O Fundo do Poço, escrito por Will Safado.

Um conto erótico de escrito por Will Safado.
Categoria: Heterossexual
Contém 3415 palavras
Data: 16/07/2025 13:18:53

Durante muito tempo, a vida de Lucas foi marcada por repetições previsíveis — acordar cedo, enfrentar o trânsito, trabalhar o dia inteiro, voltar para casa, jantar com a família e dormir. À primeira vista, era uma rotina comum. Mas, para ele, essa previsibilidade começou a se tornar sufocante.

Ele não sabia ao certo quando aquilo começou a incomodar. Talvez quando percebeu que, com quase quarenta anos, ainda precisava contar os dias para o pagamento cair. Ou talvez quando se deu conta de que a vida sexual com Mariana — embora ainda boa — havia se tornado espaçada, engolida pela rotina, pelo cansaço, pelos boletos.

Mariana era carinhosa, atenciosa, mas às vezes Lucas a via mais como a mãe de seu filho do que como uma mulher. Aquilo o envergonhava. Sentia-se ingrato por pensar assim, mas não conseguia evitar. E foi nesses momentos de silêncio que as primeiras rachaduras começaram a se abrir dentro dele.

Na fábrica, ele era respeitado. Tinha um cargo importante. Sabia delegar, resolver problemas, cumprir prazos. Mas a pressão aumentava, e o reconhecimento diminuía. O novo supervisor da diretoria parecia querer colocar alguém mais jovem no seu lugar. Começou a pressionar Lucas de forma sutil — reuniões que antes não incluíam outros chefes agora o deixavam de fora, decisões passavam por cima dele, e, por vezes, ele ouvia seu nome sendo citado em sussurros.

A bebida, que sempre aparecia só em comemorações, passou a ser um companheiro discreto. Começou com uma cerveja na sexta, depois na quarta, e em pouco tempo, virou parte da rotina: uma latinha ao chegar em casa, “só para relaxar”.

Mariana notou.

— Está bebendo todo dia agora? — perguntou uma noite, ao ver o segundo copo de uísque que ele havia servido.

— Só um pouquinho, amor. Só para aliviar a cabeça — respondeu ele, sem olhar nos olhos dela.

Ela não insistiu. Preferiu acreditar que era algo passageiro. Mariana era assim: preferia a calma ao confronto. Mas aquela calmaria era justamente o que Lucas já não suportava.

Naquela mesma noite, depois que João dormiu, Mariana entrou no quarto de camisola, cabelos soltos e pés descalços. Apagou a luz e se deitou ao lado dele, encostando o corpo no dele em silêncio.

Lucas olhou de canto. Fazia tempo que não a via daquele jeito.

Ela se aproximou, os dedos deslizando por seu peito, lentamente. O beijo veio quente, úmido, e as mãos exploravam os contornos familiares, com o mesmo cuidado de antes — mas agora um toque de insegurança. Ela queria sentir que ainda havia desejo. Que ele ainda a queria.

Lucas retribuiu. Apertou sua cintura, sentiu o calor da pele sob a camisola leve. Mariana estava linda — mesmo depois de um dia cheio de aula, mesmo com o cansaço estampado nos olhos. Ela tirou a camisola devagar, revelando os seios firmes, o ventre ainda liso, as coxas macias.

Ele a beijou no pescoço, mordeu de leve a orelha. Mariana gemeu baixinho. As mãos dele desceram pelas costas dela, firmes, desejosas.

Mas no meio do ato, algo falhou.

Lucas estava ali fisicamente, mas sua cabeça já não estava. O desejo esmoreceu. O pau, antes ereto, começou a amolecer sem explicação.

— Tá tudo bem? — ela perguntou, olhando nos olhos dele.

— É cansaço, Mari... desculpa — murmurou, desviando o olhar.

Ela não insistiu, mas o silêncio entre eles foi ensurdecedor.

Na manhã seguinte, Lucas saiu para o trabalho mais cedo do que de costume. Tomou um energético, mascarou um chiclete de menta forte e tentou ignorar a ressaca. No trajeto, ligou o som do carro e deixou uma playlist antiga rolar — músicas que ouvia quando ainda namorava Mariana, quando sonhava em “construir uma vida tranquila”.

Mas agora tudo parecia distante. Como se ele fosse um figurante na própria história.

