Prólogo — A Confissão
Se tu pudesse ver dentro do meu peito agora, veria carne em brasa. Cada batida do coração é como pancada contra ferro quente, cada respiração arde como fumaça. Eu escrevo porque não aguento mais me calar, porque se não despejar estas palavras em algum lugar, eu vou enlouquecer. Não é confissão feita por coragem; é desespero.
O que vou contar é meu segredo mais sujo, mais vergonhoso. É um fardo que cresce em mim dia após dia, e cedo ou tarde vai me destruir. Eu não peço perdão. Eu não espero absolvição. Eu só preciso que alguém saiba, que alguém carregue comigo ao menos o peso de ouvir.
Meu nome é Ellen Hoffman Weiser. Tenho vinte e seis anos. Casada há três com Wagner, um homem que conheci ainda menina e que, por muito tempo, foi meu porto seguro. Juntos acreditamos que podíamos ser diferentes dos nossos pais, que podíamos construir uma vida limpa, longe do ruído e da podridão que herdamos. E eu realmente acreditei nisso.
Mas eu falhei.
Cinco anos se passaram desde a morte de Clara, a mãe dele. Foi depois da tragédia que Vincent — meu sogro — se tornou sombra e aço. Um homem de silêncio impenetrável, de gestos firmes, de presença que sufoca e atrai ao mesmo tempo. Wagner sempre o odiou. Sempre o viu como inimigo. Eu, ao contrário, tentei compreender. Talvez porque também cresci em um lar quebrado, talvez porque, no fundo, havia nele uma escuridão que falava com a minha.
Eu achei que podia ser uma ponte entre os dois. Eu quis costurar a ferida aberta entre pai e filho, e foi nessa esperança cega que preparei o palco da minha ruína.
Propus que passássemos um fim de semana na chácara de Vincent, perto de Blumenau. Achei que o campo traria calma, que o verde e o silêncio poderiam reconciliar o que a cidade e os anos de rancor destruíram. Fui tola. A chácara não era refúgio. Era território. Era o reino dele, onde cada pedra e cada árvore exalavam domínio. Wagner via prisão, eu via oportunidade. E Vincent… ele via palco.
Eu acreditava que podia manter distância. Que podia ignorar os olhares que sempre passaram rápido demais, um fio de eletricidade entre mim e ele que eu nunca quis nomear. Mas quando o sol queimava sobre a piscina, quando meu marido se recolheu depois de uma briga estúpida, e quando Vincent se aproximou em silêncio — eu percebi. A corda já estava esticada há anos. Bastava um toque para arrebentar.
E arrebentou.
O que aconteceu naquela noite eu vou contar em detalhes, porque preciso. Preciso que cada gesto, cada suspiro, cada culpa que ardeu na minha pele seja escrito, para que eu não carregue sozinha. Preciso lembrar para não me perder.
Mas já te adianto: não foi escolha. Foi queda. Foi como ser puxada para dentro de um abismo que eu sempre soube que estava ali, mas fingi que não via. No instante em que os olhos dele se cravaram nos meus, eu sabia que não havia volta.
Desde então, carrego em mim a lembrança do toque dele, da voz grave que me dominou, do corpo que me tomou como se fosse dele por direito. E carrego algo mais. Algo que vai revelar, cedo ou tarde, o preço da minha fraqueza.
Este é meu relato. Minha confissão. A história de como traí o homem que me amava, com o pai dele.
E do fardo cruel que agora me devora por dentro.
Parte 1
A estrada de chão batido serpenteava entre morros verdes até a chácara, e cada solavanco do carro parecia ecoar dentro de mim. Eu estava animada, talvez até ansiosa demais. Wagner dirigia ao meu lado, os olhos fixos no caminho, mas a boca cerrada, impaciente. Ele não queria estar ali. Nunca queria estar perto do pai.
Quando o portão de ferro se abriu e a casa grande apareceu, imponente no alto da elevação, senti o mesmo frio na barriga de sempre. Não era apenas a beleza da propriedade — era a presença de Vincent espalhada em cada detalhe. A arquitetura elegante, o jardim podado com perfeição, a piscina que brilhava como um espelho ao sol. Tudo refletia o cuidado meticuloso de um homem que controla o espaço como se fosse extensão do corpo.
Vincent já estava à nossa espera. De pé, junto à varanda sombreada, como se tivesse calculado o momento exato da nossa chegada. Alto, ombros largos, o grisalho arrumado, a camisa escura impecável mesmo no calor abafado. Ele não precisou sorrir, nem dizer uma palavra. Apenas nos olhou — aquele olhar azul frio, penetrante, que parecia atravessar a pele e revelar o que tentávamos esconder.
