Parte 36: “Cada Um Por Si, Você Por Mim e Mais Nada”
O anoitecer caiu sobre a cidade como um convite à elegância. A casa de Anna e Paul estava em festa, literalmente. O grupo inseparável já estava em movimento desde o início da tarde. Chris e Fabi, Cora e Giba haviam se arrumado ali mesmo, aproveitando os quartos de hóspedes e a estrutura generosa do enorme sobrado.
Chris, sempre fiel ao estilo sóbrio, optou por uma camisa de linho azul-marinho, com mangas dobradas até o cotovelo, combinando com uma calça de alfaiataria bege clara e mocassins discretos. Ao lado dele, Fabi esbanjava elegância em um vestido midi verde-esmeralda de tecido fluido, com decote nas costas e um rabo de cavalo alto que deixava o brinco de pedras à mostra.
Cora, rejuvenescida pelo perdão e pela trégua temporária concedida por Giba, surgiu com um vestido vinho, modelado no corpo, mas sem exageros, de manga três quartos e fenda lateral. Havia algo suave em sua presença, como se a culpa tivesse dado lugar à serenidade. Giba, fiel à sua simplicidade charmosa, apareceu com calça jeans escura, camisa branca bem passada e um blazer cinza que dava um ar mais formal à figura sempre discreta.
A decoração do salão era um espetáculo à parte. O pessoal do buffet caprichou nos mínimos detalhes. No salão principal, na verdade a grande sala da casa, arranjos de flores brancas e verdes adornavam as mesas de madeira clara. Pequenas velas em recipientes de vidro criavam um jogo de luz e sombra acolhedor. Cortinas de tecido leve davam movimento às janelas e uma mesa central exibia finger foods com apresentação refinada.
Na área da piscina, luzes pendiam como constelações sobre a água. Sofás baixos com almofadas, lanternas de chão e arranjos tropicais criavam um ambiente descontraído, perfeito para conversas mais íntimas. O bar, montado ao lado da varanda, já começava a funcionar com drinks leves e refrescantes, enquanto garçons circulavam atentos, sempre prontos para oferecer uma taça de espumante ou um canapé delicado.
O relógio marcava quinze para às dezenove horas quando o som da escada anunciou a entrada dos anfitriões. Anna e Paul desceram juntos, de mãos dadas, com sorrisos de cumplicidade.
Anna estava deslumbrante num vestido longo preto com fenda lateral, decote profundo nas costas e detalhes em renda. O cabelo loiro preso em um coque elegante, com alguns fios, propositalmente soltos, destacava seu rosto e os brincos dourados reluziam sob a luz morna da sala.
Paul não ficou atrás. De blazer preto e camisa branca sem gravata, calça de corte italiano e sapatos de couro escuro. Elegante na medida certa.
Os primeiros convidados começaram a chegar. Familiares mais próximos: o pai de Paul, sempre observador; um tio, os pais de Anna, calorosos e atentos à movimentação. Alguns outros parceiros de negócios mais próximos também. Cumprimentos, sorrisos, abraços e elogios à casa. O clima era leve, mas a expectativa pairava no ar.
E então, às dezenove e trinta, pontuais, Jonas e André atravessaram o portão principal. Jonas, sempre impecável, vestia um terno cinza-chumbo com gravata fina e sapatos de couro italianos. O cabelo bem alinhado, a barba feita. Mas os olhos? Frios. O sorriso, calculado. André, mais despojado, vestia blazer claro, camisa azul sem gravata e calça ajustada. Aquele ar descontraído demais que tentava suavizar a tensão que o próprio corpo atraía.
Anna, entretendo os pais e o sogro, viu a chegada deles. E embora seu sorriso tenha permanecido no rosto, uma fagulha de inquietação acendeu-se em seu olhar. A festa estava só começando.
{…}
Um pouco mais cedo:
Celo conferia o relógio no pulso enquanto ajustava a manga da camisa branca sob o blazer grafite. Estava impecável: cabelo recém cortado, barba alinhada, um leve brilho nos sapatos. Parou em frente ao espelho, conferindo os últimos detalhes. Faltava apenas o toque final.
Pegou o frasco de perfume sobre a cômoda e borrifou no pescoço com aquele cuidado que só os rituais íntimos carregam. Fechou os olhos por um instante, respirando fundo, como se a fragrância selasse o momento: ele não era mais um homem em pausa. Era um homem que, aos poucos, estava voltando a ser completo.
Com as chaves em mãos, desceu para a garagem e ligou o carro. O trajeto entre os dois bairros foi tranquilo. Poucos minutos separavam seu apartamento no centro da cidade e a casa onde a família que ele construiu, ainda vivia. O coração, no entanto, parecia marcar cada quilômetro com um passo mais acelerado.
Ao estacionar diante da casa, Celo já podia ver as luzes acesas na varanda. Desceu e foi até o portão. Antes mesmo de tocar o interfone, a porta se abriu. Mari surgiu com leveza, como se o próprio tempo tivesse desacelerado só para ela entrar em cena.
Usava um vestido longo de cetim azul-petróleo, justo na cintura e com alças finas que cruzavam nas costas nuas. A fenda lateral revelava parte da perna à medida que ela caminhava com seus saltos discretos, mas firmes. O cabelo solto caía em ondas sobre os ombros, e a maquiagem realçava o olhar — aquele olhar que sempre fora um lar para ele. Estava mais magra, em forma.
Celo ficou estático por um instante.
— Nossa … — Murmurou, num tom quase reverente. — Você está … deslumbrante, Mari.
Ela sorriu com timidez e provocação ao mesmo tempo.
— Você também não está nada mal, meu amor.
Os dois se olharam por alguns segundos. Era mais que atração. Era história. Era desejo, reconciliação, e uma saudade que não cabia inteira naquele portão.
— Vamos? — Perguntou ele, estendendo o braço.
Mari aceitou, se encaixando perfeitamente naquele simples gesto.
— Vamos. E, olha … se a festa for tão boa quanto esse olhar que você me deu agora … vai ser inesquecível.
Celo sorriu, apertando de leve o braço dela enquanto caminhavam juntos até o carro. O clima entre eles era de algo que recomeçava, não do zero, mas com tudo o que aprenderam, com as dores e as cicatrizes, e com a vontade clara de fazer dar certo.
