PARINTINS - O AMOR ESTÁ NO AR - 9 - 'NAMORADO'

Um conto erótico de Escritor Sincero
Categoria: Gay
Contém 2478 palavras
Data: 10/07/2025 03:26:27

No auge da bebedeira, Cauê acreditou que era uma boa ideia arrastar Jonas para um canto mais discreto do bar. A música alta, o calor humano e o efeito do álcool criavam uma bolha onde tudo parecia possível. Os dois sumiram para os fundos do estabelecimento, onde a escuridão servia de abrigo para os desejos reprimidos. O breu era quase total, mas os hormônios, excitados e livres, enxergavam com clareza.

Cauê não sabia dizer se era a química entre eles ou a ilusão do momento, mas se viu completamente viciado em explorar cada centímetro do corpo do "namorado". Jonas, por sua vez, estava entregue. Bêbado demais para questionar, consciente o suficiente para querer sentir.

— Eu te quero. — Murmurou Jonas, arrastando as palavras, tropeçando entre os próprios pensamentos.

Cauê parou por um instante. Ainda ofegante, tentou colocar um pouco de lucidez naquele turbilhão.

— Esse não é o momento, meu bem. — Disse ele, com uma voz suave, quase carinhosa, tentando conter a chama que ambos ajudaram a acender.

Mas Jonas não ouviu. Ou ouviu, mas não entendeu. Ou não quis entender.

— Eu te quero agora, Rafael.

Rafael.

Cinco letras. Uma facada.

O nome caiu como uma pedra no meio do peito de Cauê. Bastou aquilo para que a embriaguez evaporasse. O tesão, o desejo, o carinho, tudo se esvaiu em um segundo.

Cauê respirou fundo. Sabia que discutir com alguém "lombrado" não levaria a nada. Deixou Jonas ali, murmurando promessas para alguém que não era ele. Procurou por Vlavlau na festa e, ao encontrá-lo, deu o recado.

— Teu amigo tá bêbado, do lado de fora. Cuida dele.

Sem esperar resposta, Cauê saiu. Não havia mais o que fazer ali.

Pegou um moto-táxi e foi para casa. No caminho, a cabeça girava. Mas agora não era culpa da bebida — era o nome. Rafael. Repetia como um eco na mente, dolorido, incômodo. Ele não sabia se era mágoa, ciúmes ou apenas tristeza, mas uma lágrima escapou. Depois outra. E outra.

Chegando em casa, não acendeu as luzes. Subiu as escadas no escuro, entrou no quarto e se jogou na cama. Não havia sono, apenas a dor de amar. Uma dor que nem sempre vinha da rejeição, mas do descaso involuntário, da falta de reciprocidade nos detalhes.

Na manhã seguinte, Jonas acordou com a cabeça latejando. Tudo girava. Estava em seu quarto, mas não fazia ideia de como havia chegado lá. Quando desceu da cama, pisou em algo macio.

— Que diabo! — Exclamou Vlavlau, sem se mover, enterrado num colchão estendido no chão.

Jonas pegou o celular. Nenhuma mensagem de Cauê. Nenhum emoji. Nenhum "bom dia".

Gravou um áudio, hesitante:

— Oi, Cauê. Tá tudo bem, "namorado"? Espero que sim. Cara, nem sei como cheguei em casa, mas tô bem. Dá sinal de vida, por favor.

A resposta não demorou. Curta. Seca.

"Ok. Tenha um bom dia."

Jonas olhou para a tela. Engoliu em seco. A cabeça doía ainda mais.

Saiu do quarto e foi direto para a cozinha. Rosa estava ocupada com o almoço, mexendo uma panela de galinhada com aquele cheiro que abraçava a alma. O pai, Otaviano, falava com alguém numa videoconferência, cercado por anotações e relatórios.

— Sabe, Rosa. — disse ele, afastando o notebook após encerrar a ligação — Ontem eu parabenizei o meu filho na frente de toda a torcida do Caprichoso. E o que esse garoto enxerido fez? Morreu de beber.

— Qual é, pai. — Jonas apareceu, abraçando o pai por trás, a voz rouca. — Eu tava celebrando o carinho que recebi. Fiquei muito feliz.

Beijou o rosto do pai e saiu, voltando para o quarto.

