Às vezes, quando evitamos um assunto, tudo à nossa volta parece se tornar sobre ele. O silêncio não o apaga, apenas o reveste de camadas invisíveis que se espalham pelos gestos, pelos olhares e até pelas distrações mais banais. De repente, uma palavra solta parece carregar mais peso do que deveria, uma brincadeira inocente soa reveladora e até os algoritmos, com sua estranha precisão, parecem revelar aquilo que insistimos em não nomear. Quanto mais tentamos empurrar para longe, mais ele encontra formas sutis de nos alcançar, até que não resta alternativa senão encarar o que foi calado.
Como Milena ainda estava na casa do pai, inventávamos de tudo para tornar as chamadas de vídeo mais divertidas. Naquele dia, ela apareceu com uma novidade do TikTok: a brincadeira “Com quantos anos poderemos?”. As perguntas começaram inocentes: sair sozinho, colocar piercing, fazer tatuagem, mas logo se transformaram em armadilhas, já que tanto Mih quanto Kaká tinham seus próprios interesses. Juh tentava responder com equilíbrio, eu implicava de propósito, e os dois iam se animando cada vez mais, especialmente quando o assunto chegou em tatuagens. Foi então que Mih revelou sua ideia: tatuar as letras J, K, L, M² e também o apelido que ela chama o pai. Só então percebi que, sem querer, nossos nomes seguiam uma sequência alfabética.
— Se tiver outro bebê, precisa começar com I ou com N — comentou Kaique.
— Se fugir da ordem vai me dar tanta agonia — disse Mih.
— Nossa, vocês falam com uma convicção... — falei, rindo um pouco sem graça.
Eu queria mesmo era mudar de assunto.
Juh estava recostada sobre o meu corpo e só olhou para mim, e eu depositei um beijo em sua testa.
— Tem outra brincadeira? — a gatinha perguntou.
— Vixe, terminou sem a pergunta que eu sei que Mih quer fazer — soltou Kaique.
— Que pergunta? — questionei, curiosa.
— Nenhuma, não tem mais nenhuma! — Milena exclamou, um pouco enfurecida.
— Aaaaah, agora eu quero saber — comentei.
E nesse momento Júlia riu.
— Sabe o que é? — perguntei para ela.
— Ah, amor, eu imagino, não é?! — Juh respondeu, como se fosse óbvio.
Kaká também ria da situação, somente Milena e eu seguíamos sem nos divertir.
— Você quer saber com quantos anos pode namorar, minha filha? — Júlia perguntou, tentando ser o mais natural possível.
— Trinta e vamos para a próxima brincadeira — respondi, rindo.
— Eu não queria perguntar nada disso... — Mih falou, bem chateada.
— Não... — ironizou Kaique.
— Bora brincar de outra coisa — Juh falou, com mais firmeza.
Milena sugeriu tentar adivinhar o que aparecia de destaque no explorar do Instagram de cada um, e nesse momento Juh tentou desconversar, o que só aumentou a nossa curiosidade em saber o que tinha no dela. Eu entrei na onda, zoando que ela devia estar escondendo algo de mim, e a gatinha me desafiou, dizendo que começaria tentando adivinhar o meu.
— Acho que tem Flamengo e coisas de psiquiatria — ela chutou.
Eu fiz suspense para deixar mais interessante, porém nem eu fazia ideia do que tinha. Não é uma aba que eu abro muito.
— Se a mamãe fosse famosa teria uma foto dela, porque seu Instagram parece um fã-clube, mãe — Mih brincou, e nós rimos muito.
— No meu coração ela é — falei, me aproximando para um selinho.
— Eu acho que não tem nada do Flamengo, porque os jogos estão suspensos — Kaká supôs.
— Então... Ah! Suas bandas — Juh disse.
— AAAAAAAH, assim é fácil demais... Diga uma banda pelo menos, um nome — pedi.
— Essa — a gatinha disse, apontando para a estampa da camisa que ela mesma usava.
Era do Red Hot Chili Peppers, que não é uma das minhas bandas preferidas. Essa camisa eu ganhei do meu irmão porque ele é um mega fã.
— Beleza! — aceitei, já rindo.
Assim que atualizei, apareceu muita coisa relacionada ao meu trabalho e, em destaque, um vídeo de gols do Flamengo. Inúmeras bandas, contudo, Red Hot Chili Peppers estava fora da lista.
