcia, uma amiga da igreja, e depois íamos ajudar na limpeza do templo. Só voltava para casa no final do dia. Entretanto, um jogo de basquete na aula de educação física na escola mudou minha vida. Eu me machuquei feio, meu joelho inchou muito, quase não conseguia andar. Mesmo assim, sob os protestos de Márcia, eu teimei em ir para igreja. Fui mancando, meu joelho continuava inchando. Ao chegar na igreja, chorava de dor. Dona Maria, mãe de Matheus, vendo como eu estava, queria me levar para o hospital, mas antes ligou para minha mãe. Ninguém atendeu. Concluiu que ela devia ter saído, me colocou no carro e fomos para o hospital. Fiquei internada por duas horas, não quebrei nada, mas tive que tomar soro, anti-inflamatório e um forte remédio para dor. Acabei cochilando; quando acordei, o joelho já estava melhor, não sentia tantas dores. Recebi alta.

Dona Maria, solicita, se ofereceu para me levar para casa. Entramos no carro e fomos. Eu, por conta dos remédios, estava sonolenta, quando chegamos ela me mandou esperar e foi chamar minha mãe para ajudar. Voltou logo depois, não tinha ninguém em casa. Perguntou se eu tinha a chave. Eu disse que não , mas que tinha uma cópia escondida dentro de um vaso de samambaia na varanda da edícula. Expliquei que era só abrir o portão na lateral da casa, seguir o corredor. Fechei os olhos e fiquei esperando. Dona Maria voltou completamente alterada. Nervosa, com o rosto sem cor, pegou a bolsa e gritou para que eu não saísse do carro. Atravessou a rua, foi até um orelhão e fez uma chamada. Acho que foi rápido, não me lembro direito, eu cochilei novamente. Quando acordei ela estava dentro do carro, chorando e clamando aos céus por justiça. Não entendi nada, estava assustada.

Pouco depois um carro estacionou atrás de nós. Quatro homens desceram, reconheci o motorista, era o marido de dona Maria, ancião da igreja como meu pai. Conforme os outros homens foram entrando no meu campo de visão eu os fui reconhecendo, todos eram anciões da igreja e portavam suas temidas varas. Achei que eles viriam conversar conosco, mas não foi o que aconteceu, dona Maria apontava o corredor com gestos desesperados, os homens simplesmente seguiram sua indicação, indo para edícula onde Mauro morava.

Ouvi minha mãe gritando.

Sem entender, com dificuldades para andar, desci do carro e fui em direção à edícula. Dona Maria tentou me impedir, mas não conseguiu. Eu imaginava que minha mãe estava em perigo.

Quando cheguei à edícula, vi o que nenhuma menina deveria ver. Os anciãos usavam suas varas para espancar Mauro, o missionário, minha mãe e Ruth. Os quatro estavam pelados.

Desmaiei. Não sei se foi por conta dos remédios ou do choque. Quando acordei, estava em um quarto desconhecido, numa cama gigante, macia e coberta por um edredom muito confortável. Por um momento, senti-me perdida; não lembrava o que tinha acontecido, mas, aos poucos, fui recordando, desde o acidente na escola até a cena bizarra na edícula de casa. O desespero tomou conta dos meus pensamentos; eu precisava encontrar minha família, saber se estavam bem. Não me passava pela cabeça que minha mãe e minha irmã estavam nuas por vontade própria; a única explicação possível era Mauro e o missionário terem “feito mal” à elas. Tentei me levantar, senti uma dor absurda no joelho, perdi o equilíbrio e caí da cama, gritando de dor.

Dona Maria entrou no quarto e me ajudou a voltar para cama. Me deu um comprimido para dor e ficou ao meu lado me confortando até a dor diminuir. Acabei dormindo novamente; quando acordei, meu pai estava ao meu lado.

Carinhoso, perguntou como eu estava, se a dor diminuiu e se queria comer algo. Apesar da sua aparente preocupação com meu bem-estar, notei que ele estava no automático, não me olhava nos olhos, parecia distante. Precisei falar três vezes que queria ir ao banheiro, seu corpo estava no quarto, mas seus pensamentos não.

Dona Maria me ajudou a ir ao banheiro, aproveitei para tomar banho. Com medo de que eu caísse, dona maria ficou no banheiro. Perguntei o que tinha acontecido na edícula e onde estava minha mãe e minha irmã. Dona Maria, visivelmente constrangida, disse que não cabia a ela contar o que aconteceu e que não sabia do paradeiro da minha mãe e irmã, mas que meu pai me explicaria tudo.

Depois do banho e de uma refeição leve, meu pai agradeceu a hospitalidade de Dona Maria e seu esposo e fomos para casa. O trajeto foi vencido sem meu pai proferir uma única palavra.

Ao chegar em casa, fui surpreendida com a palavra “PUTAS” pichada em letras garrafais no nosso muro. Meu pai já devia ter visto, pois não demostrou surpresa. Entrei chamando por minha mãe e minha irmã, foi inútil, a casa estava vazia.

Meu pai, sem tocar no assunto, me levou no colo até meu quarto. Depois de me colocar delicadamente na cama, buscar travesseiros para me deixar minimamente confortável, se sentou em uma cadeira e explicou o que estava acontecendo.

Minha mãe era amante do missionário há meses. Mauro sabia e, no início, acobertava o adultério. Não demorou muito para ele exigir participar das festas. Minha mãe resistiu, mas não tinha escolha, ele a fotografou chupando a rola do missionário e ameaçou mostrá-la para meu pai.

