Felipe, homem feito e casado, visitava Soninha três vezes por semana. Oficialmente, era uma gentileza. Um conhecido. Um gesto cristão para com a viúva. Ninguém dizia nada. Mas o silêncio era espesso — e antigo. Começara meses depois da morte de Marco Antônio, aquele que ensinara à jovem Soninha, aos dezesseis, que a vida podia ser boa. E perdura até hoje.
Tudo começara com uma preocupação — daquelas que o sujeito insiste em chamar de afeição, só para não se ouvir em voz alta. Soninha andava abatida, quase murmurando com os olhos. Viúva recente, vivia entre missas e receitas de chás. Mas estava ali, no quintal ou no corredor, com aquela beleza que só tem quem sabe — e finge não saber. Para Felipe, era como uma fruta madura no pomar: bastava esticar o braço.
Mas Felipe era respeitoso. Cobiçava, sim — como todo homem de carne viva —, mas cobiçava em silêncio, com culpa. Conversava com ela, distraía-a com histórias leves, pequenas crônicas da rua, do trabalho, da infância. Fazia isso por bondade, acreditava. Ou queria acreditar. Toda boa intenção, porém, carrega em si o germe do desastre.
Começou a convidá-la à praia. Um banho de sol, dizia, só pra respirar o ar salgado, espantar o luto. Soninha sorria com doçura e recusava — sempre. Uma vez, duas, cinco. Mas um dia cedeu. Quis ir. Ia, até. Mas não podia.
"Tem uma coisa", disse, com a voz baixa, íntima, como quem entrega um segredo que só se dá a um amante ou a um irmão. "Não posso usar maiô."
E abaixou os olhos, como se pedisse desculpas por ser corpo.
Soninha, que casara aos dezesseis, sabia pouco da vida — até dos próprios cuidados. Era tímida com o corpo, como uma moça criada entre tias.
"Eu... não sei me depilar", confessou, quase rindo, quase chorando. "Era o Marco quem fazia isso pra mim. Ele gostava."
Felipe, num primeiro instante, empalideceu. Era como ouvir um morto bater à porta. Mas logo veio a febre — aquela febre que começa na nuca e termina nos rins. Sentiu a chance, como quem vê o abismo e, mesmo assim, dá mais um passo.
"Então veste um maiô, dona Soninha", disse, com a voz baixa e já sem retorno. "Eu faço isso pra senhora.”
Foi num fim de tarde abafado, com o céu cor de chumbo e o ventilador rangendo no canto. Soninha apareceu de maiô preto, simples, como quem pede desculpas por ainda ter corpo. Felipe esperava com a navalha do avô e um frasco de creme depilatório.
Ela deitou-se na cama coberta com uma toalha branca. A luz da janela batia em seu rosto — imóvel, sério, entregue como um animal que confia. Felipe se ajoelhou ao lado dela. Começou pelos lados, com gestos delicados, quase piedosos. O algodão úmido, a lâmina leve, o toque rápido que fugia da intenção declarada.
Mas havia desvios. Desvios sutis. Um dedo que se demorava, um roçar que não era necessário. E cada vez que isso acontecia, ele se desculpava em silêncio, prometendo a si mesmo que era a última vez.
Ela não dizia nada. Respirava fundo, os olhos fechados, os braços estendidos ao lado do corpo — como quem consente sem palavras.
"Não está bom, Felipe", disse de repente, com um fio de voz. "Sou muito... você sabe. Ainda parece uma moita."
Ele hesitou. O coração batia na garganta. Sabia o que vinha a seguir — e soube que não tinha mais volta.
"Então tira o maiô", disse, quase num sussurro. "Vou rebaixá-los.”
Soninha assentiu com um gesto leve. Despiu-se inteira e deitou-se, nua, como jamais desde a morte de Marco Antônio. De olhos fechados, escancarou a Felipe aquilo que só um homem — e morto — havia visto. A pele tremeu, os pelos arrepiaram, e ela ficou úmida. Depois de tanto tempo, a sensação era quase inédita.
Felipe, ajoelhado, de olhos vidrados, apagou os vestígios. Depilou em silêncio, desejou como nunca, e sofreu. Sofreu como sofrem os puros que não conseguiram resistir.
E assim, no dia seguinte, foram à praia. Como se nada tivesse acontecido. Como se tudo tivesse acontecido.
Como nada fora dito — e, portanto, nada acontecera —, o ritual se repetiu. Sábado após sábado.
