Capítulo X - Ares novos!
Era inevitável não lembrar da foto que eu tirei do Rafael na praia naquele fim de tarde. O sol dourando a pele dele, o sorriso cansado, mas ainda assim cheio de paz... Um retrato que dizia mais do que qualquer palavra: ele era o meu agora. E o meu futuro.
Foi olhando essa mesma foto no celular que me veio à cabeça o Miguel — meu melhor amigo de anos, que eu conheci justamente por causa da fotografia. Inclusive mandei a foto da Rafa para ele, para que pudesse analisar e de repente descolar algum trampo pra ele. Eu vivia dizendo pra ele tinha pinta de modelo, mas sempre encarava isso na zuação.
Ele me ligou na noite anterior contando que viria pra cidade fazer um curso intensivo por cinco dias e levar as fotos de Rafa pra uma amiga dele. Pediu indicação de pousada, queria dicas da cidade... e perguntou se podia ficar na minha casa. Eu, sem pensar muito, falei que sim. Era o Miguel. Era meu melhor amigo. E, por mais que a gente já tivesse se enroscado no passado, aquilo fazia tempo, e era só isso mesmo: passado.
Mas eu precisava falar com o Rafa sobre isso.
Esperei ele sair do banho. Estava de bermuda, o cabelo molhado caindo nos olhos, passando a toalha pelos ombros. Me olhou, curioso. Eu sentei na beirada da cama, um pouco inquieto.
— Rafa... — comecei devagar — lembra daquela foto que tirei sua na praia.
Ele sorriu de canto.
— Aquela que você disse que parecia de revista?
— Essa mesmo. Então... Eu mandei pro Miguel pra ele analisar e dizer o que achou.
A expressão dele mudou. As sobrancelhas arquearam de leve.
— Miguel?
— Meu melhor amigo. A gente estudou fotografia junto. Ele é fera. Enfim... Ele vai vir pra cá fazer um curso, me perguntou se podia ficar aqui em casa uns dias.
— Aqui? — o tom dele mudou. Eu senti. — Esse Miguel... não é o mesmo que você já teve alguma coisa, né?
Eu respirei fundo.
— É. Mas foi há anos. Antes de te conhecer. E ele sabe que eu tô com você. Nunca passou disso.
Rafael balançou a cabeça devagar, se afastou.
— Você acha mesmo que é uma boa ideia? Dormindo aqui em casa? Com a gente?
— Rafa... é só o Miguel. A gente é amigo. Eu nunca esconderia nada de você.
— Mas não é sobre esconder, Caio. É sobre bom senso.
A briga foi se armando. Tensa. Cheia de pausas e frases não ditas. Rafael ficou irredutível.
— Ele pode ficar num hotel, ué. Você ajuda ele de outro jeito.
— Você tá com ciúmes?
— Não. Eu tô com a pulga atrás da orelha. E tem diferença.
Não teve muito o que fazer. Peguei o celular na frente dele e liguei pro Miguel, mesmo contrariado.
— Miguel... então, cara, conversei com o Rafa aqui... — pausei, engoli seco — e acho melhor você ficar num hotel mesmo. Eu te ajudo com os custos, claro. Mas aqui em casa não vai rolar. A gente tá num momento delicado.
Miguel foi compreensivo. Sempre foi. Mas eu senti que doeu nele. E também em mim. Rafa não falou nada depois disso. Ficou calado, olhando pro chão. A raiva dele não era barulhenta. Era feita de silêncios.
No dia seguinte, me ofereci pra ir sozinho buscar Miguel na rodoviária. Rafael apenas murmurou um "vai lá", sem tirar os olhos do celular. Ele nem tentou disfarçar a mágoa.
Cheguei à rodoviária com o coração apertado. Miguel veio andando com a mochila nas costas, o cabelo preso num coque bagunçado, camisa larga e um sorriso leve.
— Ei! — ele me abraçou apertado. — Tá bonito, hein!