Ela passou a ser o brinquedo dos dois canalhas. O inusitado é que ela acabou preferindo transar com Mauro, descobriu os prazeres de ser preenchida por um superdotado. Não ficava um dia sem meter com um dos amantes, tornou-se comum transar com os dois, aprendeu a gostar de sexo anal.

Enquanto isso acontecia, Mauro começou a seduzir Ruth. Ela era fogosa, seus hormônios estavam explodindo e Mauro sabia o que falar, como avançar e onde tocar. Não demorou muito e as carícias avançaram. Ruth descobriu o orgasmo com os dedos e com a língua do ministro da palavra. Ele não tinha pressa, comia a mãe e deixava a filha louca de tesão. O que ele não imaginava é que Ruth tinha pressa, ela queria sentir dentro do seu corpo aquela rola que ela já acariciava e chupava.

Um dia, depois de ser chupada, pediu para ele deitar e subiu em cima do macho. Ficou deslizando a enorme rola do mineiro por seus lábios vaginais, como já tinham feito outras vezes. Curtindo o momento Mauro só percebeu o plano da garota quando era tarde demais. Ela posicionou a cabeça na entrada do seu canal vaginal e soltou o corpo. Entrou metade, destruindo o cabaço, Ruth, mesmo com dor, forçou a penetração, entrou tudo. Mauro não acreditava, poucas mulheres aceitaram toda sua rola, minha mãe mesmo só aguentava um pouco mais da metade.

Uma virgem aceitar tudo e gozar, sim Ruth gozou empalada pelo ministro, era algo inusitado. Mauro passou a olhar Ruth com outros olhos, se apaixonou e queria casar com ela.

Passaram a transar todo dia.

Dois acontecimentos mudaram a dinâmica promíscua que se instalou na minha família. O missionário descobriu que Ruth estava dando para Mauro. Não pensou duas vezes, ele também queria degustar a ninfeta. Por mais que Mauro repudiasse a ideia, acabou tendo de aceitar, se minha mãe ou meu pai descobrissem, ele não teria chances de casar com Ruth.

Ruth chorou muito, mas acabou concordando. O engraçado é que ela acabou gostando. Mauro tentou comer seu cu muitas vezes, mas não conseguia. O missionário, com um pau menor, rompeu as pregas da minha irmã. Ela adorou sexo anal e, em pouco tempo, já aceitava a rola de Mauro no seu buraquinho.

Quando Ruth foi apresentada para igreja ela estava com porra no cu e na buceta, o que não impediu seis famílias a requisitarem sua mão para seus filhos.

A alegria da minha família com a possibilidade de Ruth casar com Mateus entristeceu minha irmã e seu amante.

Mas Mauro tinha um plano. Explicou para Ruth que a única maneira de impedir o noivado seria chantageando sua mãe. Ela não entendeu, eles não tinham nada que comprometesse sua mãe, como chantageá-la? Mauro, impávido, disse para deixar com ele. Cabia a ela dizer que não queria casar com Matheus. Quando Mauro foi conversar com meu pai ele já sabia que ela faria um escândalo. Eles precisavam de tempo.

Mauro foi esperto, contou para Ruth que minha mãe era amante do missionário, e, ele fez o mesmo que o amigo, exigiu transar com ela para ficar de boca calada. Ruth só acreditou quando viu a foto.

Armaram um plano, ela ia flagrar a putaria e exigir que a mãe a apoiasse nas bodas com Mauro.

Tudo correu como previsto, ela entrou na edícula e viu minha mãe de quatro sendo enrabada enquanto mamava a rola de Mauro. Fez um escândalo. Gritou, ofendeu a mãe com os piores nomes. Minha mãe chorando, pedindo para filha não contar nada.

Ruth era nova, mas já era maquiavélica. Quando percebeu que mamãe estava em suas mãos, impôs suas condições. Sem escolha, ela aceitou. Mas Ruth queria mais. Mandou-a chupar o pau de Mauro. Mamãe tentou protestar, mas não tinha forças. Mamou até o caralho ficar duro como pedra. Ruth a mandou se afastar, olhou nos seus olhos e falou que aquela rola era dela, que só ela sabia como satisfazê-la. Pediu para Mauro deitar no chão, se posicionou em pé sobre ele e levantou a saia. Ela não vestia calcinha. Desceu e colocou a cabeçorra na entradinha. Minha mãe, desesperada, pedia para ela não fazer isso, que ela tinha que casar virgem. Ruth riu e sentou. Engoliu os 23 cm de uma vez. Minha mãe olhava sem acreditar no desembaraço com que ela subia e descia, na intensidade do seu gozo.

Depois do choque inicial tudo foi dito. Minha mãe passou a defender o amor da filha por Mauro, como você já sabe.

Obviamente meu pai não me contou tudo isso, a maior parte das informações eu consegui com Ruth e minha mãe anos depois, mas só consegui montar o quadro completo quando encontrei o missionário com sua família em férias na serra gaúcha, ameacei contar a história para sua esposa, crente fervorosa, se ele não me contasse tudo que ele sabia.

O mais louco dessa história é que só não deu certo por conta da luxúria dos quatro. Eles não resistiram, fizeram uma suruba no outro dia. Gostaram tanto que combinaram fazer outra quando eu e meu pai não estivéssemos. Foram pegos por conta do meu acidente e da boa vontade de Dona Maria em me ajudar.

Meu pai estava arrasado. Contou que mamãe e Ruth fornicaram com o ministro da palavra e o missionário. Todos foram castigados pelos anciãos. Elas foram expulsas da igreja e ele não pode continuar como ancião.

