Ela me abraçou, deixando a água morna lavar a tensão. Foi impossível conter a ereção, e o pau cresceu rápido, se acomodando entre as pernas dela, fazendo ponte para a xoxota.
— Hummm … Você promete que vai ser carinhoso comigo? — Ela pediu.
Eu não estava acreditando que aquilo acontecia.
— Mas você disse … que só se entregaria ao seu marido …
Ela me beijou, calma e decidida, e então disse:
— É só você me fazer sua esposa, ué …
O coração disparou no meu peito e eu sabia que não havia mais volta. Meu pau já estava latejando, implorando por aquela conexão que ambos buscávamos. Eu, lentamente coloquei minhas mãos sob suas coxas, levantando-a com cuidado e ela envolveu a perna ao redor da minha cintura, seus braços firmes ao redor do meu pescoço.
Ela estava quente. Tão quente. Eu podia sentir a umidade mesmo antes de entrar e isso me deixou mais excitado. Guiei meu pau até a entrada da xoxota, deixando a cabeça pressionar suavemente contra sua virgindade.
— Está pronta? — Eu perguntei, minha voz rouca de desejo.
Ela respirou fundo, seus olhos fechando por um momento antes de abrir novamente, cheios de determinação.
— Sim … — Ela sussurrou.
Foi como um sinal. Empurrei devagar, sentindo a resistência inicial, ainda mais de pé, ali no chuveiro, mas então, com um gemido reclamão dela, eu estava dentro.
— Ahhhh … João … devagar …
Era tão apertado, tão quente, tão perfeito. A musculatura inexperiente se contraía ao redor da pica, se ajustando ao meu tamanho e eu tive que parar por um momento, apenas para deixá-la se acostumar com aquela sensação.
— Tudo bem? — Eu perguntei, preocupado.
Ela assentiu, seus olhos lacrimejando, mas um sorriso sincero aparecendo em seus lábios.
— Está tudo bem … continua. — Ela respondeu.
Comecei a me mover novamente, devagar, sentindo cada centímetro dela ao redor de mim. Era uma sensação indescritível, como se nós dois estivéssemos nos conectando de uma forma totalmente nova. Seus gemidos suaves eram música para meus ouvidos e eu sabia que ela estava começando a gostar daquilo.
— Ahhhh … meu amor … doeu antes, mas já está gostoso … não para …
Peguei Luana no colo, com a pica ainda enterrada dentro dela e a trouxe para a cama. Molhados mesmo. A deitei de costas, ainda penetrando e passei a estocar devagar, mas com um pouco mais de ritmo.
Fui aumentando gradualmente e pude sentir ela se soltando mais, seus quadris se movendo em sincronia com os meus. Eu a segurei firme, nossos corpos batendo um contra o outro enquanto seus gemidos ficavam mais altos.
— Eu sabia … desde a primeira vez que te vi … Ahhhh … que seria você ….
A cada estocada, com a posição ajustada para o corpo da pica roçar no clitóris, macete que aprendi com Silvinha, eu sentia Luana mais entregue, mais molhada, mais quente, mais relaxada. Seus gemidos ficaram mais altos, e eu sabia que ela estava chegando ao clímax. Não foi preciso mais do que dez minutos.
— João … Ahhhh … o que é isso … o que tá acontecendo comigo? É muito diferente de quando eu faço sozinha …. — Ela gemeu, suas mãos apertando minhas costas.
Eu sabia o que ela estava sentindo. Continuei a meter, mais rápido, sentindo a própria sensação crescer dentro de mim. E então, eu senti a bucetinha apertada ordenhando meu pau, um gemido longo e alto escapando de seus lábios enquanto ela atingia o clímax.
— Ahhhh … tô gozando, amor … não para … Ahhhh, João … que delícia ….
Isso foi o suficiente para me levar ao limite. Empurrei mais uma vez, fundo, e então eu também estava lá, jogando minha cabeça para trás enquanto explodia, no tempo exato para tirar o pau de dentro dela. Era uma sensação de êxtase, de conexão, de amor.
Ficamos ali por um momento, apenas respirando, nossos corpos ainda conectados. Eu lentamente saí de cima dela, mas a mantive perto, abraçando-a enquanto nossas respirações se acalmavam.