— Pai. — Wagner desceu do carro sem entusiasmo, a voz dura, o gesto rápido. O abraço que não veio.
Eu respirei fundo, forçando um sorriso.
— Obrigada por receber a gente, Vincent.
— A casa é de vocês. — A resposta dele saiu baixa, grave, carregada de autoridade, como se não fosse convite, mas constatação.
Enquanto descarregávamos as malas, percebi como meu marido parecia menor diante dele. Wagner tem corpo atlético, jovem, saudável, mas ao lado do pai parecia apenas um rapaz. Os movimentos impacientes dele — chinelo arrastando, camiseta amarrotada — contrastavam com a presença imponente de Vincent. Era impossível não notar.
Naquele instante, lembrei por que eu tinha insistido tanto naquele fim de semana. Não era apenas para fugir da cidade, mas porque eu acreditava que, na calma do campo, pai e filho poderiam se enxergar além do rancor. Era meu sonho tolo: reconciliação.
A casa por dentro era fresca, cheirando a madeira encerada. A cada passo, Wagner soltava um suspiro, como se estivesse sendo empurrado para dentro de uma prisão. Vincent, em silêncio, apenas guiava.
Almoçamos cedo. Uma refeição simples, mas posta com elegância: carnes frias, pães, queijos, vinho. Eu tentava conduzir a conversa, mas as respostas deles eram curtas, carregadas de tensão. Vincent falava pouco; Wagner, menos ainda. O silêncio deles pesava mais do que qualquer discussão.
E no meio disso, havia os olhares. Não sei se foi minha imaginação, mas a cada vez que erguia os olhos, encontrava os de Vincent. Não era descarado. Era rápido, controlado. Mas bastava. Um choque breve, como um raio que ilumina a noite só por um instante e depois some, deixando a escuridão ainda mais densa.
Eu fingia não perceber. Continuava sorrindo, servindo vinho, comentando sobre o jardim. Mas meu coração já batia mais rápido, e minha pele parecia quente demais para o clima ameno.
À tarde, Wagner quis se deitar, dizendo que estava cansado da viagem. Eu fiquei na varanda, observando a piscina que refletia o céu azul. Vincent surgiu em silêncio, trazendo duas taças de vinho. Entregou-me uma, e por um instante nossas mãos se tocaram.
— É bom ter vocês aqui. — A voz dele era firme, sem ornamentos.
Eu apenas assenti, levando a taça aos lábios para esconder o rubor.
Foi nesse primeiro dia, ainda tão cedo, que percebi: eu não estava preparada. Eu achava que era mediadora, pacificadora, mas já estava dentro de um jogo silencioso. Vincent não precisava falar. Bastava estar ali, olhar, respirar. E eu, sem querer admitir, já sentia o peso daquela presença mais do que deveria.
Parte 2
O sábado amanheceu limpo, céu azul cortado pelo canto preguiçoso das cigarras. Eu desci para a cozinha cedo, ainda de camisola leve, e encontrei a mesa já posta. Pães frescos, frutas cortadas, café fumegando. Vincent estava ali, sentado, a tela do tablet iluminando o rosto dele, como se fosse uma cena ensaiada. Um homem de rotina, de gestos precisos. Ergueu os olhos quando me viu, e o olhar foi suficiente para que eu me sentisse despida.
— Dormiu bem? — perguntou, bloqueando a tela com um toque e pousando o aparelho ao lado.
— Dormi, sim… — respondi rápido demais, tentando soar natural.
Pouco depois Wagner apareceu, cabelos revoltos, camiseta amarrotada, bocejando alto. Sentou-se de qualquer jeito, pegou uma fatia de pão, e nem se deu ao trabalho de cumprimentar o pai. O contraste entre eles era quase cruel. Vincent parecia sempre pronto para um retrato, impecável mesmo em roupas simples, enquanto Wagner carregava aquela juventude desleixada, como se fosse um adolescente que nunca quis crescer.
O café da manhã seguiu em silêncio. Eu tentava preencher com comentários banais — o clima, o cheiro do jardim, a lembrança de quando estive ali pela primeira vez. Nenhum dos dois mordia a isca. A cada minuto que passava, eu sentia o nó no estômago apertar.
Às onze, Vincent sugeriu churrasco para o almoço. Não perguntou, apenas anunciou, e eu percebi como até a decisão do cardápio carregava autoridade. Enquanto ele acendia a churrasqueira no espaço externo, Wagner abriu uma cerveja, encostando-se de mau humor. Eu tentava rir, brincar, aliviar o peso, mas meu marido parecia cada vez mais irritadiço, como se o simples fato de estar ali fosse uma afronta.