Muita coisa mudou, não tínhamos notícias de mamãe e Ruth, meu pai estava um trapo, era hostilizado por vizinho, colegas de trabalho e até por irmãos de fé. Várias vezes picharam “corno” no nosso muro. A gota d’água foi um comentário ofensivo que ele ouviu de um ancião. Paramos de ir à igreja.

Seis meses depois do escândalo, minha mãe entrou em contato. Pediu para conversar. Meu pai não queria, mas a saudade da filha falou mais alto. O problema era onde se daria o encontro, na nossa casa era impossível, a vizinhança não daria sossego. Marcaram em Santos, na casa do meu falecido avô paterno. Ela estava à venda com todos os móveis, mas não tinha ninguém morando lá.

No dia marcado, descemos a serra. Abrimos a casa para ventilar e esperamos. Quando chegaram, foi um choque. Minha mãe estava diferente, vestindo um vestido comportado, mas mais curto que o que costumava usar, uma discreta maquiagem, que ela nunca usou, e com os cabelos pintados de loiro. Minha irmã vestia uma blusa que deixava sua barriga à mostra e calça jeans.

Rodolfo, nós nunca tínhamos usado calças jeans, a doutrina da igreja impunha saia e vestidos para mulheres.

Meu pai mudou de cor. Questionou o visual “mundano”, mas minha mãe foi rápida. Disse que não fazia sentido continuar respeitando as regras de uma igreja que as expulsou por ter errado e, pior, humilhou-o sem que ele tivesse feito nada contra os dogmas.

Chorando, pediu perdão, assumiu que pecou, que o diabo, através do Mauro e do missionário, conseguiu desviar ela e Ruth do caminho da salvação. Se colocou de joelhos e implorou por piedade, prometeu nunca mais se desviar do caminho, que procurariam outra igreja para congregar.

Minha irmã também chorava, mas, sei lá, parecia algo falso, ensaiado.

Meu pai, fragilizado, também chorou. Acabou aceitando a esposa de volta, mas impôs algumas condições. Eles teriam que se mudar, só voltariam para nossa casa quando o assunto esfriasse e, o mais importante, ele a perdoava, mas ela estava suja, eles nunca mais teriam relações sexuais. Ela aceitou. Nesse momento, vi um sorriso irônico no rosto de minha irmã.

Moramos por dois anos em um bairro distante. Começamos a frequentar outra igreja, parecida com a nossa, mas muito mais liberal.

Aos poucos as coisas foram voltando ao normal. Meus pais tinham um relacionamento formal, não muito diferente de antes. Eu e Ruth sabíamos que um casamento arranjado estava descartado, passamos a nos dedicar muito aos estudos.

A igreja era interessante, mas, aos poucos, eu e Ruth deixamos de frequentar. A desculpa eram os estudos, mas na verdade, eu sentia falta da antiga igreja e Ruth perdeu a fé. Longe de meus pais ela culpava as regras da igreja pela tragédia que se abateu sobre nós.

Voltamos para nossa casa no ano em que Ruth se preparava para o vestibular. Não foi fácil, os vizinhos não falavam conosco, mas, aos poucos, novas relações foram construídas, principalmente com pessoas que não eram irmãos de fé.

Um dia, no supermercado, encontrei Dona Maria. Ela me abraçou e, carinhosa, me chamando de menininha, me convidou para comer um pedaço de bolo.

Fomos até uma confeitaria próxima, contou as novidades, Matheus casou, terminou a faculdade e estava trabalhando com o pai. Contou também que a maioria das minhas amigas tinha casado ou estavam com casamento marcado. Fez algumas fofocas e perguntou como nós estávamos.

Fui sincera. Contei que meu pai perdoou minha mãe, mas que impôs condições, que estávamos frequentando outra igreja e que eu e Ruth estávamos focadas nos estudos para entrar em uma boa universidade.

Surpreendentemente, ela passou a elogiar meu pai, disse que a comunidade foi injusta com ele, que não agiu com amor cristão, afinal ele também foi uma vítima. Apesar de ser contra mulheres frequentarem universidades, disse que, diante das circunstâncias, nosso projeto era a melhor saída possível. Não tocou no nome da minha mãe em nenhum momento. Por fim, um pouco antes de nos despedirmos, perguntou se meu pai não tinha saudades da igreja. Diante da minha resposta positiva, abriu um sorriso.

Duas semanas depois, meu pai comunicou que foi procurado pelos anciãos. Pediram para ele retornar à comunidade, pois perceberam que não foram justos com ele e sua família; afinal, a culpa pelo acontecido não era dele, mas de Mauro e do missionário, que usaram da ingenuidade e da propensão ao pecado natural das mulheres, como diz a Bíblia, para seduzi-las. Ele aceitou voltar. Feliz da vida pediu para jogarmos fora as roupas que não eram aprovadas pela igreja e maquiagem.

Minha mãe e Ruth abaixaram a cabeça em concordância. Eu, pela primeira vez, confrontei meu pai. Disse que, por mais que gostasse da igreja, por mais saudades que tivesse, não iria voltar. Argumentei que eu e, principalmente Ruth, nunca seríamos escolhidas por um varão como possível esposa, que tínhamos que continuar estudando para ter uma profissão. Gostar ele não gostou, mas acabou aceitando. Ele sabia que meus argumentos eram lógicos.

Meus pais voltaram à comunidade, aos poucos foram aceitos, como o filho pródigo.

Eu e minha irmã íamos raramente, só em ocasiões especiais.

No fim do ano Ruth entrou na USP, passou a trabalhar com revisão acadêmica e frequentar uma igreja em Santana.

Um ano depois foi minha vez, fui aprovada no vestibular. Estudava e trabalhava em um escritório de contabilidade. Não queria saber de igreja.