O lençol, e também o meu pau, manchados de sangue, denunciavam a transformação de Luana. Agora mulher. A minha mulher.
Ela olhou para mim, seus olhos cheios de uma ternura que nenhuma mulher nunca me deu.
— Você fez isso certo … foi tudo o que eu sempre imaginei. — Ela sussurrou, seus lábios encontrando os meus em outro beijo suave.
Eu sabia que aquilo era apenas o começo. Ela era minha agora, e eu faria qualquer coisa para mantê-la feliz. E após uma segunda transa, intensa, mas carinhosa ao extremo, dormimos abraçados, sem conseguir nos desgrudar.
O dia seguinte nasceu devagar, como se o mundo também quisesse respeitar o silêncio daquela manhã. A luz entrava pela fresta da cortina, suave, amarela, tocando meu rosto com delicadeza. Eu acordei com o cheiro de café fresco vindo da cozinha e o som abafado de passos leves pelo assoalho.
Me espreguicei devagar, sentindo, no corpo, o cansaço bom da noite passada. No peito, um calor diferente. Não era desejo apenas, era paz.
A porta se abriu com cuidado e Luana apareceu, com um sorriso genuíno e um prato nas mãos. Trazia uma caneca de café com leite, um pedaço de bolo de milho e uns pedacinhos de queijo num prato esmaltado. Simples. Perfeito.
— Bom dia, moço bonito. — Disse, se aproximando com aquele jeito doce que só ela tem.
— Melhor dia do mundo, se começar com você, assim.
Ela riu, se sentou na beira da cama e colocou o prato no meu colo. Eu segurei sua mão, puxei devagar, e ela veio, se deitando ali do meu lado, com a cabeça no meu ombro nu.
Ficamos em silêncio por um tempo, dividindo o café, o bolo, e o sossego. Até que eu olhei para ela com firmeza.
— Eu lembro o que você me disse, Luana. Naquela noite … antes de tudo. Que você só se entregaria ao homem que fosse seu marido.
Ela ficou quieta, mas os seus olhos buscaram os meus.
— E eu pensei muito sobre isso. — Continuei. — Sobre o que a gente tem. Sobre tudo que a gente enfrentou. E eu sei … eu tenho um mundo ainda pra consertar. Mas uma coisa eu já decidi: você vai ser minha esposa.
Ela abriu um sorriso tímido, como quem ainda não acredita.
— Não precisa dizer isso agora, João …
— Preciso sim. — Interrompi. — Porque essa foi a noite mais bonita da minha vida. E porque nunca fiz amor desse jeito com ninguém. Nunca olhei no olho, nunca senti o que eu senti com você. Eu te amo.
Ela encostou o rosto no meu pescoço e respirou fundo.
— Eu também amo você. E se me entreguei … não foi só pelo corpo, foi por isso. — Ela tocou o lado esquerdo do peito. — Por esse lugar aqui, que bate muito mais forte quando tá com você.
— Eu não sou homem fácil, Luana. Carrego cicatriz demais. Mas se você ainda quiser, eu vou construir esse futuro com você. Me deixa ser seu homem, sua família.
Ela respondeu com um beijo intenso e demorado, cheio de promessas. E naquela manhã simples, sem aliança, sem altar, sem testemunha … a gente ficou noivo no silêncio. Porque quando o amor é inteiro, não precisa pressa, só verdade.
A cidade ainda acordava quando a gente saiu de casa. O sol lambia os telhados com aquela luz mansa, e o barulho das primeiras portas se abrindo preenchia a rua de vida. Eu vestia uma bermuda jeans meio desbotada e uma camiseta velha que tinha deixado na casa dela. Minhas roupas do dia anterior estavam sujas, Luana nem perguntou e já as colocou para lavar.
Caminhamos lado a lado, em silêncio, mas sem pressa. O braço dela roçava no meu de vez em quando, e a mão dela apertava a minha.
Chegamos na esquina onde o posto de saúde dividia muro com o hospital pequeno da cidade.
— A gente se vê mais tarde? — Ela perguntou.
Eu dei um beijo carinhoso naquela boca gostosa.
— Com certeza.
Ela ainda pediu:
— Me manda notícia do seu amigo. Me diz se ele está bem. E por favor, tome cuidado. Eu não vou mais tentar fazer você desistir de montar, mas me promete que vai ser cuidadoso, precavido.
