Moramos num condomínio de casas no interior de São Paulo. Ruas de bloquete, muito verde, silêncio durante a semana e aquele clima de cidade pequena com segurança de cerca elétrica. Aos fins de semana, tudo muda. O clube interno se enche, as famílias se espalham pela piscina, e os jovens da vizinhança voltam das faculdades pra passar uns dias com os pais. E é nesses dias que Rebecca reina. Ela atravessa o condomínio com seu copo de gin trincado na mão, short branco colado no quadril, biquíni preto por baixo, chinelo de dedo e o cabelo preso num coque que deixa o pescoço nu. Vai até a piscina com passos calmos, óculos escuros no rosto e um leve empinar de bunda que não é forçado — é dela.
Permita-me um parêntese: Rebecca tem 36 anos, 1,70m de altura, 62 quilos de puro controle corporal. Barriga chapada, coxas firmes, bunda redonda de academia. Seios grandes, firmes, naturais. Pele bronzeada. Ombros bonitos. E uma postura que transforma o corpo dela em linguagem. Quando ela caminha de costas, o mundo desacelera.
Os garotos do condomínio — alguns que a viram crescer como “tia” ou “vizinha bonita” — agora piram. Fingem que olham pro celular, mas seguem com os olhos. Trocam piadas entre si, mas ficam sem graça quando ela passa. Rebecca não flerta. Mas não ignora. Ela se exibe sutilmente, como quem lava o carro de biquíni e finge que esqueceu. Como quem estica o corpo na espreguiçadeira e sabe que vai causar. Ela é a deusa real deles. A mulher possível e, ao mesmo tempo, impossível. Aquela sobre quem eles gozam escondido, noite após noite.
Eu tava na cozinha pegando um copo d’água quando ela passou pela sala, indo pro quarto, de shortinho branco e uma blusinha solta sem sutiã. Andava como sempre: tranquila, empinada sem forçar, sabendo exatamente o que deixava balançar.
— “Você ainda vai matar os moleques do condomínio do coração, sabia?” — falei, rindo, só observando.
Ela parou na porta do corredor, olhou pra mim por cima do ombro e sorriu.
— “Matar? Amor… eu tô educando.”
— “Ah, é? Educação sexual ao vivo, é isso?”
— “Mas por quê, amor? O que foi que eu fiz?”
Virei para ela e soltei, sem filtro:
— “Rebecca… a piscina.”
Ela riu, mas manteve o teatrinho:
— “A piscina?”
— “Você atravessa aquilo ali como se tivesse numa passarela em Cannes. Copo na mão, biquíni preto enfiado até a alma, bunda solta como bandeira em dia de vento… e ainda finge que tá só indo pegar sol.”
Ela gargalhou.
— “Ah não, amor… eu fui tomar um banho de piscina, ué. Tem culpa quem sente.”
— “Eles sentem. Todos. Os garotos ali ficam em silêncio mortal quando você passa. Ninguém joga mais truco, ninguém entra na água, só acompanha o seu quadril até você sentar.”
Ela mordeu o lábio, rolou de lado na cama e sussurrou, com aquela voz que sempre me desmonta:
— “Você ficou com ciúmes… ou com tesão?”
— “Os dois.” — respondi, já me aproximando da beira da cama.
Ela sorriu, deitou de barriga pra cima, passou a mão pela própria barriga e disse, suave:
— “Então vem ver de perto o que eles só podem imaginar.”
Estávamos na cama, a luz apagada, só o abajur da cabeceira aceso, criando aquele tom morno de fim de noite. Rebecca estava deitada de lado, de costas pra mim, mexendo no celular. Eu, deitado atrás, a observava em silêncio — calcinha preta, costas nuas, cabelo solto no travesseiro.
Soltei, rindo:
— “Você vai acabar me fazendo corno com um desses tontos do condomínio.”
Ela parou de rolar o feed, virou o rosto devagar, e sorriu.
— “Tontos?”
— “É. Os babacas da rua C que não sabem nem usar o desodorante direito e ficam babando em você quando vai regar as plantas.”
Ela riu com gosto, aquele riso que vem do umbigo.
— “Amor… você acha mesmo que eu vou me dar ao trabalho com aqueles?”
— “Vai saber. Vai que resolve fazer serviço comunitário.”
Ela largou o celular na mesinha e se virou de frente pra mim, olhos nos meus.
— “Mas… tem um.”
Silêncio.
— “Um?” — repeti, tentando manter o tom casual.
Ela mordeu o lábio e disse com voz baixa, quase como quem compartilha uma fofoca suculenta:
— “É. Tem um que é diferente. João.”