— Perdeu porque trocou — disse-lhe, brincando.
Nós rimos muito quando chegou a vez de Milena e de Kaique. No celular dela aparecia um misto de influenciadores, alguns filmes e, claro, várias referências às coisas que ela gostava de consumir diariamente. Já no de Kaká, a situação era ainda mais divertida: a aba explorar era praticamente tomada por memes, intercalados com uns vídeos aleatórios de esportes e trailers de filmes que ele curtia.
Mas quando chegou a vez de Juh, percebi que ela ficou sem graça, desconcertada. O jeito como tentou disfarçar era como se estivesse com vergonha e bastou um olhar para eu entender que ela não queria que ninguém visse. Antes que a curiosidade dos meninos aumentasse, inventei uma desculpa bem convincente, que colou direitinho, e prometi que a gente terminaria a brincadeira outro dia. Eles aceitaram e continuaram a conversa somente entre os dois, que logo seguiu para outro rumo.
Já no quarto, Juh veio até mim. Ela se aproximou devagar, e eu logo cruzei os braços ao redor da sua cintura.
— Não pensa besteira, amor — ela disse com suavidade.
— Não estou pensando besteira, apenas curiosa — respondi sorrindo, enquanto me inclinava para alcançar seus lábios.
Ela me deu apenas um selinho antes de murmurar:
— A gente precisa conversar.
— Tem certeza? — disse-lhe, beijando de leve seu pescoço, tentando alongar o momento.
— Tenho certeza... — me respondeu com um tom de voz baixo, porém firme.
Suspirei e concordei, sentando-me na beira da cama, pronta para ouvi-la.
Júlia pediu para que eu chegasse um pouco mais perto. Me ajeitei na cama e ela se sentou de frente para mim, ainda com aquele ar desconfortável. Antes que Juh pudesse dizer qualquer coisa, puxei-a para o meu colo, e ela se entregou em um abraço com tanta força que não restava dúvida. Júlia não precisou falar nada para eu perceber que, enfim, tinha encontrado a posição certa para se abrir comigo.
— Essa conversa envolve o assunto gravidez? — perguntei, sem rodeios.
Juh apenas assentiu com a cabeça no início, os olhos baixos, mas logo confirmou em voz baixa, quase um sussurro que ainda assim soou pesado dentro de mim: — Envolve, amor...
— Você quer, não é? — questionei, enfiando meus dedos em seu cabelo para fazer carinho.
Juh puxou o celular e me mostrou o explorar.
Se ainda estivéssemos brincando eu poderia chutar coisas como: Jão, Minas, praia, maquiagem, cabelo, construção... De tudo um pouco. Mas se eu quisesse acertar eu teria que falar sobre gravidez ou bebês.
Era praticamente só isso, a tela inteira tomada por bebês, vídeos de barrigões, partos, amamentação, dicas para fertilidade, inseminação.
— Eu não sei como prosseguir, eu quero... Mas eu acho que se você não estiver pronta... — ela ia dizendo.
— Não me sinto pronta, ando trabalhando nisso, mas... — me adiantei.
— A gente consegue passar por isso sem se machucar, não é? Eu acho que consigo esquecer isso se eu me esforçar um pouco. Seus pontos são válidos e por muito tempo foram meus também, então eu te entendo... Te entendo muito... — a gatinha enfatizou, em lágrimas.
— Você me entende mais do que ninguém — falei com sinceridade, tentando acalmá-la com meus toques em seu rosto. — Não acho que a gente tenha que conduzir assim... Você não mudou de ideia? Talvez aconteça comigo também... Eu não consigo estabelecer um prazo, porém você sabe do meu desejo de ter mais filhos contigo... Sei lá, vai que a cegonha deixa um neném aqui na nossa porta? — finalizei, brincando, e ela sorriu.
— Eu te amo e não quero te machucar. Se em algum momento esse assunto tocar onde não deveria, por favor, me avisa. Não quero, de forma alguma, deixar um desejo, uma vontade te causar algum mal ou até fazer mal para nosso relacionamento... De novo, se for o caso, eu consigo esquecer e deixar para lá... Adoraria tentar novamente, mas entendo a complexidade por conta de tudo que nós duas passamos — Juh me disse.