— Eu prometo, meu amor.
Nos beijamos novamente e eu a deixei na entrada do Posto de Saúde. Ela entrou com o jaleco branco balançando no vento e a firmeza de quem carrega amor e preocupação no mesmo coração.
Fui até o hospital. Na recepção, encontrei dois dos peões da Fazenda Três Barras, sentados num banco de madeira, com olheiras profundas e cheiro de noite em claro.
— E aí, João … — Disse um deles, o Careca, apelido que não combinava com a cabeleira que ele ainda tinha.
— Como tá o Beto? — Perguntei.
— Tá fora de perigo. — Respondeu o outro, o Diguinho, mais novo, sempre sério. — Três costelas quebradas, uns dentes soltos e uma concussão leve. Mas tá consciente. Falar, ele fala. Reclamar, então, nem se fala.
— Vai ficar mais um dia em observação, mas os médicos estão otimistas. — Completou Careca.
Senti o corpo aliviar. Assenti com gratidão.
— Quando ele acordar, diz que eu passei. E que tô esperando-o pra ensinar a cair certo da próxima vez.
Eles riram.
— Pode deixar.
Não demorou muito e já era hora de voltar. A estrada de terra nos esperava. O sol subia, e com ele o peso do dever.
De volta à Três Barras, a rotina não tinha pausa. Os cavalos relinchavam com fome, os touros batiam no cercado. A poeira se levantava como sempre.
Enquanto limpava as baias, lavava os bebedouros e separava ração, eu pensava no Beto, mas muito mais na Luana, na noite passada. Era como se o mundo tivesse dado um passo para a frente. Ainda doía, ainda pesava, mas agora eu não andava mais no escuro.
Zeca Barreto passou por mim, me deu um tapa leve nas costas.
— Coração no lugar, João?
— Por enquanto … tá.
— Então bora. Os bichos não esperam. E o futuro também não.
E eu fui. Com as mãos calejadas, a mente focada e o peito cheio de um amor que agora tinha nome, cheiro e casa: Luana.
Os dias corriam ligeiro entre o cheiro de curral e os beijos roubados no portão do posto. Eu trabalhava duro na Três Barras, treinava com foco e, toda noite que podia, aparecia na casa da Luana. Chegava suado, exausto, mas com um sorriso bobo no rosto, só por saber que ela estaria ali, me esperando. Fazíamos amor sempre que estávamos juntos e, aos poucos, o que era visita virou costume. E o costume, lar.
Com os três primeiros pagamentos na nova fazenda, uns trocados a mais do que ganhava na Santa Gertrudes, e também uns trocadinhos guardados de antes, fiz o que o coração já vinha pedindo fazia tempo. Entrei na Joalheria do Seu Adelino, escolhi duas alianças simples, lisas, sem brilho nem pedra. Mas de ouro verdadeiro. Como ele dizia: "Não precisa brilhar por fora, desde que seja firme por dentro".
Com a cumplicidade de Renatinho, um velho colega da escola que era garçom na Churrascaria Gaúcha, o restaurante mais “chique” da cidade, armei tudo. A aliança viria escondida na bandeja da sobremesa. Só Luana não podia desconfiar.
Naquela noite, cheguei de banho tomado, camisa de botão e cabelo ajeitado com água, o máximo de vaidade que eu aceitava. Luana, linda num vestido florido, me recebeu com um beijo doce.
— O que é isso tudo? — Ela perguntou, rindo. — Pra onde você vai me levar?
— Não é pra onde, é com quem. — Respondi misterioso. — Hoje é dia de te fazer um agrado.
A churrascaria estava cheia, como sempre nas noites de sexta. O povo conversava alto, os garçons corriam com espetos fumegantes e o cheiro da brasa dominava o salão. Eu acabava tendo que cumprimentar todo mundo. Um aceno aqui, um “ô de casa”, ali. Em cidade pequena, a notícia corre mais rápido que o vento de verão.
Jantamos devagar. Eu a olhava mais do que comia. E ela notava, sorria, mas me deixava no mistério. Até que veio a sobremesa.
Renatinho apareceu com um sorriso cúmplice e colocou diante de Luana um pratinho coberto com um pano vermelho. Ao tirar, não era pudim, nem torta. Era uma caixinha aberta, com duas alianças simples brilhando sob a luz amarelada da churrascaria.
