Desde que Valentim e Noah se conheceram, uma coisa ficou clara: eles vinham de mundos opostos. Noah era todo feito de sombras confortáveis e madrugada elétrica. Tinha na escuridão o seu refúgio favorito, onde as ideias pareciam mais claras e a vida, menos exigente. Já Valentim florescia com o sol. Acordava cedo sem esforço, rendia mais sob a luz do dia e tinha no amanhecer a promessa de tudo o que poderia dar certo.
Valentim ria alto com comédias escrachadas e vibrava com cada nova batalha de super-heróis; os olhos brilhavam quando o vilão era vencido. Noah, por outro lado, se deixava atravessar por filmes independentes, daqueles que pareciam feitos só para ele. Adorava quando o final era aberto, quando a dor era mostrada sem trilha sonora para suavizar.
No som, mais um contraste: Valentim vivia de guitarras distorcidas e letras raivosas; rock pulsava nele como uma segunda corrente sanguínea. Noah preferia as bandas alternativas, aquelas com nomes estranhos e vozes melancólicas que falavam de sentimentos sem nome.
Mas havia um lugar onde eles não divergiam — seus lábios. Quando se beijavam, as diferenças se calavam. Tudo fazia sentido. As línguas encontravam um idioma próprio, como se ambos sempre tivessem falado a mesma língua: a do afeto.
Desde que começaram a namorar, um turbilhão de descobertas tomou conta dos dois. Era um namoro novo, intenso, cheio de doçura, mas também de inseguranças escondidas. Valentim, apesar da entrega nos beijos e carinhos, recuava sempre que Noah tentava avançar. Um gesto, um toque mais íntimo — e Valentim travava. Noah fingia não se incomodar, mas por dentro, algo fervia em silêncio.
Será que era suficiente para ele? Ou seria apenas um experimento, um amor de laboratório prestes a fracassar? Noah não dizia nada. Seu sorriso encobria as dúvidas, e seus olhos, apesar do brilho, denunciavam a insegurança de quem já tinha se machucado antes.
Naquela quinta-feira, Noah pediu para dormir na casa do "amigo". Já tinham estabelecido esse revezamento quase clandestino. Era mais seguro assim. A Discere ainda era um lugar de olhares atravessados.
O quarto de Valentim era grande, mas acolhedor. Pôsteres de bandas de rock e heróis dominavam as paredes. Uma luz azul suave, pendurada como um cometa preso ao teto, deixava o ambiente mais íntimo. Os dois estavam jogados na cama, exaustos depois de uma noite de jogatina, conversas e beijos.
Valentim estava deitado de lado, os olhos presos ao teto, o corpo ainda quente do último abraço. Noah se aproximou e deitou-se com a cabeça sobre o peito do namorado, ouvindo o ritmo tranquilo de seu coração.
— Você é incrível, Noah. — Disse Valentim, num sussurro quase distraído, mas sincero.
— Você também é. — Respondeu Noah, e se aninhou mais fundo. Seu tom era calmo, mas havia uma hesitação em sua voz. — Promete uma coisa?
— Claro. — Valentim virou o rosto para ele, atento.
— Promete que não vai ficar chateado com a surra que a gente vai te dar no final da competição?
Valentim soltou uma risada abafada, bagunçando os cabelos do outro com carinho.
— Vai sonhando, Noah. Essa competição é do terceirão. Provavelmente vai ser meu último ano e quero terminar com chave de ouro.
Noah ergueu um pouco a cabeça, os olhos semicerrados.
— Provavelmente?
— Eu bombei em algumas matérias. A direção já avisou meus pais que talvez eu entre em recuperação no fim do semestre.
— Que droga, Val. — Murmurou Noah, genuinamente preocupado.
Valentim deu de ombros, tentando aliviar o peso do assunto.
— Tudo bem. Pelo menos com o apoio da equipe pedagógica da Discere, posso focar melhor nos meus objetivos e tarefas.
Noah sorriu, tocando de leve o rosto do namorado.
— Fico feliz que teus pais conseguiram dialogar contigo por causa do TDAH. As pessoas acham que isso é frescura, tanto que muitos convivem com isso sem serem diagnosticados.
