Cris foi ao banheiro do posto à beira da estrada.
Lugar fétido, sujo, cheiro de urina, azulejos quebrados, luz bruxuleante.
Ela não combinava com aquele lugar. Ela doce e meiga, enfermeira de profissão, só usava roupas de professorinha de pré-escola.
Seus gestos eram contidos, mas elegantes, falava pouca e baixo, como convém às damas, mas.a voz Era rouca e sensual.
O olhar tinha um brilho, hipnotizava de tão bonito, mas era misterioso, a.boca era carnuda e vermelha, não precisava de batom, e quando sorria, dava aquele puxãozinho de canto, que a deixava meio lasciva, mas só um pouco.
Os cabelos castanhos eram ondas ao vento, os seios ainda firmes, apesar da maturidade, e o corpo era de sereia capaz de fazer Ulisses jogar o Argos nas pedras.
Talvez, por isso, gostasse daquele lugar, o contraste entre seu puritanismo e a perfidia dali.
Ali ela podia ser outra Cris, como Colombina no Carnaval, podia ter outra vida, e estravavar seus desejos. Afinal, se é proibido, mal visto ou mal falado, é mais gostoso.
A porta rangeu. Uma vez. Duas. Cris nem se virou. Sabia que era tarde demais pra isso. Os dois entraram como bichos famintos em terreiro de igreja vazia — imundos, fétidos, gordos, suados. O ar do banheiro já era irrespirável antes, mas com eles ali, ficou quase um crime.
— Eu nunca comi uma princesinha dessa — disse um dos dois. A voz grave, arrastada, como se cada palavra fosse cuspir no chão.
Eles se aproximaram devagar. Um pela direita. O outro pela esquerda. Cínicos e seguros, como quem conhece bem o papel de vilão. Cris manteve os olhos baixos. Não por medo. Nem por vergonha. Era mais como se estivesse se preparando para algo que já sabia que viria. Algo que, de algum modo estranho, esperava.
As mãos deles pousaram nela como pássaros feios em flor bonita. Um aspirou seus cabelos, como se tentasse roubar o perfume doce que só ela carregava na pele. O outro apertou-lhe os seios por cima da blusa. Foi rápido, rude, e mesmo assim... Ela gemeu. Baixo. Quase sem querer. Um som que escapou entre os lábios como um segredo traído.
— Ela tá gostando — sussurrou o primeiro, com um sorriso de lado, cheio de dentes tortos e orgulho.
A bolsa escorregou de suas mãos e foi ao chão com um baque surdo. Eles não precisavam de convite. Um enfiou a mão por dentro da blusa, alcançando o tecido fino do sutiã, enquanto o outro deslizou os dedos por dentro da calça justa, até encontrar o elástico da calcinha. Com um movimento que até ela não esperava, ele a puxou para o lado e pressionou a ponta do dedo contra a entrada proibida, quase inocente. Um toque firme, quase brutal. E ela gemeu de novo. Mais alto. Mais fundo. Como se tivesse sido acordada de um sono muito longo.
Cris não se moveu. Continuou de olhos fechados. Parecia alheia. Ausente. Mas por dentro, tudo tremia. Tudo ardia. Era errado, sim. Sujava mais do que o corpo. Mas havia nisso tudo uma verdade que ela não podia negar: ali, naquela imundície, sentia-se mais viva. Mais real. Mais mulher.
O prazer vinha em ondas lentas, difíceis de admitir, ainda mais de conter. E os homens sentiam. Sabiam. Por isso insistiam. Por isso ousavam. E ela, de olhos fechados, parecia rezar ou pecar. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Porque quando o proibido vem sem disfarce, sem mentira, às vezes é impossível fingir que não se deseja.
Quando Cris abriu os olhos, foi como se despertasse de um transe — ou entrasse num mais fundo. A boca entreaberta, o peito subindo e descendo com uma pressa que não era só falta de ar, mas desejo. E então, sem dizer palavra, ela mesma desabotoou a blusa. Um botão, dois, três. O tecido caiu como véu rasgado em procissão maldita. Os seios firmes surgiram, redondos, quase insolentes dentro do sutiã branco, como se tivessem esperado aquele momento com paciência divina.
Ela expôs também a barriga lisa, alva, aquela curva suave que descia em direção ao ventre como promessa de pecado. Uma barriguinha pequena, inocente, mas cheia de segredos. Que levava as mãos ao pensamento, e os homens à loucura.
O primeiro homem agarrou os seios como quem agarra a vida. Tirou-os do sutiã com urgência, quase brutalidade, e começou a beijá-los. Não era beijo de amor. Era fome. Pura e simples. Língua grossa, lábios ávidos, chupadas que deixavam marca. Mordia. Sugava. Como se fosse a primeira refeição em anos. Como se fosse a última.