O cheiro da carne se espalhou pelo pátio. Vincent manuseava a faca e a grelha com a mesma destreza calculada com que fazia tudo. Não levantava a voz, não se apressava. Era um homem no controle. Wagner, ao lado, parecia deslocado. Comentou sobre como faria diferente, criticou o ponto da carne, zombou da formalidade do pai. Era nítido: não importava o que Vincent fizesse, Wagner encontraria motivo para se afirmar.
— Tu sempre tem que ser assim, não é? — rebati, depois de mais uma ironia dele. — Tudo é competição, até churrasco.
— E tu sempre tem que defender ele, né? — retrucou Wagner, olhos faiscando. — Parece que quanto mais ele manda, mais tu gosta.
O comentário me atingiu em cheio, não pela gravidade, mas pela injustiça. Eu senti o rosto esquentar, a raiva subindo como fogo.
— Eu só queria um almoço em paz, Wagner. Só isso. Mas tu transforma até carne assada em briga.
Ele bateu o copo na mesa, respingando cerveja.
— Talvez porque eu esteja cansado de viver na sombra dele.
Vincent não disse uma palavra. Observava em silêncio, cortando a carne como se nada acontecesse, mas eu sabia que via tudo, cada gesto, cada fissura. E isso me enfurecia ainda mais, porque no fundo parecia que o silêncio dele pesava mais do que qualquer frase.
A discussão se perdeu em coisas pequenas, quase ridículas — quem não ajudava em casa, quem sempre cedia nas decisões, quem não sabia ouvir. Coisas banais que, ditas ali, ganhavam contorno de tragédia. Até que, exausta, eu me calei. Não queria que Vincent visse mais da nossa intimidade exposta, nosso casamento reduzido a picuinhas.
O almoço terminou sem que nenhum de nós sorrisse. Wagner comeu rápido e saiu, dizendo que precisava descansar. Eu fiquei à mesa, mastigando a própria irritação, enquanto Vincent servia mais vinho em minha taça.
— Ele é impulsivo. — disse por fim, como se fosse só uma constatação.
Eu não respondi. Apenas bebi, sentindo o calor do vinho se misturar ao da raiva e ao de algo que eu ainda não ousava nomear.
Naquele instante, percebi: Wagner não era o único que vivia à sombra do pai. Eu também estava entrando nela, devagar, quase sem perceber.
Parte 3
O sol da tarde caía pesado sobre a chácara, o calor estalando na madeira do deque como se tudo ali ardesse junto comigo. Depois da discussão inútil do almoço, Wagner resmungou qualquer desculpa e se enfiou no quarto. Disse que estava cansado, mas eu sabia que era fuga. Sempre foi. Fiquei sozinha com meu silêncio e a irritação latejando por dentro.
A piscina cintilava, azul, viva, contra o verde do jardim. Decidi mergulhar, talvez para lavar o gosto amargo da briga, talvez para esfriar a cabeça. Coloquei o biquíni, e quando me vi refletida no vidro da varanda, quase não me reconheci. Minha pele clara estava corada pelo sol, pequenas sardas pipocando nos ombros. O tecido colava nas curvas como uma segunda pele — o busto farto comprimido pelo sutiã, a cintura estreita, os quadris largos que me davam aquela silhueta cheia, madura, impossível de disfarçar.
Mergulhei. A água me abraçou gelada, fez meus cabelos ruivos se espalharem em ondas ao redor. Por um instante, me senti livre, leve, como se pudesse apagar a raiva. Mas logo, ao emergir, percebi que não estava sozinha.
Vincent estava ali, sentado na beira do deque, ainda vestido. A sombra dele projetava-se sobre a piscina, mais densa que a das árvores.
— O calor pede água. — disse, e o tom grave, baixo, soou mais íntimo do que deveria.
Meu corpo inteiro estremeceu, não pelo frio da piscina, mas pelo olhar dele. Ele não precisava se prolongar; apenas deixava os olhos passearem com calma, como se catalogasse cada detalhe: a curva dos meus seios molhados sob o tecido colado, a pele arrepiada, a linha da minha cintura subindo e descendo com a respiração acelerada.
Fingi naturalidade, apoiei os braços na borda e me estiquei, deixando o sol secar gota a gota da água que escorria entre os seios, pela barriga, até sumir sob o tecido do biquíni. Fiz isso sem pensar, como quem responde a um comando invisível. E naquele instante percebi: eu não estava mais só lavando a raiva, eu estava mostrando. Eu sabia que estava sendo vista, e parte de mim queria isso.