Naquela noite, eles não estavam apenas indo a uma festa. Estavam voltando para o lugar de onde nunca deveriam ter saído: um ao lado do outro.
O carro deslizava pelas ruas tranquilas da noite, embalado por uma playlist suave, escolhida por Mari. Lá dentro, o silêncio era confortável, como um cobertor antigo que ainda aquecia. Celo dirigia com uma mão no volante e a outra entrelaçada aos dedos de Mari, que o observava de perfil, admirando o jeito como ele ainda conhecia cada rua, cada curva.
— Você tá quieta. — Ele disse, com um leve sorriso.
— Tô ... absorvendo. — Ela respondeu, olhando pela janela e depois voltando o olhar para ele. — Nunca pensei que voltar a me arrumar pra sair com você fosse me deixar tão nervosa.
— Nervosa? — Ele provocou, arqueando a sobrancelha.
— Nervosa, animada, borboletas no estômago ... Tudo junto.
Celo sorriu, apertando de leve a mão dela.
— Eu tô exatamente assim, também. Mas com uma certeza: não existe lugar melhor pra estar hoje do que ao seu lado.
Mari se aproximou e deu um beijo suave no rosto dele, antes de encostar a cabeça em seu ombro. E assim seguiram até a casa de Paul e Anna.
A fachada da casa já estava iluminada, com luzes âmbar e som ambiente preenchendo o ar com sofisticação. Celo estacionou com calma, desceu e correu até o lado de Mari para abrir a porta. Os dois seguiram de mãos dadas até o portão e foram recebidos por um dos seguranças que os conduziu até a entrada principal.
Quando cruzaram a porta, os olhares se voltaram para eles, e não por acaso. Mari estava radiante. Celo, firme ao seu lado. Juntos, formavam um casal impossível de ignorar. Fabi foi a primeira a avistar os dois e soltou um gritinho de empolgação, indo ao encontro da amiga.
— Até que enfim, chegaram! — Ela exclamou, puxando Mari para um abraço apertado.
Chris, Giba e Cora também se aproximaram, sorrindo com genuíno carinho. Cora, um passo atrás, não querendo ser invasiva. Anna e Paul, que estavam próximos à escada, trocaram um olhar cúmplice e vieram em seguida.
Anna abraçou Mari com ternura e apertou o ombro de Celo com firmeza.
— Que bom ver vocês aqui ... juntos.
Paul assentiu, com um sorriso aberto.
— É, agora sim a festa tá completa.
Mas nem todos compartilharam da mesma alegria. Jonas, do outro lado do salão, ao lado de André, observava os dois com olhos estreitos e o maxilar tenso. O copo de uísque em sua mão tremia sutilmente, apesar da expressão neutra que tentava manter.
Quando viu Mari entrelaçada a Celo, andando com elegância e tranquilidade, o sangue de Jonas ferveu. Ele tentou encontrar seus olhos, mas ela desviou com firmeza, voltando sua atenção para Fabi, que falava animadamente sobre a decoração da piscina.
Jonas virou o rosto para o lado, como se estivesse tentando digerir algo amargo.
Enquanto isso, Celo se aproximava de Paul com uma caixinha pequena, embrulhada com um laço discreto.
— Feliz aniversário, meu amigo. — Disse, lhe entregando o presente.
Paul abriu com cuidado e sorriu assim que viu o conteúdo: um relógio de pulso de edição limitada, com o mostrador clássico e gravações em aço escovado. Um modelo raro, de colecionador.
— Celo ... isso aqui é uma joia. Obrigado, de verdade.
— Sei que relógios significam mais que tempo para você. Você merece, Paul. Parabéns, cara.
Paul o abraçou brevemente, como quem reconhece mais do que o valor do presente, mas o valor da amizade.
Mais ao fundo, Jonas continuava observando, cada vez mais incomodado. A imagem de Celo e Mari juntos parecia lhe queimar os olhos. Aquela era uma noite de festa, sim. Mas para ele, começou a parecer uma derrota pessoal. E o pior ainda estava por vir.
Mesmo enquanto sorria para Paul, assistindo o amigo exibir animado o relógio raro para os demais convidados, Celo não deixou de perceber: o olhar invasivo de Jonas cortava o salão como uma lâmina. Não era apenas incômodo, era uma tentativa desesperada de marcar território, mesmo sem nenhum direito.
Celo respirou fundo. Não era o tipo de homem que buscava confusão gratuita, ainda mais na casa de Paul, em uma noite como aquela. Mas havia coisas que, simplesmente, não dava para ignorar. Com o canto dos olhos, girou sutilmente o corpo e deixou escapar um sorriso discreto, mas preciso, na direção de Jonas. O tipo de sorriso que dizia tudo, sem dizer nada: “Ela é minha".
Jonas sustentou o olhar. Não recuou. Mantinha o copo firme na mão, os olhos fixos, o peito apertado. Mas por dentro, o orgulho ruía. Celo então se virou para Mari. Pegou em sua mão com naturalidade, entrelaçando os dedos. E, só então, desviou o olhar de Jonas. Foi o suficiente.
Jonas apertou os lábios, virou o copo em um gole só e saiu do salão principal. Caminhou até a área externa e se jogou em uma das poltronas próximas à piscina. As luzes refletidas na água pareciam zombar da sua expressão carregada. Mais do que chateado, estava se sentindo usado.
Mari nunca tinha sido clara. Nunca disse, abertamente, que o que houve entre eles não passava de uma distração. Ela deixou pontas soltas, silêncios ambíguos, gestos ternos demais para serem apenas amizade. Ele, que segurou sua dor, acreditando que ela também estivesse quebrada, agora a via ali — inteira, linda, radiante — ao lado do homem que a abandonou.
Na cabeça de Jonas, Celo não era o herói da história. Era o cara que jogou tudo para o alto, que virou as costas para a família, que sumiu no momento mais difícil. E agora voltava, como se nada tivesse acontecido, recebendo de volta o amor e a lealdade de Mari. Enquanto ele … ele tinha ficado ali, juntando os cacos.