— É... — Falou Valentim, com um tom mais suave. — Mas agora, vamos dormir? Amanhã vai ser um longo dia.
— Vai mesmo. — Concordou Noah, se ajeitando melhor, o rosto encostado no pescoço de Valentim.
E ali, entre as diferenças que os afastavam e os beijos que os uniam, os dois adormeceram no silêncio cúmplice de quem, mesmo cheio de dúvidas, escolhe continuar.
***
A manhã estava nublada e abafada, como se o céu carregasse o mesmo peso e a mesma ansiedade que pairavam sobre os alunos da Escola Discere. No bosque que circundava o campus, a última e mais aguardada etapa da Gincana dos Quatro Elementos ganhava vida em estações distribuídas por entre árvores e clareiras. Professores, jurados e estudantes se espalhavam, atentos, enquanto câmeras transmitiam cada momento para o telão do auditório principal, onde a torcida se aglomerava.
Valentim, com o uniforme levemente amarrotado e o suor frio denunciando seu nervosismo, olhava fixo para sua equipe.
— A gente chegou até aqui invicto. E agora é a hora de fechar com chave de ouro. Vamos nessa?
Um coro de aplausos e gritos respondeu. Mas os olhos dele não pararam nos colegas — procuravam, inevitavelmente, um olhar específico. Noah estava mais afastado, encostado no tronco de uma árvore, o semblante distante. Desde a entrevista polêmica do pai, semanas antes, parecia carregar uma sombra no rosto. Ainda assim, continuava imbatível em tudo o que fazia.
O apito da professora de Educação Física cortou o ar pesado.
— Primeira estação: Terra! — Anunciou.
Pneus, troncos, barrancos de areia. Valentim correu à frente, guiando a equipe como sempre fazia — com coragem, fôlego e um entusiasmo que contagiava até quem mal conseguia respirar. Noah vinha logo atrás, tentando manter a expressão impassível, mas não resistiu a um sorriso ao vê-lo tropeçar e rolar morro abaixo.
— Tá bem, idoso? — Gritou, estendendo a mão.
Valentim segurou-a — por um segundo a mais do que precisava.
— Estou ótimo. — Piscou e disparou rumo à linha de chegada.
— Vitória do terceiro ano "B"! — Anunciou a professora. — Vamos lá, equipes! Nada de corpo mole!
Segunda estação: Ar – O Equilíbrio dos Ventos. Cordas suspensas, tábuas que balançavam com o vento, e um abismo simbólico logo abaixo. Valentim hesitou no início da travessia, o corpo tremendo mais de nervosismo do que de esforço. Noah se aproximou, voz baixa e firme:
— Respira. Não pensa. Só sente. Eu não vou facilitar pra você.
— Não preciso da tua piedade. — Rebateu Valentim, aproximando-se até quase encostar. — Preciso dos teus beijos.
O sinal foi dado, e a prova começou. Valentim não conseguia se concentrar. Caiu, voltou, tentou de novo, enquanto o segundo ano avançava com calma.
— Vamos, Valentim! — Gritou a professora. — Tá complicado pro terceiro ano!
Ele respirou fundo, prendeu o olhar na chegada e atravessou. Mas já era tarde: o segundo ano havia completado o desafio.
Terceira estação: Fogo – A Travessia da Tocha. Corrida com a chama acesa, desviando de obstáculos que ameaçavam apagá-la. Karla correu primeiro, o rosto iluminado pelo reflexo dourado. Quando entregou a tocha para Noah, a mesma foi apagada por um jato de água. Desesperados, os dois usaram um dos fósforos para acender a pira, então a luz dançou nos olhos dele.
— Você tá estranho hoje. — disse ela, ofegante.
— Karla, a gente precisa conversar. Depois da corrida. — Respondeu sem ironia, partindo em disparada.
Noah competiu contra Berenice, da equipe de Valentim. A garota avançou com agilidade, desviando de barreiras, mas Noah era preciso, veloz, quase um reflexo. No fim, foi a turma de Valentim que cruzou a linha primeiro, arrancando aplausos.
Quarta estação: Água – A Corrida do Copo. Cada aluno atravessava uma ponte estreita carregando um copo cheio. Valentim quase despejou tudo antes do meio do caminho. Noah passou com perfeição.