— Wagner foi deitar. — comentei, a voz rouca demais para soar inocente.
— Ele sempre se cansa antes da hora. — Vincent respondeu sem tirar os olhos de mim.
Fiquei imóvel por alguns segundos, sentindo o silêncio se alongar. O som do vento nas árvores, o farfalhar das cigarras, o canto dos pássaros — tudo parecia distante demais. Só restava o peso do olhar dele sobre mim, tão firme que quase me impedia de respirar.
— Tu sabe… — comecei, sem coragem de completar a frase.
— Eu sei. — ele cortou, como se lesse minha mente.
Afundei de novo, mais para fugir do que para brincar, deixando a água gelada envolver meu corpo em contradição ao fogo que subia por dentro. Quando voltei à tona, os olhos dele continuavam lá, implacáveis.
Vincent caminhou à beira da piscina. O sol bateu em cheio nos ombros largos, a camisa escura colando no peito pelo calor. Ele desabotoou dois botões, depois outro, cada gesto sem pressa, como se tivesse todo o tempo do mundo. Eu segui o movimento com os olhos, hipnotizada, sentindo meu coração martelar contra as costelas.
— Faz tempo que não entro na piscina. — disse, quase para si mesmo.
Quando tirou a camisa, vi a pele clara marcada por linhas discretas de idade, mas firme, musculosa. Não era o corpo exibido de um garoto de academia, mas o de um homem que carrega anos de disciplina. Ombros largos, peito forte, abdômen que ainda se mantinha sólido. A imagem de vigor maduro, irresistível justamente por não precisar provar nada.
Ele deixou a calça de linho cair, revelando uma sunga preta simples, ajustada no corpo. O contraste com Wagner era brutal: meu marido nunca se movera assim, nunca transmitira aquela segurança.
Vincent desceu os degraus da piscina devagar, e a água, que para mim antes parecia fria, tornou-se quente, sufocante. Cada gota que escorria pela pele dele parecia estalar no ar.
— A água está boa. — disse, mergulhando até os ombros.
Eu tentei rir, mas o som saiu frágil.
— Eu já tinha me acostumado…
Ele se aproximou, sem pressa, e a piscina que parecia imensa de repente encolheu. Cada braçada era medida, cada olhar me cercava. Eu recuei alguns centímetros, mas não havia para onde ir.
A água colava o biquíni ainda mais ao meu corpo, revelando contornos que antes podiam ser disfarçados. Eu senti o olhar dele deslizar por mim, não de forma vulgar, mas com a calma calculada de quem avalia e escolhe. E isso me incendiava mais do que qualquer gesto ousado poderia.
— Tu tem força, Ellen. — disse, de repente, a voz baixa, tão grave que fez a água vibrar. — Mais do que Wagner imagina.
O nome do meu marido naquele instante soou distante, irrelevante. Eu respirei fundo, tentando disfarçar o arrepio que percorreu minha pele.
— Não sei de onde tu tira isso. — murmurei, evitando os olhos dele.
— Eu enxergo. — respondeu apenas, como se não houvesse nada mais a explicar.
Ficamos em silêncio, a poucos metros um do outro, e parecia que toda a chácara prendia a respiração conosco. O sol, o som dos pássaros, a água batendo leve contra as bordas — tudo sumiu. Restávamos apenas nós dois, pele, desejo, e o perigo crescendo como tempestade.
Eu mergulhei outra vez, mais para fugir do que por coragem, e quando emergi o encontrei ainda mais perto. As gotas brilhavam em seus cabelos grisalhos, escorriam pelo rosto até o peito. Ele não tocou em mim. Não precisava. Só o fato de estar ali, na mesma água, me envolvia inteira.
E naquele momento compreendi: a piscina deixava de ser meu refúgio e se tornava jaula. Eu não era a dona do mergulho, eu era a presa que se oferecia.
Parte 4
O jantar foi quase mudo. Wagner mal tocou na comida, largou os talheres antes da sobremesa e anunciou que estava cansado. Subiu para o quarto sem sequer me olhar. Eu fiquei sentada à mesa, segurando o garfo como se ele pesasse toneladas, o peito apertado pela mistura de raiva e solidão.
Vincent recolheu os pratos em silêncio. Seus gestos eram medidos, tranquilos, mas eu sentia o olhar dele pousando em mim, mesmo quando não ergui os olhos para confirmar.
