O banheiro do estacionamento do térreo cheirava a mijo velho e desinfetante barato. Azulejos brancos rachados. Pia com ferrugem. Lâmpada fluorescente piscando como se estivesse tendo um ataque epiléptico, era feio, era sujo e era perfeito. Descobri faz uns dias que aquele banheiro específico — o que ficava no canto mais escondido do estacionamento, longe das câmeras, longe dos supervisores — tinha virado ponto de encontro. Banheirão, como chamam. Playground pra adultos desesperados. Homens procurando outros homens de forma rápida, prática, perigosa, e eu? Eu adorava perigo.
Entrei no horário de trabalho. Fardado. Crachá pendurado no pescoço. Se alguém me pegasse ali, seria demissão na hora. Mas essa era a graça. A adrenalina, o risco, tinha um cara no mictório. Coroa. Uns quarenta e poucos anos. Bonito, daquele jeito “pai de família que vai à igreja aos domingos”. Aliança no dedo. Camisa polo. Tênis branco impecável, me posicionei dois mictórios de distância. Comecei a mijar. Ele olhou. Eu olhei de volta, e então o jogo começou, peguei no meu pau devagar, mais tempo do que o necessário. Ele fez o mesmo. Os olhos dele desceram. Os meus também, bingo, ele tinha um pau bonito. Grosso. Já meio duro. E pelo jeito que ele respirava — rápido, ofegante — dava pra saber que estava tão excitado quanto nervoso, eu não estava excitado por ele. Estava excitado pela situação. Pelo perigo. Pela possibilidade de alguém entrar a qualquer momento — um segurança, um supervisor, um cliente — e acabar com tudo, porque é isso que move quem frequenta banheirão, não é? Não é só tesão. É a necessidade de sentir algo. Qualquer coisa. Mesmo que seja medo, ele se aproximou. Ficou ao meu lado. Respiração pesada.
— Você trabalha aqui? — perguntou, voz baixa, olhando pro meu crachá.
— E você é casado — respondi, olhando pra aliança dele.
Ele engoliu seco. Não negou.
— Cabine? — ele sugeriu, e tinha urgência na voz.
Entramos numa das cabines reservadas. Porta trancada. Espaço apertado. Vaso sanitário sujo. Cheiro forte de desinfetante misturado com tesão, ele se ajoelhou, começou a me chupar, e engolir o meu pau com fome e desejo e tesão reprimido, era fácil de identificar, não tínhamos muito tempo, afinal eu estava em horário de trabalho, e eu queria gozar, relaxar e voltar ao trabalho feliz, sabendo que tinha entregado o meu leite a um desconhecido, que ansiava pelo tesão e claro pelo perigo, pela adrenalina correndo nas minhas veias, o cara me chupou, me tocou, engolia, passava a língua na cabeça do meu pau, chupava as minhas bolhas, me olhava com tesão, com fome, eu me sentia um rei, um gostoso, um cara foda, um objeto sexual que era o apogeu para alguns caras, e isso claro que me fascinava, e isso me excitava de tal maneira que não sei explicar, e logo eu estava gozando, gozando na boca de um cara, um coroa desconhecido, minha vontade era de gemer, de gritar, mas eu não podia, não sabia se havia entrado alguém, precisava me policiar, o puto engoliu tudo, engoliu toda a minha porra como quem esperou a vida por aquilo. Aquela era praticamente a minha primeira vez fazendo aquilo no meu ambiente de trabalho, já o carinha, provavelmente fazia isso toda semana. Todo mês. Sempre que a esposa estava distraída nas compras. Quando terminamos, ele se levantou, ajeitou a roupa, passou a mão no cabelo.
— Pode me dar seu whatsapp? — perguntou, e havia esperança idiota na voz dele.
— Se quiser algo mais, vai ter que pagar — respondi, direto.
Ele me olhou de cima a baixo. Desejo misturado com algo que parecia… alívio? Como se finalmente tivesse encontrado alguém que entendia as regras do jogo.
— Quanto?
— Cem.
— Topo.
