Três noites. Três espetáculos que paravam a cidade. Quando o Festival Folclórico de Parintins chegava, nada mais importava. As ruas se enchiam de cores, sons e sentimentos. Caprichoso e Garantido, os dois gigantes da cultura amazonense, protagonizavam um duelo artístico que transcendia o boi-bumbá. Era história viva, era identidade. A beleza do festival não estava apenas nas coreografias, nas lendas, nos ritmos. Estava também na movimentação econômica e turística. A cidade se transformava: hotéis lotados, comércios aquecidos, e milhares de visitantes encantados com a grandiosidade da festa.
Mas por trás da magia do espetáculo, havia uma rotina que exigia mais do que paixão. Exigia entrega total.
Cauê quase não sentia mais os dedos, tamanha a carga de trabalho nos últimos dias. Ele passava horas ajustando partituras, organizando pautas musicais, lidando com cabos e microfones. Enquanto isso, o sono de Jonas se tornara uma lembrança distante. Ser dançarino era simples: ensaiar, sorrir, dançar. Agora, como coordenador criativo do Caprichoso, tudo era diferente. A pressão de manter a perfeição, de honrar o nome do pai e corresponder às expectativas da nação azul e branca o consumia dia e noite.
Mesmo assim, em meio à correria, Cauê encontrava tempo para uma causa pessoal: compor uma canção para Jonas. Queria surpreendê-lo. Algo só deles. Mas havia dúvidas. Seria o momento certo? William, ao ouvir os primeiros acordes e ajudar no arranjo, não teve dúvidas. "Você vai surpreender com essa canção," disse, confiante. A toada tinha força. Tinha alma.
Enquanto isso, o Caprichoso vivia um de seus momentos mais intensos: o primeiro translado das alegorias. A cena era grandiosa. Centenas de homens — os paikicés — vestidos com fardas azuis e capacetes de proteção, conduziam os módulos imensos pelas ruas de Parintins. Eram carregadores, mas também heróis. Heróis da resistência cultural.
Jonas observava tudo com atenção. Era sua função garantir que cada detalhe saísse conforme o planejado.
— Marcílio, os paikicés já começaram a retirada dos primeiros módulos. — Avisou Jonas por áudio. — Cara, por enquanto, sem qualquer tipo de situação.
Do outro lado da linha, a resposta veio com emoção:
— Nossos heróis são fodas!
Jonas sorriu.
— Eles são. — Disse, olhando os trabalhadores com respeito. — Podem soltar mais fogos! — Pediu à equipe de efeitos.
As explosões coloridas iluminaram o céu, ao som das toadas do Caprichoso ecoando pelos alto-falantes. Aquilo não era apenas trabalho. Era devoção.
Do lado vermelho da cidade, a cena se repetia com igual intensidade. Cauê acompanhava a saída das alegorias do Garantido, também marcada por fogos e aplausos. O percurso, no entanto, era mais longo. Mais de dois quilômetros separavam o galpão do Bumbódromo. Mas os kaçauerés — os empurradores de alegorias do boi vermelho e branco — seguiam firmes, com passos marcados pela força e pelo orgulho.
— Eles são incríveis, né. — Comentou Alexandra, registrando a cena com sua câmera.
— É um trabalho difícil. — respondeu Cauê, fascinado pela grandiosidade daquilo tudo. — Eles são remunerados?
— Claro. Essa que é a beleza do Festival, cara. Gera renda pro nosso povo. — Soltou Jean, tocando o ombro de Cauê com um sorriso orgulhoso.
O clima em Parintins estava abrasador, e não só pelas temperaturas escaldantes de junho. O reencontro entre Cauê e Jean também carregava sua dose de tensão. Era a primeira vez que os dois conversavam desde o flagra do beijo, e a amizade que um dia fora sólida agora parecia um terreno minado. Ainda assim, com a insistência de Jonas e do próprio William, pai de Jean, ambos decidiram dar uma nova chance ao que havia sido quebrado.
A conversa entre eles aconteceu embaixo da sombra generosa de um jambeiro em uma área isolada do Curral do Garantido, longe das multidões e do barulho dos ensaios. Foi longa, sincera e, felizmente, tranquila. Os desentendimentos foram esclarecidos, os sentimentos colocados à mesa, e as mágoas, pouco a pouco, desmanchadas como gelo no calor da ilha.