— Vai descansar também? — perguntou, servindo-me mais vinho.
— Não consigo. — respondi.
E era verdade. Eu não conseguiria deitar ao lado de Wagner, sentindo o peso da discussão ainda ardendo entre nós, nem tampouco suportava a ideia de ficar sozinha.
Acabamos diante da lareira. A sala iluminada pelo fogo parecia cenário de confissão: o estalar da madeira queimando, o vinho rubro girando nas taças. Vincent sentou-se numa poltrona de couro, as pernas cruzadas, postura impecável. Eu fiquei no sofá, de frente para ele, mas me sentia pequena, como uma criança diante de um juiz.
— Ele é imaturo. — disse de repente, sem me olhar, apenas observando as chamas. — Sempre foi.
Mordi os lábios, entre o instinto de defender meu marido e a sensação amarga de concordar.
— Ele… ainda tem muito a aprender.
— Tu merece mais. — completou, como quem dá um veredito.
Essas palavras foram uma lâmina. Não porque fossem falsas, mas porque me despiram. Vincent enxergava exatamente onde eu era mais vulnerável, e usava isso sem levantar a voz.
Bebi mais vinho, talvez rápido demais, tentando calar a tempestade dentro de mim. Mas quando ergui os olhos, encontrei os dele, azuis, implacáveis. E percebi que eu já estava perdida.
Não houve movimento brusco. Ele apenas se levantou, caminhou até mim, e o espaço entre nós se evaporou. O calor da lareira parecia fraco diante do calor que irrompeu dentro de mim quando ele tocou meu rosto. Sua mão era firme, quente, cheirando a fumaça e vinho.
— Tu sabe que isso é errado… — sussurrei, mesmo enquanto meu corpo se inclinava para o dele.
— Tudo que é inevitável parece errado antes de acontecer. — respondeu, e então sua boca encontrou a minha.
O beijo foi lento, mas devastador. Não havia hesitação nele; o controle absoluto de um homem que sabe o efeito que causa. Eu tremia, não de medo, mas de rendição. Cada fibra do meu corpo gritava que eu devia recuar, mas a raiva de Wagner, a carência, o magnetismo de Vincent — tudo me puxava para frente.
As mãos dele deslizaram pela minha nuca, pelos meus ombros, até meu quadril. Eu arfei, sentindo-me consumida e, ao mesmo tempo, culpada no instante em que me entregava. Quando percebi, já estava no colo dele, minhas pernas enlaçando sua cintura como se o corpo tivesse decidido antes da mente.
— Por quê? — gemi contra sua boca, mais um lamento do que uma pergunta.
— Porque tu precisa sentir o que é ser desejada por um homem, não por um menino. — A voz dele era ferro e veneno, e eu me curvei diante dela.
O calor da lareira se confundia com o calor da pele dele contra a minha. Eu sentia cada músculo, cada respiração, e quanto mais me afundava, mais me odiava e mais queria. Era prazer e penitência ao mesmo tempo, como se cada toque fosse tanto um beijo quanto uma sentença.
E quando finalmente cedi por completo, quando o inevitável se consumou entre nós, percebi que já não havia volta. O arrependimento me invadia no mesmo instante em que o êxtase me rasgava. Era traição, era queda, era perdição — e, ainda assim, eu não resisti.
O beijo dele não pedia licença, mas também não foi violência. Foi comando. A boca firme, o gosto de vinho e fumaça se infiltrando na minha língua. Eu tremia, e não era só de nervoso: era de fome, de calor que me queimava por dentro desde a piscina.
A mão dele escorregou da minha nuca até minhas costas, puxando-me mais perto. O tecido fino do vestido que eu usava não era nada diante da pressão da mão dele. Quando percebi, já estava montada sobre ele, sentindo a dureza crescer contra mim por baixo da calça. Meu corpo reagia sozinho: quadris roçando, pernas enlaçando, como se tivesse esperado por aquilo a vida inteira.
— Não… — tentei murmurar, mas saiu como um suspiro suplicante.
— Sim. — ele cortou, o olhar cravado em mim, e não precisei de mais nada.
Os botões do meu vestido cederam sob seus dedos largos, e o ar frio da sala me arrepiou os seios. Eu os cobri instintivamente, mas ele afastou minhas mãos, deixando meu corpo exposto à luz da lareira. O olhar dele percorreu minhas curvas com calma, como se cada centímetro fosse dele por direito. Senti-me devorada antes mesmo de ser tocada.
