Esse capítulo é mais explicativo. Mas é necessário para que vocês entendam a ordem dos eventos. Me perdoem a falta de erotismo.
Nosso convívio mal mudou aos olhos dos outros. A gente já se via quase todos os dias, então ninguém estranhava. O que mudou, na verdade, foi o que acontecia entre quatro paredes. O videogame até seguia ligado às vezes, mas virava só um pretexto. A TV ficava alta, geralmente sintonizada na MTV, só para abafar os gemidos que escapavam sem querer.
Passamos mais ou menos uma semana assim. Eu chegava da escola, jogava a mochila num canto e corria pra casa do Antônio. Era como se meu corpo inteiro esperasse aquele momento, encostar os lábios nos dele, sentir o gosto doce da sua boca, me perder no cheiro do seu corpo.
Minha mãe começou a reclamar. Dizia que eu ia acabar incomodando, que não era certo eu praticamente morar na casa dos outros. Mas eu explicava: o pai dele trabalhava à tarde, e a mãe só chegava depois das sete da noite. Quando ela aparecia, eu já estava em casa fazia tempo. E a rotina seguia, como se nada demais estivesse acontecendo.
Mas uma coisa me incomodava. Ele sempre me fazia ter orgasmos incríveis com sua boca, mas eu nunca tinha retribuído à altura, com aquela entrega que me deixava sem chão..
No fim de semana, com os pais dele em casa, resolvemos dar um tempo da rotina secreta. Também porque nosso grude já estava chamando atenção. Precisávamos socializar um pouco, sair da bolha.
Fomos até o bar no final da nossa rua, onde tinha um fliperama e onde a galera do bairro sempre se reunia para jogar truco e falar besteira. Entre eles, estava Edésio, um amigo folgado que adorava uma provocação.
— Diz aí, casal! Quando é que vocês vão assumir esse namoro, hein? — gritou ele do outro lado da mesa, com aquele riso sem vergonha.
— Vai se ferrar, Edésio — respondi. — Sou teu amigo igual sou do Toni, mas se continuar zoando, tu vai pra casa com um dente a menos hoje.
Ele riu alto, sabendo que eu falava sério, mas sem se intimidar. Era do tipo que perdia o dente, mas não perdia a piada.
— Calma aí, David — disse, com aquela voz debochada — não vou zoar tua mina não… não sou talarico.
O Toni deu uma risada sem graça. Eu olhei pra ele, e só depois de ter certeza de que ele estava levando na esportiva é que decidi não partir pra briga. Mas a vontade de dar um beijo nele, ali mesmo, no meio de todo mundo, me corroía por dentro.
Quando deu seis da tarde, me despedi da galera e fui em direção à minha casa. Toni me acompanhou, como sempre.
A casa dele era mais adiante, então a gente parou por uns segundos no portão da minha.
— Hoje você aguentou bem a zoeira do Edésio — comentei.
— Acho que não me afeta tanto como antes — ele respondeu, com um sorriso de canto. — Até que foi divertido.
— Foi sim. O único problema foi não poder te beijar o dia todo — confessei.
Ele me olhou por um instante.
— É... vamos ficar nos escondendo a vida toda?
— Não sei — respondi. — Mas acho que teu pai me mata se souber que te pus pra mamar — falei rindo, provocando.
Ele soltou uma risada leve, daquele tipo que desmontava qualquer defesa minha.
— Você não me pôs pra nada. Fui eu que quis mamar você — respondeu com aquele sorriso torto que me quebrava no meio.
Naquele momento, olhei rápido pros lados, não vi ninguém por perto. Puxei ele pela camisa e dei um beijo — mas não qualquer beijo. Um beijo de cinema, profundo, demorado, o tipo que apaga o tempo e acende o tesão.
Estávamos ali, presos um no outro, quando ouvimos:
— EITA PORRA!
Arregalei os olhos. Me virei devagar.
Lá estava ele.
Edésio.
De boca aberta, com as mãos na cabeça, rindo como um doido.
Toni congelou. Eu senti o sangue sumir da cara.
Mas antes de qualquer palavra, ele já emendou:
— Agora é oficial, hein? Casalzão do bar!