O uísque descia quente pela garganta, uma dose atrás da outra, mas não mais do que a ira misturada com decepção. Ele encostou o copo no joelho, girando o gelo dentro do líquido dourado, como se aquilo pudesse acalmar a tempestade que se formava em sua mente. Ela precisava dar uma explicação. Aquilo não podia ficar assim.
A noite avançava com leveza. A festa de Paul era um sucesso. Os convidados se espalhavam pelos dois ambientes — salão e área externa — formando pequenos grupinhos de conversa, gargalhadas, reencontros e trocas de elogios. A decoração impecável, o serviço atencioso do buffet e a trilha sonora envolvente davam à noite aquele ar de celebração elegante, mas com alma.
No jardim, Giba e o pai de Anna debatiam futebol como se o mundo dependesse daquilo. Anna circulava com uma taça de espumante na mão, certificando-se de que todos estivessem sendo bem servidos. Fabi dançava discretamente com Cora perto da piscina, felizes com a nova chance que a vida havia concedido à amiga.
As bandejas passavam com entradas refinadas: mini brusquetas, bolinhos de risoto com queijo, espetinhos de camarão ao molho de ervas. No bar, os coquetéis autorais disputavam espaço com os clássicos, e os garçons não deixavam uma taça vazia por muito tempo.
Celo conversava animado com o pai de Paul e Chris, rindo de histórias antigas que envolviam viagens, gafes e bastidores profissionais. Estava à vontade. Leve. Parecia novamente inteiro, senhor de si.
Foi nesse momento, justamente quando Celo se distraía, que Mari saiu discretamente para ir ao banheiro. Jonas viu. E como se algo em seu peito gritasse que aquela era a última chance, ele se moveu. Com o copo vazio em uma das mãos e o olhar determinado, seguiu Mari pelo corredor. Esperou até que ela estivesse sozinha o suficiente.
— Mari. — Ele a chamou.
Ela parou e se virou, surpresa. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele tocou de leve seu braço, o suficiente para segurá-la, sem agressividade, mas com firmeza.
— Jonas … — Ela disse, incomodada com o toque.
— Espera. Só me ouve, por favor. Não vai demorar.
Mari respirou fundo, mas não reagiu. Ele continuou, a voz um pouco trêmula, mas carregada de emoção:
— Eu sei que errei. Sei que te assustei. E não vou negar, eu me perdi. Mas … naquele dia no shopping, quando você falou comigo daquele jeito, quando não foi direta … você me deu esperança, Mari. Esperança de que ainda havia algo entre nós.
Mari tentou interromper, mas ele seguiu:
— Você não me cortou com clareza. Não disse “não”. E por mais que você estivesse distante, confusa, eu achei que era só uma fase. Achei que você precisava de tempo. Só isso.
— Jonas … — Mari começou, mais firme — … depois do que aconteceu no hotel, eu fiquei com medo. E não só de você, mas da situação. Achei que, se eu falasse um “não” direto de novo, te rejeitasse, você poderia surtar … como antes.
Jonas recuou meio passo, como se tivesse levado um tapa invisível.
— Eu não sou um homem mau, Mari. Eu me excedi, mas já pedi desculpas. Eu juro que nunca quis te machucar. Eu só … eu só achei que a gente tinha uma chance.
Ela o olhou com firmeza, os olhos agora cheios de verdade:
— Jonas … eu te peço desculpas se não fui clara o suficiente, antes. Mas agora eu serei. Eu amo o Celo. Sempre amei. Ele é o meu marido, o amor da minha vida. O que aconteceu entre a gente ... o tempo que passamos juntos, foi importante, sim. Me deu perspectiva, me fez enxergar coisas sobre mim mesma. Mas eu não posso, e nem quero, desistir do meu casamento ...
E completou de uma forma que seria difícil não entender:
— Ao mesmo tempo, eu tenho certeza de que você considerou a minha expressão como uma possibilidade, ou seja, você interpretou como lhe convinha.
O silêncio que seguiu foi denso. Mas alguém o cortou com perfeição.
— Tudo bem por aqui? — Era Fabi, parada atrás dos dois. A postura protetora.
Jonas respirou fundo, dominando-se e respondeu antes que Mari dissesse algo:
— Tudo ótimo.
Ele se virou para Mari uma última vez:
— Obrigado por finalmente ser honesta comigo. Adeus, Mari.
Jonas se afastou com o passo firme, o corpo tenso, sumindo de vista. Mari ficou parada por um instante, como se ainda absorvesse o momento. Fabi se aproximou devagar, analisando o semblante da amiga.
— Tudo bem mesmo, Mari?
Mari assentiu, exalando devagar, como quem se liberta de um peso antigo.
— Sim, amiga … agora está.
— O quanto você ouviu? — Mari perguntou, curiosa, mas sorrindo.
Fabi sorriu de volta:
— O suficiente. — E então, com um brilho de cumplicidade no olhar, perguntou: — Então é oficial? Você e o Celo estão juntos de novo?
Mari sorriu com o coração:
— Quase. Mas … acho que vai dar tudo certo.
Mari voltou devagar para junto de Celo, os passos leves, mas o coração ainda se ajeitando no peito. Ele estava encostado próximo ao balcão de bebidas, ainda rindo com o pai de Paul, envolvido em uma daquelas histórias de juventude que sempre rendem boas gargalhadas. Mas ao vê-la se aproximar, Celo percebeu de imediato o peso em seu olhar. Ele fez menção de perguntar, mas antes que a pergunta ganhasse voz, foi interrompido.
— O dono da festa pode pedir uma música?
Paul apareceu com um violão nas mãos, o sorriso largo no rosto, e já arrancando aplausos e gritos dos mais íntimos.
— Vamos, Celo. Só uma. Vai negar o pedido do aniversariante? — Chris também pediu.
Celo olhou de Paul para Mari. Ela entendeu o conflito no olhar dele, aquele misto de preocupação e dúvida. Então, sorriu com carinho, repousando a mão no peito do marido.
— Vai lá. Eu também tô com saudade de te ouvir tocando …
O incentivo bastou. Celo pegou o violão, ajeitou a alça no ombro, testou a afinação e sentou-se em um dos bancos da varanda. Enquanto os convidados iam se aproximando, criando uma meia-lua improvisada ao redor dele, ele lembrou do gosto musical de Paul, conversa que tiveram ainda lá na casa de praia, naquele fatídico feriadão. Nada daquilo importava mais. Tudo estava superado.