— Você também, cara. Quanto tempo...
Nos sentamos num banco qualquer, enquanto ele esperava o Uber que eu chamei até o hotel.
— E aí... como tá a vida?
— Tensa — respondi, rindo sem humor. — Eu e o Rafa brigamos ontem por sua causa.
Ele me olhou, meio sem entender.
— Sério?
— É... Ele não curtiu a ideia de você ficar lá em casa. Ficou com ciúmes. E... não posso mentir, eu entendo. Então achei melhor deixar você num hotel. Não quero crise.
Miguel assentiu, sério.
— Eu jamais ia querer causar isso. Juro. Se soubesse que ia dar esse rolo, nem teria perguntado.
— Eu sei. Mas você entende, né?
— Entendo. Ele te ama, Caio? De verdade?
— Ama. E eu amo ele. Só... às vezes, a gente se tromba em fantasmas que nem são nossos.
Miguel não disse nada. Só colocou a mão no meu ombro e apertou de leve.
Quando cheguei em casa, o silêncio me recebeu primeiro. A luz da cozinha estava acesa. Tudo arrumado. A mesa posta com dois pratos, guardanapos dobrados, copos no lugar certo. O cheiro da comida ainda morna no ar.
Entrei devagar. Rafael estava deitado de lado no sofá, coberto até a cintura, os olhos semiabertos, fixos no teto.
— Ei... — sussurrei. — Cheguei.
Ele não respondeu. Só piscou lentamente, como quem queria não estar ali.
Aproximei, sentei ao lado dele. Segurei sua mão. Estava quente.
— Obrigado pela janta... — falei baixo. — Tá tudo lindo.
Ele apenas virou o rosto pro outro lado.
E ali, naquele silêncio, percebi que às vezes o amor mais intenso é também o mais frágil.
E que eu ainda tinha muito a aprender sobre os limites do passado, do presente... e sobre como não ferir quem a gente mais quer cuidar.
Rafa narrando...
Caio tinha saído cedo. Tinha algumas aulas marcadas na praia com os alunos novos que estavam chegando para a temporada. A casa estava em silêncio, e eu tentava preencher o tempo com qualquer coisa que não fosse a ansiedade que me corroía desde a noite anterior. Por mais que ele tivesse voltado pra casa com aquele jeito carinhoso, que me desmonta inteiro... eu ainda não estava totalmente em paz. Meu orgulho, meu ciúme, meu medo — tudo latejava por dentro.
Estava deitado no sofá, quando ouvi a campainha. Levantei sem pensar, esperando talvez uma encomenda ou algum vizinho, mas quando abri a porta... era ele. Miguel.
Um pouco mais alto que Caio, pele clara, olhos escuros e um sorriso de quem sabe exatamente o que quer. Um sorriso que me incomodou. Não por ele, mas pelo que representava.
— Oi! — ele disse, com um aceno leve. — Rafael, né?
Assenti com a cabeça, meio sem saber o que fazer. Pensei em fechar a porta e dizer que Caio não estava, mas seria infantil demais.
— O Caio saiu pra dar aula — murmurei, recostando na porta, sem abrir totalmente.
— Eu imaginei... — ele respondeu, colocando as mãos nos bolsos. — Mas... posso falar contigo rapidinho?
Hesitei, mas dei passagem. Ele entrou com naturalidade, como quem já conhecia o ambiente, e isso me incomodou mais ainda. Sentei no sofá, e ele fez o mesmo, mantendo certa distância.
— Olha... antes de qualquer coisa, eu quero dizer que não vim aqui pra causar nenhuma confusão. Caio me contou o que rolou, e eu entendo tua reação. No fundo... até admiro — ele soltou um riso leve. — Porque quem ama, protege. Mas eu só queria mesmo conversar contigo.
Fiquei em silêncio. Deixei ele continuar.