Quando a boca dele encontrou meu pescoço, desceu pelo colo e tomou um dos meus mamilos entre os lábios, eu arqueei como se estivesse sendo atravessada por corrente elétrica. O prazer veio com culpa, como se cada gemido fosse uma confissão gritada contra as paredes da sala.
— Tu é linda, Ellen… — ele murmurou contra minha pele. — Tua força tá no corpo e no olhar.
Meus quadris já se moviam sozinhos sobre ele, buscando fricção, calor, qualquer coisa que aliviasse o incêndio entre minhas pernas. A pressão contra a ereção dele me fazia gemer baixo, mordendo os lábios para não perder o controle.
Ele me ergueu nos braços com facilidade, como se eu fosse leve, e me deitou no tapete diante da lareira. O fogo estalava atrás de mim, iluminando meu corpo nu. Senti a palma da mão dele deslizar da minha barriga até o centro do meu desejo, encontrando-me molhada, aberta, faminta.
— Tu já tava me esperando. — disse com um meio-sorriso frio.
Eu não respondi. Apenas fechei os olhos quando os dedos dele me penetraram, lentos, profundos, explorando cada reação. Meu corpo se arqueava, minha boca se abria em gemidos que eu não reconhecia como meus.
Quando ele tirou a calça, o mundo pareceu parar por um instante. O tamanho, a rigidez dele me fez engolir seco. Senti medo e tesão ao mesmo tempo, como se estivesse diante de algo proibido e inevitável.
Ele se deitou sobre mim, prendendo-me com o peso do corpo, e em um movimento firme, me penetrou. O grito que escapou da minha boca foi metade dor, metade prazer. O corpo dele se encaixava no meu como uma sentença.
Cada estocada era profunda, calculada, ritmada. Não havia pressa. Ele não era um garoto se satisfazendo: era um homem me tomando, fazendo questão de marcar cada segundo. Eu arranhava as costas dele, gemia seu nome, e ao mesmo tempo me odiava por isso.
— Tu sente? — ele murmurava no meu ouvido, a respiração quente. — Sente a diferença?
E eu sentia. Sentia até a alma. Sentia que estava me perdendo para sempre, que não havia volta. O prazer se acumulava em ondas, cada vez mais intensas, até que meu corpo se despedaçou em espasmos, um orgasmo violento que me deixou arquejando, molhada de suor e lágrimas.
Ele continuou, sem me dar tempo de respirar, levando-me a um segundo clímax, ainda mais brutal. Eu gritava, pedia para parar, e ao mesmo tempo implorava por mais. Quando finalmente o senti explodir dentro de mim, o calor dele preenchendo meu corpo, compreendi que estava selada. Eu havia cruzado a linha, e não havia retorno.
O silêncio que veio depois foi sepulcral. O fogo ainda crepitava, meu peito subia e descia rápido, e os olhos dele me observavam com a mesma calma de antes, como se nada tivesse acontecido.
Foi naquele instante, ainda ofegante, que o arrependimento me golpeou mais forte do que qualquer prazer.
Eu tinha acabado de trair meu marido. E com o pai dele.
Eu ainda arfava no tapete, corpo trêmulo, a pele suada brilhando com a luz do fogo, quando Vincent me tomou pelos pulsos. Não com violência, mas com firmeza — firmeza de quem não pede, apenas leva.
— Aqui não. — disse, a voz baixa, quase um rosnado. — No meu quarto.
Fiquei imóvel por um segundo, o coração descompassado. O quarto dele. O território mais íntimo, mais proibido. Eu devia dizer não, devia recusar. Mas não consegui. Quando ele me ergueu, meu corpo obedeceu antes da minha boca.
Subimos a escada. O corredor estava mergulhado em penumbra, e cada passo parecia ecoar dentro de mim como um tambor anunciando minha condenação. A porta se abriu, e o quarto dele me engoliu com cheiro de madeira, couro e algo inconfundivelmente masculino.
Ele me jogou contra a cama larga, os lençóis escuros se amassando sob meu corpo nu. Ficou de pé por um instante, me observando como quem contempla uma conquista. Seus olhos não tinham ternura; tinham posse.
— Abre as pernas. — ordenou, e eu obedeci antes mesmo de pensar.
Ele se ajoelhou entre minhas coxas e me devorou com a boca, língua e lábios explorando cada dobra, cada pulsar do meu sexo encharcado. Eu me arqueava, gemia alto, as mãos agarrando os lençóis para não enlouquecer. Vincent não tinha pressa: controlava meu prazer como um maestro, levando-me à beira do clímax e recuando, arrancando de mim súplicas que eu jamais pensei que faria.
— Por favor… — implorei, já sem fôlego.