No trabalho, o ritmo era cada vez mais impiedoso. Um novo sistema de produtividade havia sido implementado, e ele mal conseguia se adaptar. Os mais jovens pareciam nadar naquilo, enquanto Lucas se afogava nos relatórios. Errou prazos. Enviou e-mails para destinatários errados. Tomou advertência formal.

Na hora do almoço, preferia ficar sozinho no carro, estacionado perto do galpão da fábrica. Abria uma cerveja escondida — latinha embrulhada em papel pardo, como se o disfarce pudesse esconder o hábito.

Foi nesse isolamento que conheceu Bruno, um operador de máquinas da empresa, mais jovem, meio “largadão”, com fama de viver em festas underground. Começaram a trocar ideias ali no estacionamento. Bruno percebeu que Lucas andava pra baixo e, numa dessas conversas, ofereceu algo:

— Isso aqui vai te deixar leve. Dois tragos e você esquece o mundo — disse, mostrando um baseado.

Lucas hesitou. Mas depois de mais um gole da cerveja, pegou o cigarro e levou à boca. Tragou. Tossiu. Depois riu. Sentiu o corpo leve, a cabeça flutuando. O medo sumiu. O cansaço sumiu. O peso da vida desapareceu por alguns minutos.

Foi assim que começou.

Nos dias seguintes, Lucas passou a procurar Bruno. Às vezes antes de entrar no trabalho. Outras, no fim do expediente. Era discreto, mas o padrão estava criado. E como todo vício, ele não pararia por aí.

Em casa, Mariana já não escondia a frustração.

— Você está estranho, Lucas. Eu não sei mais com quem estou casada — ela disse uma noite, após ele se atrasar para o jantar.

— Para, Mariana! Para de fazer drama. Eu só quero um tempo de paz, só isso — ele respondeu, levantando a voz pela primeira vez em muito tempo.

Ela ficou em silêncio, mas dentro dela, algo se quebrou. Pela primeira vez, pensou seriamente em ir embora. Mas hesitou. Por João. Pela história. Pelo medo.

Naquela noite, dormiram em camas separadas — uma escolha silenciosa que não precisava de palavras.

As semanas seguintes foram um borrão para Lucas. Trabalho, casa, bebida, cigarros, e aquela névoa constante na cabeça, como se ele estivesse vivendo tudo em segunda marcha.

Mariana já quase não falava. Passava por ele como quem desvia de um móvel no meio do caminho. João, pequeno demais para entender, sentia. Não pedia mais para brincar, só observava o pai com olhos confusos, silenciosos. Aquilo doía mais do que qualquer cobrança.

O sexo havia desaparecido da vida do casal. Não havia mais espaço para toque, desejo ou conexão. Só restava o cansaço, a frustração, e o silêncio pesado de uma intimidade em ruínas.

Foi numa sexta-feira cinzenta, chuvosa, que Lucas teve o primeiro deslize. Na saída do trabalho, Bruno — como sempre, com o sorriso fácil e os olhos semicerrados — chamou:

— Hoje tem uma parada ali na Vila Formosa. Barzinho escondido, mas cheio de mulher boa. Vamo?

Lucas hesitou por uns segundos. Pensou em ir direto pra casa. Mas a ideia de encarar o silêncio de Mariana e os olhos tristes de João o encheram de angústia. Respondeu com um aceno vago, mas já sabia que iria.

O bar era escuro, com cheiro de cigarro, fritura e perfume barato. As luzes vermelhas davam um clima quase clandestino ao lugar. Mulheres dançavam ao redor das mesas, algumas sentadas no colo de clientes, rindo alto, bebendo como se o amanhã não importasse.

Foi ali que Lucas conheceu Débora.

Ela não era jovem, devia ter uns 35, 36 anos. Morena Clara, corpo curvilíneo, cabelos castanhos com mechas douradas, e um olhar direto, sem vergonha, sem cerimônia.

— Tá com uma cara de quem precisava sair de casa — disse ela, jogando-se na cadeira à frente de Lucas sem pedir permissão.

Ele sorriu, meio tímido. Havia algo nela que misturava vulgaridade com charme. Uma presença quente, que invadia.

Conversaram por meia hora, beberam juntos, riram. Ela tocava o braço dele o tempo todo, e seus olhos deixavam claro: se ele quisesse, ela era dele.