Meu pai não gostava de ter filhas universitárias, não era um bom exemplo para as moças da igreja. Nossa relação se tornou tensa; quanto mais autonomia eu tinha, menos ele gostava. Com Ruth, foi pior: ela passava dias hospedada na casa de colegas de classe, alegando que precisava usar o computador para seus trabalhos. Meu pai não gostava nada, vivia brigando com ela, mas o pior era a cumplicidade com minha mãe. Uma vez, ouvi-a dizendo que sabia muito bem o que ela estava fazendo fora de casa, que ela fosse cuidadosa para o pai não acabar descobrindo e, principalmente, que ela tomasse muito cuidado para não engravidar.

Eu fiquei chateada ao saber que minha irmã estava dando e com a cumplicidade de minha mãe. No fundo eu acreditava no que os anciões falaram, que elas tinham sido vítimas.

Mas foi muito bom ouvir o que ouvi. Abriu minha cabeça. Eu estava namorando escondido um colega de classe. Começou com um beijo roubado que mexeu comigo. Quase todo dia ele me dava carona, nossos amassos, aos poucos, evoluíram de pequenos toques para carícias mais ousadas. Ele me ensinou a gozar ao massagear minha pepeca e chupar meus seios. Eu vivia em uma confusão de sentimentos. Ao mesmo tempo que estava adorando descobrir os prazeres que meu corpo podia me proporcionar, minha consciência pesava. Ouvir minha mãe falando para Ruth “tomar cuidado”, mas sem condenação, foi libertador. Fui a um ginecologista, passei a tomar pílula e, dois meses depois de ouvir essa conversa, perdi minha virgindade com meu namorado.

- Engraçado como as coisas funcionam, sem a hipocrisia da sua mãe, provavelmente você, mesmo com tesão, teria demorado um bom tempo para trabalhar o conflito entre o desejo e a culpa.

- Com certeza! Eu pensava seriamente em parar de sair com meu namorado, o peso da culpa era muito grande.

- Continua, eu prometo não interromper.

- Não tem problema, suas interrupções são pontuais, objetivas, você está sendo um ótimo ouvinte.

Bom, continuando. Entretida com minha sexualidade, estudando com afinco e trabalhando muito, passei a ficar cada vez menos tempo em casa. Minha mãe dizia que nossa casa tinha virado uma pensão, eu e Ruth saíamos cedo e voltávamos por volta da meia-noite. Os finais de semana eram tensos. Meu pai não deixava que saíssemos sábado à noite e, muito menos, no domingo, “dia do Senhor”.

Eu trabalhava no sábado pela manhã e passava a tarde na república onde meu namorado morava. Respeitava a vontade do meu pai e não saia à noite e no domingo. Aproveitava para estudar. Já minha irmã, usando a igreja que frequentava como desculpa, ia no grupo de jovens no sábado à noite e, no domingo, ao ensaio do coral no meio da tarde e ao culto no começo da noite. Eu imaginava que era mentira, mas não me metia, não queria confusão com minha mãe, que apoiava a vida religiosa de Ruth.

Como você disse, “é engraçado como as coisas funcionam”. Em uma quarta-feira, véspera de feriado prolongado, logo que cheguei ao escritório, fui abordada por meu chefe. Um dos nossos melhores clientes não tinha rubricado a solicitação de parcelamento de tributos municipais que estávamos intermediando; era o último dia para protocolar o processo. Não tive tempo nem de deixar minhas coisas na mesa; ele me passou uma pasta, explicou onde deveria ser rubricado, onde o cliente estaria e me mandou ir o mais depressa possível.

Por sorte, o percurso poderia ser feito de metrô. O cliente estaria em um depósito próximo ao Terminal Rodoviário Tietê. Demorei meia hora para chegar, e o cliente não estava lá. Seu funcionário informou que houve um roubo de carga em Franco da Rocha, que ele e o agente de seguros foram resolver o problema. Ligou, informando que chegaria após o almoço. Comuniquei meu chefe, que me mandou esperar.

Como você sabe, aquela região é complicada, principalmente para uma mulher sozinha. Resolvi entrar no terminal rodoviário para matar o tempo. Circulei por todo o terminal, tomei um café, li as manchetes dos jornais do dia na livraria, olhei algumas lojas. Enrolei por cerca de uma hora, mas o tempo não passava. Entediada, sentei-me em um banco e comecei a observar as pessoas que passavam. Reparei em uma moça com uma calça jeans linda, de uma famosa grife italiana. Já tinha visto aquela calça em uma loja no shopping Iguatemi; era absurdamente cara, quase o valor do meu salário. Um produto para mulheres abastadas. Contudo, a garota que vestia a calça não aparentava ser rica, usava um par de tênis popular e uma blusinha com sinais de que já viu dias melhores. Provavelmente, a calça era uma réplica.

Corri até a moça e, na maior cara de pau, perguntei onde ela tinha comprado aquela calça maravilhosa. A garota foi muito simpática, me contou que comprou em uma loja de réplicas perto da estação Santana.

Resolvi meu problema, ia usar o tempo livre para comprar a calça dos meus sonhos. Usando o metrô, em menos de cinco minutos eu estaria em Santana.

Fui às compras! Encontrei a loja e fiz a festa. Comprei duas calças, três blusas e uma bolsa. Saí da loja com a alma lavada, mas com fome. Compras, como sexo, é muito bom, mas abre o apetite!

- Não concordo. Se fosse verdade, Ruth teria obesidade mórbida!

- Muito bom saber que seu senso de humor está afiado, mas deixe-me terminar.

Desculpe, Débora, mas não aguentei. Continue.