Toni queria sumir. Eu… bem, eu queria socar ele. Mas parte de mim também queria rir. E outra parte… sentiu um alívio estranho. Como se algo secreto demais tivesse finalmente respirado.
Depois de algumas zoeiras — que eu já sabia que seriam inevitáveis — encarei o Edésio com um semblante sério e chamei:
— Edésio, chega aqui... a gente precisa trocar uma ideia.
Ele veio ainda rindo.
— Então é verdade?! Eu sabia! Vocês tão mesmo namorando? Hahaha, a galera não vai acreditar...
Antes que ele terminasse, coloquei a mão no ombro dele e o encarei nos olhos. Foi o suficiente. Ele entendeu. A fala travou na garganta, e o sorriso dele congelou. Aquele olhar avisava que se ele cruzasse uma linha, eu não ia perdoar.
Toni tentou dizer alguma coisa, mas as palavras morreram nos lábios. Estava branco, os olhos arregalados com o susto.
Então eu falei, direto, sem hesitação:
— Sim. A gente tá namorando.
Ainda com os olhos em Edésio, percebi pelo canto do olhar a expressão de surpresa no rosto do Toni. A boca entreaberta, meio pasmo, mas sorrindo, como se uma parte dele não acreditasse que eu tivesse coragem de dizer aquilo em voz alta.
Peguei a mão dele. Entrelaçamos os dedos. Firmes.
— Mas você sabe que isso pode trazer problema pra gente, né? — continuei, olhando Edésio nos olhos. — Problema sério. Então preciso que você guarde segredo. Pelo menos até a gente contar pros nossos pais. Depois disso, pode contar até pro Papa, se quiser.
Edésio arregalou os olhos.
— Mano... eu não acredito. Vocês são bich... — parou no meio da frase, tentando recuar. — Quer dizer... vocês são... é...
— Gays, Edésio. Essa é a palavra — falei. — Na real, nunca parei pra pensar nisso antes. Mas... acho que sim. Eu sou gay. E tô apaixonado pelo Toni.
Ainda com os olhos em Edésio, eu senti o Toni ao meu lado quase desmanchar. Estava pálido, sem reação, mas com os olhos brilhando. A respiração dele ficou mais curta, como se engolisse o mundo todo em silêncio.
Edésio balançou a cabeça.
— Cara, o Antônio... eu sempre desconfiei. Mas tu? Tu é o cara mais bad boy que eu conheço. Eu ainda não tô acreditando.
— Se tu me perguntasse isso semana passada, eu provavelmente te daria um soco — falei. — Mas... as coisas aconteceram. E aconteceram rápido.
Edésio fez um gesto com as mãos, como quem se rende.
— Mano, eu não vou dar B.O. pra vocês. Relaxa. Eu vou ficar de boca fechada. Boa sorte aí, casalzão! KKKK
Ele se afastou rindo, ainda sem acreditar, mas sem maldade. Ficamos observando ele se afastar rua abaixo até sumir na esquina. A gente não disse nada. Só ficamos ali, lado a lado, sentindo o peso sair do ar.
Quando virei pro Toni, os olhos dele estavam marejados.
— O que foi? Tá chorando? — perguntei, meio sem saber se sorria ou me preocupava.
— Você... tá apaixonado por mim?
Olhei bem fundo nos olhos dele.
— Você acha que eu tô chupando tua língua a semana inteira só porque não tenho mais nada pra fazer?
Ele riu entre lágrimas, e eu senti meu peito se encher.
— Vou entrar — disse, meio sem graça. — Amanhã... acho que não vou estar por aqui. Meus pais querem ir pra praia.
— Que pena... — respondi. — Então só segunda? A vontade era beijá-lo ali, no portão, de novo. Mas justo nessa hora dois vizinhos passaram conversando, e a gente disfarçou. Nos despedimos com um sorriso discreto, e ele seguiu pra casa.
No dia seguinte, passei o dia inteiro pensando nele. Pensando no que tínhamos, em tudo que ele me fazia sentir... e em tudo que ele fazia por mim.
E foi aí que tomei uma decisão.
Na próxima vez que estivéssemos juntos, eu ia retribuir. Ia fazê-lo gozar. Ia dar a ele tudo o que ele me dava — com a boca, com o toque, com o coração. Com o que fosse necessário.