Um casal em reforma - Parte 2

Um conto erótico de Márcio
Categoria: Heterossexual
Contém 4647 palavras
Data: 25/08/2025 13:32:17

A gente decidiu que a dúvida ia morar com a gente sem fazer escândalo no corredor. Foi esse o pacto. “Entre nós”, repetimos, quase como quem fecha um cofre. Não contaríamos para amigos, nem para família. Era um possível problema do casal — e, agora, do casal com um feto do tamanho de um grão de feijão.

Nos dias que se seguiram àquelas duas linhas no teste, eu virei especialista em enxergar o que não existia. Via a Luana dormir de lado e pensava: “o que é meu aqui?”. Via o calendário na porta da geladeira e tentava somar datas como se a vida obedecesse a planilha. Havia momentos de grandeza — “não importa de quem é, a gente é família do mesmo jeito” — e horas pequenas, mesquinhas, em que minha cabeça ia para lugares que eu tinha vergonha de admitir.

— A gente consegue — eu dizia, buscando o tom de quem acredita. — Importa mais o que a gente faz a partir daqui.

— Eu sei — ela respondia, e o “eu sei” dela tinha dois andares: no de cima, convicção; no de baixo, medo.

Também teve discussão feia. Ninguém bateu porta, ninguém quebrou copo, mas teve palavra que a gente gostaria de rebobinar.

— Você não propôs isso? — ela soltou, uma noite, cansada, depois de um enjoo que a deixou mole no sofá. — Não foi você que disse “vamos tentar algo novo”?

— Foi — eu respondi, e doeu. — E eu tô aqui. Eu não fugi.

— Eu sei. — Ela respirou, venceu a náusea. — Eu tô com medo de te perder. E com medo de perder a mim.

— Eu também. Vamos tentar não sofrer por antecedência.

A gente firmou alguns acordos para atravessar o primeiro trimestre: médicos, vitaminas, dormir cedo quando desse, tentar deixar o trabalho no trabalho. E uma cláusula que parecia pequena, mas virou farol: suspender qualquer encontro fora do nosso par. Sem Érico, sem Clara, sem ninguém. A gente não aguentaria o peso de mais desdobramentos. E, no fundo, não fazia sentido: a casa estava em reforma, com andaime por todos os lados; não dava pra chamar visita.

Curioso foi descobrir que, no meio dessa arrumação, o nosso corpo voltou a falar. Não imediatamente; as primeiras semanas foram de náusea, cheiros mais fortes, um cansaço que derrubava a Luana às nove da noite. Eu, meio sem saber onde por as mãos, virei expert em bolacha água e sal, em gengibre numa garrafinha de água. Mas lá pelo final do terceiro mês, quando o enjoo deu trégua e o médico sorriu dizendo “o coraçãozinho tá firme”, aconteceu algo que nem os aplicativos de gravidez avisam direito: a libido dela acordou. Não devoradora, não descontrolada. Acordou viva, pungente, como sempre quis que fosse.

Na primeira vez, foi às três da tarde de um domingo, com sol atravessando a cortina. Eu lavava o filtro de papel da cafeteira quando ela veio por trás e encostou o rosto na minha nuca, aquele gesto antigo que tinha sumido.

— Você tá cheiroso de café — disse, uma frase boba que, naquele momento, era poema.

— Tô mesmo — respondi, sentindo o corpo todo prestar atenção.

Ela virou meu rosto com dois dedos no queixo, me beijou devagar, beijou como gente que sabe qual gaveta quer abrir. Eu cheguei a começar um discurso — “mas será que é confortável, será que o médico…” — e ela, rindo, me cortou com um olhar que dizia “confia”.

Nos beijamos na cozinha, ela apoiada contra a pia, um beijo sem pressa, mas cheio de urgência silenciosa. A boca dela tinha gosto de fome, de entrega. Minhas mãos percorriam suas curvas enquanto sentia o calor da respiração em meu pescoço. O cheiro dela me enlouquecia, e os olhos queimavam de desejo — não deixavam dúvida de que me queria ali mesmo.

Nem pensamos em quarto. Com um movimento ousado, ela se sentou na mesa da cozinha e me puxou para o espaço entre suas pernas. Nossos corpos se roçavam, as roupas saíam aos poucos, entre beijos, risos e provocações abafadas. Quando finalmente estávamos livres, ela sussurrou rouca, mordendo meu lábio:

— Mete em mim, amor… quero sentir você me preenchendo.