- Entrei em uma padaria. Enquanto bebia meu suco de laranja e comia um bauru, um moço distribuía panfletos e bençãos para os clientes. Olhei o panfleto e reconheci o nome da igreja, era a que Ruth frequentava. Curiosa, pensei em ver a misteriosa igreja, perguntei ao balconista se era longe. A resposta foi negativa, apenas duas quadras de distância.

Peguei minhas sacolas, os documentos e fui.

A igreja ficava em um antigo depósito industrial. Era grande, com uma fachada que mais parecia um comércio. O destaque era o nome, em neon, “Igreja Dos Crentes Em Jesus”. As portas, ladeadas por colunas, estavam fechadas, mas ao lado de cada coluna havia um display retroiluminado, um deles informava os horários dos cultos e outras atividades, o outro tinha a foto do pastor da igreja e seu nome: Reverendo Mauro Boanerges. Sim, o ministro da palavra que desencadeou todos os problemas que te contei. Ruth continuava a se encontrar com Mauro.

- Puta que pariu! Eu não acredito que ela manteve um relacionamento com esse sujeito; ela me falou que foi somente no início do colegial, que ele era um canalha.

Era, de fato, um canalha, e ela também. Afinal, continuou a se encontrar com ele; ela nunca o deixou, mesmo quando casada com você. Com quem você acha que ela casou depois de se divorciar de você?

- Sinceramente, eu devo ser muito otário. Eu acreditei que ela me amava, que éramos o casal perfeito e, na verdade, eu era apenas um estepe. Tudo bem, ela tinha uma ligação muito forte com Mauro; por que então não ficaram juntos? Eles eram livres e desimpedidos. Não consigo entender.

- Eu te explico: quando voltei para casa, sabia que não podia contar para meu pai; ele iria surtar e impor lei marcial, colocando em risco a liberdade que tinha conseguido estudando e trabalhando. Também não podia contar com minha mãe; provavelmente ela sabia e acobertava. Sobrava confrontar minha irmã, e foi o que fiz.

Ruth devia ter tentado a carreira de atriz. Quando contei que sabia quem era o pastor da igreja que ela frequentava, ela chorou como uma carpideira. Implorou para eu não contar para nossos pais. Como já disse, ia contra meus interesses abrir o bico, mas ela não sabia. Propus um acordo: se ela me contasse tudo que estava acontecendo, eu não falaria nada. Ela aceitou e fez um relato de tudo, desde como começou a ficar com Mauro, passando pelo flagra, os meses em que ela e minha mãe viveram sozinhas, a reaproximação com o amante e o que estava acontecendo depois que entrou na universidade.

Na época, acreditei em tudo que ela disse. Hoje, graças à conversa com o missionário e aos dados que estamos amealhando, sei que ela mentiu bastante.

O que vou te contar é o mais próximo da verdade que cheguei. Minha mãe tinha uma poupança escondida do meu pai, dinheiro que ela foi desviando das contas da casa ao longo dos anos. Algo parecido com o que Ruth fez com você, mas em menor escala. Mesmo assim, era um valor considerável, o equivalente ao preço de um carro médio zero quilômetro. Elas alugaram uma kitnet, Ruth mudou de escola e minha mãe, com ajuda do missionário, conseguiu um emprego de vendedora. No primeiro mês, Mauro sumiu, ninguém sabia seu paradeiro. O missionário frequentava a kitnet quase diariamente. Através dele, que dizia manter contato com uma mulher casada da igreja que também era sua amante, elas ficavam sabendo o que estava acontecendo comigo e com meu pai. Sem constrangimento nenhum, contou que ela e minha mãe continuavam a foder com ele. Às vezes juntas, às vezes separadas. Lembro como se fosse hoje: ela olhou nos meus olhos e disse que não conseguia ficar sem dar, que era mais forte que ela. Eu não reconhecia minha irmã; sem travas na língua, ela continuou, falou que a rola do missionário não era tudo isso, que não tinha comparação com a de Mauro, mas era melhor que nada.

Um dia, sem prévio aviso, Mauro aparece na kitnet. Contou que, como seus contratos de construção eram com irmãos da igreja, ele perdeu sua principal fonte de renda. Sem opções, voltou para sua cidade natal, onde não foi bem recebido. Todos já sabiam da história.

Foi aí que ele começou a pensar em um plano para se reerguer e, ao mesmo tempo, voltar a congregar, algo que ele gostava e sentia falta. Ele ia abrir uma igreja.

Vendeu todos os seus bens e voltou para São Paulo. Tinha que amadurecer a ideia.

Por três meses morou na kitnet. Comia minha mãe e Ruth, faziam verdadeiras orgias junto com o missionário. Não demorou muito e outras pessoas começaram a participar. O primeiro foi o patrão da minha mãe, amigo do missionário, ele passou a ser um convidado frequente. Sem contar que ela passou a fazer um boquete diário para o patrão no serviço. Ruth contou que fodeu com seis amigos de seu amante nesses três meses. O missionário me contou que foram mais de dez, que elas estavam viciadas em dupla penetração. Minha mãe, toda puritana, chegou a ficar uma semana sem trabalhar depois de dar o cu para quatro na mesma noite. Duas mulheres também frequentavam a kitnet. O patrão da minha mãe tinha um relacionamento liberal, levou sua mulher várias vezes para as festinhas. Foi o primeiro contato de Ruth com o mundo liberal, ela achou o máximo, um marido que permitisse que a esposa transasse com quem quisesse. Um detalhe interessante, foi essa mulher que introduziu minha mãe e irmã no mundo de Lesbos. As safadas aprenderam rápido a chupar uma buceta e gostaram. O missionário contou que, algumas vezes, minha mãe transou com Ruth. A segunda mulher era a irmã Renata, a amante do missionário. Casada com o neto de um ancião, Renata era uma mulher sem grandes atributos, mas com um fogo que ofuscava minha mãe e minha irmã. Ela adorava dupla penetração vaginal ou anal, quanto mais dor, mais prazer ela sentia. Ou seja, cada uma a sua maneira, se transformaram em devassas sem limites.