— Tá me humilhando. — Murmurou Valentim, esboçando um sorriso cansado.
— Eu só queria que você olhasse pra mim. Tipo... de verdade.
Última etapa: Desafio Final – Corrida de Revezamento dos Elementos. As quatro provas unidas em sequência. As turmas gritavam, vibravam, pulavam. Valentim correu sentindo o coração bater não pela vitória, mas porque algo dentro dele parecia se rearranjar, como se estivesse se completando. Cada passo era um aviso silencioso: você tá se apaixonando.
Na última curva, ele avistou Noah, que corria como se o mundo dependesse disso. Passou por ele, quase lado a lado.
— Vai, fedelho.
Noah acelerou como nunca. Mas Valentim também não deu trégua. Usou cada gota de força para chegar ao fim. Ao cruzar a linha de chegada, a torcida explodiu em aplausos. O terceiro ano havia vencido — invicto pelo terceiro ano seguido. Os colegas o envolveram em abraços, e ele se deixou levar pela alegria.
Mas, no meio da comemoração, seu olhar varreu a multidão até encontrar Noah, sorrindo de longe, cercado pelos amigos de sala. Entre o barulho e a euforia, foi como se só existissem eles dois.
***
O corredor lateral da escola estava quase vazio naquela tarde. O som distante de risadas e comemorações ecoava do pátio, onde Valentim celebrava com a turma o encerramento da etapa da gincana. Entre abraços e fotos, ele parecia flutuar — alheio ao turbilhão que se formava dentro de Noah.
Enquanto os colegas se divertiam, Noah caminhava lentamente pelo corredor, com as mãos nos bolsos e o olhar fixo no chão. Sentia o peso de algo que precisava dizer, mas as palavras pareciam escorregar para longe sempre que tentava organizá-las. Ele sabia que Karla não era do tipo que guardava mágoas sem motivo, mas a ideia de estar com o ex-namorado de alguém que considerava amiga lhe causava um incômodo persistente. Era como uma pedra no sapato — pequena, mas impossível de ignorar.
Encontrou Karla sentada nos degraus de uma das saídas laterais, aproveitando um momento de silêncio. O vento leve bagunçava seus cabelos, e ela mexia no celular distraidamente. Ao vê-lo se aproximar, levantou os olhos, curiosa.
Noah respirou fundo, sentando-se ao lado dela.
— Eu e o Valentim estamos namorando. — Disse, de forma direta, como quem arranca um curativo de uma vez.
Karla sorriu de canto, quase divertida.
— Eu sei.
Ele franziu o cenho, desconcertado.
— É que... eu não queria que você ficasse chateada ou...
— Ei, Noah. Tá tudo bem. — Ela interrompeu com um tom calmo, pousando a mão em seu ombro. — Eu faço gosto do namoro de vocês.
Ele arqueou a sobrancelha, e ela riu, fazendo uma careta exagerada.
— Meu Deus, pareço uma velhinha falando assim. Mas é sério. Eu fico feliz que o Valentim tenha se encontrado e mais feliz ainda por ser você a razão disso. Eu sabia que aquele jogo de rato e gato entre vocês tinha algo por trás. — Contou Karla e a revelação fez o semblante de Noah suavizar.
— Ele é incrível, né? — comentou, olhando para o chão com um sorriso tímido.
— Diferente de muitos garotos dessa escola, o Valentim tem um coração bom. Pode não parecer, com essa cara de ogro...
— Não é? — Noah riu junto.
— Mas é verdade. — Ela o encarou com sinceridade. — Eu só acho que você precisa confiar mais .
— Eu só tenho medo de me apaixonar e... sofrer . — O sorriso de Noah vacilou.
— Infelizmente, esse é um risco que todos corremos. — Karla suspirou, apoiando o queixo na mão. — Mas não é do feitio do Valentim fazer outra pessoa sofrer. Confia em mim.
Noah assentiu devagar, sentindo um peso se dissolver em seu peito. Quando se levantou, parecia que parte da tensão havia ficado para trás, junto aos degraus onde conversara com Karla. O corredor já não parecia tão opressor, e cada passo o aproximava do som vivo das vozes e da música improvisada que ecoava do pátio.