Alexandra, que os encontrou por acaso e ficou genuinamente aliviada com a reconciliação, não perdeu a chance de registrar o momento com uma selfie. Na legenda, marcou os amigos e escreveu: "Corações em paz antes do boi-bumbá (coração vermelho)". Afinal, o Festival batia à porta e não havia tempo para mágoas persistentes.
***
Na rua da casa da família de Cauê, o cenário era o típico de véspera de festa: barracas sendo erguidas com pressa, vendedores gritando ofertas, turistas se esgueirando entre carros parados e motocicletas barulhentas. O calor, por sua vez, parecia querer testar a paciência de todos, com termômetros flertando com os 40 graus. O trânsito estava praticamente parado — um caos que já se tornava tradição nessa época do ano.
Apesar da correria, Milena e Eron decidiram retribuir a gentileza do almoço na casa de Jonas feito para Cauê com um convite para jantar. A data, claro, coincidiu com uma das noites mais atribuladas da semana, mas ainda assim, Jonas fez questão de aparecer. Chegou com quase uma hora de atraso, ofegante, e coberto de ferrugem e poeira.
— Desculpa, Seu Eron e Dona Milena. Não deu pra ir em casa, o trânsito dessa cidade está louco. — Explicou, envergonhado, esfregando o pescoço com a mão suja.
Milena, enquanto posicionava os pratos na mesa de jantar, respondeu com um sorriso compreensivo:
— Sem problemas, querido. A cidade está cheia de turistas e das equipes de segurança de Manaus. Estamos todos enfrentando isso.
— Eu que o diga. — Resmungou Eron. — Faço o trajeto pra universidade em dez minutos, levei mais de quarenta hoje. Me senti em Manaus, só que com mais mosquitos.
Nesse instante, Repolho, o cachorro da família, se aproximou de Jonas, deu uma cheirada em seu pé e espirrou antes de sair correndo. Jonas sentiu as bochechas queimarem mais que o sol do meio-dia.
— E perdoem a minha situação também. Tive que ajudar a mover umas alegorias... tô imundo.
— Você quer tomar um banho? — ofereceu Milena, com doçura. — O Cauê pode te emprestar umas roupas.
Cauê apenas fez um gesto com a cabeça, e os dois seguiram para o quarto. Assim que entraram, Jonas suspirou aliviado.
— Acho que assustei até o cachorro. — Comentou, meio rindo, meio desconcertado.
Cauê puxou a porta do guarda-roupa, pegou uma toalha limpa, uma camiseta azul clara e uma bermuda de algodão leve.
— Fica tranquilo. Tá tudo aqui. E relaxa... você já entrou aqui muito mais tarde e com bem menos roupa. — brincou, fazendo Jonas rir.
O banho foi rápido e revigorante. Ao retornar para a sala, agora limpo e com as roupas de Cauê, Jonas foi recebido por um aroma delicioso vindo da cozinha: lasanha. Eron servia com cuidado as fatias generosas, enquanto Milena lia concentrada as mudanças no roteiro do festival. César jogava no celular, e Repolho corria animado pelo corredor.
Jonas parou por um instante, observando aquela cena. Havia algo de acolhedor, quase mágico, naquela simplicidade. Sentiu uma pontada de inveja — não da ruim, mas daquela que denuncia o que nos falta. Tinha um bom relacionamento com o pai, mas sentia a ausência da mãe. Dorotéia agora navegava em algum cruzeiro pela Europa, desde que o divórcio com Otaviano a afastara de vez de Parintins. Eles trocavam mensagens, mas não era o mesmo que um abraço de mãe.
— Espero que goste de lasanha de carne. — Disse Eron, colocando um pedaço no prato de Jonas.
— Eu amo lasanha, senhor. — Respondeu ele com sinceridade.
— Sei que não é nada sofisticado, mas foi feita com carinho. Principalmente pro namorado do meu filho. — Eron sorriu, servindo também Milena.
— Sou um cara simples, senhor.
— Pode me chamar de Eron. — Corrigiu o professor, puxando o celular da mão de César. — Hora do jantar. — Olhou para a tela. — Teu tempo tá péssimo, hein.
— Tô treinando com um personagem novo! — César se defendeu, já com um garfo cheio de lasanha.