Luana congelou. O salão silenciou aos poucos, como se o mundo inteiro esperasse a minha fala. Eu me levantei, fui até o lado dela e me ajoelhei. Sim, no meio da churrascaria. No meio de todo mundo.
— Luana … — Eu disse, com a voz firme, mas o coração disparado. — Eu não tenho herança, nem sobrenome bonito. Não sou filho de doutor, nem tenho casa própria para te prometer. Mas o que eu tenho, eu te dou inteiro: meu corpo cansado, meu coração remendado, e essa vontade absurda de acordar todo dia do seu lado.
Ela já chorava, ou ria no meio das lágrimas.
— Você me ensinou o que é amor de verdade. Aquele que fica mesmo quando a poeira sobe. Que cuida, que espera, que entende.
Eu tirei a aliança da caixinha e segurei entre os dedos.
— Se você ainda quiser um peão cheio de sonho e cicatriz, eu tô aqui. Quer casar comigo?
Ela não respondeu com palavras. Só pulou no meu pescoço, rindo e chorando, e sussurrou no meu ouvido:
— Sim, João. Para sempre, sim.
Aplausos tomaram o salão. Teve assobio, teve gente filmando com celular, teve dona Lourdes chorando na mesa do lado. Naquela noite, nos amamos até quase o amanhecer.
E claro, em menos de dois dias, o assunto já estava na Santa Gertrudes. Era a fofoca oficial da cidade.
Foi num dia qualquer, depois da lida, que Careca, um dos peões da Três Barras, se aproximou de mim com cara de quem vinha trazendo peso.
— Teu pai … o Seu Antônio. Me parou na cidade.
Parei de encher o coxo e o encarei com a testa franzida.
— Queria saber se era verdade esse negócio do noivado com a enfermeira.
Fiquei quieto por um tempo. Depois olhei para o horizonte, pensativo.
— E você disse o quê?
— Disse que se fosse mentira, era a mais bonita que já contaram por aqui.
Sorri satisfeito, pois Careca era um sujeito dos bons. Eu não queria pensar muito naquilo, então voltei ao trabalho. Sabia que o passado não tinha acabado. Mas o futuro … agora tinha nome. E usava aliança no dedo.
O dia tinha sido puxado. Treinamento pesado, três baias lavadas, um cavalo nervoso que quase virou meu ombro do avesso e a cabeça já meio zonza com tudo o que vinha acontecendo. Quando a noite caiu, tudo o que eu queria era tomar um banho, ver a Luana e me jogar no sofá com ela do lado.
Cheguei na casa dela com o corpo doído, mas o coração leve. Toquei duas vezes e ela logo abriu, de roupa simples, cabelo preso, sorriso que me animava por dentro.
— Entra, amor. Preciso te contar uma coisa.
Fechei a porta com calma. O tom dela me chamou atenção.
— Que foi?
Ela respirou fundo, se sentou no braço do sofá e me olhou firme.
— Hoje, no posto … seu Antônio apareceu.
Meu corpo travou. Senti como se tivesse levado um coice no peito.
— Disse que tem ido te procurar na Três Barras, mas você não quis falar com ele.
Assenti devagar.
— Não tô pronto. Quer dizer … não tava. Não sei o que dizer pra ele. Não sei se ainda sinto raiva ou só cansaço.
— Ele parecia cansado também. Falou pouco. Só perguntou se você tava bem. Se ia casar mesmo comigo. Eu disse que sim. Que você tá tentando construir uma vida limpa, mesmo vindo de tanto entulho.
Fiquei em silêncio. Ela continuou.
— Impliquei mesmo, mas logo me arrependi. Ele tava com os olhos … tristes, João. Não de arrependido, só. De homem que tem saudade de algo que ainda tá vivo, mas longe.
Me sentei devagar ao seu lado, processando o que ela falava.
— Eu não o odeio, Luana. Isso é que me arrebenta por dentro. Porque se fosse ódio, eu só virava as costas e pronto. Mas é pior. É esse nó no peito … porque ele me criou, me amou. Mas mentiu. Mentiu a vida inteira. E agora eu não sei se eu sou filho dele, do patrão, ou de ninguém.
Ela se aproximou, se sentou no meu colo, passou a mão pelo meu rosto.