Ao atravessar a porta de vidro, a cena quase o fez sorrir de imediato: Valentim estava no centro de um pequeno grupo, falando com gestos exagerados e arrancando gargalhadas dos colegas. A expressão dele era de pura liberdade, como se o mundo inteiro coubesse naquele instante.
Noah ficou parado por alguns segundos, apenas observando. Havia algo hipnótico na forma como Valentim se movia, nas pequenas mudanças do sorriso dele, nos olhos que brilhavam mesmo sob o sol filtrado pelas árvores. Karla tinha razão — havia um coração generoso por trás daquela fachada de ironia.
Quando Valentim finalmente notou a presença de Noah, seus lábios se curvaram em um sorriso rápido, quase cúmplice. Ele se despediu do grupo com um aceno e atravessou o espaço até o namorado.
— E aí, sumido... — Disse, com a voz carregada de um humor leve, mas com um olhar atento, como se percebesse que havia algo diferente.
Noah apenas sorriu e, num impulso raro, segurou a mão dele sem se importar com quem estava olhando. Valentim arqueou a sobrancelha, surpreso, mas não disse nada. Apenas entrelaçou os dedos, apertando de leve.
— Temos que comemorar! — Gritou a professora de educação física.
A quadra da Escola Discere estava em festa. O som dos gritos e das palmas reverberava nas paredes como um eco de triunfo. Confetes dourados caíam do alto, brilhando sob a iluminação forte, enquanto fogos coloriam o céu do pátio. Pela primeira vez na história da Gincana dos Quatro Elementos, uma turma conquistava três vitórias seguidas — e Valentim estava no meio daquela celebração histórica.
Os colegas o ergueram nos ombros, o girando no ar como se fosse um troféu humano. Noah, encostado mais ao fundo, sorria. Ele não estava no alto com Valentim, mas era impossível não sentir orgulho ao vê-lo ali, radiante — ou, pelo menos, deveria estar. Karla, mais afastada, levantou a mão, cruzando os dedos num gesto rápido, quase secreto, de cumplicidade.
A festa organizada pela direção da Discere lembrava uma final de Copa do Mundo: música alta, telões exibindo os melhores momentos, jornalistas locais tentando entrevistar os alunos, professores sorrindo como técnicos campeões. Noah, que até pouco tempo atrás via a escola como um ambiente frio e competitivo, se surpreendia. Ali, naquele instante, havia união. Pessoas diferentes comemorando juntas. Ele não pensava que fosse encontrar algo assim em um colégio de elite.
Foi nesse clima de euforia que seu celular vibrou. Um número desconhecido. Noah quase ignorou, mas, ao abrir a mensagem, o ar lhe faltou. Uma foto piscou na tela — ele e Valentim se beijando, num momento íntimo que nunca deveria ter caído em mãos erradas.
***
+: Boa tarde, Noah.
Noah: Quem é você?
+: Não reconhece mais os bons amigos?
Noah: Gabriel? O que você quer?
+: Preciso falar com você, Noh.
Noah: Cara, me esquece. Mandou alguém me seguir?
+: Tenho meus contatos. Então, pegou o milionário? Cê não perde tempo, né?
Noah: O que vai fazer com essa foto? Eu sou assumido, você não pode me atingir. Fora que o Valentim está de boa com nossa relação.
+: Você e o Valentim sim, mas e o pai dele?
***
Noah sentiu um peso no estômago, como se tivesse levado um soco. Ele conhecia pouco Victor Almeida Cardoso, mas sabia que aquele homem era capaz de esmagar qualquer ameaça à sua "imagem de família perfeita".
Quando a festa chegou ao fim, Noah viu um homem de terno se aproximar de Valentim. Eles trocaram algumas palavras curtas e, logo, Valentim pegou sua mochila e o seguiu. Noah tentou alcançá-lo, mas alguns colegas o pararam para cumprimentos, atrasando seus passos. Ao perceber, Valentim já desaparecia no banco traseiro de um carro preto de vidros escuros.
Lá dentro, seu pai o aguardava.
— Pai, o que está fazendo aqui? — Valentim perguntou, surpreso e cauteloso.
— Que merda é essa, Valentim. — Victor ergueu o celular, exibindo a foto do beijo.
Valentim sentiu o sangue sumir do rosto.