— A foto que Caio tirou de você... na praia. Cara, que imagem! A luz, o teu olhar meio distraído, a naturalidade. Eu mostrei pra uma amiga minha, que trabalha numa loja de roupas daqui, bem conceituada. A gerente de marketing viu a foto e ficou encantada. Eles estão montando uma nova campanha com modelos reais, rostos fora do padrão clichê, sabe?
Eu o encarei, ainda calado.
— Eu sei que não é o melhor momento — ele continuou —, mas... eu queria te convidar pra fazer um teste. Nada comprometedor. Se não quiser, tudo bem. Só achei que seria uma oportunidade legal, até como reconhecimento, sabe? A imagem que Caio fez de você tem força. Você tem presença.
Respirei fundo. Aquilo me pegou de surpresa.
— Não é só isso — ele acrescentou, com mais calma.
— Eu queria que você soubesse que... entre mim e Caio, não há mais nada. Já houve. Mas ficou lá atrás. A gente se gosta, claro, como amigos. Ele sempre fala de você. De como você mudou a vida dele, da forma como você o faz sentir seguro. Eu nunca vi ele assim. De verdade.
A sinceridade dele me desmontou um pouco. Talvez... só um pouco.
— Ele te ama. Dá pra ver no jeito que olha pra você. E eu... não quero ser um obstáculo nisso. Só quero que tudo fique claro. E se você topar essa proposta, será pelo seu mérito, não por amizade ou nostalgia.
Assenti, com o olhar mais baixo. Ainda processando tudo.
— Pense com carinho, tá? E... — ele levantou, ajeitando a camisa.
— Você é um cara de sorte, Rafael. O Caio é uma das melhores pessoas que eu já conheci. Cuida bem dele. E deixa ele cuidar de você também.
Miguel se levantou do sofá, alisando a calça escura e lançando um último olhar ao ambiente. Já estava se encaminhando para a porta quando parou, me encarando com aquele mesmo sorriso de quem entende muito mais do que diz.
— Olha... — ele começou, ajeitando a alça da mochila no ombro — ...eu sei que tudo ainda é meio recente, e que talvez você ainda esteja tentando digerir tudo isso. Mas se quiser... a gente também pode ser amigo.
Fiquei em silêncio por alguns segundos. Não esperava aquilo. Talvez porque no fundo eu ainda estivesse tentando provar algo, manter uma distância segura. Mas ali, naquele gesto despretensioso, eu vi verdade.
Miguel não era uma ameaça. Nunca tinha sido. E talvez fosse o momento de eu parar de brigar com fantasmas do passado e com sentimentos que, no fundo, só existiam na minha insegurança.
Assenti devagar, com um meio sorriso no canto da boca.
— Pode ser, Miguel... a gente pode tentar isso.
Ele sorriu largo, sincero, e se aproximou mais uma vez, me estendendo a mão. Quando a apertei, ele deu dois tapinhas no meu ombro, como quem sela um acordo silencioso de paz.
— O Caio tem sorte. — ele disse. — Mas você também tem. Não esquece disso.
E saiu, deixando a porta encostar atrás de si, junto com uma leve brisa que soprou do corredor. Fiquei ali parado por um momento, sentindo o ar se mover em volta de mim, como se algo dentro também estivesse se reorganizando.
Talvez... só talvez, eu estivesse começando a confiar. Em mim. No Caio. E, quem sabe... até no Miguel.
Pouco depois que Miguel saiu, fiquei um tempo parado na varanda, observando o céu clareando em tons alaranjados sobre o mar. O dia parecia mais calmo, como se o próprio universo tivesse sentido que eu precisava de uma pausa para respirar.
Miguel tinha deixado muito mais do que uma proposta sobre a mesa. Ele tinha deixado também uma espécie de trégua comigo mesmo.
Fechei os olhos por alguns minutos, respirando fundo. Era como se, finalmente, o peso da dúvida estivesse começando a se dissolver. Não porque ele tivesse me convencido de algo, mas porque pela primeira vez em muito tempo, eu sentia que estava sendo visto... respeitado. Não por quem eu tinha sido, mas por quem eu estava me tornando.