Milena permanecia em silêncio, os olhos presos no roteiro. Jonas entendeu. Aquilo não era desinteresse, era foco. Conhecia aquela postura. A concentração de quem vive e respira bumbá, de quem sabe que a beleza do Festival se constrói nos bastidores, muitas vezes com suor, cansaço e noites sem dormir.
— Desculpa. — Pediu Milena ao não responder um questionamento do esposo. — Estou imersa neste roteiro.
— É assim mesmo, dona Milena. O Festival é incrível, mas assustador. Tenho certeza que vai tirar de letra. — Comentou Jonas sorrindo.
Entre garfadas de lasanha e sucos gelados, o jantar seguiu com leveza. Eron, já com uma cerveja na mão, tomou a dianteira das histórias.
— Tu acredita que esse moleque aí já tentou construir um barco de papelão? — apontou para Cauê, que tentava esconder o rosto. — A gente morava num conjunto habitacional em Itacoatiara, e ele teve a brilhante ideia de usar fita adesiva pra impermeabilizar o fundo. Resultado? Deu três remadas e afundou igual pedra!
Todos riram. Até Jonas, que tentou imaginar o namorado mais jovem, desastrado, desafiando as leis da física com um sorriso travesso.
Milena aproveitou a deixa para emendar:
— Cauê sempre foi criativo. Tem a veia artística do meu pai. Vivia tocando novos instrumentos, lendo partituras, criando composições. Quando era pequeno, ficava horas estudando, e se a gente deixasse, ele até esquecia de almoçar. Às vezes, isso até salvava, viu? Porque ele nunca gostou de peixe assado...
— Nem de jambu. — Emendou Eron, fazendo todos caírem na gargalhada de novo.
— Minha infância também foi cheia de histórias. — Continuou Milena, agora com um olhar mais distante, nostálgico. — Nasci aqui em Parintins. Vivi a infância toda por essas ruas, até que o meu pai partiu. A dor foi grande. Mas Deus abriu uma porta. Minha mãe, que era diretora de escola, conseguiu uma transferência para a capital e levou a gente pra lá de vez. Foi difícil, mas Manaus nos abraçou.
— A sua família não é daqui? — Quis saber Jonas.
— Não, eu sou da etnia Tikuna. Meus pais são de São Gabriel da Cachoeira, mas a minha mãe acabou ganhando uma vaga na direção de uma escola aqui. Por isso, nasci em Parintins. — Explicou Milena.
Jonas ouvia com atenção, absorvendo cada detalhe. Estava fascinado com o modo como a família se apoiava e compartilhava memórias com tanta naturalidade.
Mas nem tudo era calmaria. César, o caçula, resolveu testar os limites da conversa.
— Jonas, é verdade que tu tem um carro importado?
Jonas riu, surpreso com a franqueza do cunhado.
— Tenho sim, mas ele fica em Manaus. Aqui em Parintins é mais prático andar de moto.
— E tem lancha? — César foi direto, como só um adolescente ousado sabe ser.
— Tenho, sim.
— Será que um dia tu me leva pra dar uma volta?
Houve um breve silêncio. Milena revirou os olhos discretamente, mas Jonas apenas sorriu com naturalidade.
— Claro. Quando quiser. É só marcar.
César vibrou como quem acabara de ganhar na loteria.
Com o tempo, a tensão inicial desapareceu por completo. Jonas havia entrado em um território íntimo e familiar, mas, pouco a pouco, conquistava cada coração. Eron começou a chamá-lo de "parente", Milena ofereceu doce de cupuaçu para ele levar "pra viagem", e até César, agora mais calado, o olhava com respeito.
Porém, enquanto ajudava a recolher os pratos da mesa, Jonas olhou para o mural de fotos na sala. Ali, entre sorrisos e fantasias azuladas e vermelhas, viu os rostos da família vestida para o Festival de Parintins. Era inevitável. Em breve, aquela mesma família que agora o abraçava com afeto se tornaria sua rival declarada na arena.
"Três noites de disputa...", pensou, enquanto entregava um copo a Cauê. "Espero que nada saia errado."
Cauê lhe devolveu um olhar carinhoso, como se lesse seus pensamentos.
— Você vai sobreviver. — Murmurou, brincando.
Jonas sorriu. Tinha enfrentado muitas coisas na vida, mas sabia que ali, entre lasanha e memórias, estava travando um dos desafios mais intensos: ser aceito, respeitado... e, quem sabe, amado. Mesmo que por alguns dias, fossem adversários no coração de Parintins.