— Eu posso explicar...
— Esse é o filho daquele senador corrupto? — A voz de Victor era um corte seco no ar.
— Ele não é o pai dele. — Respondeu, mordendo o lábio.
O terno caro do pai parecia apertado pela rigidez da postura. O ar no carro ficou denso, quase sufocante.
— Você tem um nome a zelar. Uma imagem. É a próxima geração da minha empresa. E anda se distraindo com coisas que não fazem parte do plano.
A raiva queimou no peito de Valentim.
— Que plano, pai? O seu plano? Porque a minha vida não tá à venda junto com as lojas da família!
Victor bateu a mão no banco.
— Você vai se concentrar nos estudos. Vai entrar na faculdade que eu escolher. Vai manter o namoro com a Karla, custe o que custar.
Valentim riu, um riso curto e sem humor.
— Karla e eu não estamos mais namorando.
O silêncio que se seguiu foi como um precipício.
— O quê? — Victor o encarou como se procurasse algo para odiar. — Gosta de homens?
O mundo prendeu a respiração. Valentim quis dizer que não. Que era apenas uma fase. Mas se lembrou do toque de Noah, do jeito como ele o olhava, e de como tudo nele parecia certo.
— Eu não sei o que eu sou ainda. Mas sei que não quero viver uma mentira.
— Puta merda, Valentim. — Victor soltou, antes de baixar o vidro da porta. — Rafael, vamos para casa.
— Ok, senhor. — O motorista entrou no carro e deu partida no motor.
O carro seguiu até o portão do condomínio em silêncio. Nenhuma palavra foi dita até o motorista parar.
***
Naquela noite, no quarto, Valentim ficou deitado encarando o teto. A penumbra era cortada apenas pelo facho amarelado do abajur, projetando sombras longas nas paredes. O silêncio parecia mais pesado do que qualquer palavra que seu pai pudesse ter dito. O celular descansava sobre o peito, como se fosse uma âncora segurando-o no fundo.
Ele abriu a conversa com Noah e viu o histórico — piadas internas, mensagens de madrugada, fotos com olhares cúmplices. Cada linha era um pedaço da vida que queria viver, mas que agora parecia ameaçada. Os dedos digitaram, hesitaram, apagaram. Tentou de novo, até que finalmente enviou:
Valentim: Você vai estar na escola amanhã?
A resposta veio tão rápido que o coração dele deu um salto.
Noah: Por quê? Aconteceu alguma coisa?
Valentim: Meu pai descobriu. Enviaram uma foto nossa para ele.
***
Noah leu a mensagem e, por um instante, esqueceu como respirar. O corpo congelou. O suor brotou na nuca e escorreu devagar, gelado, como se a temperatura da sala tivesse caído de repente. O celular tremia entre os dedos. Ele leu e releu as palavras, como se uma segunda leitura pudesse mudar o sentido, mas a frase continuava lá, como um carimbo em fogo na pele.
A foto. O pai de Valentim.
O coração batia descompassado, tão forte que parecia ecoar nos ouvidos. Uma sensação de náusea subiu pelo estômago, o obrigando a se sentar na cama e pressionar a testa com as mãos. Ele conhecia o peso de uma família rica e conservadora — e sabia que, quando um segredo se quebrava ali dentro, não havia espaço para desculpas.
Ele pensou no que Gabriel tinha dito, no ódio velado em cada mensagem, no prazer que ele sentia ao ameaçá-lo. O mundo parecia pequeno demais para onde se esconder. E, no meio do pânico, a única coisa que desejava era correr até Valentim e dizer que estava ali, que não o deixaria sozinho.
Enquanto isso, Valentim sentia uma dor surda no peito, como se cada batida do coração rasgasse algo por dentro. Ele encarava a tela do celular, mas via o reflexo dos próprios olhos marejados. Sabia que a vida dele mudaria dali para frente — não apenas com o pai, mas com todos.
A imagem de Noah sorrindo, livre, lhe atravessou a mente. E, pela primeira vez, Valentim percebeu que estava disposto a pagar o preço. Não iria se esconder. Não mais. Abriria o coração, não só para o pai, mas para a sociedade inteira, se fosse preciso.
Mesmo que isso custasse tudo.