Ele ergueu os olhos, o rosto molhado, e sorriu de canto.
— Não é tu quem manda aqui.
Subiu sobre mim de novo, penetrando-me com força, mais fundo do que antes. A cama gemeu sob nosso peso. Eu gritei, arqueando, cada estocada arrancando de mim gemidos de prazer e de culpa entrelaçados. Ele segurou meus pulsos acima da cabeça com uma mão, prendendo-me completamente, enquanto a outra deslizava pela minha garganta, pressionando levemente. O gesto não era para machucar — era para me lembrar que eu estava sob o domínio dele.
— Tu gosta de ser controlada. — sussurrou contra meu ouvido. — Sempre quis isso, mesmo sem admitir.
E naquele instante eu soube que era verdade. Eu me rendia, me deixava guiar, e o prazer me despedaçava porque vinha junto do pecado.
Ele me virou de bruços, segurou minha cintura e me tomou por trás. A posição expunha tudo, me deixava aberta, entregue. O som dos nossos corpos se chocando preenchia o quarto, abafado apenas pelos meus gemidos e pelo grunhido grave dele. Cada investida era mais profunda, mais brutal, e ainda assim eu pedia por mais.
Quando gozei de novo, foi com violência, o orgasmo me atravessando inteira, arrancando lágrimas dos meus olhos. E mesmo assim ele continuou, até explodir dentro de mim uma segunda vez, o corpo dele estremecendo contra o meu.
Desabei sobre os lençóis, exausta, o coração martelando. Ele deitou ao meu lado, mas não me envolveu. Apenas ficou ali, respirando fundo, olhando para o teto como se já tivesse retomado o controle absoluto. Eu, ao contrário, sentia que nunca mais teria controle de nada.
Foi nesse quarto que compreendi, de forma cruel, porque Vincent era dominador. Não apenas porque sabia comandar com o olhar ou com o silêncio, mas porque me mostrou que eu nunca estive no comando. Eu só obedecia ao desejo, ao corpo, ao poder dele.
E naquela cama, ao lado do sogro que acabara de me possuir de todas as formas possíveis, eu percebi: meu casamento tinha acabado, mesmo que Wagner jamais descobrisse.
Parte 5
O sol da manhã entrou pelas cortinas do quarto, forte, implacável, como se quisesse iluminar meu pecado para o mundo inteiro ver. A primeira coisa que senti foi o cheiro da madeira encerada, misturado ao suor seco na minha pele. A segunda foi o espaço vazio ao meu lado.
Vincent já não estava ali.
Levantei a cabeça, atordoada, o corpo dolorido de prazer ainda latejando. A cama arrumada, como se nada tivesse acontecido. Nenhum rastro dele, nem uma peça de roupa largada, nem mesmo o calor no lençol. Era como se ele tivesse se apagado com o amanhecer, deixando-me sozinha com a vergonha.
Apoiei os pés no chão frio. Cada passo até o banheiro parecia arrastar comigo um peso invisível. Quando me vi no espelho, quase não reconheci meu próprio reflexo: os cabelos desgrenhados, os lábios inchados de tanto beijo, marcas arroxeadas espalhadas pelo meu pescoço e coxas. Eu era uma confissão ambulante.
Lavei o rosto, vesti a primeira roupa que encontrei, e desci. A casa estava silenciosa, exceto pelo barulho distante de talheres. Encontrei Vincent na cozinha, impecável como sempre, de camisa clara e mangas arregaçadas. Preparava café como se fosse o mais banal dos rituais.
Ele ergueu os olhos para mim, apenas por um segundo, e voltou a atenção para a cafeteira.
— Dormiu bem? — perguntou, a voz neutra, quase gélida.
Senti a garganta apertar. Quis gritar, quis acusar, quis chorar. Mas não consegui. Apenas assenti, emudecida.
Ele serviu duas xícaras, empurrou uma em minha direção, e se sentou. Nenhum gesto de carinho, nenhum traço da intensidade da noite anterior. Só a frieza habitual, como se nada tivesse acontecido. Como se o que vivemos não passasse de uma transgressão calculada, agora guardada a sete chaves dentro dele.
Eu bebi em silêncio, o café amargo queimando minha língua.
Pouco depois, Wagner apareceu. Estava com o rosto amassado de sono, mas sorria, como se a briga do dia anterior tivesse evaporado durante o descanso. Encostou no batente da porta e me deu um beijo rápido na testa.
— Bom dia, amor. — disse, a voz leve. — Dormi como uma pedra.
Quase vomitei com o peso da culpa.