Nem passava pela cabeça da minha mãe ou de Ruth voltarem a morar conosco, elas estavam felizes com a nova vida. Contudo, como você disse, Mauro era um canalha. Ele acabou por desencadear a volta das duas para casa.

Depois de dois meses sem trabalhar, Mauro conseguiu fechar o contrato de uma reforma. O serviço não era grande, mas o valor combinado não era desprezível, sem contar que ele tinha um esquema com o depósito que fornecia materiais de construção. Dez por cento de tudo ia para seu bolso, ou melhor, para conta bancária de um terceiro que ele indicasse, por questão de segurança...

Mauro pediu para minha mãe o número da sua conta poupança e agência, disse que não queria ter o dinheiro a mão, queria economizar para criar uma igreja. Minha mãe não viu problema, afinal só ela poderia sacar.

Duas semanas depois do primeiro depósito, em um sábado, ele perdeu a carteira. Sem dinheiro para o fim de semana, ele pediu à minha mãe para ir a um caixa rápido sacar. Foram juntos, ela sacou o dinheiro e voltaram para kitnet.

Na terça feira ela recebeu seu salário, separou o dinheiro para os gastos da semana e foi ao banco pagar as contas do mês e depositar o que sobrasse. Na boca do caixa descobriu que seu cartão não estava na bolsa. Aflita, pagou as contas, fez o depósito, foi até o gerente e pediu um extrato de sua conta. Seu dinheiro tinha sumido; na segunda-feira, foi feita uma transferência com seu cartão e senha em outra agência. Orientada pelo gerente, cancelou o cartão, foi à delegacia fazer um boletim de ocorrência e voltou à agência para dar entrada em uma verificação interna do saque não reconhecido. Foi para kitnet chorando.

Não demorou para descobrir o que tinha acontecido. A kitnet estava revirada, Mauro e suas coisas tinham sumido.

Indignadas, mãe e filha romperam relações com os amigos, acreditando existir cumplicidade. Sem as festas, contando apenas com o salário, insuficiente para pagar todas as contas, viveram o inferno nos dois meses seguintes. Com o aluguel atrasado e o risco de despejo rondando, decidiram tentar voltar para nossa casa.

Todo aquele discurso de arrependimento era mentira, elas não queriam voltar, mas não tinham escolha.

Meu pai impôs abstinência sexual à minha mãe, ela aceitou e, nos primeiros meses, cumpriu. Mas logo que meu pai relaxou, ela passou a ir uma ou duas vezes por semana à casa do seu ex-patrão para fazer sexo com o casal. Quando voltaram a frequentar a igreja, mamãe passou a ir com Renata, irmã de confiança do meu pai, trabalhar em obras de caridade. Na verdade, as duas putas passaram a frequentar bares de encontros. A promiscuidade de mamãe e, principalmente, sua falta de conhecimento sobre os perigos a que se expunha com tal rotina, a levaram a fazer dois abortos e contrair diversas ISTs. Uma delas foi a causa primária do câncer que a matou anos depois.

Ruth tinha o mesmo fogo, mas era mais inteligente, ela tinha um projeto de vida. Ela queria estudar na USP, construir uma carreira e ter um casamento liberal. Desde que descobriu que existiam homens que gostavam de compartilhar suas mulheres, ela decidiu que só se casaria com um homem liberal.

Contudo, seus projetos eram de médio e longo prazo. No curto prazo, a única opção era estudar com afinco, e ela estudava. O problema é que não conseguia ficar sem sexo. Problema de fácil resolução para uma garota com cara de menininha e corpo de mulher. Pelo menos três vezes por semana, ela saía da escola e ia ao shopping. Ficava andando, olhando vitrines e lançando olhares. Não demorava muito, e ela era abordada. Depois de alguns meses caçando no shopping, ela já tinha uma lista de contatinhos. Parou de ir ao shopping; quando queria trepar, simplesmente ligava para um dos seus ficantes.

Quanto a Mauro, seus sentimentos eram dúbios. Se, por um lado, o odiava por ter roubado o dinheiro da mãe e limitado sua liberdade com a volta para casa do pai, por outro, sentia saudades dos momentos em que os dois ficavam sozinhos, seja conversando, trocando juras de amor e, principalmente, fodendo. Ruth teve muitos homens, mas deixou claro, com palavras e com o corpo, que nenhum chegou aos pés de Mauro. Quando ela me falou dele, seus mamilos enrijeceram.

Não demorou muito para Mauro tentar fazer contato. Com a maior cara de pau do mundo, ele foi até a escola onde Ruth estudava. Vestindo terno e gravata, educado e charmoso, procurou a coordenadora, pediu desculpas por tomar seu tempo, e fez o que faz melhor: mentiu.

Disse que meu pai, seu colega de trabalho, sabendo que ele iria visitar um cliente perto do colégio da filha, pediu para ele entregar um livro que a filha precisa com urgência, pois queria ler antes da discussão da obra em sala de aula. Sem desconfiar de nada, a coordenadora aceitou a incumbência e entregou o livro, embrulhado com o papel de uma conhecida livraria, informando que seu pai mandou entregar.