Cerca de uma hora depois, ouvi o barulho da chave girando na porta e o som leve dos pés descalços de Caio entrando em casa. Soltei um suspiro e fui até a sala, já com um sorriso meio ansioso no rosto.
— Voltei! — ele anunciou, com o cabelo ainda molhado, a camisa branca grudando no peito de tanto suor. — Mar hoje tava insano… e o Matheus esqueceu a prancha de novo. Tive que emprestar a minha.
— Um verdadeiro herói — falei, me aproximando e abraçando ele pela cintura.
Ele apoiou a testa na minha, sorrindo ofegante.
— Miguel passou aqui — falei, com suavidade, esperando a reação.
Caio me olhou nos olhos, atento.
— É? E... como foi?
— Tranquilo. Conversamos. Ele me trouxe uma proposta de trabalho. Disse que a gerente de Marketing da loja onde ele faz campanhas viu uma das fotos que você tirou de mim e quer me convidar pra um ensaio.
Caio abriu um sorriso orgulhoso, os olhos brilhando.
— Eu sabia que aquelas fotos iam dar em alguma coisa. Você é lindo, Rafa... e tem um brilho que chama atenção. As fotos só mostraram o que todo mundo vê quando você passa.
Sorri de volta, tocando o rosto dele com carinho.
— Ele foi muito respeitoso. Disse que não tem mais nada entre vocês, que admira muito você e que... que você fala de mim com tanto amor, que ele sente sorte por ter sido parte da tua vida. E que nós também poderíamos ser amigos, se eu quisesse.
Caio pareceu aliviado e ao mesmo tempo emocionado.
— Eu gosto muito do Miguel. Ele foi importante num momento em que eu tava meio perdido, sabe? Mas nunca foi sobre amor de verdade. Com você é diferente. Com você eu quero casa, cachorro, até quintal com rede se for preciso.
Soltei uma risada, puxando ele mais pra perto.
— E se for com churrasqueira?
— Só se for com farofa e cerveja gelada.
— Feito.
Nos beijamos ali mesmo, rindo baixinho, enquanto o sol entrava pelas frestas da cortina e a manhã se revelava bonita. Tão bonita quanto o que estávamos construindo.
Nos sentamos no sofá com as pernas entrelaçadas, ainda com o cheiro de sal e suor nos cabelos. Caio encostou a cabeça no meu ombro, e fiquei brincando com os dedos dele, enquanto uma brisa fresca atravessava a sala.
— Você pensa em aceitar a proposta? — ele perguntou depois de um tempo, com a voz baixa, quase temendo a resposta.
— Ainda tô digerindo tudo. Mas... talvez seja uma forma de começar de novo, sabe? Mostrar pra mim mesmo que eu posso. E não porque esperam algo de mim, mas porque eu escolho isso. Pela primeira vez, eu quero fazer escolhas por mim.
Ele apertou minha mão com força.
— E eu vou estar do teu lado. Em qualquer escolha.
Nos olhamos por alguns segundos. Havia tanta verdade naquele olhar. Tanta paz.
Caio se levantou devagar e foi pra cozinha, dizendo que ia preparar uma janta decente. Enquanto ele colocava a água pra ferver e mexia com as panelas, me virei mais uma vez para a janela. O mar lá fora parecia tranquilo. Como se tudo estivesse exatamente onde precisava estar.
E no fundo, talvez estivesse mesmo.
Narrado por Caio...
Os dias que se seguiram foram curiosos. Eu diria até surpreendentes, de certa forma. Miguel ainda estava hospedado no hotel, e a tensão entre ele e Rafael parecia ter baixado consideravelmente, como se ambos, em silêncio, tivessem decidido deixar as desconfianças de lado — ou, ao menos, enterrá-las por enquanto.