— “João?” — falei, tentando puxar da memória.
— “Mora ali na casa 7, acho. Magro, cabelo ondulado, novinho. Anda sempre sozinho. Não anda com os outros.”
— “E o que ele tem?”
— “Ele me olha… mas não como os outros. Ele me olha como se fosse errado. Fica vermelho. Tremeria se eu dissesse ‘bom dia’ com a mão no quadril.”
— “E isso é bom pra você?” — perguntei, tentando segurar o tesão que subia.
— “É ótimo.” — respondeu, seca. — “E outro dia eu vi… ele tava sentado na praça. Sozinho. Lendo Dostoiévski.”
Eu arregalei os olhos.
— “Não é possível.”
— “Os Irmãos Karamázov.” — disse ela, saboreando cada sílaba. — “Sublinhando a lápis. Postura torta de quem lê de verdade. Um nerd, tímido… mas bonito. E perdido. Com fome.”
— “E você vai dar aula?” — perguntei, já duro.
Ela sorriu devagar, encostou a boca no meu ouvido, e sussurrou:
— “Talvez. João merece uma boa professora.”
— “Ah, e tem mais uma coisa sobre ele...”
— “Claro que tem.” — murmurei, já de pau meio duro.
Ela se virou devagar, os olhos nos meus, e disse, sorrindo como quem entrega uma peça rara de informação:
— “Ele vê tudo que eu posto no Instagram.”
— “Ué... então ele te segue?” — perguntei, meio sem entender.
— “Não.” — disse ela, seca. — “Não segue. Não curte. Não comenta. Nada.”
— “Como você sabe, então?”
— “Porque ele tá sempre lá. Sempre nos ‘visualizados’. Todo story, todo vídeo bobo, até uma foto de planta. Ele vê tudo. Tudinho. Mas em silêncio. Como um… admirador secreto.”
Ela sorriu mais fundo, virou de barriga pra cima, os seios soltos sob a camiseta fina, e completou:
— “É como se ele tivesse medo de ser descoberto. Mas o desejo… o desejo escapa pelos olhos.”
Eu não disse nada. Só fiquei olhando.
E Rebecca… já sabia que tinha acendido mais um fogo.
— “Vi o João hoje.” — soltou, casual, antes mesmo do “bom dia”.
Levantei os olhos do celular, já sabendo que vinha história.
— “É mesmo?” — murmurei. — “Onde?”
Ela se sentou na bancada, cruzou as pernas devagar, e respondeu com gosto:
— “No redário do condomínio. Sozinho. Deitado, lendo Os Irmãos Karamázov. Aquela edição antiga que eu reconheci na hora.”
— “Claro que tava.” — falei, rindo. — “E você fez o quê?”
Ela sorveu um gole do café e disse com naturalidade teatral:
— “Fui até ele.”
Arregalei os olhos.
— “Você falou com ele?”
— “Uhum.” — respondeu, fingindo que era algo corriqueiro. — “Cheguei perto, com meu vestido branco, solto… ele me viu e congelou. Tentei não rir.”
— “E ele?”
— “Gaguejou.” — disse, com um brilho nos olhos. — “Tremeu. Tentou esconder o livro como se fosse uma revista pornô. E aí disse: ‘Você… você conhece esse livro?’”
Ela gargalhou.
— “Como se eu tivesse caído de paraquedas ali. Juro, amor… eu me senti a própria Atenas descendo de toga pra falar com um pastorzinho perdido no bosque.”
— “E você respondeu o quê?”
— “Respondi que sim… que eu uso ele em sala de aula.”
Fez uma pausa, deu um gole no café, e continuou:
— “Não cheguei a sentar com ele. Só fiquei ali de pé, perto o suficiente pra ele sentir meu perfume. Deixei ele respirar meu cheiro bem devagar. O coitado congelou. Segurava o livro como quem segura um escudo. E quando ele levantou os olhos… eu só olhei de volta. Bem fundo. Sem dizer nada.”
Ela sorriu com o canto da boca, satisfeita, e concluiu:
— “Foi um olhar simples, amor. Mas você sabe qual: aquele que diz... boa punheta.”
E voltou a tomar o café, como quem comenta a previsão do tempo.
Eu, parado ali, duro, só conseguia pensar numa coisa:
João não fazia ideia…
do que estava por vir.
Passou alguns dias, estávamos deitados, luz apagada, só a luz do celular iluminando o rosto dela. Eu rolava o feed sem atenção, até ouvir sua risadinha curta e contida. Olhei para o lado.
— “O que foi?”
