Capítulo 45 - Vitória e Consequências!
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Bernardo:
A escola estava em festa. Daniel conquistou a medalha de ouro para nossa escola naquele dia em que estava tão nervoso que mal conseguia subir as escadas. Lembro que, depois de deixá-lo no vestiário, voltei para o meu lugar na primeira fila, ao lado de Théo. Não demorou muito para que eu visse meu namorado subindo as escadas junto com os outros competidores. Todos se posicionaram em suas raias. Daniel olhou para mim com hesitação, e eu retribuí com incentivo. Mandei-lhe um beijo, e ele sorriu. Ajustou os óculos e a touca azul, olhou para a imensa piscina olímpica e, em seguida, ouvimos o som do tiro. Todos pularam na água imediatamente, inclusive Daniel. Era incrível como toda aquela falta de confiança desapareceu no instante em que ele mergulhou. Daniel nadava com determinação e garra, como se aquilo fosse a coisa que mais amava fazer na vida. E talvez realmente fosse, pois na água ele não era o garoto com problemas familiares ou o garoto gay que só agora tivera coragem de se assumir. Na água, ele era apenas Daniel.
Meu namorado chegou ao outro lado um milésimo de segundo antes de um garoto de uma escola de Canoas. Daniel girou na água e voltou todo o percurso em nado borboleta. Era impressionante como ele subia e desaparecia na água, ganhando velocidade até finalmente alcançar a borda da piscina, seguido pelo garoto de Canoas e outro de Torres. Não me contive e me levantei gritando, seguido por toda a plateia da nossa escola, que vibrava e gritava o nome de Daniel como se fosse um louvor. Meu namorado saiu da água, tirou os óculos e a touca, deixando o cabelo loiro molhado todo desgrenhado.
Ele sorriu e ergueu os braços, completamente realizado. Eu não resisti e corri até ele, escorregando um pouco na beira da piscina, mas consegui me manter em pé. Cheguei a Daniel e o abracei apertado.
– Eu consegui! – disse ele, parecendo incrédulo.
– Eu sabia que conseguiria – comecei a chorar de emoção – Você foi incrível, Daniel.
Meu namorado me deu um beijo carinhoso, e todos na plateia gritaram em incentivo, embora alguns também tenham vaiado. Mas não nos importamos com eles. Daniel conseguiu. Nadou com graça e conquistou a medalha de ouro. Ele merecia aquilo.
Depois houve a cerimônia de entrega das medalhas. Meu namorado vestia calça e jaqueta esportiva do Colégio Imperial, e estava sobre o pódio, ladeado pelos outros competidores que ficaram em segundo e terceiro lugares. Todos aplaudiam, e ele sorria como nunca o vi sorrir em toda a minha vida. Ele se sentia realizado e feliz, mais feliz do que eu jamais fui capaz de fazê-lo se sentir.
A olimpíada continuaria durante a semana, mas a prova de natação tinha acabado naquele sábado. A escola começara os treinos de luta, vôlei e futebol tardiamente devido à mudança de direção durante o ano letivo. Ninguém apostava muito nessas modalidades, mas muitos já tinham visto Daniel nos treinos e confiavam nele. Tudo havia sido planejado previamente: Rafael, presidente do corpo estudantil, conversara com o diretor sobre uma festa de comemoração caso alguém ganhasse uma medalha, e ele concordara, desde que fosse algo controlado e sem bebida alcoólica, mesmo que alguns alunos já fossem maiores de idade. Rafael aceitou, mas, claro, houve bebida. Um DJ foi contratado, assim como luzes e um barman. Havia um buffet com diversos salgadinhos e comidas variadas, além de mesas redondas que quase ninguém usou, pois todos estavam na pista de dança naquela noite.
Houve uma homenagem a Daniel e ao treinador Orlando. Eles foram chamados ao palco e receberam aplausos de todos os alunos. Daniel exibiu sua medalha de ouro, que cintilava sob as luzes dos holofotes. Todos estavam orgulhosos dele, assim como eu. E pensar que ele chegou a cogitar desistir quando sofreu preconceito no primeiro treino.