Quando abriu o pacote, encontrou um livro que fazia parte das obras sugeridas aos vestibulandos. Sua surpresa foi com o envelope dentro do livro. Escrito à mão, com uma caligrafia que ela conhecia muito bem, três palavras: “Eu te amo”.

Ruth resumiu o conteúdo da carta e focou nas consequências desse contato, no entanto, eu não me contentei, queria ler a tal carta. Ela não fazia ideia que eu sabia a anos do seu esconderijo secreto, uma caixa de madeira retangular presa com cola tudo no fundo da última gaveta de sua cômoda. Dias depois de nossa conversa, fui até seu quarto, retirei a gaveta e encontrei várias cartas, outros papéis e um chaveiro com três chaves. Curiosa, peguei tudo. Coloquei a gaveta no lugar e fui para rua. Eu não tinha muito tempo, minha irmã chegaria a qualquer momento. Deixei as chaves em um chaveiro para fazer cópias e fui correndo até a papelaria mais próxima. Fotocopiei cada folha de papel, até os envelopes. Na volta, peguei as chaves e as cópias. Quando cheguei em casa, tomei um susto: minha irmã já tinha chegado. Esperei ela ir tomar banho e devolvi suas coisas no esconderijo secreto.

Fiquei tão nervosa que só fui ler as tais cartas no dia seguinte, no trabalho.

Acredito que seja mais produtivo você ler a carta que Mauro levou até a escola; enquanto isso, vou ao banheiro e beber água, estou com a garganta seca.

Débora me entregou algumas folhas de xerox e saiu. Com as folhas na mão, suspirei e comecei a leitura.

A primeira cópia era do envelope e, como Débora já tinha dito, só trazia três palavras: “Eu te amo”. A carta começava na segunda cópia.

“Minha querida Ruth, sei que você deve estar com muita raiva de mim, mas eu começo essa epístola prometendo que vou devolver todo o dinheiro de sua mãe com juros e correção monetária.

Tenha paciência, leia até o fim que vai entender o que me levou a um ato tão vil, que me afastou de você, a mulher que amo e desejo mais que tudo.

Não tem sido fácil; todo dia, acordo e procuro seu corpo, saudades das nossas fodas matinais, saudade da sua buceta, da sua boca, dos seus seios e do seu maravilhoso cuzinho. Escrevo com o pau duro, o normal quando penso em você.

Depois que fomos flagrados eu sabia que minha vida ia mudar. A comunidade em que fomos criados nunca ia aceitar que um Ministro da Palavra desrespeitasse seus valores publicamente. Como já te disse, o caso de sua mãe com o missionário era conhecido por vários irmãos e irmãs, mas a lei do silêncio imperava, nossa comunidade, tão rígida na superfície, é um poço de hipocrisias. Seu pai é um bom homem, nunca percebeu esses nuances, mas sua mãe sabia de muita coisa e tinha curiosidade. Quando alugou a edícula, seu pai não imaginava que ofereceu a oportunidade perfeita para esposa descobrir seu lado puta.

Como sua mãe, eu sou fruto das contradições da comunidade. Descobri as delícias do sexo na adolescência. Minha professora da escola dominical percebeu o tamanho do meu dote e não perdoou. Comi aquela safada por anos, só parei quando casei.

Eu amava minha esposa, casei pensando em abandonar a putaria. Infelizmente ela, como seu pai, respeitava os dogmas da igreja; nosso sexo era protocolar. Uma vez a ouvi conversando com sua melhor amiga sobre nossa intimidade. Ela disse que Deus foi bom com ela, que lhe deu um marido amoroso, trabalhador e temente à Palavra. Contudo, ele lhe impôs um preço por tanta felicidade: ter que suportar as intimidades conjugais com um membro muito grande e grosso. Foi um balde de água fria em meu casamento; naquele momento, descobri que meu desejo lhe causava dor. Parei de procurá-la; transávamos apenas no seu dia fértil, na busca por um filho que nunca nos foi dado.

Eu tentei ser fiel, mas acabei reparando que uma irmã olhava com insistência e curiosidade para minha mala. Um dia, tomado pela luxúria, fui até ela e sussurrei que, se realmente quisesse ver, eu estaria no supermercado da cidade vizinha na segunda-feira às treze horas. Ela foi.

A vida é curiosa, quem acabou por me consolar sexualmente foi sua melhor amiga. Fui seu amante por anos, acredito que seu filho mais novo é meu, mas ela nega. O caso acabou com a morte de minha esposa. Arrasado pela culpa, decidi vir para São Paulo. Você conhece a história.

Não queria voltar a vida promíscua, prometi respeitar os dogmas da igreja, mas não aguentei. Ver sua mãe trepando com o missionário despertou meu lado mais perverso, não demorou e eu entrei no jogo.

Quando te conheci fiquei impressionado com sua beleza, mas em momento algum passou pela minha cabeça algo impróprio. Com o tempo, as reuniões do grupo de jovens nos aproximaram, percebi, pelas suas intervenções, uma mente brilhante e inquieta. Mesmo você tentando esconder, não querendo ser malvista pela comunidade, percebi seu inconformismo com os dogmas da igreja.

Foi nessa época que passamos a conversar mais, primeiro ao terminar os trabalhos do grupo de jovens, depois, como ato de rebeldia contra seu pai, você passou a me convidar para conversar na sala de estar de sua casa.

Você se lembra do nosso primeiro beijo? Eu não premeditei, parei de ouvir você falar e te beijei. Mesmo assustada, você correspondeu. Não demorou muito para nossas carícias evoluírem para algo mais quente.