Meu corpo ardia, mas resisti à pressa. Havia mais tesão em explorar cada detalhe do prazer do que em correr para o fim. Ajoelhei diante dela, espalhando beijos pelas coxas até alcançar aquele centro quente e molhado. Me entreguei por completo, chupando sua buceta com dedicação, saboreando cada gemido que escapava de Luanna. Ela jogava a cabeça para trás, os cabelos caindo soltos, as pernas ora me apertando, ora se tremendo em espasmos doces.

— Aí… isso, amor… que delícia essa língua… continua, não para… — ela gemia, arqueando o corpo.

Eu erguia o olhar de vez em quando, só para vê-la entregue, tão vulnerável e poderosa ao mesmo tempo. Quando percebi que ela estava prestes a gozar, me levantei e, devagar, encaixei nossos corpos. O gemido que saiu da boca dela ecoou pela cozinha.

— Ai, meu gostoso… fode a sua mulher… fode a mãe dos seus filhos…

Beijei sua boca ofegante, sorrindo no meio do beijo.

— Você tá tão irresistível grávida… Eu me seguro todo dia pra não te arrastar pra cama.

Ela me olhou nos olhos, arfando, e gemeu entre sorrisos:

— Então não se segura… me fode sempre, amor… ai… eu vou…

O corpo dela se arqueou, tomado por um orgasmo avassalador. Eu sentia sua buceta se contraindo ao redor do meu pau, apertando, puxando, e isso só me fez aumentar o ritmo, metendo com mais força. O prazer tomou conta dela num orgasmo longo, quase interminável — gritos, olhos revirando, corpo em convulsão de prazer.

Eu não resisti. Gozei também, fundo dentro dela, e fiquei ali, apoiado sobre o corpo quente e suado da minha mulher. Ficamos assim alguns segundos, respirando juntos, recuperando o fôlego.

— Olha isso. O que você fez comigo, amor? — ela disse rindo após seu corpo dar alguns espasmos involuntários mais intensos:

— Você tava uma delícia. Amo quando me procura assim.

Ela riu baixinho, aquele riso leve de quem se despede do cansaço.

— Achei que ia desaprender a ser safada pra você.

Beijei seu pescoço e respondi, com uma gratidão que me pegou de surpresa:

— Você não desaprendeu nada… A gente é que desaprende a esperar.

O fim da tarde enchia a sala de uma luz dourada, baixa, que fazia a pele dela brilhar ainda mais. A barriga arredondada chamava meus olhos o tempo todo, não só pela vida que crescia ali, mas pelo quanto isso deixava Luana ainda mais bonita, mais desejável. Ela mesma parecia sentir o efeito — mais entregue, mais ousada.

Sentou-se no sofá e me puxou pelo cinto, rindo. O beijo veio lento, mas carregado de intenção, e enquanto nossas línguas se procuravam, a mão dela já descia firme pelo meu pau, massageando por cima da calça.

— Eu quero brincar com você hoje… — sussurrou, maliciosa.

A blusa deslizou por seus ombros e, quando vi seus seios cheios, mais pesados, duros, não resisti: chupei cada um com vontade, sentindo o bico latejante endurecer na minha boca. Ela gemeu alto, segurando minha cabeça contra o peito, e disse ofegante:

— Você não faz ideia de como eles estão sensíveis… só de encostar eu quase gozo.

A cada toque, o corpo dela reagia com mais intensidade, como se estivesse redescobrindo o próprio prazer. Me abaixei e espalhei beijos pela barriga até chegar entre suas pernas. O cheiro dela me enlouqueceu, e logo minha boca estava colada à buceta quente e molhada, explorando cada dobra. Luana se abriu mais, arfando, as mãos me guiando.

— Ai, amor… continua… — ela gemeu, o quadril se revirando.

Quando a senti perto do limite, parei de repente e puxei sua cintura, colocando-a de quatro sobre o sofá. A posição parecia deixá-la mais à vontade, o corpo inteiro exposto para mim. Passei a mão devagar por suas costas até a bunda, apertando, abrindo, e ela rebolou de leve, provocando.