Cris virou o rosto. Devagar. Com elegância quase teatral. E encontrou a boca do segundo. Suja. Podre. Fedendo a cachaça, cigarro velho e vício antigo. Mas ela não recuou. Ao contrário: aproximou-se mais. Beijou-o. Profundo. Sentiu o hálito dele invadindo sua garganta, seu nariz, seus pulmões. E gostou. Gostou daquilo tudo — da baba pegajosa, da língua bruta, do puxão de cabelo que ele lhe deu, quase violento, quase carinhoso.
— Você gosta disso, né? — ele perguntou entre beijos, quase cuspir palavras. — De ser tratada assim...
Ela não respondeu. Não precisava. Seu corpo já dizia tudo. Os gemidos escapavam sem permissão, molhados, roucos, perdidos entre o prazer e a vergonha. As pernas tremiam levemente, como se duvidassem se deviam continuar de pé ou ceder ao peso da luxúria.
Ali, naquele banheiro imundo, cercada por homens que não mereciam nem seu nome, Cris se sentia mais mulher do que nunca. Mais livre. Mais verdadeira. Porque quando o desejo vem sem máscara, sem fingimento, até o mais puro pode se perder... e encontrar.
Cris recuou. Só um passo. Dois. Parecia, por um instante, que ia fugir. Ou desistir. Mas não. Nunca. Foi como se o corpo pedisse fôlego — não de ar, mas de cena. De pausa dramática antes do ato seguinte. E então sentou-se. Na privada. Aquela que, há muito tempo, fora branca. Agora era outra coisa: manchada, suja, com cheiro de abandono e vício.
Ela se acomodou ali como uma rainha decadente em trono maldito. As pernas levemente abertas, os olhos baixos, as mãos pousadas nos joelhos. E os dois homens se aproximaram. Um de cada lado. Como anjos caídos em missa negra.
— Vai fazer mesmo? — perguntou um, quase sem voz, como quem duvida da própria sorte.
Ela não respondeu. Não precisava. Com avidez discreta — e uma habilidade que só quem tem prática carrega nos dedos —, Cris abriu as calças deles. Uma por vez. Devagar. Como quem desembrulha presente roubado. E dois tarugos de carne surgiram. Murchos ainda. Pegajosos. Fedorentos. Metade sujeira, metade desejo.
Ah! Ela adorava assim. O primeiro toque foi de nojo fingido. Ou real. Não importava. Entre os dedos, eles começaram a crescer. Endurecer. A vida voltava àquelas carnes mortas, como milagre ao contrário.
Ela abocanhou o primeiro. Sem cerimônia. Sem medo. Os lábios carnudos envolveram a cabeça grossa, molharam-na com saliva quente. Lambeu. Beijou. Chupou. Enquanto isso, a mão direita brincava com o outro, apertando, puxando, acariciando até sentir o sangue subindo. Até sentir o inchaço das veias crescendo sob sua pele.
Quando o primeiro ficou duro como rocha, ela o soltou com um estalo úmido. Virou-se para o segundo. Repetiu o ritual. Mas antes, olhou para cima. Para o rosto do homem. Um olhar que dizia tudo e nada. Um olhar que podia ser de santa ou prostituta. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.
E continuou. Entre beijos molhados, chupadas longas, masturbações rápidas e precisas. Era uma orquestração imunda. Uma sinfonia de gemidos, saliva e respirações pesadas.
E Cris, lá no meio, parecia rezar. Ou blasfemar. Ou talvez fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Porque quando o proibido é feito com entrega, nem o céu nem o inferno sabem bem onde colocar a culpa.
Cris não descuidou de nenhum dos dois. Nem por um segundo. Enquanto a boca trabalhava no primeiro, os dedos no segundo, o corpo todo parecia dançar uma valsa sem música — sensual, precisa, quase religiosa na entrega. Mas não bastava mais. O desejo crescia como fogo que se recusa a apagar. E ela, com ele, também queria mais.
Foi então que, sem pedir licença ao próprio pudor, começou a descer a calça. Devagar. Como quem tira uma pele velha para revelar outra por baixo. A calcinha branca, imaculada antes, agora marcava-se com a sujeira do vaso, manchando-se num gesto quase simbólico — como se até a pureza precisasse ser corrompida pra ser verdadeira.
Ela ficou de joelhos. No chão imundo. Na urina seca, no mofo, no cheiro de abandono. Beijava um, chupava o outro, abraçava os dois. Mãos nos pelos grossos, bocas unidas em beijos que misturavam saliva e pecado. Era tudo tão feio, tão errado... e por isso mesmo, tão certo.
Até que se levantou. Devagar. Como uma santa que decide rasgar o hábito. Os olhos fixos nos deles. Nenhum piscou. Não podiam. Ela tirou a calcinha num movimento lento, quase cruel — um ritual que arrancaria suspiros de qualquer homem. E eles pararam de respirar. Só por um instante. Um instante que durou uma eternidade.