Nossa primeira vez foi mágica, parecia que nossos corpos foram feitos um para o outro. Já te falei várias vezes que poucas mulheres aceitaram toda minha rola, você me engoliu inteiro na sua primeira vez, ainda com sangue do seu cabaço.

Fizemos muitas loucuras, trepamos, conhecemos outras pessoas, mas eles e elas eram simples brinquedos; nossos momentos sempre foram nossos.

Como ficar sem você?

Estou divagando, me desculpe. Vou tentar ser mais objetivo.

Fui expulso da igreja e voltei para Minas. Eu tinha esperanças que eles não seriam severos comigo, sou filho, neto e bisneto de anciões, meu bisavô foi um dos fundadores da igreja. Doce ilusão, também fui expulso.

Pensei em ir para o nordeste trabalhar como construtor e entrar para uma igreja que não conhecesse meu passado. Mas não consegui seguir com esse plano. Eu não conseguia pensar em viver longe de você.

Foi aí que eu, inspirado pelas igrejas neopentecostais que pipocavam, pensei em abrir uma igreja em São Paulo. Vendi tudo que tinha em Minas e voltei.

Os três meses que vivi com você na kitnet foram os mais felizes da minha vida, contudo, eu estava preocupado com o nosso futuro. Eu só consegui um contrato e sua mãe ganhava pouco. O que segurava as contas, principalmente o aluguel, era a poupança de sua mãe. Dinheiro que não duraria quatro anos no ritmo em que as coisas iam. Eu tinha uma reserva, mas não podia gastar. Era a base para a igreja que planejava abrir.

Percebi que precisava acelerar o projeto. Passei a frequentar as igrejas que mais atraíam fiéis e estudar seus métodos.

Rapidamente percebi que o culto como um show de música, luzes e cores, onde o pastor agia como um mestre de cerimônia, induzia os fiéis a extravasarem seus medos e problemas, era a porta de entrada para o sucesso no mundo neopentecostal. A doutrina vinha depois, explicada pelos pastores entre uma música gospel e um vídeo motivacional.

Fiz os cálculos. Meu dinheiro não bastava. Eu precisava alugar um galpão, fazer uma reforma, construir uma fachada que acolhesse e estimulasse as pessoas a entrarem, comprar móveis, tecnologia de luz, som e vídeo, contratar músicos e técnicos de vídeo e, finalmente, investir em publicidade.

Comecei a buscar empréstimos. Tenho um bom histórico bancário, como construtor circulava muito dinheiro pela minha conta.

Mas ninguém queria emprestar para abrir uma igreja. Foi aí que pensei em usar a poupança da sua mãe. Obviamente ela não me emprestaria, ela aprendeu a amar sua nova vida e sem o dinheiro não seria possível.

Ao enganar sua mãe, fui frio. Sabia que atrairia seu ódio e o dela, mas pensei no futuro. Quando o dinheiro acabasse, o que vocês fariam? O sonho de estudar seria sacrificado no altar do aluguel.

Por outro lado, como fazia poucos meses que vocês saíram de casa, talvez seu pai as aceitasse de volta. Você poderia se dedicar aos estudos e sua mãe, mesmo com menos liberdade, encontraria uma maneira de satisfazer seu fogo sem as preocupações materiais.

Quando eu devolver o dinheiro ela pode pedir o divórcio, viver com a pensão que seu pai vai ter que pagar e a garantia da reserva no banco.

Você vai para universidade, vai estudar, tornar-se uma profissional de primeira linha e ter filhos com o pastor de uma das melhores e maiores igrejas de São Paulo.

Você sabe que, por mais que nossos caminhos se afastem, nós somos um do outro.

Para sempre.

Mauro

Obs.: envio a chave da caixa postal 253 na agência dos Correios da Liberdade. Sempre que eu quiser te escrever, enviarei para lá; procure passar umas duas vezes ao mês. Quando desejar me escrever, envie para a caixa postal 253 em Santana. O número é uma homenagem ao dia do nosso primeiro beijo.”

Terminei a leitura da carta. Levantei os olhos e vi Débora, com um sorriso maroto no rosto, me fitando enquanto pousava o copo de água na mesa.

- O que você achou da carta?

- Sinceramente, tenho que dar a mão à palmatória: o filho da puta sabia o que estava fazendo. Não tinha como Ruth escapar; até eu concordei com seus argumentos...

- Pois é, se você, um homem maduro e experiente, concordou com os argumentos, imagina como fiquei após a leitura, uma garota sem experiência nenhuma. Mauro subiu no meu conceito imediatamente, eu estava disposta a ir além de manter o segredo, queria ajudar. Mas esse sentimento não durou muito, eu li as outras cartas e, mesmo com minha inexperiência, percebi que algo muito estranho acontecia entre eles, algo que, por não conseguir entender, eu considerei demoníaco.

- Uau, estou curioso. Cadê as cartas? Quero ler.

-Infelizmente, não há como. Fui uma idiota, fiquei tão perturbada que as queimei, temendo que meu pai descobrisse. Guardei apenas a primeira para me proteger, caso fosse necessário confrontar Ruth e minha mãe com meu pai. Mas vou te fazer um resumo.

- Débora, não foi idiotice; você era uma menina em uma situação impossível. Você fez o que achou melhor na época. Não tinha como você saber que o otário que ia casar com sua irmã teria curiosidade nas tais cartas. Acredito que um resumo basta para entender melhor quem é minha ex-esposa.

- Tudo bem, você tem razão quanto a eu ser, na época, uma menina ingênua em uma situação impossível, mas não seja tão duro com você. Vamos continuar com a história do casal de pombinhos apaixonados?

Continua.

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