— Amor... eu também te amo e tudo que você acabou de dizer é muito lindo... — iniciei, um pouco emocionada, respirando fundo antes de continuar. — Mas não quero que você se force a esquecer ou a engolir algo que sente tão forte só para me poupar. Isso não seria justo com você, nem comigo.
Ela me olhava como quem ainda tem medo da resposta, os olhos marejados, as mãos entrelaçadas às minhas.
— Eu não me sinto pronta agora, mas isso não significa que nunca vou me sentir. Preciso de tempo, de fôlego, de deixar o coração se ajeitar depois de tudo que vivemos... Mas o que eu quero que você saiba é que o seu desejo não me afasta, não me assusta. Ele me faz sonhar também, só que ainda de uma forma meio distante, é diferente... Eu gosto de saber que você compartilha da ideia de aumentar a nossa ninhada... — falei, me sentindo mais tranquila.
Juh encostou a testa na minha e agora ela estava completamente encaixada em mim.
— Eu não quero te pressionar, Lore... Eu só precisava falar. Guardar isso iria me corroer por dentro e eu não saberia disfarçar — sua voz embargou, e eu apertei seu rosto entre minhas mãos, impedindo que ela olhasse para baixo.
— Teríamos um problema se você escondesse algo tão importante de mim. A gente não precisa decidir nada agora. O futuro é um espaço aberto, e eu quero caminhar nele com você, sem me preocupar com o jeito e com o tempo — sussurrei.
Ela sorriu de leve, ainda com lágrimas nos olhos, e eu a beijei bem lentamente. As mãos de Juh seguravam a minha com propriedade e, em alguns segundos, meu corpo dava sinais de que...
— Eu sei que estamos tratando de um assunto delicado, mas nessa posição e com você me beijando assim eu vou querer outras coisas... — falei, roçando meu rosto na curva do seu pescoço.
— Foi só um beijo de agradecimento porque eu sou casada com a pessoa mais incrível do mundo — ela disse, se jogando pra trás, na cama.
— Deixa eu te agradecer também... — falei, engatinhando até ela e deslizando meu rosto por seu corpo.
Meus lábios traçaram um caminho lento, explorando cada centímetro de sua pele, até que mergulhei por baixo da camisa que ela vestia. O toque quente da minha boca arrancou dela um suspiro profundo, enquanto suas mãos se moviam indecisas entre me puxar para mais perto ou me conter. Abocanhei seu seio com suavidade, deixando minha língua brincar ali, lenta, saboreando cada reação dela. Juh arqueou as costas e soltou um gemido abafado. A respiração entrecortada escapando só me motivava a avançar.
— Para, amor... A porta não está trancada... Kaique... — murmurou, com a voz rouca.
Eu sorri contra sua pele, sem pressa de largá-la. Minha mão deslizou por sua cintura e Juh suspirava, inquieta, até que seus dedos se enroscaram no meu cabelo e, com delicadeza, me guiaram para cima.
Quando finalmente alcancei seus lábios, a gatinha me puxou com força. Eu não entendia se ela queria me conter ou se entregar naquele beijo. Era urgente, e os nossos corpos se ajustaram naturalmente.
— Você me enlouquece... — sussurrei, quase sem conseguir desgrudar da sua boca.
— Você não disse que esse remédio ia abaixar seu fogo? — Júlia perguntou, me fazendo rir.
— Ainda bem que não, né?! — respondi, voltando a beijá-la.
Dessa vez sem pressa, eu só tinha a necessidade de senti-la. Beijei-a devagar e senti, pouco a pouco, a nossa respiração se acalmando.
Quando me afastei um pouco, ela roubou mais um selinho, depois outro, até que estávamos rindo baixinho, distribuindo pequenos beijos no rosto uma da outra.
— Não é só nós trancarmos a porta? — perguntei, fingindo indignação.
— Aí daqui a pouco Kaique chama a gente e as coisas... ficam pela metade — falou, vacilante, como se tivesse medo das palavras.
— Você é tão engraçada, gatinha... — disse, segurando no queixo dela e roubando mais um beijinho.
— Quem sabe à noite? — ela disse, animada.
— Essa noite promete... — brinquei.
E praticamente no mesmo instante, ouvimos Kaique nos gritar do quintal.
— Eu avisei — Juh falou, rindo da careta que eu fiz.
Olhei pela janela e ele estava todo molhado, dando banho no Brad e nos chamando para brincar... Obviamente, nós tomamos a decisão mais sábia possível e nos juntamos a ele!