Reflexos de Júlio

Um conto erótico de Juliana
Categoria: Crossdresser
Contém 2540 palavras
Data: 13/07/2025 07:35:07

A casa estava mergulhada num silêncio espesso, quebrado apenas pelo zumbido suave do frigorífico e o ranger discreto da madeira sob os pés descalços. Júlio trancou a porta, conferindo duas vezes. O ritual começava sempre assim: segurança, solidão, segredo.

Subiu para o quarto com o coração a bater mais rápido do que o habitual. Era sexta-feira à noite, e isso significava que podia, finalmente, ser quem desejava, sem medo de olhares, sem julgamentos. No closet, atrás de uma fileira de camisas sociais, havia uma caixa comprida, discreta. Ao abri-la, os tecidos reluziam à luz do abajur: renda preta, cetim vermelho, uma cinta-liga roxa que o fazia arrepiar só de tocá-la.

Júlio despiu-se lentamente diante do espelho de corpo inteiro, observando seu reflexo com uma mistura de ansiedade e excitação. A pele branca contrastava com a lingerie escura que vestia com delicadeza quase religiosa. Primeiro a cuequinha de renda ajustada à anca, depois, o sutiã que pressionava levemente o peito, não para criar seios, mas para lembrar o toque, a ilusão, o jogo.

A meia 7/8 subiu por suas pernas, e ele se olhou com atenção, deslizando os dedos sobre a renda no topo da coxa. A sensação era elétrica. Júlio não se via como um homem vestido de mulher. Naquele espelho, ele via algo mais profundo, um reflexo do que havia de mais íntimo nele mesmo.

Colocou uma peruca lisa, preta, que emoldurava o rosto com uma sensualidade suave. Finalizou com um leve brilho labial e um toque de perfume atrás das orelhas. Caminhou pelo quarto, sentindo o frio no bico dos seios através do sutiã. Deitou-se sobre o lençol acetinado, entreabriu as pernas, e deslizou uma mão pela barriga até alcançar o centro do prazer, olhos fixos no espelho. A fantasia era total.

Mas o destino, às vezes, não respeita rituais.

Um som seco ecoou pela casa. Júlio congelou.

A porta da frente havia se destrancado com um estalo. Ele sentou-se sobressaltado, tentando correr para o closet, mas a voz que veio do corredor fez seu corpo gelar e queimar ao mesmo tempo.

— Júlio? Estás em casa? A porta estava aberta...

Era Sofia. A vizinha com quem trocava olhares há meses, que às vezes lhe emprestava livros ou pedia ajuda com a internet. Sofia, de cabelos curtos e olhos de tempestade. Sofia, que agora estava... a entrar.

Júlio prendeu a respiração, o coração martelando no peito como se tentasse escapar. Os passos de Sofia aproximavam-se no corredor, leves, curiosos. Ele olhou em volta, desesperado, mas era tarde demais para se esconder. Ainda de lingerie, com o batom recém aplicado e as meias realçando o contorno das pernas, estava completamente exposto, literalmente e emocionalmente.

No canto do quarto, como parte do ritual que não teve tempo de concluir, os saltos estavam prontos, pretos, brilhantes, com plataforma generosa e salto fino vertiginoso, aqueles pleasure heels que ele comprara online sob nome falso, e que lhe davam um poder inebriante sempre que os calçava.

A maçaneta girou.

— Júlio...? — a voz de Sofia hesitou por um segundo ao ver a cena diante dela.

Ele estava parado no meio do quarto, como uma estátua de mármore envolta em renda. Os olhos de Sofia passearam por ele de cima a baixo, longos segundos em silêncio. Ela não fugiu. Não gritou. Nem sequer pareceu escandalizada.

Em vez disso, sua boca se curvou num sorriso lento, ambíguo.

— Desculpa... eu não sabia que... — Ela mordeu o lábio inferior, sem conseguir tirar os olhos dele. — Mas agora que vi... não sei se quero fingir que não vi.

Júlio não conseguiu responder. A vergonha e o desejo se misturavam, deixando-o sem ar. Instintivamente, abaixou-se, calçando os saltos com gestos precisos. O som do couro ajustando no tornozelo e o clac das presilhas ecoaram como um ritual final. Agora estava completo.

— Estás... linda. — Murmurou Sofia, atravessando o quarto devagar.

— Eu... pensei que estava sozinho. — Júlio disse por fim, a voz trêmula.