— Mete logo… quero sentir você todo…

Encaixei devagar, entrando nela com calma, e Luana soltou um gemido rouco, empinando mais o quadril. Comecei um ritmo lento, profundo, cada estocada fazendo sua bunda balançar. Os gemidos dela encheram a sala, sem pudor.

Em certo momento, deslizei os dedos até o outro ponto, massageando com carinho, sentindo-a tremer ainda mais.

— Você tá doido… — ela riu, arqueando as costas. — Eu quero… mas devagar…

Passei lubrificante, preparei com calma, explorando primeiro com um dedo, depois dois, até que senti seu corpo relaxar. E quando entrei ali, no aperto quente do sexo anal, Luana gritou, surpresa com a intensidade.

— Ai, Márcio… meu Deus… assim eu vou gozar de novo…

O corpo dela reagia em ondas, apertando, tremendo, até que veio o orgasmo forte, arrebatador, arrancando dela gemidos longos, pesados. Continuei até explodir também, gozando fundo enquanto a segurava pela cintura, os dois ofegantes, completamente tomados.

Ela se jogou de lado no sofá, rindo ainda sem fôlego, suada, os cabelos colados ao rosto. Pegou minha mão e colocou sobre a barriga, como se quisesse juntar todos os sentimentos ali, no mesmo toque.

— Você não sabe como me deixa viva… — disse, com aquele sorriso cansado e feliz.

Beijei sua boca suave, e ficamos abraçados, o silêncio só quebrado pela respiração que aos poucos voltava ao normal.

Às vezes, a gente transformava esse peso em conversa adulta de verdade. Sentávamos na beira da cama como dois jogadores que estudam a próxima jogada.

— E se for do Érico? — eu perguntava, encarando a parede, porque encarar o olho dela era difícil demais.

— A gente decide junto — ela respondia. — Sem pânico. Vê o que faz sentido pra gente. Sem família no meio. A gente protege o bebê, protege a gente. E… a gente cuida de ser honesto com quem precisa ser.

— E se for meu?

— A gente cuida igual. Seja como for, a criança é nossa no que importa. E a gente organiza o resto.

À noite, o bebê chutava, e a Luana pegava minha mão e colocava na barriga com uma alegria meio incrédula. Eu sentia aquele toque por trás da pele e pensava que talvez a pergunta errada fosse “de quem é?”, e a certa fosse “como a gente vai ser?”. Eu não sou santo, nem político dando entrevista; eu sentia o soco do ciúme, sim. Mas, por baixo dele, tinha uma camada mais funda que dizia: “você pode escolher o homem que é”.

A tarde entrava pela janela em tom âmbar, iluminando a curva nova do corpo dela. Luana estava deitada de lado no sofá, a blusa erguida até os seios pesados, os mamilos duros. Eu me sentei ao lado e passei a língua em círculos por eles, sem pressa. Ela riu baixinho, arrepiada.

— Você fica hipnotizado neles, né? — disse, puxando minha cabeça para mais perto.

— Claro… estão me chamando desde que você tirou a blusa.

Ela mordeu o lábio, satisfeita com a resposta, e ergueu a perna sobre mim, me prendendo. Levei a mão até sua buceta já molhada, e ela gemeu, mas em vez de pedir mais, me provocou:

— Não corre… quero ver até onde você aguenta só me tocar.

Deslizei os dedos devagar, sem penetrar, só circulando, brincando com a borda do prazer, e cada respiração dela ficava mais pesada. Quando não aguentou mais, me empurrou para baixo.

— Agora chupa… me devora.

Obedeci, espalhando beijos na barriga antes de mergulhar entre suas pernas. O gosto dela era intenso, e eu fazia questão de variar: ora língua rápida no clitóris, ora sugando fundo, ora penetrando com dois dedos enquanto minha boca trabalhava em cima. Luana segurava minhas orelhas, não para guiar, mas como quem precisava se apoiar para não se perder.

De repente, ela mesma mudou a posição: se virou de quatro, apoiando os cotovelos no braço do sofá, a bunda empinada para mim. A barriga não pesava tanto assim, e o espelho da sala deixava tudo ainda mais excitante.

— Quero ver você me foder olhando pra gente.

Passei o pau entre as suas nádegas, segurei firme sua cintura e deslizei para dentro, fundo e lento. O espelho me mostrava o balanço da bunda dela encontrando meu corpo, o prazer estampado no rosto dela, e isso me deixou quase insano.