Otaviano suspirou.

— Tá vendo? Ele só me leva a pagode.

— Tu gosta, seu Otaviano. — Respondeu Rosa, sorrindo, sem tirar os olhos da galinhada que borbulhava no fogão.

***

Trabalho. Foi assim que Cauê encontrou refúgio para as pontadas incômodas em seu peito. Enterrou-se nas demandas do estúdio, mergulhando no processo criativo do novo álbum do Garantido, cercado por arranjos vibrantes e vozes apaixonadas. Era como se, a cada batida, ele calasse um pouco o tumulto de seu coração.

Naquela tarde abafada, os músicos estavam reunidos para ouvir, pela primeira vez, o álbum completo. As caixas de som reverberavam com a força da cultura, e entre sorrisos e aplausos, todos pareciam concordar: as músicas estavam impecáveis, com uma qualidade técnica admirável. Mas era a voz de Milena que se destacava — doce, poderosa, inconfundível. Havia algo nela que tornava cada faixa única, e mesmo os músicos mais antigos não disfarçavam a admiração.

No fim do dia, entre gargalhadas e abraços, fizeram questão de registrar o momento com uma foto. Era um retrato de alegria, de missão cumprida. Logo após, uma pequena equipe de filmagem, contratada por Ribeiro, chegou ao estúdio. O produtor desejava eternizar o processo criativo e a contratação de Milena em um documentário.

Foi quando um rapaz se aproximou de Cauê.

— Oi, Cauê? — Disse ele, com um sorriso leve. Usava uma jaqueta engraçada, estampada com grafismos amazônicos e um jeito despretensiosamente encantador.

— Falar? — Cauê arqueou uma sobrancelha, surpreso.

— Sim. Eu me chamo Augusto e estou produzindo um documentário sobre a participação da tua mãe no Festival. — Explicou, com os olhos acesos de entusiasmo.

Augusto era um rapaz alto, próximo de um metro e noventa, com a pele morena marcada por algumas tatuagens nos braços. Tinha um alargador discreto na orelha direita e um cheiro bom, amadeirado, que denunciava atenção aos detalhes. Um tipo bonito, moderno e carismático.

Em menos de um minuto, Cauê já estava com um microfone preso à camisa, enquanto uma maquiadora aplicava um leve pó compacto.

— Só pra tirar a oleosidade — Avisou ela, profissional e eficiente.

Logo, o levaram ao Estúdio do Garantido. As câmeras foram ligadas, as luzes ajustadas, e começou uma enxurrada de perguntas. Mas Cauê estava à vontade — conhecia cada nota, cada história, cada detalhe da carreira da mãe. Era seu maior fã, e isso transparecia em cada resposta.

A entrevista durou cerca de quarenta minutos. Depois, pediram que ele tocasse algumas das músicas do álbum em diferentes instrumentos. Foi como se Cauê virasse parte da produção também — quase duas horas de gravações, sons e risos.

Quando enfim teve uma pausa, sentou-se em um canto discreto para observar Milena ser entrevistada. Havia algo nela que magnetizava a câmera. Milena nasceu para aquilo — respondia com naturalidade, se emocionava nos momentos certos, chorava com uma elegância genuína. Era uma estrela.

Mais tarde, em casa, o calor do chuveiro escorria pelas costas de Cauê, mas o nome de Rafael voltou a lhe pesar no peito. Lembranças cortavam o silêncio. Jonas, bêbado na noite anterior, havia mencionado o ex-namorado — Rafael, que morrera em um acidente.

Confuso, sem saber a quem recorrer, pegou o celular e ligou para Henrique, seu melhor amigo em Manaus. Do outro lado da tela, Henrique acariciava Pedrita, sua gata siamesa.

— É complicado, Cauê. O cara não esqueceu o namorado e, pra piorar, o pai dele é o presidente do Caprichoso. Meu caro amigo, você está muito lascado — Aconselhou Henrique com aquele humor que misturava ironia e afeto.

— Isso eu já sei. Mas eu não quero parecer possessivo e chato, sabe? Ao mesmo tempo, eu queria que os sentimentos do Jonas fossem 100% meus. — Desabafou Cauê. Em um gesto infantil de frustração, pegou o travesseiro e gritou contra ele. — Estou parecendo um adolescente de 15 anos.