Anna abaixou o volume da música ambiente e tudo ficou em silêncio, apenas o som das cordas preenchia o ar. Celo começou com uma introdução saudosa. Os acordes de "Astronauta de Mármore", da banda Nenhum de Nós, tomaram a noite com suavidade e nostalgia. Paul adorava o rock nacional dos anos oitenta e noventa.
“A lua inteira agora é um manto negro
O fim das vozes no meu rádio
São quatro ciclos no escuro deserto do céu
Quero um machado pra quebrar o gelo
Quero acordar do sonho agora mesmo
Quero uma chance de tentar viver sem dor
Sempre estar lá
E ver ele voltar
Não era mais o mesmo
Mas estava em seu lugar
Sempre estar lá
E ver ele voltar
O tolo teme a noite
Como a noite vai temer o fogo
Vou chorar sem medo
Vou lembrar do tempo
De onde eu via o mundo azul”
As vozes dos que eram mais fãs se uniram à dele em sussurros emocionados. O momento era íntimo, intenso. Sem pausa, ele emendou com “Como Eu Quero”, do Kid Abelha, e a melodia carregada de saudade encheu o ar.
“Diz pra eu ficar muda faz cara de mistério
Tira essa bermuda que eu quero você sério
Tramas do sucesso mundo particular
Solos de guitarra não vão me conquistar
U! Eu quero você como eu quero
U! Eu quero você como eu quero
O que você precisa é de um retoque total
Vou transformar o seu rascunho em arte final
Agora não tem jeito "cê" tá numa cilada
É cada um por si, você por mim e mais nada”
Era como se Celo estivesse falando de si, de Mari, da história dos dois. Cada acorde, cada verso, era um pedaço não dito do amor que eles reconstruíam.
Ao terminar, aplausos sinceros ecoaram pelo jardim. Paul foi o primeiro a gritar “Bravo!”, seguido por Fabi, Chris, Anna, Giba, Cora, todos aplaudindo com empolgação. Todos, menos Jonas. Ele permaneceu encostado na mesma poltrona próxima à piscina, encarando a cena com o maxilar tenso e a expressão turva.
Celo devolveu o violão a Paul e caminhou direto até Mari. Ela esperava por ele perto da parede de luzes, e logo que chegou, ele a olhou nos olhos.
— O que aconteceu, antes? — Perguntou, baixo. — Preciso me preocupar?
Mari respirou fundo, mas com tranquilidade, e segurou as mãos dele.
— Jonas me abordou no corredor. Nada demais aconteceu, juro. Ele só queria uma explicação. E eu dei. Disse que te amo. Que estamos juntos novamente. E que não há espaço para mais ninguém.
Celo sorriu, os olhos firmes nos dela. Quando olhou por cima do ombro, viu novamente o olhar de Jonas, cravado neles como lâmina.
Aquilo bastou. Era preciso responder de forma definitiva, sem espaço para dúvidas. Celo puxou Mari pela cintura com segurança, encostou sua testa na dela e, ali mesmo, entre todos, a beijou. Um beijo calmo, firme, cheio de sentimento. Não era só demonstração. Era afirmação. Era amor posto à mostra. E se Jonas ainda não tinha entendido, agora era impossível não enxergar.
Mari sorriu contra os lábios de Celo.
— O que foi isso?
— Só ... deixando tudo bem claro. — Ele disse, com malícia. — Para todos.
Ela riu baixinho, apoiando a cabeça no ombro dele, enquanto o resto da festa retomava seu ritmo.
Jonas não os encarava mais. Estava com os olhos no chão, o copo vazio e o ego quebrado.
{…}
A festa seguia a todo vapor, mas por um instante, Cora ficou preocupada. Não via Giba há alguns minutos. Varreu o salão com os olhos, foi até a área da piscina, mas nada de encontrá-lo. Subiu as escadas, e ao passar em frente ao escritório de Paul, uma mão agarrou seus cabelos com força, a puxando para dentro do cômodo.
— Vem cá, piranha. Seu macho não aguenta mais esperar.
O escritório estava silencioso, exceto pelo som pesado da porta sendo fechada às pressas. Giba a puxou para dentro, seus olhos escuros brilhando com uma mistura de desejo e possessividade que ela conhecia bem. Sem dizer uma palavra, ele a empurrou contra a mesa, as mãos firmes em seus quadris, enquanto seus lábios encontravam o pescoço dela em um beijo quente e úmido.
— Que isso, amor … que delícia … — Ela sussurrou, mas ele não deu tempo para protestos.
Ele a virou para si, e sua boca cobriu a dela em um beijo profundo, roubando-lhe o fôlego. A língua dele explorou a dela com uma intensidade que fez suas pernas tremerem. As mãos de Giba deslizaram rapidamente para baixo, agarrando a saia do vestido e puxando-a para cima, expondo sua pele macia e quente. Ele não perdeu tempo, os dedos encontrando a calcinha, e a arrancando com um movimento rápido.
— Ainda não estamos bem, mas eu estou com saudade, sua vadia.
Cora gemeu, sentindo o calor do corpo dele pressionando o dela. As mãos dele eram firmes, dominadoras, e ela sabia que não havia escapatória. Não que ela quisesse. O desejo queimava dentro dela, tão intenso quanto o dele. Ela sentiu suas coxas se abrirem involuntariamente, convidando-o a entrar.
— Andou dando por aí, não foi? Agora eu vou te castigar, vagabunda.
O pau, já duro, pulsava de necessidade. Ele desabotoou as calças rapidamente, libertando o membro. A cabeça roçou na entrada da xoxota, e Cora arqueou as costas, um gemido escapando de seus lábios.
— Me castiga … bem gostoso … dei mesmo, e muito …
Ele pincelou a ponta do pau na buceta que se encharcava, fazendo-a estremecer.
— Você é puta demais … Por que mentir, fugir, tramar … você sabe que eu não ligo, e até gosto …
Cora não respondeu com palavras. Em vez disso, ela se virou, empinando bem o quadril para cima, segurando firme na rola e posicionando na entrada. Ela mesmo forçou o corpo para trás, sentindo a pica grossa do marido a preenchendo por completo.