— Você é filho do homem que decidiu te amar. Isso já diz mais do que qualquer sangue.
Fechei os olhos. Respirei fundo.
— Eu vou até lá.
— Agora? — Luana se assustou.
— Amanhã. Chega de fugir. Ele merece, pelo menos, que eu o ouça. E eu … mereço soltar o que ficou preso aqui dentro.
Ela assentiu e deitou a cabeça no meu ombro.
— Só promete uma coisa.
— O quê?
— Que você vai lá como homem. Não como menino ferido. Vai como o João que eu aceitei dividir a vida.
Beijei a testa dela.
— Pode deixar.
Naquela noite, dormi com o coração pesado, mas decidido. Era hora de acertar as coisas, exorcizar os fantasmas. Luana merecia começar uma vida limpa, sem as amarras que me prendiam.
No dia seguinte, liguei na Três Barras e pedi uma folga no período da manhã. O caminho até a Santa Gertrudes não seria só de terra batida. Seria o caminho até as minhas raízes, mesmo que algumas estivessem podres.
A poeira da estrada ainda nem tinha baixado quando parei diante da cerca da Santa Gertrudes. Era como voltar para um lugar ao qual um dia pertenci, mas que agora já não cabia mais. O cheiro da ração, o som do gado ao longe, a cantiga do vento nos eucaliptos … tudo igual. Menos eu.
E como se o destino soubesse que eu precisava de um teste, logo na chegada, foi Silvinha quem apareceu primeiro. Cabelos soltos, vestido leve e curto, jeito safado como sempre. Veio caminhando com aquele sorriso de quem nunca precisou pedir licença para entrar nos pensamentos dos homens.
— Olha só quem voltou. — Ela disse, provocante, cruzando os braços por baixo do busto. — Soube que ficou noivo, João. Que desperdício. Um homem bonito e gostoso desses não merece cabresto.
Soltei um meio sorriso, sem pressa.
— Oi, Silvinha. Também senti saudade.
Ela deu uma risadinha, mordendo o canto do lábio.
— Saudade, é? Vamos lá pro açude então, matar essa saudade, direitinho.
Olhei pra ela com respeito, mas firmeza.
— Eu sou noivo agora, mulher. Sossega esse facho.
Ela fingiu espanto, depois riu, debochada.
— Você é fogo, João. Fogo ardente. Não vai aguentar muito tempo ficar só sendo brasa. Uma hora sai queimando tudo ao redor.
Antes que eu pudesse responder, ouvi a voz que ainda mexia com o fundo do meu peito.
— João … bom dia, meu filho.
Virei devagar. Era ele. Seu Antônio. Chapéu na cabeça, olhar cansado, mas presente. A barba mais grisalha, os ombros um pouco mais curvados.
Silvinha ainda teve tempo de se inclinar, levantar discretamente a barra do vestido, mostrar o que sabia que chamava atenção, e piscar.
— A gente se vê, João. Pensa na minha proposta.
Não respondi. Só voltei a olhar para o homem à minha frente.
— Soube que o senhor andou me procurando.
Seu Antônio assentiu, os olhos marejando sem molhar.
— Andei sim, João. Porque às vezes, quando a gente perde o filho de vista, sente como se tivesse perdido um pedaço da alma também.
O silêncio caiu pesado entre nós. Só o barulho das vacas ao longe quebrava o momento. Estava na hora da conversa que não dava mais para evitar.
Seu Antônio tirou o chapéu, coçou a cabeça e deu um passo pro lado.
— Vamos caminhar um pouco?
Concordei, sem dizer uma palavra. A gente foi andando pelo pasto seco, em silêncio. No começo, o pessoal da fazenda vinha chegando, acenando e dando risada:
— Olha quem voltou! O noivo da cidade! — Disse um.
— João do céu, cê lembra daquela vez que caiu do cavalo e disse que era o vento? — Riu outro.
Respondi com um aceno, um sorriso curto, educado. Mas continuei caminhando. Logo ganhamos distância. A mata começou a cercar de leve a trilha de terra, só o som dos passos e do canto dos passarinhos quebrando o silêncio.
Foi então que eu falei. Seco. Sem rodeio:
— Por que o senhor me deixou passar a vida acreditando que minha mãe era uma santa, mulher direita, quando na verdade … a história era outra?