Daniel desceu e me abraçou apertado, beijando-me intensamente. A medalha pendia em seu pescoço, e senti seu frio metálico contra meu peito. Seus lábios carregavam algo além do amor: uma euforia contagiante que me fazia sentir ainda mais apaixonado por ele. Nossos lábios se separaram, e começamos a pular no refrão de Sweet Nothing, de Calvin Harris e Florence.
Cantávamos, dançávamos e nos beijávamos como se não houvesse amanhã. A bebida misturada discretamente em nossos drinks supostamente sem álcool ajudava bastante, mas eu não me importava com a sensação de que tudo girava e meu corpo reagia em câmera lenta. Estávamos felizes comemorando a vitória de Daniel, e ninguém tiraria isso de nós.
– Vai com calma – disse Théo quando tomei o último gole de um coquetel de frutas – Você já está muito doido!
– Relaxa, Théozinho! – gritei para ser ouvido em meio à música – Hoje é dia de comemorar!
– Sei… cadê Daniel? – ele perguntou.
– Foi buscar outra bebida para nós – respondi, percebendo que já haviam se passado quase seis músicas desde que ele saiu – Deve estar demorando, a fila deve estar cheia.
– Realmente, a fila está grande – falou Samuel – Levei quase quinze minutos para pegar uma bebida. E o diretor fica de olho o tempo todo para ver se ninguém “batiza” nada.
– Ele vai acabar descobrindo – Théo deu de ombros – Mas Rafael vai suborná-lo, como fez com o barman. Vai ficar tudo bem.
– Quero beber mais – disse, tropeçando no próprio pé, e tenho certeza de que cairia se Samuel não me segurasse.
– Não vai mais – Théo falou – Vamos para o dormitório. Você está muito bêbado!
– Estou, né? – gargalhei – Só fiquei assim uma vez na vida e acabei dando para cinco garotos e gravando tudo. Théo, você viu o vídeo, Samuel?
– Não, e nem quero ver – respondeu Samuel, ajudando-me a andar, tarefa extremamente difícil naquele estado.
Tropeçava facilmente, sem noção de onde meus pés estavam. Na verdade, eu estava mais bêbado do que naquele dia em que gravei o vídeo. Pisquei e, quando abri os olhos, estava no colo de Samuel; o copo vazio em minha mão havia desaparecido. Estávamos no gramado do colégio, e vi Daniel conversando com um homem cuja idade eu não conseguia distinguir, pois seu rosto tremia diante de mim. Junto deles estava o treinador Orlando.
– Leva ele para o dormitório que eu vou falar com Dany – ouvi Théo dizer, sem saber onde ele estava – Te encontro lá para você poder tomar banho.
– Ok – respondeu Samuel.
Tudo ficou escuro mais uma vez.
Acordei no dia seguinte com a sensação de ter sido atropelado por um caminhão cegonha. Minha cabeça doía, o estômago revirava, e sabia que vomitaria a qualquer momento. Abri os olhos, e a luz do dia que entrava pela janela foi intensa demais. Levantei-me para fechar a cortina, mas escorreguei em algo gosmento e caí de costas. Um cheiro azedo penetrou meu nariz: havia vomitado durante a noite, mas não me lembrava.
– Be! – Daniel se levantou da cama ao lado e veio em meu auxílio – Você está bem?
– Não – respondi com voz rouca, cabeça latejando – O que aconteceu?
– Você exagerou na bebida – respondeu – Vodca demais.
– Vomitei no quarto? – perguntei, mesmo sem esperar resposta.
– E no colo do Samuel também – respondeu – Nunca te vi beber assim. Onde você estava com a cabeça?
– Não sei – tentei me levantar, e Daniel me ajudou – Só fui bebendo, falando com Théo e Samuel, e apaguei. Não lembro de mais nada.
– Você não apagou até chegar aqui – explicou – Théo disse que você quase caiu, e Samuel te pegou no colo. Você começou a cantar uma música doida e vomitou no colo dele enquanto te traziam para cá. Depois, quando cheguei, você vomitou no chão e caiu no sono.