Dei meu WhatsApp. Ele saiu primeiro. Esperei uns dois minutos. Saí depois, voltei pro estoque como se nada tivesse acontecido. Porque pra mim, não tinha acontecido nada demais, era só mais um dia.
***
Trabalhar no estoque do supermercado Louds estava sendo melhor do que eu esperava, não me entenda mal — era trabalho pesado. Carregar caixa. Organizar prateleira. Aguentar cliente babaca. Supervisor chato. O calor infernal do depósito, mas pagava bem. E mais importante: eu estava fazendo conexões. Amizades. Interações sociais que fazia tempo que eu não tinha, e uma das melhores coisas daquele lugar era a Billy. A Billy era… como explicar a Billy?
Imagina uma drag queen sem maquiagem, mas com toda a energia. Imagina RuPaul trabalhando de repositor e usando patins cor-de-rosa com glitter. Imagina alguém que transformava o corredor de limpeza num palco de show, essa era a Billy.
Ela andava — não, *deslizava* — pelos corredores cantando Joelma, rebolando, jogando o cabelo inexistente, fazendo todo mundo rir. Quando os funcionários se reuniam no refeitório ou na área de fumantes, ela virava o centro das atenções.
— Gente, vocês viram o Marcão da manutenção? — Billy disse uma vez, no intervalo, cercada por meia dúzia de funcionários. — Aquele homem é um PECADO ambulante. Se Deus existe, ele tá testando minha fé.
— Billy, para! — riu a Jéssica, uma das caixas.
— Para nada, mona! Eu vi ele trocando a lâmpada do corredor 3 hoje cedo. Subiu na escada. A calça abaixou. EU VI A CUECA DO HOMEM. Calvin Klein, gente. CALVIN KLEIN! — ela fez um gesto dramático. — Quase caí dura ali mesmo.
Todo mundo morreu de rir, a Billy era diferente quando estava com a gente — os funcionários do mesmo nível. Com o gerente, com os supervisores, ela mantinha uma postura. Não completamente profissional, porque isso era impossível pra ela, mas tinha limites. Mas com a gente? Com a gente ela era pura, crua, sem filtro.
— Lucas, amor, me diz uma coisa — ela se virou pra mim uma vez, enquanto fumávamos na área externa. — Você é pegador ou pegado?
— Depende do dia — respondi, dando um trago.
— Hmmmm, gostei. Versátil. O melhor dos dois mundos — ela piscou. — E aquele amiguinho seu, o Felipe? Ele curte?
Felipe, ele tinha chegado fazia umas duas semanas. Transferido de outra loja. Bonito, malandro, novo, cheio de tattoo no braço. A gente conectou na hora.
— Curte — confirmei. — Mas acho que ele tá de rolo com alguém.
— Que desperdício — Billy suspirou dramaticamente. — Homem bonito tem que ser compartilhado, tipo Wi-Fi público.
Eu ri, a verdade é que Felipe estava virando meu amigo de verdade. A gente tinha o mesmo humor. Mesmos gostos. Mesma vibe de “foda-se, a vida é curta”. E isso estava incomodando o Diego.
***
Diego, meu amigo. Meu… o quê? Banco emocional? Motorista particular? Patrocinador não-oficial? Ele estava ficando estranho, ciumento, toda vez que eu falava do Felipe, ele mudava de assunto. Toda vez que eu saía com o Felipe depois do trabalho, o Diego mandava mensagem: “Cadê você?” “Tá fazendo o quê?” “Com quem?”
Como se eu fosse propriedade dele, e o pior: eu deixava. Porque eu gostava do que o Diego me dava. As caronas. Os lanches pagos. A companhia. A atenção, mas com o Felipe era diferente, com o Felipe, eu não precisava fingir. Não precisava dar migalhas. Não precisava gerenciar expectativas, ele era amigo de verdade. Diego era amigo interessado. Essa era a diferença, e eu sabia que isso era tóxico. Sabia que eu estava sendo babaca. Sabia que um dia o Diego ia explodir. Mas até lá? Eu ia aproveitar.