Lucas sabia que era uma armadilha. Mas naquela noite, seu corpo não quis resistir. Já era tarde demais para prudência.

— Vamos sair daqui? — ela perguntou, mordendo levemente o lábio inferior.

Ele respondeu apenas com um gesto. Saíram juntos, pegaram um carro de aplicativo e foram para um motel barato na Marginal.

O quarto era simples, com lençóis brancos demais para parecerem limpos de verdade. Havia um espelho grande no teto e uma TV com um pornô sem som passando no canto. Mas Lucas não se importava. Ali, longe da culpa, do casamento em ruínas, do filho que ele não sabia mais como abraçar, ele se sentia vivo.

Débora se despiu com uma naturalidade lasciva. Tirou a blusa devagar, revelando os seios grandes e fartos, sem sutiã. Lucas encarou cada detalhe, sentindo o desejo crescer de forma violenta. Ela o empurrou na cama e subiu de joelhos, passando os peitos pelo rosto dele.

— Você é casado, né? — sussurrou no ouvido, com a voz quente.

— Sou — respondeu, arfando.

— E sua esposa goza como eu vou te fazer gozar?

Lucas não respondeu. Já estava com a boca nos seios dela, sugando com força, lambendo os mamilos duros. Débora gemeu alto, montou nele com vontade, sentando-se em seu pau com naturalidade de quem já fez aquilo mil vezes. Não havia romance, não havia carinho. Era sexo cru, direto, sem freio.

Ela cavalgava como se quisesse punir alguém, jogando os quadris com força, batendo as mãos contra o peito dele, arranhando seu abdômen com as unhas.

Lucas segurou suas coxas com força e a penetrou fundo, gemendo de prazer, perdido. Depois virou-a de bruços e a puxou pela cintura, metendo com força por trás. O barulho da pele batendo contra pele preenchia o quarto abafado.

— Mais fundo... porra... mais! — ela gritava, arfando, com os cabelos grudados no rosto pelo suor.

E ele obedeceu. Meteu mais fundo, mais rápido, mais forte, até sentir o orgasmo crescendo nas entranhas. Tentou segurar, mas era impossível. Gozou dentro dela com um grunhido, os músculos tensos, os olhos fechados. Sentiu o corpo estremecer inteiro.

Débora se jogou ao lado dele, ainda rindo, ainda ofegante.

— Precisa fugir mais vezes de casa, hein...

Lucas não respondeu. Deitou-se de lado, olhos fixos no teto espelhado. A imagem refletida era triste: ele ali, nu, ao lado de uma mulher que nem conhecia direito, sentindo um prazer vazio, distante de qualquer afeto real.

A culpa não veio imediatamente. Veio depois, no carro, no caminho de volta. Veio quando desceu do táxi a uma quadra do prédio para que o porteiro não o visse chegando tarde. Veio quando entrou no quarto e viu Mariana dormindo de lado, abraçada ao travesseiro, com o rosto ainda jovem apesar do cansaço.

Veio quando sentiu o cheiro do filho no corredor, aquele cheirinho de sabonete dele, e pensou: “O que foi que eu fiz?”

Mas não teve coragem de confessar. Nem de parar.

Lucas não era mais o mesmo homem. Ele sabia. Sentia isso no corpo, nos pensamentos, no modo como olhava para Mariana e, principalmente, no modo como evitava olhar para João. Desde aquela noite com Débora, o mundo parecia girar em uma órbita própria, onde as regras antigas já não valiam mais. Onde a fidelidade, o amor e o senso de certo e errado haviam se dissolvido em álcool, sêmen e fumaça.

Os encontros com Débora se repetiram. Primeiro uma vez por semana, depois duas. Com ela, Lucas descobriu uma versão de si que jamais imaginou existir: bruto, dominante, desinibido, quase um animal.

No terceiro encontro, ela o recebeu de joelhos, no quarto sujo de um motel à beira da rodovia. Estava nua, maquiada como uma atriz pornô, com um sorriso que misturava provocação e obediência.

Sem dizer nada, Lucas tirou a camisa, soltou o cinto e deixou a calça cair. Estava duro antes mesmo de tocá-la. Ela o engoliu inteiro com vontade, babando, engasgando-se, batendo a boca na base do pau dele como se estivesse faminta. O som da garganta sufocada, o barulho da saliva escorrendo, tudo aquilo excitava Lucas de uma forma doentia.