— Porra, Luana… olha como você tá me deixando.

Ela arqueou as costas e rebolou de propósito, provocando:

— Então aguenta, porque hoje quem manda sou eu.

A cada investida eu alternava o ritmo, acelerava, parava, fazia só a ponta entrar e saía de novo. Ela gemia frustrada, rindo, pedindo mais, até que deslizei os dedos entre as nádegas e pressionei devagar. Luana não hesitou; olhou pelo espelho e disse:

— Se tiver coragem, mete aí também.

Peguei o lubrificante e preparei com calma, sentindo o corpo dela relaxar pouco a pouco até me aceitar. A reação foi explosiva: ela mordeu o sofá para não gritar, o corpo inteiro tremendo.

— Caralho… tô ficando maluca com você.

Segurei seus quadris e continuei, alternando entre um e outro, até que ela perdeu o controle, gozando com espasmos fortes, o rosto vermelho, o suor escorrendo pelo pescoço. Não resisti e gozei logo depois, enterrado fundo, com um gemido grave que preencheu a sala.

Caí sobre ela, beijando suas costas. Luana ainda tremia, rindo sem conseguir falar direito. Virou-se devagar, deitou de lado e puxou minha mão para sua barriga, suada e quente.

— Eu juro… parece que quanto mais grávida eu fico, mais safada eu viro.

Beijei seu pescoço e sussurrei:

— E eu vou adorar aprender todas as suas fases.

— A Helena gosta de pão de queijo — a Luana dizia, depois de comer três sem culpa.

— A Helena tá chutando mais quando você escuta música velha — eu dizia, com a pretensão ridícula de achar que eu entendia padrões.

Aquela boa fase se estendeu até a mala da maternidade ficar na porta. No último ultrassom, a médica explicou as coisas práticas, falou de sinais de trabalho de parto, de quando ligar, de qual ônibus emocional a gente ia pegar sem saber ao certo onde descer. Saímos de lá de mãos dadas, com uma paz objetiva. Mas confesso que no meu íntimo, já não era como antes. Não pensava em genética ou em estatísticas, pensava que a Helena era minha.

E então foi o dia.

A bolsa não estourou de uma vez, nada cinematográfico. Vieram contrações brandas, intervaladas, como ondas que começam tímidas e depois resolvem brincar de salto. A Luana cronometrava no celular, eu fingia calma. Roupas, documentos, a pasta com ultrassons, a garrafa de água, o carregador, tudo ganhou lugar no carro. A cidade parecia outra, a mesma avenida que sempre irrita parecia gentil. Eu dirigia prestando atenção a cada farol como se farol fosse uma invenção nova.

No hospital, a rotina substituiu a poesia. Enfermeiras, pulseiras, checagens, aquela mistura de praticidade e afeto que só gente de maternidade sabe fazer. Eu virei poste de abraço: a cada contração eu virava parede pra ela apoiar a testa, respirava junto, recebia a unha cravada no meu braço como condecoração. Não foi “rápido e fácil”, mas também não foi guerra. Foi parto: trabalho, força, um tanto de medo, uma confiança fundamental em quem estava ali fazendo aquilo com a gente.

Quando a Helena nasceu, o mundo não parou; ele só deu um passo pro lado e abriu espaço pra uma luz muito específica. Eu chorei. Chorei com uma mistura louca de alívio e espanto, como se minha vida inteira tivesse sido um ensaio pra aquele instante de grito. A Luana chorou também, riu, chorou rindo. Eu pensei: é minha filha. Pensei isso sem subjuntivo, sem condicional, sem número de CPF. Minha filha.

E então, aos poucos — e eu odeio admitir que foi tão rápido — o choque veio. Primeiro como uma sombra que eu não queria nomear. Depois como detalhe que se impõe: a pele clarinha. Os olhos que não eram castanhos escuros como os meus ou da Luana, mas de um tom mais aberto, quase mel puxando pro verde. As feições lembrando alguém que não morava na nossa árvore genealógica. Só os cabelos, pretos e cacheados, contavam de nós sem rodapé.

Eu segurei a Helena e minha cabeça dividiu em dois canais. No canal um, um amor bruto, sem licença, sem pedido, que queria abraçar a vida toda. No canal dois, um zumbido: “e se?”. Eu me odiei por esse zumbido. Eu tentei desligar. Não consegui. O corpo é mais rápido que a moral.