Olhei para ele e vi um menino, distraído, satisfeito por nada. E ao mesmo tempo vi nele um marido que acreditava em mim, que não fazia ideia do que havia acontecido a poucos metros de onde dormia. O contraste me rasgou por dentro.
Vincent apenas observava, em silêncio, o olhar dele se fixando na borda da xícara de café, como se nada lhe dissesse respeito. Mas eu sabia. Sabia que atrás daquela máscara impassível estava a lembrança da noite em que ele me dominou, a lembrança que me pertencia e que ele jamais iria verbalizar.
O dia seguiu lento, arrastado. Passeamos pelo jardim, almoçamos juntos, mas cada gesto parecia envolto por um véu de tensão invisível. Wagner ria de coisas simples, comentava sobre trabalho, sobre planos, enquanto eu mal conseguia ouvir. Minha mente voltava à madrugada, às mãos firmes no meu corpo, às ordens que eu obedeci sem questionar.
Eu sorria para Wagner, mas por dentro gritava. E cada vez que Vincent cruzava meu campo de visão — sentado na varanda, caminhando pelo pátio, erguendo uma taça de vinho — o peso da lembrança me esmagava. Ele não precisava dizer nada. O silêncio dele era o segredo que partilhávamos, e que já me consumia inteira.
Naquela noite, quando voltamos para casa, Wagner deitou-se ao meu lado e me puxou para si, como se nada tivesse mudado. E eu chorei em silêncio, porque sabia que tudo havia mudado para sempre.
Epílogo — O Golpe Final
Se tu chegou até aqui, talvez já ache que compreendeu meu pecado. Talvez já tenha me condenado em silêncio, talvez até tenha sentido nojo da minha fraqueza. Mas ainda não sabes tudo. Ainda não sabes por que eu precisava escrever, por que não consigo mais guardar esse segredo dentro de mim.
Eu estou grávida.
Escrevo devagar agora, como se cada letra fosse uma faca rasgando meu peito. Descobri há algumas semanas, quando o atraso me fez desconfiar. Fiz o teste sozinha, trancada no banheiro, as mãos tremendo. E quando vi aquelas duas linhas vermelhas, meu mundo desmoronou.
No começo, eu quis acreditar que era de Wagner. Me apeguei à esperança como quem se agarra a uma tábua no meio do mar. Mas logo veio a conta cruel: o tempo. As semanas não batem. O último dia com Wagner antes da briga idiota foi dias antes da viagem. E o que aconteceu depois, na chácara… foi naquele sábado à noite. Só pode ser dele. Só pode ser de Vincent.
Tu entendes agora o peso? Carrego no ventre a prova viva do meu pecado. Um filho que não é do meu marido. Um filho que nunca poderá ser revelado sem que tudo desmorone.
Eu caminho pela casa como uma sombra, sorrindo para Wagner, fingindo normalidade, mas cada vez que sinto o corpo mudar, cada enjoo, cada aperto no peito, eu lembro. Lembro das mãos firmes dele, do olhar azul me despindo, da voz que me dominou. É como se Vincent ainda estivesse dentro de mim, não apenas na memória, mas na carne, no sangue, no futuro que cresce dentro do meu ventre.
Às vezes penso em fugir. Sair de casa, sumir, inventar desculpa. Outras vezes penso em confessar, deixar que a verdade venha como avalanche e destrua tudo de uma vez. Mas eu não tenho coragem. Não quero perder Wagner, não quero destruir o que resta do nosso casamento.
Vincent… ele não precisa saber. Não porque eu tema uma reação dele, mas porque sei que, para ele, o que houve naquela noite já está enterrado. Ele voltaria a vestir sua máscara de frieza, e eu ficaria sozinha com a lembrança. É isso que mais me dói: o peso não é dele. É meu. Sempre será meu.
Eu sei que um dia a verdade pode explodir, e quando acontecer, vou perder tudo. Mas até lá, vou carregar essa culpa como cruz. Vou sorrir para Wagner, vou acariciar sua mão, vou fingir que esse filho é dele. E cada vez que o bebê chutar dentro de mim, vou lembrar da noite em que meu corpo traiu, da noite em que me entreguei ao homem que eu nunca deveria ter desejado.
Esse é o meu segredo. A confissão que nunca ousei falar em voz alta. Se tu leu até aqui, guarda comigo. Porque eu não tenho ninguém mais para dividir esse fardo.
E quando essa criança nascer, eu vou olhar nos olhos dela e ver os olhos do pai. Não de Wagner. Mas de Vincent.
E esse será meu castigo eterno.
FIM