Eu percebia isso nos gestos. Nas conversas mais longas. Nos olhares mais leves. Rafael, mesmo ainda desconfiado, passou a se mostrar mais receptivo, principalmente depois que aceitou a proposta do ensaio fotográfico. Miguel estava sempre em contato com ele, explicando os detalhes, mostrando referências, tirando dúvidas. A troca entre eles foi se construindo com uma estranha naturalidade, como se houvesse ali um acordo tácito de convivência, de respeito mútuo.
Na véspera do ensaio, Rafael passou horas se olhando no espelho, experimentando roupas, testando poses, rindo de si mesmo — e, por mais que não dissesse em palavras, eu sabia que ele estava ansioso. E com medo também. Medo de não estar à altura. Medo de se expor. Medo do que isso poderia representar. Então, quando deitou ao meu lado naquela noite, o abracei por trás e sussurrei no ouvido dele:
— Você é mais do que suficiente. Só precisa ser você mesmo.
Ele virou o rosto e sorriu, com aquele olhar meio bobo que só ele sabia ter, e respondeu:
— Você vai comigo, né?
— Claro que sim. Vou ficar lá o tempo todo.
Na manhã seguinte, saímos cedo. O estúdio era bem montado, iluminado por grandes janelas de vidro e equipamentos espalhados por todos os lados. Uma equipe simpática nos recebeu, e Miguel já estava por lá, revisando a ordem dos looks, ajustando detalhes com a gerente da loja e passando as orientações com aquele jeito calmo e técnico de sempre.
Enquanto Rafael se trocava no camarim, Miguel se aproximou de mim e disse em voz baixa:
— Ele tá mais solto. Acho que vai se sair muito bem.
Assenti, sorrindo. E ele completou:
— Você tem sorte, viu? Mas, sinceramente? Acho que ele também tem.
O ensaio começou. Rafael estava lindo. As câmeras o adoravam. Cada clique parecia revelar uma nova versão dele: segura, intensa, sedutora — e ainda assim, com aquele traço de timidez que fazia parte do seu charme. Ele vestia roupas casuais no início, depois algumas peças mais ousadas. Em determinado momento, trocou para as fotos de cueca, e eu percebi seu desconforto inicial, mas Miguel estava ao lado, guiando, dando segurança, profissionalismo e tranquilidade.
Tudo ia bem até que, em meio aos ajustes de luz e uma pausa para hidratação, um dos fotógrafos se aproximou demais. Falou baixo com Rafael, comentou sobre o corpo dele, soltou um sorriso sugestivo. Eu vi a expressão do Rafa endurecer na hora.
Ele respondeu, direto:
— Eu tenho namorado. E ele está bem aqui.
Olhou na minha direção, e eu me aproximei de leve, só pra deixar claro que estava presente. O fotógrafo pediu desculpas, meio sem graça, e se afastou.
Rafael voltou pro set, com o olhar um pouco mais firme. Mas, ainda assim, profissional. Continuou o ensaio até o fim sem perder a postura. Quando tudo terminou, Miguel se aproximou, orgulhoso, e deu um leve tapinha nas costas dele.
Até que chegou o momento das fotos de cueca.
O ambiente, que já estava caloroso, esquentou de vez. Eu tentei fingir costume, maturidade, autocontrole. Mas assim que ele apareceu com aquela peça justa, preta, com o tecido marcando cada curva dele, senti algo estremecer dentro de mim.
O estúdio ficou em silêncio por um segundo. Um silêncio de impacto. Depois, vieram as reações — risadinhas, sussurros, olhos arregalados. Uma moça da equipe falou alto demais: — Meu Deus... esse homem existe mesmo?
Outro comentou: — Se não for pra ser assim, eu nem quero tentar.
Eu revirei os olhos. E meu sangue começou a ferver de leve quando um fotógrafo mais afastado disse, rindo:
— Eu casava hoje! Você é solteiro?
Rafael ajeitou a cintura da cueca com calma, e respondeu, sem perder a classe: — Não. Eu namoro. E meu namorado tá bem aqui no estúdio.