A Luana também viu. Eu percebi no jeito como ela olhou um segundo a mais. No aperto de mão. No sorriso que demorou pra voltar depois de uma visita. Ela não disse nada naquele momento. Eu também não. O quarto virou templo de silêncio.

Os primeiros dias em casa foram de estresse bom e susto ruim. Fraldas, banhos, noites picadas, aquele medo ridículo de cortar a unha de um recém-nascido. E, por trás, o segredo andando pelos cantos, esbarrando nos móveis. A gente decidiu manter o combinado: “entre nós”. Evitar visitações excessivas, as tias que comparam nariz e o vô que diz “tem o queixo do fulano”. Só que família é bicho que acha brecha.

— Puxou pra algum parente distante — alguém disse, na segunda semana, com aquela naturalidade cruel de quem solta opinião sobre o clima.

— Deve ser, né? — eu devolvi, com o sorriso treinado.

Na terceira semana, a Luana, exausta de noites quebradas e comentários que não sabiam que doíam, desabou de um jeito que eu nunca tinha visto. Não foi escândalo; foi colapso, silencioso e inteiro. Eu peguei a Helena, fiquei andando com ela pela sala, e a Luana, no quarto, chorou sem som. Quando eu voltei, sentei na beira da cama e disse o que a gente ainda não tinha dito em voz alta.

— A gente precisa falar com o Érico.

Ela assentiu, sem raiva, sem teatro. Assentiu com o cansaço de quem sabe que estava adiado demais.

Eu mandei uma mensagem simples, sem rodeio. “Precisamos conversar. É importante. Só nós três.” Ele respondeu em menos de um minuto: “Quando e onde?”. Marcamos para um fim de tarde, na nossa casa, depois que a Helena mamasse e dormisse. Eu confirmei duas vezes que queria mesmo que fosse ali. A Luana disse que sim — não queria hospital, não queria restaurante, não queria lugar de desconhecidos.

O Érico chegou com a delicadeza que sempre teve. Bateu, esperou, entrou. Não trouxe presente, não trouxe flores, não trouxe nada que pudesse parecer gesto de parente em visita. Trouxe o corpo e a atenção. Eu admirei isso, mesmo com a cabeça em rotação.

— Como vocês estão? — ele perguntou, olhando antes pra Luana, depois pra mim.

— Cansados — eu disse. — E felizes. E… — procurei a palavra que não soasse como acusação — confusos.

A Luana pegou a Helena, que acordara há pouco, e a colocou no colo com o cuidado de quem segura uma peça de vidro rara. Ela ofereceu o rosto para a criança, recebeu aquele cheiro de leite, e então, com um gesto lento, estendeu a filha ao Érico.

— Você pode segurar? — perguntou, sem tremor na voz.

Ele pegou a Helena como se o mundo inteiro fosse vidro e ele fosse mão. Eu vi a surpresa transformar o rosto dele. Primeiro foi o sorriso automático de quem pega bebê. Depois, um silêncio que não cabia na sala. Ele levantou os olhos pra nós e, pela primeira vez desde que o conheci, ficou sem frase.

— Eu… — começou, e parou. — Eu não sei o que dizer.

— Não diz nada agora — a Luana pediu. — Só olha.

Ele olhou. E eu entendi que, ali, já não cabia “talvez”. Não precisava de teste de farmácia, nem de algoritmo de paternidade. A semelhança era um espelho. Não total — porque Helena tinha uma porção funda da mãe —, mas suficiente.

— Eu tô com vergonha de estar aqui — ele sussurrou, sem espetáculo. — Não por vocês. Por mim. Por ter participado de uma história que abriu uma porta e… eu não sei que sala a gente entrou.

Eu respirei. Foi estranho perceber que, no meio do meu ciúme, eu sentia empatia por ele. O mundo tem mais de dois lados. Pouca gente avisa.

— A gente precisa respirar — eu disse. — E precisa organizar. Não hoje. Mas em breve.

Ele assentiu. Ficou mais alguns minutos, em silêncio, devolveu a Helena com cuidado, disse “obrigado por confiarem”, e foi embora. Fechou a porta com mais suavidade do que da primeira vez, meses atrás.