– Não lembro de nada.
– É melhor nem lembrar – disse Daniel, guiando-me ao banheiro – Você tentou tirar minha calça para me chupar e tentou colocar o celular no… Bom, digamos que terá que limpá-lo depois.
– Que vergonha – murmurei, cobrindo o rosto e sentindo meu estômago dar voltas – Alguém viu?
– Théo viu – respondeu – Por sorte, Samuel estava tomando banho na hora. Prepare-se, ele não vai deixar passar.
Daniel tirou minha camisa, calça jeans e cueca, abriu o chuveiro com água fria e me colocou dentro. Pegou o sabonete, mas ergui a mão para sinalizar que eu tomaria banho sozinho.
– Estou bem sozinho, Dany – disse, sentindo pontadas na cabeça – Só escorreguei naquela sujeira.
– Tem certeza? – perguntou.
– Tenho – respondi, mas a dor me fez gemer – Só estou com dor de cabeça.
– Tudo bem, qualquer coisa me chama – disse, saindo do banheiro, mas deixou a porta entreaberta.
Não precisei dele, mas ainda estava péssimo. A cabeça latejava, o estômago se revirava, e meu corpo doía como se tivesse levado uma surra. Ainda assim, tudo valera a pena pela comemoração da conquista de Daniel. Medalha de ouro! Uma grande honra.
Saí do chuveiro e me olhei no espelho: bolsas arroxeadas embaixo dos olhos vermelhos, pele pálida, cotovelo ralado. Enrolei-me na toalha e saí, tonto, mas suportável. Dei de cara com Daniel limpando o meu vômito, com expressão de nojo.
– Deixa que eu limpo – disse, mas minhas pernas vacilaram e apoiei-me na cômoda de Théo. Daniel quase veio em meu auxílio, mas neguei com a cabeça – Estou bem.
– Pode deixar – disse Daniel – Você está péssimo!
– Nossa, obrigado! – respondi, pegando uma muda de roupa.
Vesti cueca, bermuda jeans e camiseta rosa. Voltei ao banheiro para escovar os dentes e tirar o gosto de álcool. O contato com a água despertou uma sede louca. Enquanto escovava, fragmentos da noite surgiam: eu dançando, tropeçando, caindo no chão e depois no colo de Marcelo, vendo Daniel conversando com um homem estranho e o treinador Orlando.
Daniel colocou a toalha sobre a roupa suja, e pedi para que alguém limpasse meu quarto de verdade. Peguei o celular para perceber que estava com cheiro peculiar; encharquei algodão em álcool para desinfetá-lo.
– Sabe que o cheiro não vai sair assim, né? – disse Daniel, de braços cruzados.
– Não, mas pelo menos ficará desinfetado – respondi, esfregando com força.
Daniel deu de ombros, entrou no chuveiro e saiu vestindo bermuda de tactel branca, camisa preta e chinelos de Théo. A faxineira chegou pouco antes de sairmos para o café da manhã, e Daniel carregou minha mochila enquanto eu andava lentamente até o elevador.
No refeitório, Gabriel, Nick, Fábio e Alice já estavam lá. Sentamos, e meu irmão me encarou assustado.
– O que aconteceu com você? – indagou Gabriel – Parece que foi atropelado.
– Gabriel, te amo, mas juro que vou te dar um tiro se continuar gritando – disse massageando a têmpora.
– Tá de ressaca das brabas – comentou Alice – Beba bastante líquido.
– Preciso mesmo de água – falei olhando para Daniel – E um pouco de comida também.
– Já entendi – disse, pegando uma bandeja e trazendo meu café da manhã. Agradeci com um beijo e Daniel preparou sua própria bandeja.
Bebi o suco e devorei a água mineral.
– Bom dia, vadias! – anunciou Théo, erguendo os braços – Como foi a noite de vocês? A minha foi maravilhosa!
– Deve ter dado essa bunda a noite inteira! – brincou Nick.