Apontou discretamente pra mim. Todos os olhares me alcançaram. Senti um arrepio estranho, uma mistura de orgulho e incômodo. Era bom ver que ele não escondia, que me assumia com tanta segurança. Mas também era difícil ver o corpo dele exposto àqueles olhares que não respeitavam limite algum.
A fotógrafa pediu mais uma sequência, e Rafael virou de costas, olhou por cima do ombro e fez exatamente o que pediram: entregou sensualidade, presença, magnetismo. Ele tava incrível. E eu... mordia por dentro. Literalmente. As mãos fechadas, a perna batendo no chão, um pensamento insistente me martelando: “Ele é meu. Mas e se alguém conseguir tirá-lo de mim?”
Miguel, que também acompanhava o ensaio, percebeu. Ele veio até mim, me deu um leve empurrão no ombro e disse, meio em tom de brincadeira: — Relaxa, cara. Ele só tem olhos pra você. Nunca vi alguém falar de outra pessoa como o Rafa fala de ti.
Tentei sorrir. Mas meus olhos estavam presos no palco montado pra ele. Nos flashes que o iluminavam. Nos olhares que o cobiçavam. Era estranho. Eu sempre quis ver o Rafael brilhar. E ali estava ele, brilhando. E, mesmo assim, uma parte de mim se sentia ameaçada. Vulnerável. Pequena.
No final do ensaio, quando ele se vestiu novamente e veio até mim, todo suado e sorridente, me abraçando pela cintura e dizendo:
— Você ficou o tempo todo, amor. Obrigado.
Eu segurei ele com força, respirei fundo e encostei minha testa na dele. — Você é lindo, Rafael. Lindo demais... Ele riu. — Isso é um elogio ou uma reclamação? — É um aviso — falei, com um meio sorriso. — Se alguém se aproximar demais de novo, eu quebro.
Rafael gargalhou alto, puxou meu rosto com as duas mãos e me beijou. Um beijo que apagou todo o estúdio. E que me lembrou, ali no meio daquele mundo de flashes, que entre nós havia mais que ciúmes, mais que insegurança: havia amor. Real. Profundo. E forte o suficiente pra segurar qualquer vendaval.
Miguel se aproximou e nos abraçou...
— Mandou bem demais, Rafa. Você tem um futuro se quiser seguir nessa linha. E, olha... — sorriu, meio tímido — se um dia você quiser se aprofundar na fotografia ou mesmo trabalhar comigo, vai ser um prazer.
Rafael sorriu de volta, meio cansado, mas sincero:
— Valeu mesmo. Eu vou pensar com carinho.
Na despedida, já fora do estúdio, Miguel se virou pra ele e disse algo que me marcou:
— E, se você quiser... eu gostaria que a gente fosse amigo. Só isso. Sem tensão. Sem passado. Só amizade. Mas... só se você quiser.
Rafael olhou pra ele por um instante, como quem ainda pesava tudo aquilo, e então respondeu com um leve aceno de cabeça:
— Pode ser. Acho que a gente pode começar do zero.
Miguel sorriu, me lançou um olhar sereno, e se afastou.
Voltamos pra casa em silêncio, de mãos dadas. O sol já começava a se pôr, tingindo o céu com tons dourados e rosados. Eu olhei pro Rafa ali, ao meu lado, e percebi o quanto ele estava crescendo, se reconstruindo, aprendendo a confiar — mesmo quando era difícil. Mesmo quando tudo dentro dele gritava o contrário. E, por tudo isso, eu o amava ainda mais.
Rafa narrando...
O carro seguia silencioso pela estrada que levava de volta pra casa, mas dentro de mim tudo estava aceso. O clima no estúdio já tinha me deixado tenso, e o jeito como Caio me olhava desde que saí do camarim, só de cueca, foi tipo gasolina em fogo. E agora, no banco do carona, eu sentia os olhos dele me devorando em silêncio.