Giba soltou um grunhido baixo, seus dedos apertando os quadris dela com mais força, começando a estocar com ritmo. Devagar no começo, sentindo como ela se ajustava ao seu tamanho.
— Vadia, piranha … safada, vagabunda … por que eu te amo tanto? — Ele resmungou gemendo, de olhos fechados, enquanto se afundava nela completamente.
Cora seguia o ritmo, rebolando, sentindo cada centímetro dele indo e voltando. Era uma sensação que ela adorava, sempre tão intensa, tão avassaladora. Aquele pau grosso que fazia sua buceta esticar completamente.
Giba aumentou o ritmo das estocadas. Cada empurrão mais forte que o último. Cada movimento fazendo Cora gemer mais alto.
— Não para … fode essa buceta … tá me rasgando …
As mãos de Cora agarravam a borda da mesa, os dedos brancos de tanto apertar. Ela sentia o calor dele em todo o corpo, o cheiro dele enchendo seus pulmões.
— Mais … mais forte … mete mais forte … — Ela pediu, com a voz trêmula pelo prazer.
Giba obedeceu, seus quadris batendo contra os dela com uma força que fazia a mesa tremer. O som de seus corpos se encontrando ecoava pelo escritório, um ritmo selvagem e primitivo.
As mãos de Giba subiram até os seios da esposa, apertando-os através do tecido do vestido. Ele puxou o decote para baixo, expondo os mamilos duros ao ar frio do escritório. Ele se curvou para baixo, prendendo um deles entre os dedos, beliscando mais forte. Cora gritou, suas unhas arranhando a madeira da mesa.
— Aí, amor … eu mereço … mais forte … — Ela gemeu, suas pernas, tremendo.
Ele sabia o que ela queria. Ele sempre sabia. Uma de suas mãos desceu até o clitóris, esfregando-o em círculos rápidos e precisos. Cora gritou novamente, seu corpo arqueando violentamente.
Ele continuou a foder com força, cada estocada levando-a mais perto do limite. Ela podia sentir o orgasmo se aproximando, uma onda de prazer que ameaçava engoli-la inteira. Giba parecia saber exatamente o que fazer, exatamente como movimentar o corpo dela para tirar o máximo de prazer possível.
— Vem pra mim, minha puta … goza pro seu macho … — Ele sussurrou em seu ouvido, a voz rouca, embargada pelo prazer.
Cora não conseguiu segurar mais. O orgasmo a atingiu como um tsunami, seu corpo tremendo violentamente enquanto ondas de prazer a varriam. Ela gritou seu nome, suas unhas cavando na pele dele.
— Giba, meu Giba … me desculpa …
Giba não parou, continuando a foder mesmo enquanto ela ainda tremia com o orgasmo. Ele sabia que estava perto também, podia sentir a tensão crescendo em seu corpo. Ele agarrou seus quadris com mais força, seus movimentos ficando mais erráticos.
— Piranha … vou te dar uma última chance, mas não me sacaneia de novo … — Ele gemeu, seu corpo enrijecendo antes de explodir dentro dela.
Ele enterrou o rosto em seu pescoço, seus dentes mordendo suavemente a pele enquanto o prazer o consumia.
Eles ficaram assim por um momento, ambos tremendo com os resquícios do orgasmo. Giba finalmente se afastou, seu pau ainda pulsando levemente. Ele olhou para Cora, seus olhos cheios de satisfação e possessividade.
— Você é minha puta, minha piranha. Eu decido para quem você pode dar. Estamos entendidos? — Ele exigiu.
— Sim, senhor. Tudo o que meu mestre mandar. — Ela prometeu.
{…}
A noite seguia em um ritmo envolvente, cada vez mais descontraído. A música agora era mais animada, com clássicos dançantes dos anos 80 e 90, misturados a sucessos atuais. Os convidados estavam espalhados pela casa e pela área da piscina, bebendo, rindo, tirando fotos, celebrando a vida de Paul e, de certa forma, celebrando também os reencontros e os recomeços que aquela noite proporcionava.
Os casais mais próximos — Fabi e Chris, Cora e Giba, Anna e Paul — dividiam a pista com outros amigos e familiares, brindando a cada rodada.
Mari e Celo estavam praticamente grudados. A cumplicidade entre os dois era natural, seja nas conversas baixas ao pé do ouvido, nos olhares cheios de história ou nas mãos sempre entrelaçadas.
Enquanto a leve embriaguez trazia mais risos aos rostos, Jonas afundava ainda mais no próprio copo. A dose de uísque parecia eterna em sua mão. Ele bebia sem parar, sem contar os goles, como se tentasse anestesiar algo que insistia em latejar por dentro.
André, sentado ao seu lado, já não tinha paciência.
— Bem-feito!
Jonas virou o rosto, os olhos semicerrados.
— Como é que é?
André deu um gole na própria bebida, apontando o copo para Mari e Celo, ainda juntos na varanda.
— Eu te avisei. Você foi se meter onde não devia. A prioridade sempre foi o projeto, não o coração. Agora fica aí, parecendo um babaca abandonado.
Jonas trincou o maxilar.
— Vai se foder, André.
Se levantou sem cerimônia, dando a volta pela lateral da casa, buscando um lugar onde pudesse respirar sem ser julgado. Entrou pela porta da cozinha, que dava acesso direto ao salão e encontrou Anna, sozinha, de costas, mexendo em um dos armários acima da bancada.
Ela procurava guardanapos extras, ou outra coisa, nada demais. Mas quando virou e deu de cara com Jonas, levou um leve susto.
— Ah, oi … — Ela disse, tentando soar natural, mas notando o cheiro forte de uísque que o cercava.
Jonas, com os olhos um pouco vermelhos e a língua já menos contida, soltou o que não devia:
— Você tá linda com esse vestido.
Ele fez uma pausa, mas logo continuou, com uma sinceridade que mais atrapalhava do que agradava:
— Paul é um homem de sorte. Você é uma das mulheres mais lindas que eu já vi.
Anna franziu levemente a testa. Não era um elogio ofensivo, mas o tom — a embriaguez, o contexto — fazia a frase soar atravessada. Ainda assim, ela manteve a compostura, sorrindo com polidez:
— Obrigada, Jonas.