***
Uma tarde, eu estava no depósito organizando caixas de detergente. Sozinho. Suado. Camiseta grudada nas costas, ouvi passos, me virei, era o gerente. Rodrigo, aquele mesmo que eu tinha comido no Cinema Rex algumas semanas atrás. Aquele que eu sabia que ficava me stalkeando nas câmeras de segurança.
— Precisa de ajuda? — ele perguntou, e a voz dele saiu meio aguda demais. Nervosa.
— Não, tá tranquilo — respondi, sem olhar direito pra ele.
— Tem certeza? São muitas caixas.
— Eu aguento.
Silêncio constrangedor, ele ficou ali parado. Tipo cachorro esperando atenção.
— Você tá gostando de trabalhar aqui? — ele tentou de novo.
— Tô.
— Que tipo de trabalho você fazia antes?
Olhei pra ele. Direto nos olhos, ele sabia. Eu sabia que ele sabia. E ele sabia que eu sabia que ele sabia, mas nenhum dos dois ia verbalizar.
— Garçom — menti. — Algumas outras coisas.
Ele engoliu seco.
— Legal. Qualquer coisa, se precisar, é só falar.
— Valeu, chefe.
Ele saiu, e eu sorri, porque eu sabia exatamente o que estava fazendo, Rodrigo era carente. Desesperado. Obcecado. E quanto mais eu o rejeitava, mais ele me queria, eu só precisava deixá-lo subindo pelas paredes. Deixá-lo me desejar cada vez mais, até que eu pudesse tirar algum proveito disso, e acredite: eu sabia fazer isso muito bem.
***
Noite de folga. Sozinho em casa, kitnet minúscula. Colchão no chão. Fogão elétrico de uma boca. Frigobar que fazia mais barulho que geladeira de verdade, eu tinha acabado de comer miojo de camarão. O mais barato do mercado, folga significava: sem comida de refeitório. Sem almoço digno. Sem ninguém pra dividir o tempo. Só eu, o celular, e o tédio.
Foi aí que eu lembrei dele, Luke Silva, o herdeiro. O filho do dono da rede Louds. O cara que tinha subido no palco naquela convenção chata e tinha mudado alguma coisa dentro de mim, abri o Instagram. Digitei o nome dele, Lucas Silva, perfil privado. Foto de perfil mostrando aquele rosto branquinho, olhos cor de mel, sorriso de quem nunca precisou pedir nada na vida, cliquei em “seguir”, fiquei esperando, cinco minutos depois: **Lucas Silva aceitou seu pedido.** Mas não me seguiu de volta, óbvio, comecei a rolar o feed dele, foto na praia, corpo definido, sunga cara, foto no escritório, terno impecável, ar de CEO.
Foto com amigos em restaurante chique que eu nunca ia poder pagar, foto na academia, peitoral suado, aquele corpo que parecia esculpido por Michelangelo, stories. Viagens. Carros. Festas. Vida e eu ali. No meu colchão no chão. Comendo miojo de camarão.
É engraçado como a gente cria obsessões, né? Eu sei que “obsessão” é uma palavra forte. Mas não tem outra, porque eu não conhecia o Luke. Nunca tinha trocado uma palavra com ele. Ele nem sabia que eu existia, mas ali, naquela tela de seis polegadas, eu podia sonhar, podia imaginar, podia fingir que um dia, talvez, quem sabe, ele olharia pra mim. E não sou só eu, né? Todo mundo faz isso, a gente segue pessoas que nunca vão nos seguir de volta. A gente assiste stories de vidas que nunca vamos ter. A gente curte fotos de corpos que nunca vamos tocar. Instagram virou isso: uma vitrine de mentiras bem contadas. Porque aquelas fotos? Não são reais. São recortes. Ângulos. Filtros. Vidas editadas pra parecerem perfeitas. Mas a gente assiste mesmo assim. Porque dá alívio. Porque depois de um dia fodido de trabalho, de carregar caixa, de aguentar chefe idiota, é bom ver alguém vivendo o sonho. Mesmo que seja mentira, mesmo que aquela pessoa esteja tão ferrada quanto você, só que com roupa melhor, e tem mais: a gente começa a acreditar que aquilo é possível. Que se a gente trabalhar mais, malhar mais, economizar mais, um dia a gente vai ter aquela vida, mentira, a verdade é que a vida do Luke Silva foi decidida no dia que ele nasceu. Família rica. Sobrenome certo. Oportunidades infinitas. E a minha vida? Foi decidida no dia que eu fui expulso de casa, sem família, sem sobrenome, sem oportunidades. Mas a gente finge que não é assim. A gente finge que é só questão de esforço. De dedicação. De meritocracia. A gente fica olhando influencers que viraram ricos da noite pro dia. Jogando em cassino online. Vendendo curso. Fingindo que qualquer um pode ter aquilo, mentira mais uma vez.