— Você vai ficar calado até a gente chegar ou vai continuar me comendo com esses olhos? — provoquei, jogando o corpo um pouco pro lado, de propósito, deixando meu ombro à mostra e bagunçando o cabelo como quem não quer nada.
Caio deu uma risada abafada, mas com aquele tom rouco que me deixava arrepiado.
— Tô tentando não parar esse carro e te levar ali mesmo, no primeiro canto escuro que aparecer.
— E o que tá te impedindo? — perguntei, encarando ele de lado com um sorriso safado. — Medo de não aguentar?
— O problema é exatamente esse, Rafa. Eu sei que não vou aguentar.
Chegamos em casa e mal passamos pela porta. Caio me empurrou contra a parede do corredor, com os olhos acesos, pegando fogo. Me beijou com urgência, com desejo acumulado do ensaio todo. As mãos dele passaram pela minha cintura, subiram pela barra da minha camisa e puxaram com força, rasgando quase um botão.
— Tá louco? — ri entre o beijo, mas meu corpo já colava no dele.
— Tô. Louco por você. Desde que você entrou naquele estúdio de cueca e ficou todo oferecido na frente dos outros.
— Oferecido? — mordi o lábio e deslizei a mão até a barra da camisa dele, levantando devagar. — Tava só fazendo meu trabalho, amor.
— Trabalho o caralho — ele rosnou no meu ouvido. — Você sabe o que faz com esse corpo, com esse olhar. Você se exibe de propósito, só pra me deixar assim... desse jeito.
— Desse jeito como? — murmurei, provocando.
— Com vontade de te prender na cama, te virar de todos os lados e te fazer gemer meu nome até a vizinhança toda saber quem é o dono dessa porra desse corpo.
Senti meu estômago dar um nó de tesão. Era isso que ele fazia comigo: me incendiava.
Fomos tropeçando até o quarto, tirando as roupas pelo caminho, aos risos, com provocações a cada peça jogada. Ele me empurrou de costas na cama, montou em cima de mim e me olhou como se quisesse me devorar inteiro.
— Vai ficar só olhando? — perguntei, mordendo o lábio inferior.
— Tô só decidindo por onde eu começo... porque hoje, amor, tu não vai escapar. Vai se lembrar desse ensaio toda vez que tentar posar bonito pra outro fotógrafo. Porque teu lugar é aqui, debaixo de mim.
E ele cumpriu cada palavra. Foi selvagem e doce, intenso e lento, possessivo e apaixonado. Entre gemidos abafados, mãos apertando, corpos se encaixando com perfeição, eu sentia que aquele era o nosso jeito de amar. Torto às vezes, bruto, mas sempre cheio de entrega.
— Tá com ciúmes, Caio? — provoquei, com ele ainda dentro de mim, os olhos cravados nos meus.
— Ciúmes? — ele deu um sorriso torto. — Isso aqui não é ciúme, é só... uma forma prática de te lembrar quem manda.
— É mesmo? Então manda... — sussurrei.
E ele mandou. Com o corpo, com a boca, com os dedos, com os gemidos graves dizendo meu nome como uma oração proibida. A cama rangia, nossos corpos suavam e se grudavam, e naquela noite, fizemos amor como se fosse a primeira vez... ou a última.
Quando tudo acabou, ainda ofegantes e suados, ele me puxou pro peito e beijou minha testa.
— Eu te amo, Rafa. Não importa o que aconteça, eu sempre vou amar.
— Eu também te amo, Caio. Mesmo quando você fica todo macho possessivo, eu amo.
— E você adora... — ele riu, apertando minha cintura.
— Amanhã tem mais? Porque eu ainda tô vendo você naquela cueca na minha cabeça.
— Amanhã, depois de amanhã... pro resto da vida, se você quiser — sussurrei.
E ali, entre lençóis revirados, amor transbordando e corpos ainda entrelaçados, a gente adormeceu. Um no outro. Como se o mundo todo estivesse do lado de fora, e só a gente importasse.