– Sim, amor! – respondeu Théo – Está com ciúmes?
– Não mesmo – Nick riu. Ian não apreciou a intimidade entre os dois.
– Vamos mudar de assunto – disse Samuel.
Théo deu de ombros, lançou um sorriso malicioso, mas eu o ignorei.
Por volta das dez, minha mãe veio buscar nós quatro. Dormi quase toda a viagem, e ela percebeu.
– Não quero bancar a chata, mas você sabe o que a bebida faz – disse ela pelo retrovisor – E você é muito novo para isso.
– Agora não, mãe – implorei, cabeça latejando – Só quero dormir.
– E é para estar mal mesmo! – respondeu exaltada – Absurdo um garoto da sua idade beber! Como conseguiram entrar com bebida na escola?
– Não sei, mãe – menti. – Só quero dormir.
Ela entregou um saco para vomito e avisou que Gabriel não poderia beber até os dezoito anos.
O resto do caminho foi silencioso. Apoiei a cabeça no braço de Daniel e cochilei. Minha mãe deixou Théo em sua casa, e Daniel veio conosco até o apartamento, carregando mochilas.
No quarto, perguntei:
– Quem era aquele homem com quem você conversava ontem?
– Um recrutador – respondeu Daniel – Quer que eu me junte à sua equipe depois da formatura.
– Ótimo! – me empolguei, mas o olhar sério dele revelou que não era tão simples.
– Seria ótimo se a equipe não fosse nos Estados Unidos – lamentou – Eu teria que morar lá.
Meu sorriso desapareceu. Era o sonho dele, e eu sabia disso, mas ficar longe seria doloroso. Poderíamos nos falar todos os dias e eu visitá-lo nas férias, mas e se ele encontrasse alguém lá? E se nosso amor não fosse forte o suficiente para suportar a distância? Era egoísmo pensar assim, mas eu precisava considerar. Ele queria nadar e ser feliz; eu não poderia negar isso. Eu o amava demais.
– Que bom que você fala inglês – disse tentando segurar o choro – Em qual estado?
– Washington – respondeu, mas não vou.
– Por quê não, Danny? – perguntei fungando – É o que você quer e merece.
– Não quero ficar longe de você – disse com lágrimas.
– Eu também te amo – falei, começando a chorar – Mas você tem que ir. Não desperdice essa chance por minha causa!
– Não quero ir! – insistiu.
– Vai sim – gritei, me arrependendo logo depois – Você vai e fim de história!
– Eu não vou – argumentou.
– Diz isso agora, mas daqui a dez anos verá a merda que fez em ficar! – gritei.
– Quero ir, Bernardo, mas teria que abrir mão de tudo e de você.
– Se for preciso para seguir seu sonho, terá meu total apoio.
Ele hesitou, dividido entre o sonho e ficar comigo.
– Ele me deu até semana que vem para decidir – falou melancólico.
– Ok, mas já sabe minha opinião – disse.
– Sei sim – respondeu, abraçando-me por trás.
– Só quero que seja feliz seguindo seus sonhos.
– Sei que quer meu bem, mas ainda tenho a semana inteira para pensar.
– Sim – concordei – Só não demore demais.
– Não vou.
E assim dormimos naquela tarde.
...
Continua...
ATENÇÃO!
Estamos nos aproximando do fim desta história, e não posso deixar de sentir um misto de saudade e gratidão. Cada momento, cada conquista e cada dificuldade que vivemos juntos nos moldou e nos trouxe até aqui. O caminho foi intenso, cheio de emoções, descobertas e amadurecimento, e é impossível não olhar para trás e sorrir com tudo que compartilhamos.
Ainda há capítulos pela frente, mas a reta final se aproxima. É hora de refletir sobre o que aprendemos, sobre os sonhos que seguimos e sobre os laços que construímos. O desfecho não é apenas sobre o que acontece, mas sobre como chegamos até ele, sobre o amor, a amizade e a coragem que nos trouxeram até este ponto.
O fim está perto, mas cada lembrança permanece viva, pronta para ser lembrada e guardada para sempre.