No dia seguinte, o segredo saiu de casa sem sapato. Não porque a gente contou. Não porque ele contou. Mas porque a vida tem um talento infeliz para conectar pontas. A cunhada da minha prima, que trabalha no mesmo prédio que a tia da Luana, comentou que a Helena era clarinha de um jeito “diferente”. Outra olhou fotos de famílias e percebeu que nenhum ascendente tinha olhos claros. Outros já cochichavam que desconfiavam que Luana me traia há tempos com um vizinho, só por ele também ser branco de olhos claros. Em menos de três dias, as conversas cifradas viraram perguntas diretas, e as perguntas viraram acusações passivo-agressivas.

E, antes que o barraco terminasse de tomar forma e virasse ódio e desconfiança tanto pela minha família quanto pela família dela, que gostava muito de mim, decidi eu mesmo esclarecer os fatos, com o aval de Luana, que não tinha coragem para isto.

— Vocês brincaram com fogo — disse uma tia, no telefone, com a autoridade dos anos e a ignorância do amor alheio. — Agora aguenta.

— A gente não deve nada a ninguém — eu respondi, sem paciência. — Obrigado pela preocupação. De resto, a gente se vira.

A pressão não ficou só do lado de fora. Entrou, sentou no sofá, tirou o sapato e ligou a TV. A Luana entrou num casulo que parecia defesa, mas cheirava a culpa. Eu, num orgulho ferido que imita raiva e não é só raiva. Discutimos mais de uma vez se devíamos fazer o teste de DNA “pra encerrar”. A palavra “encerrar” virou luta. Encerrar o quê? Encerrar quem? A verdade não cabia em envelope.

Numa segunda-feira de manhã, depois de uma madrugada péssima, tomamos uma decisão feia e necessária: consultar advogados. Não para declarar guerra, mas para entender o terreno. Fomos a um escritório frio, de carpetes que abafam passos. A advogada nos ouviu com menos julgamento do que esperávamos e mais planilha do que queríamos.

— Vocês têm algumas opções — ela disse, profissional. — Se o registro civil foi feito pelo Márcio, há caminhos judiciais diferentes do que se não foi. Há a hipótese de reconhecimento espontâneo do pai biológico, há a de ação de investigação. Tem a questão de guarda, alimentos, convivência. E tem, claro, a possibilidade de manter o registro como está, se essa for a vontade do casal, com os riscos e implicações éticas que não são pequenos.

— E o divórcio? — eu perguntei, sem floreio, só pra nomear o que já estava rondando.

— É uma opção, sempre é — ela respondeu, sem glamourizar. — Mas divórcio não resolve o que está em jogo aqui. Divórcio organiza papéis. O resto é de vocês.

Saímos de lá mudos. Na calçada, o vento da tarde parecia mais cortante do que devia. Paramos num café que não tinha mais ninguém. A Luana segurou minha mão, e eu vi que a dela tremia.

— Eu não quero me separar — ela disse, e foi a primeira frase absolutamente clara que a gente disse em dias.

— Eu também não — respondi, descobrindo que aquela afirmação me atravessava como quem bebe água depois de muito tempo no sol.

— Então a gente precisa decidir o tipo de coragem que vai ter — ela continuou. — Porque seja qual for a escolha, ela pede alguma coragem. A de revelar e enfrentar o que vier. A de sustentar junto. A de proteger a Helena do circo. A de conversar com o Érico direito.

— A de admitir que a gente errou e que acertou também — completei. — A de não virar notícia pra parente.

Ela riu de leve, um riso sem graça e sincero.

— A de continuar transando? — arriscou, meio desastrada, meio lúdica, e eu entendi o que ela estava dizendo debaixo da piada: não transformar a nossa cama num altar de penitência.

— A de continuar transando — confirmei, e naquele acordo pequeno cabia a decisão de não permitir que a crise sequestrasse o que a gente tinha reconquistado.

Naquela semana, voltamos pra casa com menos medo de olhar um pro outro. Não porque a resposta estava dada, mas porque a gente tinha parado de fugir da pergunta.

Numa noite qualquer, a Helena finalmente dormiu por três horas seguidas — milagre clínico. A casa ficou num silêncio de biblioteca. A Luana estava com uma camiseta larga, cabelo preso de qualquer jeito, olheiras de mãe nova. E estava linda, não “apesar de”, mas “com”.

— Vem cá — ela disse, simples.