— Me chama de vadia... — ela sussurrou entre uma lambida e outra.

— Cala a boca e abre mais essa boca — ele respondeu, segurando os cabelos dela com força.

No fim, gozou dentro da boca dela, e ela engoliu tudo como se fosse vinho caro.

Lucas voltava desses encontros sempre com o corpo mole e a alma doendo. Mariana começou a desconfiar. O cheiro estranho nas roupas, o desinteresse, os sumiços. As brigas deixaram de ser discussões pontuais. Viraram guerra fria.

— Onde você tava? — ela perguntou certa noite, à uma da manhã.

— No trabalho. Um pepino de última hora — mentiu, sem convicção.

Ela cruzou os braços, encarando-o com olhos duros. Lucas desviou o olhar e foi para o banheiro. Trancou-se lá dentro, encostou-se à porta e sentiu vontade de chorar. Mas não chorou. Ainda não.

O sexo com Mariana cessou por completo. Ela tentou, em uma última tentativa de resgatar o que tinham. Vestiu uma lingerie antiga, esperou por ele na cama. Lucas entrou no quarto e parou ao vê-la ali, deitada, aberta para ele.

— Lembra dessa? Você dizia que era sua favorita... — disse ela, com voz baixa, nervosa.

Ele a olhou. Mariana estava linda, sim. Mas algo dentro dele estava quebrado demais. Não conseguiu ficar duro. Pior: sentiu raiva dela. Raiva por tentar, por insistir.

— Não tô no clima, Mari. Amanhã a gente conversa — disse, indo direto para o banheiro, como sempre fazia agora.

Mariana dormiu virada para a parede, em silêncio, o coração em pedaços.

No trabalho, a situação também desmoronava. Lucas chegava atrasado, fedia a bebida, ficava irritado com colegas e esquecia de assinar documentos importantes. O novo diretor o chamou para uma reunião privada.

— Lucas, você está mal. Isso aqui não é mais admissível. Eu preciso de foco, não de um homem quebrado.

— Quebrado? — Lucas respondeu com ironia. — Sabe o que é estar quebrado? É não conseguir dormir nem com a mulher do seu lado. É não ter mais vontade nem de ver o próprio filho...

O diretor apenas suspirou e assinou o papel que estava na mesa. Era a demissão.

Sem palavras, Lucas pegou suas coisas e saiu da empresa onde trabalhou por 12 anos. Desempregado, viciado, emocionalmente instável. E ainda não havia batido no fundo do poço.

Bruno, o amigo de vício, apresentou algo mais forte: cocaína.

— Só uma carreirinha, parceiro. Tu vai ver como a vida clareia.

Lucas estava cansado de recusar. Aquilo parecia a única coisa que ainda o fazia sentir algo.

Cheirou.

Sentiu um fogo subir pela espinha. O peito acelerou, os olhos arregalaram. Um estado de alerta total tomou conta dele. Nos primeiros minutos, sentiu-se invencível. Como se pudesse sair dali, arrumar outro emprego, salvar o casamento, reconstruir a vida.

Mas quando o efeito passou, veio a queda. A náusea. O frio. A vergonha. O arrependimento.

E, no dia seguinte, a necessidade de repetir.

Com o dinheiro da rescisão, Lucas se afundou de vez. Frequentava casas de massagens disfarçadas de salões de estética, onde escolhia mulheres como quem escolhe carne no açougue.

Num desses lugares, conheceu Talita, uma ruiva baixinha, de olhos verdes e bunda empinada, que fazia o que nenhuma das outras fazia: beijava na boca.

— O que você quer hoje? — ela perguntava.

— Quero esquecer que sou casado, que sou pai, que sou um merda — ele respondia.

— Então me fode com força — ela dizia, montando nele como se quisesse apagar todos os pecados com o próprio corpo.

Talita o deixava usar cocaína no quarto. Passavam horas ali dentro. Ele com o nariz sujo, ela com as pernas abertas. Usavam camisinha quando lembravam. Quando não, iam assim mesmo. Depois ele ficava deitado, olhando o teto, suando frio, enquanto ela acendia um cigarro e ligava o celular para responder outros clientes.