Meu pai parou de andar. Me encarou. A respiração dele ficou mais pesada.
— Cuidado com o que fala da sua mãe, João. Cê não sabe de nada. Sei que está magoado, mas isso não te dá o direito de ofender quem já não está aqui para se defender.
— Então me explica. — Retruquei, com o peito apertado. — Me conta tudo, do jeito que foi. Assim eu paro de criar coisas na minha cabeça. Paro de odiar metade de mim.
Seu Antônio olhou para o chão, depois para o céu, como quem busca coragem nas alturas. E começou:
— Naquela época, João … dizer “não” pro patrão era pedir pra ser exilado. Ser gente da roça, pobre, sem estudo, e querer peitar o dono da terra … era assinar a sentença.
— E minha mãe? — Perguntei, mais baixo.
— Sua mãe … Judite, que Deus a tenha … era uma mulher boa, direita, sim. Mas o patrão a queria. Claro que queria, ela era linda. Você tem muito dela, João.
Ele respirou fundo, os olhos cansados.
— Foi cercando, rondando, prometendo ajuda, bajulando. Um dia … aconteceu. Ela não tinha como lutar. E quando ela se deu conta, estava grávida.
— E o senhor aceitou isso?
— Não de primeira. Mas … — ele engoliu seco — … eu já a amava. E ela … estava assustada, com medo de tudo. Ainda não tínhamos nada, nem compromisso. Só gostávamos um do outro. O patrão da época, pai do de agora, me chamou, ofereceu dinheiro, um canto na fazenda, um cargo fixo, pagando bem ... Disse que eu teria paz, se ficasse calado. E eu aceitei.
— O senhor se vendeu? — Era mais uma acusação do que uma pergunta.
Ele me olhou, firme.
— Não, João. Eu fiz o que um homem faz quando ama. Eu podia ter virado as costas, deixado sua mãe sozinha, desamparada, sendo julgada por tudo e por todos. Mas eu ouvi meu coração. Fiz a escolha certa. Fui o homem que ela precisava … e que você precisava.
A voz dele vacilou pela primeira vez. Continuou:
— Me casei com ela. Te criei desde o ventre. E quando você nasceu, João … quando eu te peguei nos braços pela primeira vez, ainda todo miúdo, enrugado, chorando daquele jeito que enchia a casa … ali eu me apaixonei.
A emoção me atravessou como uma flecha. Minhas pernas ficaram fracas. Baixei a cabeça, e quando vi, as lágrimas já estavam caindo. Grossas. Antigas. Pesadas demais para ficarem guardadas.
Ele se aproximou devagar. Pôs a mão no meu ombro. E disse, com a voz embargada:
— Você nunca foi meu sangue. Mas foi … e sempre será … meu filho.
Me joguei no abraço dele. Não sabia se chorava por alívio, por vergonha, por amor ou por tudo junto. O velho me apertou com força. Eu sentia o peito dele bater contra o meu. Dois corações cicatrizando juntos.
Naquele instante, nenhuma verdade doía mais. Só restava o amor.
Ainda com os olhos marejados, fui respirando fundo, tentando me recompor. O abraço do meu pai ainda pesava nos ombros como se a infância inteira estivesse ali, embalada num silêncio que a gente nunca teve coragem de romper. Me afastei devagar, olhei pra ele com um misto de gratidão e confusão.
— E a dona Helena? — Perguntei, mais baixo, como quem pisa em solo que pode ceder.
Seu Antônio fechou o rosto por um instante, passou a mão na barba e soltou o ar bem devagar.
— Deus levou sua mãe muito cedo, João. Você era pequeno ainda. E eu … sou homem. Tenho necessidade como qualquer um.
Ele deu mais alguns passos adiante, chutando um pedacinho de pedra no chão seco da trilha.
— Dona Helena vivia aqui, sozinha. Largada. Ainda muito nova, enquanto o marido andava pelo mundo, uma mulher em cada cidade ... Eu era o homem de confiança. Passava o dia inteiro ao lado dela, resolvendo as coisas da fazenda. Pode não parecer, mas ela não é só a madame cheia de joia e vestido caro que o povo imagina.
Ele me encarou com seriedade.