***
O clima no Bumbódromo era de pura expectativa. Entre os diversos ensaios intensivos e ajustes técnicos, um outro compromisso exigia atenção das duas agremiações rivais: a gravação de um especial para a emissora local, responsável pela transmissão do Festival Folclórico de Parintins. Era tradição que o sorteio da ordem das apresentações fosse transformado em um espetáculo televisivo — com câmeras, luzes e, claro, música. A emissora apostava em figuras carismáticas e performances marcantes para atrair mais audiência e engajar o público apaixonado pela festa.
Do lado do Boi Garantido, Milena foi a escolhida para representar a agremiação. Sua voz poderosa e presença de palco sempre causavam impacto — e, para aquele dia, não seria diferente. Já o Caprichoso apostou em Sérgio Queiroz, o levantador de toadas consagrado pela nação azul. Carismático, ele sabia como empolgar o público com seu gingado e suas vocalizações poderosas.
Além deles, Cauê também fora convidado para fazer uma participação especial ao lado da mãe, que interpretou três toadas emocionantes. A mesma quantidade de canções foi executada por Sérgio, mantendo o equilíbrio entre os dois bois.
Nos bastidores, Milena e Sérgio se cumprimentaram com cordialidade. Apesar da rivalidade dos bumbás, entre os artistas o respeito profissional imperava. Ambos sabiam que aquela apresentação era muito mais do que um duelo musical — era uma vitrine para a cultura, uma homenagem à ancestralidade que emanava da arena.
Na plateia, um rosto se destacava entre tantos: Jonas. Com um brilho nos olhos e o peito inflado de orgulho, ele assistia à performance de Cauê com admiração. Sabia que seu namorado havia nascido para os palcos, e ver aquela desenvoltura sob os holofotes era uma confirmação disso. Não havia vaidade, apenas encantamento. Cauê não interpretava toadas — ele as encarnava.
Depois das apresentações, veio o momento do tão esperado sorteio. As bolinhas coloridas giraram dentro do globo de acrílico e, ao final, a decisão estava feita: o Boi Garantido abriria a primeira noite de apresentações. Nas duas noites seguintes, o Caprichoso daria início aos espetáculos.
Otaviano esboçou um leve sorriso. Para ele, abrir o Festival era como dar o tom da festa, estabelecer o nível. Já Ribeiro, presidente do Garantido, demonstrou segurança. Sabia que sua equipe estava preparada para o desafio. Logo em seguida, os dois presidentes, acompanhados de seus levantadores de toada, foram chamados para a tradicional foto oficial diante dos bois estilizados. Embora a rivalidade fosse forte, naquele momento a imagem era de união pela cultura amazônica.
Com o evento finalizado, os artistas começaram a recolher seus instrumentos e figurinos. Cauê, ainda com o figurino da toada que homenageava a força das mulheres indígenas, caminhava pelo corredor lateral do Bumbódromo quando deu de cara com Jonas.
— Você estava incrível. — Elogiou Jonas, com um sorriso aberto, os olhos ainda brilhando.
— Obrigado. Eu senti sua presença. — Cauê sorriu e estendeu a mão, que foi prontamente entrelaçada na de Jonas.
Os dois se afastaram um pouco, em direção à saída, trocando palavras baixas e olhares cúmplices. Mas o breve momento de tranquilidade foi interrompido pela chegada de Vlavlau, assistente direto de Otaviano.
— E aí, Cauê. Preparado para abrir o festival? — Perguntou Vlavlau, pegando no ombro de Cauê.
— Estou muito contente. — Respondeu Cauê.
— Jonas! — Vlavlau voltou a atenção para Jonas. — Seu Otaviano está te chamando pra uma reunião. Vai ser aqui mesmo, no camarim central.
— Vai la, senhor produtor. — Cauê se aproximou dou namorado e lhe deu um beijo na boca.
— Obrigado, senhor musico. — Jonas retribuiu com outro beijo. — Te amo.
***
O ápice da preparação para o Festival Folclórico de Parintins se aproximava. Nos currais, os bumbás faziam seus últimos ajustes, mas eram os três ensaios no Bumbódromo que realmente marcavam o tom do espetáculo que viria. Ali, cada movimento era calculado, cada passo medido com precisão. Era o momento de colocar à prova tudo o que fora ensaiado ao longo de cinco meses, com foco especial no espaçamento dos dançarinos, nos tempos de entrada e saída de cada alegoria, e na fluidez da narrativa visual que encantaria milhares de pessoas.