Em casa, Mariana já fazia planos para ir embora. Tinha falado com uma prima, arrumado um lugar para ela e João ficarem. Certa noite, ela tentou uma última conversa.

— Eu sei que você tá usando droga. Eu sinto o cheiro. E sei que tem outra mulher.

Lucas estava deitado no sofá, com a cara afundada numa almofada.

— Mariana... eu não sou mais aquele cara. Não sei o que aconteceu. Não sei como parar...

Ela não chorou. Apenas se levantou, pegou a mala que já estava pronta no quarto e saiu. Levou João dormindo nos braços.

Lucas ficou sozinho. Pela primeira vez, a casa parecia hostil. Fria. Silenciosa demais. O vazio era físico. Um buraco no meio do peito.

Foi ao banheiro. Se olhou no espelho. Tinha olheiras profundas, barba por fazer, cabelo desgrenhado. Era um estranho olhando para si.

Gritou. Quebrou o espelho com um soco. O sangue escorreu. Ele não ligou.

Pegou a carteira. Ainda tinha dinheiro. E foi atrás da única coisa que sabia fazer agora: se perder de novo.

Ninguém imaginaria que aquele homem largado na calçada suja da zona leste de São Paulo já teve uma família, um emprego estável e um futuro tranquilo. Lucas agora não passava de uma sombra do que foi. Magro, com a pele encardida, os olhos sempre vermelhos, dentes faltando, cheirando a urina e bebida barata. Suas roupas eram um conjunto maltrapilho de agasalhos doados, encardidos pela vida na rua.

Mariana havia sumido. Bloqueou ligação, mensagem, e até mesmo as redes sociais. Lucas tentou encontrá-la uma vez, mas não teve coragem de entrar em contato com o filho. Tinha vergonha. O medo de ver no olhar do menino o nojo que ele mesmo sentia de si o fez recuar.

O dinheiro da rescisão acabou. As economias também. Começou a vender o que tinha em casa: geladeira, micro-ondas, a TV, até o ventilador velho. Vendeu tudo para comprar mais droga. Quando o apartamento ficou vazio, abandonou. Passou a dormir em albergues, depois nas calçadas.

Seus "amigos" desapareceram. Bruno o levou ao buraco, mas pulou fora quando viu que Lucas não tinha mais nada a oferecer. As mulheres que antes se ofereciam para ele em troca de dinheiro, agora davam risada ou nem o reconheciam.

A cocaína virou pedra. E a pedra virou crack. Fumava em latinha, sentado ao lado de outros zumbis da madrugada. Não comia direito, não tomava banho. Vivia de restos, de esmolas, de pequenos furtos. Não tinha mais identidade, nem dignidade.

Na noite em que atravessou o último limite, a chuva caía fina e gelada. Lucas estava embaixo de um viaduto, tremendo de frio e fissura. Um carro parou. Um homem, gordo, de terno escuro, abaixou o vidro.

— Quanto pela boca? — perguntou, com a voz seca.

Lucas olhou. A fome, a droga e o desespero apagaram a última centelha de moral que ainda restava.

— Cinquenta. — respondeu, baixo.

Entrou no carro. O homem dirigiu até um estacionamento vazio. Sacou o pau pra fora e mandou:

— Chupa, lixo.

Lucas obedeceu. A boca mole, os olhos vazios. Quando o homem gozou, empurrou a cabeça dele com força. Jogou uma nota de cinquenta suja no banco do passageiro.

— Some.

Ele desceu sem dizer nada. Comprou duas pedras com o dinheiro e voltou para o viaduto. Fumou, tremeu, vomitou. Dormiu sobre o próprio vômito.

Dias depois, passou mal. Uma febre forte, feridas na boca, cansaço crônico. Foi levado a um pronto-socorro por uma assistente social. Fez exames. Ficou em observação.

Dois dias depois, o médico veio com o envelope.

— Lucas, você testou positivo para HIV.

Ele não reagiu. Não chorou. Não gritou. Apenas riu. Uma risada amarga, vazia, como quem já sabia, como quem já não se importava.

Deixou o hospital antes de terminar o tratamento. Voltou para a rua.

Agora, com o corpo cada vez mais fraco, com tosses de sangue e diarreia constante, Lucas mendigava não por comida, mas por pedra.