Ela virou a tela pra mim, mostrando os visualizados do story que tinha acabado de postar — uma taça de vinho com o livro de capa virada, só sugestivo.
— “Olha quem viu de novo.”
Lá estava o nome: João.
— “Esse menino tem alarme pro meu Instagram. Vê tudo. Em silêncio.”
Ela voltou a olhar pro celular, pensativa, com um sorriso diferente no canto da boca.
— “Ele é tão fofo...” — disse, quase num suspiro debochado. — “Parece uma coruja. Sempre ali, quieto, empoleirado na sombra. Me olha, mas nunca age.”
— “Vai deixar ele assim pra sempre?” — perguntei, curioso.
Ela ficou alguns segundos em silêncio. Depois virou pra mim, com o celular ainda na mão, e disse, como quem toma uma decisão com prazer:
— “Acho que vou adicionar ele.”
— “No Instagram?”
Ela assentiu, clicando sem hesitar.
— “Sim. Vamos dar um susto no corujinha.”
E sorriu, mordendo o lábio, enquanto apertava o botão “Seguir”.
Poucos minutos depois de clicar em “Seguir”, ela sorriu para a tela.
— “Aceitou.”
— “Rápido.” — comentei.
— “Muito. Tava só esperando.”
Ela ficou ali olhando o perfil dele, rolando devagar. Fotos raras, discretas. Nada de pose, nada de exposição. Um rosto bonito, ainda não totalmente pronto. Ela apertou a ponta do nariz com o indicador, como quem pensa em voz alta:
— “Vou chamar.”
Virei pra ela, toquei sua coxa, e falei baixo:
— “Amor...”
Ela me olhou, sem perder a leveza.
— “O que foi?”
— “Só... vai com calma. Ele é moleque. Se perde fácil.”
Ela riu, acariciando meu braço.
— “Relaxa. Não vou engolir ele vivo. Só vou... abrir uma janela. Uma luz. Um afeto.”
— “Um susto.”
— “Uma inspiração.” — disse, sorrindo. — “Deixa eu ser a musa dele. Só isso.”
E digitou o primeiro “oi”.
Calma, confiante.
Como quem acende o primeiro fósforo no escuro.
Quando viu que ele aceitou o pedido, Rebecca não disse nada de imediato. Estava com o celular apoiado nas pernas, sentada na beira da cama, mexendo o pé no ar como quem brinca com o tempo.
— “Ele aceitou?” — perguntei.
Ela assentiu com um sorrisinho quase imperceptível.
— “Uhum. Tô pensando no que mandar.”
Digitou sem pressa:
Rebecca:
“Te vi sempre passando pelos meus stories… resolvi facilitar e te adicionar.”
Esperou. A resposta levou um pouco mais de tempo do que o normal, e quando chegou, ela leu em silêncio e riu sozinha, contida.
— “Já tremeu.” — disse, divertida.
Mostrou a tela:
João:
“Oi… nossa, sério? Nem percebi que aparecia pra você. Foi mal. Espero não ter incomodado.”
Rebecca levantou uma sobrancelha e comentou comigo, meio surpresa:
— “Ele acha que tava sendo invisível.”
Respondeu com calma:
Rebecca:
“Não incomodou. Eu só reparei.”
Mais um tempo. Depois veio outra resposta dele, mais formal ainda:
João:
“É que às vezes vejo umas coisas interessantes lá… livros, umas frases legais. Acabo clicando.”
— “Olha isso, amor.” — ela disse, me mostrando. — “Ele jura que só clica por causa de livro.
Ela virou a cabeça pra mim e disse:
— “Ai, ele é tão educadinho.”
— “E você vai deixar ele acreditar nisso?”
Ela deu de ombros, meio provocando:
— “Por enquanto. É bonitinho. Ele nem sabe que já tá dentro do jogo.”
Fiquei ali observando enquanto ela digitava. Não era a primeira vez que eu via Rebecca flertar. Já a tinha visto com o olhar afiado, os jogos de palavras, o riso que derrete resistências. Já a vi se oferecer inteira, consciente do efeito que tem. Mas com João… era diferente.
Ela não estava caçando. Estava convidando. Sem pressa. Sem prometer nada. Era como se estivesse soprando lentamente uma brasa que só ela percebeu que existia.
E talvez por isso mesmo fosse mais perigoso.
Ali, naquele canto de sofá, com o cabelo preso e o celular na mão, ela não era uma mulher provocante. Era uma mulher poderosa. Paciente.
E eu entendi, no fundo, que a história com João ainda nem tinha começado.
Mas quando começasse…
seria linda.
E devastadora.