E, como quem percebe que a situação não tem para onde evoluir, deu dois passos para o lado, fechando o armário com um toque suave.
— Vou levar isso lá fora.
Sem esperar resposta, saiu da cozinha com um andar firme, mas um leve desconforto no olhar. Não foi grave, mas foi estranho. E Anna sabia bem o suficiente quando algo merecia atenção.
Jonas voltou para a área da piscina, os passos um pouco menos firmes, o copo de uísque na mão como um escudo contra o próprio ego despedaçado. André ainda estava lá, sentado na mesma posição, com cara de poucos amigos. Quando viu Jonas se aproximar, soltou um suspiro carregado de impaciência.
— Chega, Jonas. Já deu. Eu vou embora. Já cumpri meu papel aqui. — Disse, esvaziando o copo com um gole só. — Compareci ao aniversário do nosso sócio, pronto. Acho melhor você vir comigo.
Jonas deu de ombros, virando o resto do uísque de uma vez e indo até o bar improvisado.
— A noite está só começando … — Ele respondeu, com um sorriso torto no rosto, enquanto pegava outra dose generosa.
André estreitou os olhos.
— Eu conheço esse olhar, cara. Já vi ele antes. Você vai fazer merda. Vem comigo, vamos embora, cara.
Mas Jonas já estava longe da razão, preso em sua bolha de frustração, vaidade ferida e álcool. Nem olhou para o amigo. Apenas ergueu o copo em um brinde vazio.
— Vai lá, André. Eu fico. Preciso aproveitar a festa, né?
André hesitou. Bufou. Quase foi. Mas conhecia bem demais aquele tom. E decidiu ficar. “Só mais um pouco. Só para vigiar esse idiota”. Pensou.
Por um tempo, tudo permaneceu estável. Celo e Mari dançavam próximos dos amigos, Paul conversava com familiares, Fabi e Chris brindavam com Anna, que parecia ter deixado a cena da cozinha para trás. O clima tinha voltado ao tom leve, com risos e cliques de celulares capturando o momento.
Até que, menos de uma hora depois, num dos raros momentos em que André precisou ir ao banheiro, a paz da noite explodiu em um trovão de vozes.
— Tá maluco?! Quem você pensa que eu sou?! — A voz de Anna cortou o som ambiente com tanta força que, em segundos, o salão inteiro parou.
O som do tapa se sobrepôs a qualquer outro. Todos se viraram ao mesmo tempo.
Anna estava saindo do corredor, entrando em sua sala, naquele momento, o salão da festa. O corpo ereto, os olhos em chamas. Diante dela, Jonas, com a bochecha avermelhada, ainda tocando o rosto recém-agredido.
— Nem que você fosse o último homem do mundo! — Ela gritou, com a voz embargada de raiva e nojo. — Eu sou liberal, sim. Todo mundo aqui sabe disso. Isso não é segredo.
Ela apontou o dedo para ele.
— Mas isso não te dá o direito de falar comigo dessa forma. De insinuar o que você insinuou. Eu sou mulher, Jonas. Não uma moeda de troca do seu ego ferido.
Um silêncio pesado caiu. Paul veio correndo. Giba, Chris e Celo logo atrás. Mari cobriu a boca com a mão, em choque. Fabi e Cora se aproximaram, prontas para conter qualquer reação.
Jonas tentou balbuciar algo, mas o constrangimento era total. Seus olhos giravam de um rosto a outro, percebendo a gravidade daquilo tudo. O estrago estava feito.
Paul, protetor, colocou-se entre Anna e Jonas. Mas antes de agir, com os olhos arregalados de raiva contida, perguntou:
— Anna ... o que tá acontecendo?
Anna virou-se para o marido, o rosto ainda queimando de indignação, o peito arfando.
— Esse desgraçado ... — Ela cuspiu as palavras. — ... chegou me abraçando por trás, beijando meu pescoço. Eu me assustei, achei que era você. Mas quando me virei, ele me olhou nos olhos e teve a cara de pau de dizer: “mulheres liberais são as melhores ... adoram uma safadeza”.
Paul ficou pálido por um segundo. E, no segundo seguinte, completamente vermelho. Foi como se algo explodisse dentro dele.
— SEU DESGRAÇADO!
Sem pensar duas vezes, Paul desferiu um soco violento no rosto de Jonas, com toda a força de seus punhos, o derrubando no chão com um impacto seco. Jonas nem teve tempo de reagir.
Celo e Chris correram para conter Paul, segurando-o pelos braços e pelo peito, enquanto ele ainda tentava se soltar, gritando com a voz rouca, carregada, cheia de fúria:
— EU VOU ACABAR COM ELE! ME SOLTA! ESSE LIXO! NA MINHA CASA?! A MINHA MULHER?!
Jonas permaneceu no chão, atordoado, com sangue escorrendo do canto da boca, tentando se erguer com dificuldade. André apareceu correndo do banheiro quando ouviu a gritaria. Ao ver o amigo estirado, ensanguentado e o salão inteiro paralisado, não soube onde enfiar a cara.
— O que ... o que aconteceu aqui?
Paul se desvencilhou com dificuldade de Celo e Chris, apontando o dedo tremendo para André.
— TIRA ESSE DESGRAÇADO DA MINHA CASA, ANDRÉ! AGORA! ANTES QUE EU O ARREBENTE INTEIRO!
André correu até Jonas, ainda zonzo no chão, e o ajudou a levantar, segurando-o pelos ombros. Jonas mal conseguia manter-se de pé. Anna permaneceu parada, imóvel, com os olhos marejados e o coração acelerado, sendo amparada por Fabi e Mari.
O silêncio que seguiu foi o mais pesado da noite. Só o som da respiração pesada de Paul preenchia o ambiente. Todos ali sabiam que a festa tinha acabado para Jonas.
Anna correu para Paul, o abraçando forte, tentando conter a tempestade que ainda rugia nos olhos do marido.
— Amor, fica calmo.
Ela falou próximo ao ouvido dele, firme, mas doce.
— Eu não sou uma donzela indefesa. Eu me defendi. Dei um tapa tão forte naquele canalha que a cara dele vai arder por uma semana.
Paul, ainda ofegante, acariciou o rosto da esposa, como se estivesse se certificando de que ela estava bem. Ele então respirou fundo, tentando controlar o ímpeto que ainda queimava no peito.