— Helena que segura tudo isso aqui. A fazenda, o laticínio, os contratos. É ela quem faz girar a roda enquanto ele finge ser patriarca lá de Brasília. A mulher tem garra. E sabedoria também.
Cansado, ele fez uma pausa.
— Uma coisa levou à outra … a minha viuvez, o abandono dela, a rotina lado a lado. E quando a gente se deu conta … já tinha acontecido.
Eu apenas ouvia, ainda absorvendo. Mas a dúvida, que roía por dentro, escapou:
— E o patrão? O senhor nunca teve medo dele descobrir? De vir atrás do senhor?
Meu pai soltou uma risadinha seca, de canto de boca.
— É lógico que ele sabe, João. Há muito tempo. Mas finge que não vê. Ele nunca amou Helena. Foi forçado a casar com ela por causa do nome, das famílias, das intenções políticas. Você acha que ele se importa? Aquela fachada de marido e pai exemplar é só pra render voto.
Parei. Fiquei olhando pro meu pai. Enxergando-o além da figura dura que me criou. E aí a pergunta veio, sem freio, sem aviso:
— Você ama a dona Helena?
Ele me olhou. Não respondeu de imediato. Passou alguns segundos calado, os olhos baixos, como se buscasse dentro de si algo que nunca tinha dito em voz alta.
— De certa forma, sim. — Disse, por fim. — Ela foi companhia. Foi calor. Foi ombro quando a solidão me pesava mais do que qualquer jornada. A gente se entendeu na dor e no vazio que o outro carregava. Eu não sei explicar direito. Mas sim, João … eu amo a Helena.
Fiquei quieto. Não por falta do que dizer, mas por finalmente entender. Meu pai era feito de carne, e sentimento. E tudo aquilo que um dia me pareceu feio, errado, naquele momento, só parecia humano.
Ali, naquela trilha batida, dois homens deixavam de lado as máscaras. E começavam, enfim, a se reconhecer.
Depois do silêncio que ficou no ar com aquela confissão de amor por dona Helena, seguimos caminhando em passos lentos. Mas não era mais o mesmo silêncio de antes, pois não doía. Apenas incomodava.
Seu Antônio pigarreou, limpou a garganta como quem se preparava para outro assunto espinhoso.
— E esse negócio de rodeio?
Eu respirei fundo, desviei o olhar. Tentei escapar.
— Não vamos estragar a paz agora, pai.
Mas ele insistiu, a voz mais firme.
— João, é sério. Cê sabe o quanto isso me preocupa. Você é bom em tudo que faz. Tem braço, tem cabeça. Por que se meter num trem que só dá dor e cicatriz?
Parei. Olhei nos olhos dele.
— Porque é o meu sonho. Sempre foi. Desde moleque.
Ele franziu a testa, como se não acreditasse.
— Sonho?
Confirmei, mas deixei claro.
— Sim! E a culpa é sua, pai.
Ele deu um passo para trás, surpreso.
— Minha?
— Era o senhor quem me levava na feira agropecuária todo ano, lembra? Me botava no ombro pra eu enxergar os peões montando. Era o senhor quem falava dos cavalos como se fossem heróis. Dos touros como se fossem lendas. O jeito que você falava … me fazia sonhar. E eu guardei isso aqui dentro. — Toquei o peito, para marcar o sentimento.
Ele ficou quieto. E eu continuei:
— Cê gostava tanto dos bichos, que eu comecei a amar também. Mas diferente de você, eu quis viver aquilo. Sentir com o corpo o que você falava com o coração.
Seu Antônio baixou o olhar, balançou a cabeça.
— Eu sempre gostei dos animais, é verdade. Mas nunca do rodeio. Aquilo … se é que dá pra chamar de esporte … sempre me pareceu só pancada e imprudência.
— E você acha que eu não tenho medo? — A pergunta saiu sem filtro. — É claro que eu tenho. Mas o que eu mais temo, pai, não é me machucar. Não é morrer. É passar por essa vida sendo sombra dos outros. Sendo o João escondido no meio da arrogância de quem sempre teve tudo. Eu cansei de ser o coadjuvante da minha própria história.
Ele me olhou. Firme. Mas diferente. Como quem vê um homem pela primeira vez.
— Eu quero ser “eu”. Do meu jeito. Com as minhas próprias escolhas. — Completei.
Demorou um instante. E ele assentiu, devagar.