Eu fui. Não houve pressa. O corpo dela ainda era recente, um território delicado, e eu sabia que cada gesto tinha de ser mais cuidado do que urgente. Sentei-me ao lado e a abracei, sentindo seu cheiro misturado com o sabonete e com algo que só era dela.

Beijamos devagar, como quem testa um fio de luz depois de uma queda. Minha mão deslizou por suas costas, sem destino além do toque. Ela suspirou e se aconchegou, guiando minha palma até seus seios. Estavam diferentes — mais cheios, ainda mais sensíveis — e o primeiro gemido dela foi um susto bom.

— Continua assim… devagar — pediu, quase num sussurro.

Fui obedecendo. Um beijo no pescoço, outro na boca. Ela me tocava também, sem pressa, como quem redescobre o caminho. Nossos corpos se encostaram, cada vez mais quentes, mas sem aquela urgência antiga. Era outra coisa: ternura misturada a tesão.

Deitei-me ao lado dela, frente a frente, e nossas mãos se encontraram nos sexos. Eu a masturbava com delicadeza, explorando o ritmo que ela pedia com a respiração; ela, em troca, segurava meu pau, me acariciando lenta, firme, até que estávamos os dois ofegantes, com o desejo crescendo em silêncio.

No quarto ao lado, Helena resmungou no berço. Paramos, atentos. Ficamos de mãos dadas, esperando. Ela se mexeu, suspirou e voltou a dormir. Nos olhamos e rimos baixinho, cúmplices.

— Quase… — ela disse, divertida.

Voltamos, mais calmos ainda, como se tivéssemos ganho uma prorrogação preciosa. Ela se abriu de pernas, e eu me encaixei contra sua coxa, esfregando, sentindo a umidade quente dela. Ela rebolava devagar, o olhar preso no meu. Não era sobre pressa, era sobre não perder o fio.

O orgasmo dela veio primeiro, suave mas intenso, um arrepio inteiro que percorreu seu corpo. Eu a segui logo depois, gozando na palma da mão dela, nossos corpos colados, respirando juntos.

Ficamos deitados assim, rindo baixinho, a respiração se acalmando. Era sexo, sim. Mas era também algo maior: um jeito silencioso de dizer “ainda estamos aqui”.

Ele respondeu sem dramatizar. “Entendo. Eu tô aqui. Do jeito que vocês precisarem e eu puder, sem atravessar.”

Aos poucos, as visitas diminuíram, a família entendeu que as perguntas não teriam respostas no grupo da tia, e a rua achou outra fofoca. Nós, dentro de casa, fomos inventando um tipo de rotina que incluía fralda, café frio e coragem colocada pra secar na varanda. A dúvida não sumiu; aprendeu a se comportar. A culpa não sumiu; aprendeu a pedir licença. O amor não resolveu nada; sustentou o que precisava ser sustentado.

Eu, às vezes, ainda via o rosto do Érico quando segurou a Helena pela primeira vez. Não via ameaça. Via susto e cuidado. Eu não sabia o que aquilo significaria na prática. Só sabia que, na equação maior, a gente precisava somar gente que não fizesse barulho onde já havia ruído demais.

Numa dessas madrugadas em que o horizonte se recusa a nascer, a Helena mamou, arrotou com orgulho e dormiu de lado, mãozinha aberta. Eu e a Luana ficamos olhando como se tivéssemos descoberto fogo. Ela encostou a cabeça no meu ombro e perguntou, sem rodeios:

— A gente vai dar conta?

— A gente já está dando — respondi, não como promessa, mas como registro de presença.

Eu não tinha respostas definitivas. Tinha as mãos, a mulher no meu ombro e a criança do nosso lado. Às vezes, é o suficiente para começar o dia

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Comentários

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História muito bem contada, típica das q exploram problemas sem solução. Mas o ditado diz: O q não tem remédio, remediado está. Como envolve paternidade, maternidade, descendência, e sobretudo, amar quem chegou sem pedir licença, cabe somente aceitar, cuidar, e proteger.

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Que texto, meu amigo! Sensível, emocionante, e tesudo, claro!!! Terá continuação? A pergunta é mais curiosidade mas esse final já tá lindão!

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Obrigado pelo elogio! Vai ter mais um capítulo que eu to terminando de escrever

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Agora bateu a ansiedade!!! Auhauh

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