Felipe chegava com a navalha e o frasco, como quem visita um parente doente. E Soninha o recebia com a naturalidade de quem já desistiu de se arrepender.
Ali, no quarto fechado, no silêncio das venezianas, ele raspava — e apalpava. As axilas eram pretexto para os seios; as coxas, para a curva da bunda. E a virilha… a virilha era o caminho de volta à gruta úmida onde todos os pecados se lavam e se multiplicam.
Mas o diabo — sempre ele — rondava o coração de Felipe. O que antes era rito de silêncio e piedade começava a cheirar a sacrilégio. Aquele culto íntimo, que ele fingia litúrgico, ia se tornando profano.
Foi numa dessas tardes que Soninha abriu os olhos. Uma sombra passou em seu rosto. Felipe estava nu — completamente —, com o mastro em riste, prestes a adentrá-la como um invasor de templo.
"Se tentar de novo, nunca mais me tomarás", ela disse, sem gritar, sem se mexer. Só disse. E ele entendeu.
Recuou. Nunca mais tentou.
Mas manteve o prazer. O pequeno prazer semanal.
Talvez como estratégia. Talvez como quem sabe que o desejo não morre, apenas troca de roupa. E então, começou a ousar — em pequenas doses. Quando depilava o monte de Vênus, fazia desenhos: corações, triângulos, bocas abertas como enigmas.
Depois enxaguava a virilha com mãos mornas e a secava com uma toalha felpuda, como um artista que termina sua obra. E sabia — sabia pelos gemidos contidos, pelos tremores breves — que Soninha gostava.
Soninha chegava ao clímax ao toque de Felipe. Era sutil, contido, mas devastador. Um dedo que tremia, uma toalha que aquecia demais, um gesto que durava segundos a mais do que devia.
Felipe penetrava-a, um dedo, depois dois. O vaivém a fazia gemer e contorcer. Ousado, ele beijou-a na fenda, lambeu e chupou. Arrancava tremores dela, espasmos e o gozo.
E ele, de joelhos, também se tocava. Ela não via — nunca vira. Mas sabia. Sabia pelo cheiro. Sabia pelas toalhas brancas que, ao final, estavam sempre manchadas, pesadas, pegajosas como um segredo suado.
E gostava. Sabia — e gostava.
Aquele era o mundo deles. Um mundo murado. Sem penetração, é verdade — mas com tudo mais. Toques, tremores, cheiros, calores e gostos que não se dizem em voz alta.
Era um mundo sem entrada nem saída. E os dois estavam presos dentro dele — voluntários e felizes.
Aquelas semanas tornaram-se meses. Depois, anos.
Sem promessas, sem pactos falados, continuaram o acordo — mudo, intacto. Soninha conheceu alguns homens, teve jantares, flores, mãos estranhas. Felipe conheceu garotas, casou-se. Mas não se abandonaram.
Naquele mundo de toalhas, navalhas e gemidos abafados, seguiam firmes — como se nada lá fora tivesse importância.
Numa manhã em que o Carnaval fervia nas ruas — tambores, confetes, corpos suados —, Felipe e Soninha repetiam seu velho rito. Ela gozava em silêncio, entregue ao toque que já conhecia de cor. E então sentiu. Sentiu Felipe curvar-se sobre ela, arfando, com o membro pulsando, e olhos febris.
"Eu não aguento mais."
E penetrou-a. Sem pedir. Sem temer. Sem se importar com o depois.
Se tudo acabasse ali, pensou, acabaria feliz. Seria o último gozo, mas o único verdadeiro.
Mas Soninha não recuou. Não chorou. Não empurrou.
Ela gozou. Gozou mais de uma vez. Gozaram juntos, em silêncio, como sempre. E se amaram. Pela primeira vez — inteira.
Depois disso, o pacto não se desfez. Apenas se expandiu. Tornaram-se amantes ocasionais, cúmplices das manhãs de sábado.
E o segredo, mais uma vez, permaneceu. Intacto. Eterno.
Foi numa manhã cinzenta, dessas em que o mundo parece respirar devagar. Haviam acabado de se amar. Felipe ainda estava deitado, nu, com o rosto enterrado na barriga dela. Soninha o olhava como quem olha um milagre clandestino.
"Seu pai, nunca me deixou satisfeita assim." Ela confessou.
"Eu sei, mãe, eu sei."
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