— Estavas. Mas agora não estás. — respondeu ela, parando à frente dele.

Sofia estendeu a mão e, com um gesto suave, acariciou a linha da peruca até a orelha. Seus dedos escorregaram pelo ombro nu, até a alça do sutiã.

— Posso entrar nesse mundo também?

Júlio assentiu, como quem entrega a chave de um cofre secreto. Sofia então puxou-o suavemente pela cintura, fazendo-o caminhar até o espelho. O som dos saltos no chão de madeira era como o tambor do desejo. Diante do espelho, ela posicionou-se atrás dele, abraçando-o por trás. As mãos deslizaram por baixo da renda, pelas curvas que ele moldava com tanto cuidado, até encontrar o calor entre as pernas.

— Vê só o que criaste... — sussurrou Sofia ao seu ouvido. — Um reflexo irresistível.

Ela inclinou-o levemente para frente, apoiando uma mão no espelho. O outro braço envolvia-lhe a cintura, pressionando contra ela. E ali, naquela imagem multiplicada, Júlio de saltos, rendas, vulnerável e poderosa ao mesmo tempo, com Sofia atrás, dominante e acolhedora, os limites entre vergonha e prazer dissolveram-se.

Os toques tornaram-se mais ousados. Os gemidos abafados. O espelho, cúmplice de tudo.

E naquela noite, Júlio não foi só descoberto. Foi finalmente visto.

Sofia mantinha o corpo colado ao dele, firme e quente. O contraste entre a delicadeza da renda e a firmeza do toque dela criava uma corrente elétrica que percorreu a espinha de Júlio. Ele sentia o próprio corpo responder com um prazer quase animalesco, mas que, envolto na feminilidade que usava como armadura e expressão, adquiria uma delicadeza quase sagrada.

— Olha para ti — ela sussurrou. — Tão bonita... tão entregue.

As palavras enroscavam-se nos seus ouvidos como seda húmida. As mãos de Sofia percorriam suas curvas artificiais com adoração, dedos insinuando-se pelas bordas da cuequinha, apenas tocando o suficiente para provocar. Com um gesto lento, ela puxou o tecido para o lado, expondo o sexo de Júlio, tenso, latejante, e ainda assim, delicado no modo como se inseria naquela imagem feminina, misturado, fluido.

Júlio arfou quando os dedos dela se fecharam em torno dele. A pressão era firme, mas rítmica, um toque conhecedor, que misturava carinho e domínio. Os saltos aumentavam sua altura, curvavam a coluna e projetavam as nádegas para trás, tornando cada carícia mais exposta, mais intensa.

— Estás tão molhado... — disse ela, surpresa, lambendo os próprios dedos depois de passar pela cabeça do membro com a ponta da unha. — O teu corpo quer tanto ser tocado assim.

Aos poucos, Sofia foi guiando-o até à cama, sem soltar seu sexo. Ele seguiu-a nos saltos altos, cambaleando de prazer e submissão. Sentou-se à beira do colchão e ela ajoelhou-se entre suas pernas, deslizando as mãos por suas coxas envoltas em renda até alcançar novamente a cuequinha semiaberta.

— Vou-te mostrar como eu venero tudo isso — murmurou, antes de levar a boca até à base do sexo dele, entre beijos e respirações quentes.

O contraste entre o batom vermelho de Sofia e a pele sensível de Júlio era hipnótico. Ela chupava-o com luxúria e respeito, como se cada centímetro fosse precioso. Os sons molhados ecoavam no quarto, misturados aos gemidos agudos de Júlio, que se ouvia mais feminino do que nunca, e isso excitava-o ainda mais.

Os espelhos refletiam tudo: ela de joelhos, ele em salto alto, com a cinta-liga puxada para o lado, os olhos fechados em êxtase. Júlio agarrou os lençóis com uma das mãos, enquanto a outra apertava o próprio mamilo por cima do sutiã. A sensação era completa. Total. Como se o seu corpo e identidade finalmente estivessem alinhados com o seu prazer.

Sofia levantou-se, limpando o canto da boca com o polegar, sorrindo.

— Deita-te, amor. Quero provar-te de todas as formas.

Júlio obedeceu, deitando-se de lado, empinando a cintura. Ela tirou a própria roupa com calma, primeiro a blusa, depois o sutiã rendado, revelando seios pequenos e duros, e por fim a cuequinha encharcada. Deitou-se atrás dele, pressionando a pele quente contra a sua, encaixando-se no contorno como uma chave na fechadura.