— O nome disso é amor, meu caro amigo. Amor — Afirmou Henrique, sério por um instante.

— Amor. — Repetiu Cauê, encarando o teto do quarto, como se o nome trouxesse uma revelação silenciosa.

Henrique, então, voltou ao tom de conselheiro:

— Mas olha, falar o que te incomoda não é ser tóxico. Tóxico é guardar tudo isso aí dentro e deixar apodrecer. Leva o Jonas pra um lugar calmo, onde vocês possam respirar e se ouvir. Fala o que você sente, sem medo.

— A Pedrita também acha. — Completou ele, segurando a gata e a colocando na frente da câmera.

Cauê riu. A imagem da pequena felina parecia ter mais sabedoria que muitos adultos por aí.

— A Pedrita nunca erra. — Respondeu, já sentindo o peso do dia amolecer.

***

O dia de Jonas arrastou-se como uma maré pesada, um ciclo lento de água e analgésicos. Desde o momento em que abrira os olhos, se sentir envolto por um peso invisível que lhe oprimia o corpo e o espírito. Nem mesmo a galinhada fumegante de Rosa, que sempre tivera o dom de animá-lo, conseguiu lhe despertar o apetite. Enjoado, preferiu ficar no quarto escuro, se refugiando na redoma de ar gélido criada pelo ar-condicionado. Ali, entre as paredes abafadas pela penumbra, parecia mais fácil esquecer.

Mas a mente, traiçoeira, não esquece tão fácil.

Com o controle remoto em mãos, Jonas buscou conforto em lembranças que ardiam. Ligou a televisão e navegou até uma pasta antiga: "Caprichoso – Apresentações". Um a um, os vídeos começaram a rodar. E lá estava ele — mais jovem, o corpo vibrando energia, o sorriso largo de quem ainda acreditava que tudo era possível. O ritmo do bumbá o preenchia de um orgulho que agora doía.

Assistiu em silêncio. Seus olhos seguiram aquele outro Jonas nos vídeos, tão leve e ágil, o corpo dançando com precisão e paixão. Era impossível ignorar o contraste com o reflexo atual que o espelho lhe devolvia todas as manhãs — os traços mais pesados, os ombros mais curvados, a alma mais cansada.

As lágrimas vieram sem aviso. Não pela dança, mas pelo tempo. Pelo que tivera. Pelas pessoas. Pela vida que escorrera pelos dedos.

— Pelo menos, as pessoas não nos odeiam mais. — Murmurou, tentando se convencer. Enxugou as lágrimas com as costas da mão, mas mal teve tempo de respirar: uma dor súbita e aguda atravessou sua cabeça como um raio. Cambaleou. Pressionou as têmporas.

Foi então que a lembrança o golpeou com força brutal: o momento exato em que, desorientado, chamara Cauê de Rafael.

O nome errado. O olhar de Cauê. O silêncio que se seguiu.

Assombrado, Jonas saltou da cama como se o colchão ardesse. Correu para o banheiro e, sem pensar, ligou o chuveiro no mais gelado possível. A água fria desceu como lâminas, mas ele precisava sentir algo mais forte que a culpa. Precisava se livrar da confusão que o consumia.

Saiu do banho tremendo, mas decidido. Se vestiu com roupas neutras, como quem se preparava para um luto que nunca passou. Chapéu enterrado até as sobrancelhas, óculos escuros escondendo os olhos inchados. Pegou o celular — ainda sem resposta. Chamadas não atendidas, mensagens ignoradas.

Jonas foi até o Curral do Garantido, como se a terra sagrada pudesse lhe dar respostas. Ficou rondando os arredores, olhos atentos a qualquer sinal. Por quase duas horas, vagou como uma sombra, cada vez mais inquieto. Os minutos se arrastavam como chumbo. Cauê permanecia ausente.

Mas então, um vislumbre entre a multidão — ele. Cauê. Sorrindo com alguns colegas, alheio à tempestade que rugia dentro de Jonas.

Sem pensar, Jonas o seguiu. Não sabia ainda o que diria, mas sabia que não podia deixá-lo escapar. Não de novo.