— Você cresceu, João. Eu me orgulho disso. Mesmo que eu ainda ache esse caminho arriscado, não tenho mais o que dizer. Seu destino está nas suas mãos agora.
O ar ficou mais leve. O passo, também. A conversa mudou de tom, e então ele perguntou, com um leve sorriso:
— E essa moça? A Luana. É sério mesmo?
— Muito. — Respondi.
— Cê não acha que tá novo demais pra assumir tamanho compromisso?
Abri um sorriso largo.
— Com quantos anos o senhor se casou?
Ele tossiu de leve, sem jeito.
— Vinte.
Soltei uma risada gostosa.
— Eu já tenho vinte e um, então … tô até atrasado.
Ele riu também. Pela primeira vez naquele dia. Foi quando parei, virei para ele e falei:
— Que tal um jantar? Para o senhor conhecer melhor a Luana, minha noiva. Ficar mais perto. Entrar de vez na minha vida de novo.
Ele demorou meio segundo. Depois concordou, emocionado.
— Vai ser uma honra.
E ali, debaixo do céu ensolarado da Santa Gertrudes, com cheiro de terra no ar e o coração mais limpo do que nunca, pai e filho, enfim, se encontraram de verdade.
A despedida com meu pai foi curta, mas carregada de tudo que precisava. Um aperto de mão firme, um abraço que pesou no peito, e um "se cuida" dito com voz embargada. Subi na motoca e deixei a Santa Gertrudes para trás, sentindo o coração mais leve, como se, finalmente, eu tivesse deixado parte da dor naquele chão batido.
Voltei para a Três Barras com outro fôlego. E nem deu tempo de pensar muito. A lida me esperava com a mesma pressa de sempre: ração pros bichos, limpeza dos bebedouros, cercas pra verificar. Mergulhei no trabalho como quem planta o futuro. Cada tarefa me colocava de volta no eixo.
No fim da tarde, o céu já se pintava de laranja quando a turma se reuniu no curral de treino. Era hora de encarar mais uma vez o que me fazia sentir vivo de verdade: a montaria.
O treino de rodeio é bruto. Nada de romantismo. Primeiro vinham os exercícios de equilíbrio. Subir e descer da sela, pegar firme na corda, sentir o peso do próprio corpo, o giro imaginário. Depois, vinham os touros de verdade. Touros de treino, claro, mas que não perdoam um vacilo.
Naquele dia, montei duas vezes. Primeiro no “Cabresto”, touro esperto, que rodava com lentidão traiçoeira. Depois, no “Nêgo Véio”, bicho robusto, mais pesado, mais bruto. Segurei firme. Me encaixei. E fiquei.
Quando desci, suado, os pulmões queimando, sabia que tinha ido além. Tinha montado com mais que força. Tinha montado com habilidade e determinação.
Foi aí que o Zeca Barreto, nosso treinador, me chamou de canto.
— João … chega aqui um pouco.
Fui até ele, limpando o rosto com a manga da camisa. Ele estava diferente. Mais sério, mais direto. Mas com um brilho no olhar que eu nunca tinha visto.
— Queria te dar os parabéns. — Ele começou. — Nas últimas semanas, cê virou outro. Mais técnico, mais concentrado. E o mais importante, tá montando com o coração no lugar. Isso muda tudo.
Agradeci, orgulhoso de mim mesmo. Ele continuou:
— No fim do mês, vai ter um rodeio em Santa Vitória. Pequeno, amador, mas vai tá cheio de olheiro, patrocinador, gente que mexe os pauzinhos nesse mundo. A gente vai levar três daqui.
Ele fez uma pausa e me encarou firme.
— Quero saber se cê quer ser um deles?
Demorei um segundo para responder. Meu peito já respondia antes da boca.
— Quero sim, senhor. De verdade. Agradeço demais a confiança.
Zeca estendeu a mão e eu apertei com força, sentindo que aquele gesto carregava mais do que convite. Era reconhecimento. Era começo.
— Então se prepara. — Ele disse. — Agora o jogo começa de verdade.
Olhei para o céu, que já começava a perder a luz. O cheiro de curral, suor e sonho se misturava no ar. E no fundo da alma, eu sabia: era só o começo. Mas meu nome já estava escrito na poeira da arena.
Continua …