Com uma das mãos, acariciava-lhe o ânus por trás, circulando o dedo em torno da entrada, sem forçar, apenas explorando. A outra percorria o torso, apertando o ventre, roçando nos mamilos. A boca, essa não parava, beijos húmidos na nuca, mordidas leves nos ombros.

— Estás pronto para te perder comigo?

— Estou... — murmurou ele, num fio de voz rouca.

— Então deixa-me usar-te... como a mulher que tu és agora.

E ali, entre espelhos, rendas, saliva e gemidos, Júlio foi tomado. Não só pelo corpo de Sofia, mas pelo próprio desejo, que transbordava sem vergonha. Pela primeira vez, ser visto não era assustador. Era libertador. E profundamente erótico.

Sofia manteve o corpo colado ao de Júlio, abraçando-o por trás, uma perna entre as dele, a respiração quente contra sua nuca. Com os dedos agora lubrificados pela mistura de saliva e do próprio desejo de Júlio, ela pressionava devagar a entrada sensível entre as nádegas, testando-lhe os limites com delicadeza, mas firmeza.

Júlio arqueava o corpo em resposta, oferecendo-se, a voz embargada por gemidos finos, femininos, carregados de necessidade. Os saltos altos ainda calçados davam-lhe uma posição instável, mas absurdamente excitante, as pernas alongadas, os quadris projetados para trás, o corpo inteiro dizendo “sim” de todas as formas possíveis.

— Isso... abre-te para mim, amor... quero sentir-te todo — sussurrava Sofia, com a boca na base do pescoço dele, enquanto um dedo finalmente se insinuava, deslizando lentamente para dentro.

Júlio ofegou, olhos fixos no espelho à frente, onde via a própria imagem sendo possuída delicadamente, tomada não com brutalidade, mas com uma luxúria doce, quase reverente. Sofia movia o dedo em círculos lentos, e em seguida, mais um. Ele gemia cada vez mais alto, o corpo suando, o rosto ruborizado de prazer.

— Assim... mais, por favor...

Sofia sorriu, excitada com a entrega. Sentia o corpo dele vibrar sob o seu, a cada estocada lenta dos dedos. Com a mão livre, apertava-lhe o sexo duro, masturbando-o com a mesma cadência dos dedos que invadiam seu outro prazer. Júlio estava à beira do limite, e ela sabia disso.

— Não gozes ainda. Quero olhar-te nos olhos quando isso acontecer.

Ela retirou os dedos lentamente, fazendo-o gemer de frustração, e virou-o de frente, deitando-o de costas sobre os lençóis amarrotados. Os saltos ainda nos pés, os joelhos dobrados, o sutiã ligeiramente torcido, o corpo vibrando. Sofia montou sobre ele, encaixando a vulva quente e molhada contra seu sexo pulsante. Rebolou levemente, provocando-o com a fricção, sem o deixar penetrar.

— Vês o que fazes comigo, Júlio? — disse, esfregando-se nele, os olhos brilhando de tesão. — Nunca imaginei que encontrar um homem assim... ou melhor, uma mulher assim... me deixaria assim tão louca.

— Por favor... entra... quero sentir-te...

Ela sorriu, e então, com um único movimento de anca, afundou-se lentamente sobre ele.

Ambos gemeram — alto, sem pudor. O encaixe era perfeito. Sofia começou a cavalgar com movimentos firmes, os seios balançando, as mãos agarrando os ombros dele para apoio. Júlio envolveu-lhe a cintura, enterrando o rosto entre os seios, lambendo, chupando, gemendo contra a pele.

Os corpos batiam, suados, rendidos. Os espelhos mostravam tudo: a mulher montando o homem que se tornava mulher para sentir o mundo com mais intensidade. Era um espetáculo íntimo e poderoso.

— Vais gozar para mim, minha linda? — perguntava Sofia, com a voz rouca, ao sentir o corpo dele tremer.

— Sim... sim... estou tão perto...

Ela acelerou, montando com mais força, o som dos quadris batendo no interior das coxas preenchendo o quarto. Com a mão livre, ela tocava o clitóris dele — porque era assim que ele o sentia naquele momento —, até que Júlio se arqueou inteiro, os olhos virados para trás, o orgasmo explodindo em ondas violentas que atravessavam o corpo de alto a baixo.