Apesar de o festival ainda não ter começado oficialmente, Cauê já sentia o peso da maratona emocional e física que era fazer parte do Garantido. Seus pés doíam, os ombros estavam tensos e o sono era artigo de luxo. Ainda assim, havia algo mais forte que o cansaço: a emoção.
Entre um ensaio e outro, ele encontrou tempo para ensaiar a canção que havia composto especialmente para Jonas. Uma toada íntima, que mesclava a força rítmica do boi com uma melodia lenta e doce, carregada de sentimento.
— É uma música sensível. Parabéns, cara. — Elogiou William, enquanto guardava a guitarra, os olhos sinceros e um sorriso discreto nos lábios.
Cauê agradeceu com um aceno, mas por dentro, a dúvida ainda o corroía. Todos elogiavam a música, mas ele não conseguia confiar no próprio talento. Aquela insegurança o fez desviar do caminho de casa. Em vez de seguir para o descanso, ele usou o crachá de serviço e entrou no Bumbódromo.
Nunca tinha visto o local tão cheio fora das noites oficiais. Na entrada, grupos se aglomeravam para tirar selfies com o grande símbolo do festival ao fundo. O clima era de celebração, mas Cauê procurava silêncio. Subiu pelo elevador até o sétimo andar, onde podia ver tudo do alto. Lá embaixo, as pessoas pareciam formigas coloridas se movendo sem parar.
Durante os cinco meses em Parintins, Cauê havia evitado sentir. Chegara à ilha com a cabeça cheia de incertezas — sobre sua carreira, sobre si mesmo — mas agora tudo parecia diferente. As lágrimas vieram sem que ele pudesse controlar. Estava ali, em um dos lugares mais mágicos do mundo, fazendo parte de uma cultura que o abraçara. Se sentia pleno.
— Moleque enxerido?
Cauê se assustou com a voz conhecida e rapidamente limpou as lágrimas. Ao se virar, viu Otaviano, o pai de Jonas, com um leve sorriso e um lenço de papel na mão.
— Seu Otaviano? — disse, surpreso.
— Apreciando a vista? Eu também venho aqui pra pensar. — Disse o sogro, estendendo o lenço. — Cadê o Jonas?
— Deve estar em alguma reunião. Eu acabei de sair do ensaio. O senhor deve estar muito orgulhoso dele. Está se dedicando cem por cento ao festival.
— Ele é um bom garoto. Tem um bom coração. Disso, eu não me arrependo. Mas, sinceramente? Faltou umas palmadas naquela bunda seca. — Soltou, em tom de brincadeira, arrancando uma risada de Cauê.
O jovem respirou fundo antes de falar, como se finalmente pudesse colocar para fora tudo que carregava no peito.
— Eu tinha tantas dúvidas sobre a carreira que queria seguir. E, veja só, estou aqui, em um dos lugares mais incríveis do mundo. Imerso em uma cultura que só me trouxe coisa boa. Essas lágrimas são de alegria. Estou feliz, seu Otaviano. Pleno. Eu sei que o senhor odeia o Garantido, mas... estou feliz com o boi. Sinto um carinho tão grande pelas pessoas, pelo folclore.
Otaviano assentiu, os olhos marejados de emoção contida.
— O boi te escolheu, garoto. Assim como o Caprichoso me escolheu. O Jonas... bom, o coitado nem teve escolha. Já nasceu no meio disso tudo. Mas, sabe, estou feliz que você apareceu na vida dele. Depois da morte do Rafael, ele ficou perdido. E você trouxe algo de bom de volta pra vida do meu filho. A isso, Cauê, eu sou grato.
— Obrigado, senhor. O Jonas me faz muito feliz também.
Otaviano deu um leve tapinha nas costas do genro.
— Agora eu preciso ir. Mas, moleque enxerido... se errar uma ou duas notas na hora, eu te dou uma moto.
Cauê riu, surpreso.
— Não precisa, senhor. Obrigado. Eu só desejo sorte ao Caprichoso também... ele vai precisar. — ironizou, piscando um olho.
Otaviano abriu um sorriso largo e se afastou, deixando o jovem ali, contemplando não apenas o Bumbódromo, mas tudo o que havia conquistado — dentro e fora da arena.