Mas a mentira vende. A mentira acalma. A mentira faz você esquecer, por alguns segundos, que você tá comendo miojo enquanto o Luke Silva tá jantando em restaurante com estrela Michelin. E o pior de tudo? Isso tá virando doença, a gente tá viciado em comparação. Em frustração. Em querer o que nunca vamos ter, Instagram. TikTok. Twitter. Tudo virou um grande teatro onde todo mundo finge que tá bem. E quem assiste? Quem assiste se fode. Porque fica ali, refém, querendo ser o ator quando na verdade é só plateia, fechei o Instagram, olhei pro teto rachado da minha kitnet, e pela primeira vez em semanas, senti vontade de chorar, mas não chorei. Porque eu não podia me dar ao luxo de ser fraco, fraqueza era pra quem tinha rede de apoio. Família. Psicólogo, eu só tinha eu.
***
Dois dias depois, o cara do banheirão me mandou mensagem.
**“Oi. Lembra de mim?”**
Lembrava.
**“Sim.”**
**“Tá livre hoje à noite?”**
Olhei pro frigobar vazio, e meu apartamento solitário, e falei com a esperança dele topar.
**“Tô. Cem reais.”**
**“Fechado. Te pego às 19h no estacionamento do supermercado.”**
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Quando bati o ponto e me arrumei brevemente, um retoque no perfume e desodorante seria mais que o suficiente, meu pau estava cheiroso apesar do dia de trabalho, e acabei também dando uma pequena lavada por cima pelo sim, pelo não, joguei uma Tadalafila na boca. Porque eu sabia que não ia ficar duro naturalmente. Não por ele. Não por ninguém que me pagasse, mas dinheiro era dinheiro. E Tadalafila resolvia o problema técnico. 19:15 estava pronto e ele estava lá. Palio prata. Adesivo de time de futebol. Cheiro de carro velho, e então entrei.
— Oi — ele disse, sorrindo nervoso.
— E aí.
Ele dirigiu até um motel barato. Daqueles que cobram por hora e não pedem documento, quarto simples. Cama de casal. Espelho no teto. Cheiro de desinfetante e sexo de outras pessoas, romântico pra caralho só que não, mas eu não estava ali em busca de romance, eu estava em busca de vender o meu corpo, de ter R$ 100 extra para poder parar de comer miojo, para poder comer uma coisa um pouco melhor por pelo menos algum dia, e quem sabe tomar uma cerveja para relaxar. Ele trancou a porta. Se virou pra mim.
— Posso te beijar?
Beijar. Ele queria beijar, tem “cliente” que quer só sexo. Rápido. Mecânico. Gozar e ir embora. Mas tem aqueles que querem simular romance. Que querem fingir, por algumas horas, que aquilo é real.
— Pode — eu disse, porque fazia parte do serviço.
Ele me beijou. Devagar. Lingua morna. Gosto de café velho, não era ruim pelo menos isso. Só era… vazio, ele começou a tirar minha roupa. Camiseta. Calça. Cueca, me olhou como se eu fosse escultura, me olhou com desejo, com sede, com tesão, esfreguei meu pau no seu rosto, segurei sua nuca pressionando meu pau em sua cara, ele me olhava com fome, ele começou a me chupar, engoliu tudo de primeira,
— Você é muito gostoso — ele murmurou, passando a mão no meu peitoral e no meu abdômen
— Obrigado. – Não podia dizer o mesmo, pensei.