Sofia não parou. Continuou a cavalgar enquanto ele gozava, até alcançar também o próprio clímax com um gemido grave e gutural, tombando sobre ele em seguida, os dois ofegantes, suados, rendidos.

Silêncio. Só as respirações rápidas. O calor dos corpos. O espelho, ainda ali, mostrando tudo.

Depois de alguns minutos, Sofia ergueu o rosto, deu-lhe um beijo na testa, e sorriu com ternura.

— Nunca te vi tão bonito como agora.

Júlio sorriu de volta, com os olhos húmidos. Pela primeira vez, ele não sentia medo. Nem vergonha. Apenas desejo satisfeito… e algo mais.

Pertencimento.

A respiração aos poucos foi abrandando. Sofia ainda estava deitada sobre ele, o rosto aninhado na curva do pescoço de Júlio. O quarto estava quente, perfumado pelo cheiro do sexo, do perfume adocicado dele, e da eletricidade que ainda pairava no ar.

Ela passou os dedos lentamente pelo peito dele, desenhando círculos leves por cima do sutiã amassado.

— Sabes... nunca pensei que ver um homem assim me deixasse tão acesa — murmurou, sem se mover. — E, ao mesmo tempo... tão próxima.

Júlio engoliu em seco. O peito subia e descia devagar. Sentia-se exposto, mas não nu. Pela primeira vez, aquela exposição tinha sido acolhida, desejada.

— Eu tenho medo — confessou, a voz embargada. — Medo do que pensam... do que pensas. De não ser entendido.

Sofia ergueu o rosto e olhou-o nos olhos.

— Júlio... não há nada de errado no que sentes. Nem no que és. Aquilo que vi hoje... foi puro. Foi verdadeiro. Foi belo.

Ele respirou fundo. Uma lágrima silenciosa escorreu pelo canto do olho. Sofia limpou-a com a ponta do dedo, depois beijou-lhe a bochecha com delicadeza.

— Quando te vi diante do espelho... tão entregue... parecia que estavas finalmente livre.

— Eu estava — disse ele. — E estava também... completamente vulnerável.

Sofia sorriu.

— E mesmo assim, foste corajoso. Isso, para mim, é mais masculino do que qualquer outra coisa.

Ela puxou os lençóis, cobrindo ambos. Ficaram ali deitados, em silêncio, os corpos entrelaçados. As mãos dadas. Como se o quarto se tivesse tornado um espaço sagrado.

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Na manhã seguinte…

A luz do sol entrava filtrada pela cortina branca, riscando o chão de tons dourados. Júlio acordou devagar, sentindo o calor do corpo de Sofia ainda junto ao seu. A cabeça dela repousava sobre seu peito. O salto alto, ainda calçado em um dos pés, caíra de lado, pendendo de forma quase poética.

Ele olhou em volta — o espelho, as roupas no chão, a maquiagem borrada sobre a cómoda. Tudo ainda estava ali. Tudo era real.

Mas com a manhã, vieram também os pensamentos.

“E agora?”

Levantou-se devagar para não a acordar. Foi até o espelho, ainda de meias e cinta-liga, agora um pouco tortas. Passou a mão pelo rosto. A barba por fazer começava a despontar — um lembrete sutil da dualidade que habitava em si.

Olhou para o reflexo, dessa vez com mais calma. Não viu só desejo. Viu verdade. E sentiu, pela primeira vez, que talvez não precisasse esconder isso para sempre.

Sofia despertou alguns minutos depois, com os olhos semicerrados e um sorriso leve.

— Estás a fugir de mim?

— Não. Só... a pensar.

Ela sentou-se na cama, nua, os cabelos desalinhados.

— Arrependido?

— Não. — respondeu ele, firme. — Assustado, talvez. Mas nunca arrependido.

Ela estendeu a mão.

— Vem cá.

Ele foi. Sentou-se ao lado dela, e ficaram ali, nus, olhando-se.

— Eu não sei o que isto significa — disse ele. — Só sei que ontem à noite... fui mais eu do que em toda a minha vida.

— Então começa por aí — respondeu ela. — Não precisas saber tudo. Só precisas continuar a ser... tu.

Júlio sorriu, sentindo o coração bater num ritmo calmo, firme. Como quem, finalmente, encontrou o compasso certo.

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Comentários

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Um dos melhores contos que já li aqui, parabéns 👏👏

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