— Aqui é a nossa casa, amor... — Disse, com a voz pesada de dor — Isso nunca poderia acontecer. Aqui é onde você deveria estar totalmente segura.
Enquanto André saía, constrangido, arrastando Jonas, o clima ao redor começava a se acalmar, mas nem todos ali estavam prontos para retomar o fôlego.
Celo percebeu o desconforto em Mari. Ela estava calada, trêmula, com os braços cruzados sobre o próprio corpo. Os olhos fixos no nada, como se revivesse algo.
— O que foi, amor? — Celo perguntou, se aproximando, tocando levemente o ombro dela. — Você está bem? O que aconteceu?
Mari gaguejou, as palavras presas na garganta:
— Eu ... eu poderia ter evitado isso ... se tivesse sido mais enfática ... se não tivesse minimizado ...
Celo franziu a testa, sem entender. Ao redor, Anna, Fabi, Chris, Giba e Paul também voltaram os olhos para Mari, agora percebendo que algo muito sério estava prestes a ser dito.
Mari respirou fundo, os olhos marejando, e então soltou a verdade, com a coragem de quem não aguentava mais carregar o silêncio:
— Ele ... o Jonas ... já tentou fazer isso comigo também.
O choque foi instantâneo. O silêncio caiu de novo. O salão, que já estava mais vazio por conta da confusão, parecia congelado ao redor deles.
Celo recuou um passo, o rosto mudando completamente. Um misto de incredulidade e raiva cruzou seus olhos.
— O quê? — Ele disse, a voz seca.
Mari confirmou, as lágrimas agora descendo, mas sua voz mais firme.
— Foi logo depois daquele final de semana que os nossos filhos nos emboscaram na praia ... Eu fui até o hotel onde ele estava hospedado, com a intenção de acabar com tudo, com qualquer coisa que ainda estivesse pendente entre ele e eu.
Todos ali ouviam. Chris, Giba, Fabi, Anna, Paul. Todos. Mari continuou:
— Ele já estava bêbado, e ... ficou furioso com as fotos que viu no Instagram da Dani ... de nós dois juntos. Começou a dizer que eu o enganei, que estava brincando com ele e veio pra cima … tentou se forçar sobre mim.
Fabi levou as mãos à boca, horrorizada.
— Mas eu reagi … — Continuou Mari, erguendo o queixo com dignidade. — Acertei ele com tudo que tinha ... bem onde dói. E saí de lá. Eu deveria ter te contado, mas me envergonhei de ter deixado a coisa ir tão longe. Eu ... achei que tinha controle …
Celo estava transtornado. O punho cerrado, os olhos injetados em fúria, indignação e impotência. Ele tentou avançar, mas Chris e Giba o seguraram pelos braços. Paul se colocou à frente dele.
— Sei que não sou a melhor pessoa para dizer alguma coisa depois do que fiz, mas não vale a pena, irmão. Ele já foi. Não estrague sua noite por causa de um verme.
Mari então se aproximou e segurou o rosto de Celo com as duas mãos.
— Eu devia ter te contado. Me desculpa.
Os olhos dela suplicavam por compreensão. Celo, aos poucos, começou a se acalmar. Entendeu a confissão de Mari e sabia que o pior não aconteceu.
— Você devia. Mas agora ... a gente vai lidar com isso. Juntos.
Mari ainda segurava o rosto de Celo, tentando conter as lágrimas. Foi então que Anna e Fabi se aproximaram, a abraçando delicadamente, formando um escudo humano ao redor dela. Fabi a apertou com carinho.
— Você não está sozinha, amiga. Nunca esteve. E agora muito menos.
Anna segurou a mão de Mari, olhando fundo em seus olhos.
— Obrigada por ter contado. Doeu, mas é melhor do que o silêncio.
Mari respirou fundo, e com a voz embargada, completou:
— Eu contei pra Luciana. Ela queria que eu denunciasse, fizesse boletim de ocorrência, tudo. Mas eu não quis levar aquilo adiante. Na hora, só queria esquecer. Depois disso, nos encontramos de novo ... Digo, eu e o Jonas, mas com Luciana vigiando, em um shopping, lugar público. Achei que ia conseguir falar tudo o que precisava, colocar um ponto final, ser firme. Mas na hora que o vi, travei e não consegui ser direta. Mais assertiva.
Mari baixou o olhar, pensativa.
— Talvez por isso ele estivesse tão fora de si hoje.
Cora ficou visivelmente desconfortável. Baixou os olhos, pigarreou. E, para surpresa de todos, falou em voz baixa, mas firme:
— Eu estive com o Jonas.
Ela olhou para Giba, que a fuzilou com o olhar imediatamente.
— Talvez eu também tenha culpa nisso. Fui eu que contei pra ele ... que nós somos liberais.
Um silêncio desconfortável se espalhou. Até Fabi e Chris se entreolharam com espanto. Mas Anna foi rápida.
— Isso não importa. — Ela ergueu a voz. — Todos aqui sabem que somos liberais. Nunca escondemos nosso estilo de vida.
E completou, dura:
— Isso não dá o direito daquele canalha fazer o que fez. Nem comigo. Nem com a Mari. Ele é um predador.
Paul se aproximou de Anna. Ela olhou para ele, e com os olhos marejados, deixou escapar o que sempre guardou:
— Eu não gosto dele, amor. Nunca gostei. Mas me afastei porque não queria me meter nos seus negócios. — Ela engoliu seco. — Mas toda vez que olho para aquele desgraçado, sinto uma aura negra, algo ruim. Ele não é confiável.
Paul a abraçou forte, como se tentasse absorver a dor dela.
— São nossos negócios, amor.
Ele acariciou o cabelo da esposa.
— E sempre que sentir algo assim, desconforto, desconfiança ... é sua obrigação me dizer. Não precisa proteger nada de mim. Nem ninguém.
Naquele momento, Celo se aproximou, sério, mas calmo. Pousou a mão no ombro de Paul e disse com firmeza:
— Paul, acho que essa é a deixa que eu precisava. — O tom de voz era grave. — Tem algo que eu preciso te mostrar.
Paul o encarou com curiosidade e preocupação. Celo foi mais direto.