Uma noite, tentou se masturbar no banheiro de um bar abandonado. Estava com fissura, a mente alucinada. Imaginava as cenas com Talita, com Débora, com a esposa. Mas seu pau já não respondia. Estava murcho, sujo, coberto de feridas. Ele olhou, chorou e cuspiu em si mesmo. Era o fim.

No último dia da sua vida, dormiu encostado a um poste. Estava chovendo. Um saco plástico sobre o corpo não impediu o frio de atravessar seus ossos. Teve convulsão durante a madrugada. Ninguém viu. Ninguém se importou.

Lucas foi encontrado morto pela manhã, com uma lata vazia de refrigerante cortada ao lado, e os olhos abertos, estatelados para o céu cinza.

Nem uma carteira de identidade. Nenhum documento. Um corpo entre tantos.

Era o fim. Sem redenção. Sem volta. Sem glória.

Apenas o silêncio absoluto de quem perdeu tudo por não saber a hora de parar

Fim.

Esses desafios do site realmente nos instigam, enquanto autores, a criar histórias que às vezes são tão dramáticas quanto esta.

A história que contei é ficção, mas não é tão diferente da realidade. Conforme vamos vivendo nossas vidas, quantas pessoas vemos pelas ruas? Cada uma dessas pessoas tem uma história — todos nós temos.

O que as levou ao fundo do poço?

É algo para se refletir.

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Foto de perfil de Will Safado.Will Safado.Contos: 44Seguidores: 90Seguindo: 23Mensagem Sou um apaixonado por filmes e séries, um verdadeiro amante da literatura. Escrever contos eróticos tornou-se meu passatempo, acabei descobrindo um prazer imenso ao me dedicar a essa atividade. A capacidade de criar narrativas e explorar diferentes facetas da sexualidade tornou-se uma experiência cativante e enriquecedora para mim. Os comentários são bem-vindos, sendo eles elogios ou críticas. Só peço que sejam respeitosos, até porque não tolero desaforo. e-mail para contato: wbdm162025@outlook.com

Comentários

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Essa é a realidade de muitos homens e mulheres

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Que triste,isto sim e ir ao fundo do poço,mas ele escolheu o caminho

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Conto muito bom, a verdade das ruas nua e crua, mas onde muitos vêem como doença, eu vejo como falta de vergonha na cara, ninguém nasce usando drogas, muito menos alcoólatra

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Velhaco, eu entendo que cada um tem sua opinião, mas é triste ver esse tipo de comentário, que ignora completamente o que é a dependência química de verdade. Falar que é “falta de vergonha na cara” é desumano. Ninguém acorda um dia e escolhe destruir a própria vida. Ninguém “nasce usando drogas”, como você mesmo disse — mas muita gente nasce em contextos onde o abandono, o abuso, a dor e a ausência de amor são constantes. E nesses cenários, a droga aparece como fuga, como anestesia.

O vício é uma doença, sim — reconhecida pela OMS — e não uma questão de caráter. Reduzir isso a “vergonha na cara” só mostra falta de empatia e desconhecimento. Já viu alguém criticar um diabético por “falta de vergonha na cara” por não controlar o açúcar? Já chamou um depressivo de “preguiçoso”? Então por que com o dependente químico é diferente?

Esse conto mostra a realidade dura das ruas. Gente que sente, sofre, ama, erra, e muitas vezes só precisa de uma mão estendida, não de um dedo apontado. Falar em “verdade nua e crua” e logo depois julgar, mostra que a verdade talvez nem tenha sido compreendida.

Respeito é o mínimo. Informação é essencial. Empatia é urgente.

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Você como sempre com seus comentários vazios ,sem entendimento da realidade. Como disse o Will ninguém decide de uma hora para outra arruinar sua vida . Apenas quando percebe já é tarde m

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Estou gostando muito dos contos deste desafio.

Todos os contos participantes são muito bons.

Parabéns Will!

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Caraca Will , esse conto foi bem lá no fundo da alma , já perdi vários amigos nas ruas por causa de droga .

Esse conto é a mais pura realidade das ruas , onde um copo de cerveja que para muitos é algo inofensivo acaba convidando para uma vida de tormenta .

Parabéns pelo conto

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Todo vício, independentemente do tipo, é degradante. Obrigado pelo comentário, DODA.

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