Nuazinha em pelo, Cris abraçou os dois corpos suados, peludos, fedorentos. Eles sentiram sua pele lisa contra a deles, seu calor contra seu frio. Foi quando voltou ao chão. De quatro. Feito uma égua em cio. Oferecendo-se como oferenda àquele sacrifício divino.
O homem, o mais bruto dos dois, mal podia acreditar. Encostou a ponta do membro na entrada da gruta úmida dela. Tremia. Por medo? Por prazer? Talvez pelos dois. Mas não segurou. Empurrou. Com força. Com fúria. Com tudo o que tinha dentro.
E pela primeira vez, Cris mostrou quem era de verdade.
Gritou. Alto. Gemia como mulher que só agora descobre o próprio nome. Xingou palavras que nem sabia que conhecia. Pediu mais. Mais forte. Mais fundo. Quase como um desafio. Como se quisesse ver até onde o corpo aguentava antes de virar alma.
E foi um turbilhão.
Tapas nas nádegas redondas, que ecoavam como tiros perdidos. Xingamentos cuspidos como orações. Socadas leves nas costas, chapadas na cara. Cuspe que voava e caía onde fosse lugar. E ela, Cris, não só aceitava — exigia.
Engolia um membro até a garganta, sem dó, sem piedade, com tamanha força que parecia querer fazer os dois corpos se encontrarem dentro dela. Seu corpo balançava, gemia, pedia, implorava. Era sexo e guerra. Primitivo e sublime.
Ali, naquele banheiro maldito, Cris não era mais enfermeira, nem menina boazinha. Não era mártir nem santa. Era carne. Desejo. Era mulher com todas as letras, todas as sílabas, todos os gritos que merecia ter.
E enquanto o mundo lá fora seguia sua estrada, indiferente, ali dentro, entre azulejos quebrados e luz amarelada, algo antigo e sagrado renascia: o sexo sem vergonha. O prazer sem disfarce.
O pecado como arte.
Cris sentou no chão como quem desaba depois de um longo pecado. O corpo exausto, a respiração ainda pesada, o suor frio escorrendo pelas costas em filetes que pareciam lavar não só o prazer, mas a própria alma. Os olhos baixos. De novo. Como se nada tivesse acontecido. Ou como se tudo tivesse sido apenas um ato necessário, quase religioso.
Os dois homens, agora silenciosos, procuraram às cegas por suas roupas. Sem pressa, sem palavras. Nenhum agradecimento. Nenhum olhar demorado. Nem mesmo um adeus. Talvez soubessem. Ou intuíssem. Que ela não precisava daquilo. Que o que havia ali entre eles não era carinho, nem respeito — era entrega. E entrega, pra Cris, não pedia gratidão. Pedia silêncio.
Quando saíram, deixaram para trás o cheiro do sexo e a sombra da culpa. Ela ficou ali mais um instante. Sentiu os fluidos mornos escorrerem por entre as coxas, grudarem na pele como lembrança pegajosa. Com o dorso da mão, limpou um fiapo nos cantos dos lábios. E engoliu. Devagar. Como quem saboreia o último gole de algo amargo e delicioso ao mesmo tempo.
Não tentou se arrumar muito. Sabia que não adiantava. A blusa estava amassada, manchada. A calça marcada pela sujeira do chão. O cabelo, rebelde, teimava em escapar da ordem. Mesmo assim, fez um gesto mecânico — ajeitou uma mecha, passou os dedos pelo tecido, alisou o que já não tinha salvação. Um ritual inútil. Mas necessário.
E então, com voz baixa, quase tímida, chamou:
— Vamos, Marco... vamos pra casa.
Da cabine mais ao fundo, a porta rangeu. Saiu Marco. Tímido, sim. Cabisbaixo. Como um homem que viu demais, ouviu demais, e não sabe bem o que fazer com isso. Não falou nada. Nunca falava. Era sempre assim. Ele assistia. Esperava. Participava, às vezes, quando ela permitia. Mas nunca julgava. Nem a si mesmo.
Caminharam lado a lado até o carro. Sem toques. Sem palavras. Só o barulho dos pneus na estrada e o vento batendo contra o vidro. No retrovisor, o posto sumia aos poucos, virando memória. E Cris, lá no banco do passageiro, olhou para o marido com aquele olhar vazio que ele conhecia tão bem.
Um olhar que dizia: eu fiz de novo.
Mas também dizia: você viu. E mesmo assim, me trouxe.
E Marco dirigiu. Calado. Porque às vezes, o amor não é feito de perguntas. É feito de silêncios que se guardam como segredos. E pecados que se compartilham sem dizer palavra.
Afinal, se é proibido, se é errado, se é sujo...
É mais gostoso.