Ele se voltou a me chupa, fechei os olhos. Fingi que estava em outro lugar. Com outra pessoa. Em outra vida, essa era a técnica. Dissociação. Separar corpo e mente, o corpo fazia o trabalho. A mente viajava, e a imaginação corria solta, era como estar presente ali e ao mesmo tempo não estar. Depois de uns minutos, ele parou. Se levantou. Tirou a roupa, corpo normal. Um pouco de barriga. Pelos no peito. Pau médio, já duro.
— Quero que você me coma — ele disse.
Coloquei a camisinha. Lubrifiquei, ele deitou de bruços na cama, entrei devagar. Ele gemeu, e então começou, o movimento. O ritmo. O som, ele gemia alto. Falava coisas. “Isso”, “Mais forte”, “Caralho”, “tesão”, “puto safado”, “foda mais forte”, “isso”, “gostoso do caralho”, “que pau grande porra”, “gostoso”, “mete… mete… vai… isso. soco, para… ta doendo… ai para por favor…. mete…. caralho tesão você… puto safado…
Eu fazia o trabalho. Profissional. Eficiente, aquelas palavras eram música para os meus ouvidos, eu me sentia desejado, me sentia a melhor pessoa do mundo, mas infelizmente minha cabeça estava longe. Pensando no Luke Silva. No Instagram. Na vida que eu nunca ia ter, no corpo que eu nunca ia ter, demorou uns quinze minutos até ele gozar. Eu fingi que gozei também. Gemi. Tremi. Vendi o personagem, ele acreditou, caímos na cama. Ele suado. Eu cansado.
— Foi muito bom — ele disse, ofegante.
— Pra mim também — menti.
Ele me pagou. Cinco notas de vinte, amassadas, velhas, guardei no bolso.
— A gente pode repetir? — ele perguntou, esperançoso.
— Claro. Só chamar.
Ele me levou de volta pro mercado. Me deixou ali. Dirigiu pra casa dele. Pra esposa. Pros filhos. Pra vida dele de mentira, e eu fiquei ali. Sozinho. Com cem reais no bolso, andei até em casa. Uns vinte minutos a pé, passei pelo mercadinho. Comprei: arroz, feijão, macarrão, duas latas de cerveja, um pacote de biscoito (eu ainda não tinha direito a comprar com desconto no louds). Sobrou trinta reais, em casa, guardei as compras. Abri uma cerveja, sentei no colchão, olhei pro teto, e pensei: *Isso é sobrevivência.*
Muita gente ia julgar. Ia dizer que sou promíscuo. Safado. Que tô vendendo meu corpo, e tô mesmo e talvez até seja, mas sabe o que é pior que vender o corpo? Passar fome, sabe o que é pior que ser julgado? Não ter onde morar, eu não tenho família. Não tenho amigos de verdade. Não tenho ninguém que vá me ajudar quando a conta de luz atrasar. Quando o aluguel vencer. Quando a geladeira estiver vazia, então eu faço o que preciso fazer, vendo meu corpo em troca de cem reais, ou míseros trocados no cine rex. Em troca de comida. Em troca de sobrevivência, e sim, talvez isso esteja arrancando pedaços de mim. Talvez esteja me esvaziando por dentro. Talvez um dia eu acorde e não reconheça mais a pessoa no espelho, mas até lá? Eu vou fazer o que for necessário, porque a alternativa é pior, a alternativa é roubar. Traficar. Mendigar, e eu ainda tenho orgulho demais pra isso.
Então continuo vendendo. Continuo transando com homens que não me atraem. Continuo fingindo que gozo. Continuo recebendo dinheiro amassado e indo embora como se nada tivesse acontecido, porque essa é minha realidade, e realidade não pede licença. Realidade não espera você estar pronto, realidade só acontece, e você sobrevive. Ou não, eu escolhi sobreviver, mesmo que isso signifique morrer um pouco por dentro a cada dia.