O sol ainda queimava o céu em tons dourados quando Jonas chegou ao bar mais conhecido da cidade Garantido, escondido sob roupas pretas, um chapéu de aba larga e óculos escuros. Parecia um agente infiltrado em território inimigo. Se sentia deslocado, como uma nota dissonante na batida vibrante que ecoava pelo salão decorado em vermelho e branco. A multidão vestia camisas estampadas com o boi Garantido, bandeiras balançavam, e uma pequena roda de música animava os presentes com toadas apaixonadas.

Jonas se esgueirou até o balcão e pediu uma lata de cerveja, mais por disfarce do que por vontade. Só o cheiro do líquido amargo já lhe revirava o estômago.

— Esse povo não larga do pé do Cauê. — Pensou, observando de longe seu namorado cercado por amigos. Cauê ria, cantava, envolvido pela festa. Jonas mordeu o lábio, incômodo com a distância imposta pelas rivalidades e pelas escolhas de ambos.

Após alguns olhares trocados e muito esforço, Jonas finalmente conseguiu chamar a atenção de Cauê. O rapaz se sobressaltou ao reconhecê-lo e, com um movimento quase imperceptível da cabeça, indicou a saída do bar. Nervoso, Cauê caminhou rápido pela rua até dobrar uma esquina e sumir por um terreno baldio. Jonas foi atrás, o coração batendo mais forte do que a percussão que ainda ecoava ao fundo.

— Qual é o teu problema? — Disparou Cauê assim que Jonas se aproximou, a voz embargada. — Eu não bebi muito, mas tô cansado disso.

— Eu tentei te ligar, mas você não respondeu.

— Eu estava trabalhando, Jonas. Trabalhando. — Respondeu ele, andando de um lado para o outro, irritado, os olhos marejados.

— Desculpa, — Jonas se aproximou, interrompendo o vai e vem. — sinto muito por ontem. Eu errei.

— O fato de você ter me chamado de Rafael? — A voz de Cauê falhou, e ele limpou uma lágrima. — Olha, eu não quero parecer um cara tóxico ou egocêntrico, mas eu quero mais, Jonas, eu mereço mais. Eu não posso ser seu "namorado". — Fazendo aspas com o dedo.

Jonas o puxou num abraço apertado, a respiração pesada.

— Eu sinto muito. — Ele o beijou, com pesar nos olhos. — Eu gosto de você, mas não sei se consigo superar.

Cauê assentiu, com o olhar perdido.

— Eu te entendo, Jonas. Por isso, acho melhor a gente se afastar.

O terreno baldio se estendia silencioso ao redor, coberto por mato ralo e latas amassadas. A luz amarelada dos postes distantes mal tocava o lugar, e o zumbido incômodo dos insetos começava a crescer, rodando em torno dos dois como um aviso sutil de que o tempo ali estava se esgotando.

Jonas estava parado à frente de Cauê, os olhos suplicantes e a voz embargada.

— Me dá mais uma chance — Pediu, quase num sussurro.

O ar estava pesado, não só pelo calor abafado da noite, mas por tudo o que havia sido dito — e o que ainda restava em silêncio entre eles. Cauê não respondeu de imediato. Apenas o encarou com uma mistura de dor e algo mais profundo, indizível. Em seus olhos, ainda havia resquícios do que tinham sido.

Então, sem aviso, ele se aproximou e o puxou com força. O beijo foi urgente, avassalador, carregado de tudo o que não cabia em palavras — raiva, saudade, desejo, frustração. Durou apenas segundos, mas parecia tempo suficiente para os dois se perderem e se reconhecerem ali, no meio do abandono.

Antes que Jonas pudesse reagir, Cauê já havia se afastado, se virando com pressa. Caminhou de volta para o bar, sem olhar para trás, como se olhar fosse perigoso demais. Como se soubesse que, se parasse, não conseguiria ir embora.

Jonas permaneceu imóvel, ouvindo o som dos próprios batimentos como se fossem tambores dentro do peito. A boca seca, os olhos fixos no escuro adiante. Os insetos zumbiam mais perto agora, mas ele não parecia notar.

— O que eu fiz? — Murmurou, para ninguém, ou talvez para si mesmo.

A pergunta ficou no ar, sem resposta, tão solta quanto ele ali, naquele lugar vazio demais.

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