— Preciso de um computador. É melhor você ver com seus próprios olhos.
Paul assentiu, e o conduziu até o escritório no segundo andar. Assim que entraram, Celo fechou a porta, e Paul percebeu o ambiente um pouco bagunçado, seus papéis fora de ordem, mas vendo a urgência de Celo, apenas apontou para o computador na mesa. Celo acessou seu e-mail pessoal. Havia uma única mensagem de Diego, marcada com estrela: “Relatório de risco – Jonas & André (CONFIDENCIAL)”.
Celo clicou, baixou o arquivo e girou a tela para Paul.
— Meu filho vasculhou bases públicas e privadas de dados financeiros. O que ele encontrou é … bem estranho e preocupante.
Paul se aproximou, lendo na diagonal as páginas sumarizadas:
“• ESPANHA – 10 anos atrás
Jonas e André entram como investidores “estratégicos” numa franquia industrial recém-trazida ao país.
— Aportam capital, viram sócios minoritários.
— Em 24 meses, retiram quase todo o investimento via “taxa de consultoria” e “serviços intercompany”.
— Vendidos os 20 % de participação a preço 3× maior que o capital inicial.
— Um ano e meio depois da saída deles, a empresa entra em colapso por “decisões de gestão” que ninguém consegue atribuir a um responsável direto.
• POLÔNIA – 6 anos atrás
Repetem a fórmula numa joint venture de equipamentos agrícolas.
— Lucro pessoal multiplicado por 4× em pouco mais de 18 meses.
— Menos de dois anos após a venda da participação dos dois, a JV pede falência. Decisões estratégicas e administrativas que ninguém sabe de onde vieram, minaram o negócio.
• ITÁLIA – 3 anos atrás
Mesma dinâmica numa rede de cosméticos veganos.
— Enriquecem rapidamente durante a parceria, tirando todo o dinheiro investido, e saem antes do IPO local, vendendo suas ações para uma empresa offshore, com lucros substanciais.
— Um ano e meio depois, a rede fecha 70 % das lojas, afogada em dívidas. Decisões estratégicas mal elaboradas, controle de estoque inadequado e perdas substanciais de qualidade dos produtos, levam a empresa a uma falência inevitável”.
Celo rolou para a última página:
“• BRASIL – HOJE
Alvo atual: Health & Food Solutions (sociedade com Paul).
— Jonas e André aportaram capital menor que o divulgado; parte veio de offshores abertas logo antes da negociação.
— Projeção: Retiram “adiantamentos de pró-labore” desproporcionais desde o primeiro trimestre.
— Projeção: se venderem as quotas no pico, lucro pessoal de 3–4× em até dois anos.
— Projeção: Risco de solvência alto após a saída deles, seguindo o padrão europeu.
— Coincidência em três jurisdições diferentes? Estatisticamente ínfima”.
Paul recuou um passo, descrente.
— Isso é … um golpe?
— Legalmente, não há um crime explícito. — Disse Celo. — Eles entram, fazem a empresa crescer rápido, drenam valor de forma “contábil”, vendem caro e deixam o sócio segurando o passivo. Quando você percebe, tudo desanda, e eles já estão longe.
Paul passou a mão nos cabelos, o maxilar travado.
— Então você está dizendo que … essa parceria ... ainda nem começou e já tem veneno na semente?
Celo assentiu, sério.
— Exatamente. A empresa de vocês ainda não está operando, mas o modelo é o mesmo das três anteriores. Eles injetam capital inicial, criam um crescimento artificial, depois tiram o lucro cedo demais e saem. A bomba só explode depois.
Paul ficou em silêncio por um instante, respirando fundo. Então, se levantou, furioso:
— Eu não vou ser o quarto otário da lista.
— Ainda dá tempo de sair. — Reforçou Celo. — Eles só lucram quando pegam alguém com nome, reputação e capital para alavancar o negócio. Esse alguém, hoje, é você. Sem você, eles não têm nada.
Paul pensava rápido.
— Amanhã eu falo com meu jurídico. Vou começar a cavar essa trincheira.
Olhou para a porta, para o som da festa lá fora.
— Mas hoje … é melhor deixar isso só entre a gente. Não quero preocupar a Anna, ou nossos amigos.
Celo pousou a mão no ombro dele, solidário:
— E você não vai enfrentar isso sozinho.
Os dois se entreolharam em silêncio. Lá fora, a música ainda tocava. Os risos, os brindes, a celebração. Mas por dentro, os dois sabiam: aquela festa marcava não só o fim de uma ilusão, mas também o início de uma nova batalha.
Paul ainda estava digerindo o relatório quando Celo perguntou, direto:
— O CNPJ da empresa já saiu? Já tem licença, alvará, tudo isso?
Paul balançou a cabeça, frustrado.
— Ainda não. Tá tudo em processo final de avaliação. As licenças estão com o jurídico, o contador tá cuidando da papelada. Deve sair na próxima semana.
Celo pensou um pouco, e disse:
— Isso joga a seu favor. O negócio é legítimo, Paul. A ideia é boa, a estrutura é sólida. Só os jogadores que estão errados.
Paul soltou um suspiro pesado, passando a mão no rosto.
— Trocar de sócio nesse ponto ... você acha que dá tempo? É necessário, né? Se eu não quiser … ser o próximo otário.
— Dá sim. — Celo confirmou. — Não é tarde pra mudar os nomes no contrato antes de oficializar qualquer operação.
E olhou nos olhos do amigo.
— Se quiser, posso falar com alguém na Secretaria da Fazenda. Um conhecido meu. Ele pode travar esse processo por tempo suficiente pra você fazer os ajustes.
Paul ficou pensativo por um momento, depois respondeu:
— Um novo sócio eu até arrumo. Mas talvez ... talvez eu devesse tocar tudo sozinho. Com o Giba como sócio minoritário. A gente já tem histórico. Confiança. E ele merece.
Celo concordou, satisfeito com a direção da conversa.
— Seria uma escolha bem mais segura. E te daria total controle desde o início.
Paul, ainda inconformado, soltou:
— Mas não sei, Celo ... parte de mim acha que a gente devia ir mais fundo. Cavucar de verdade a vida desses dois. Denunciar mesmo.
Celo pensou um instante antes de responder.
— Eu entendo. Mas, por enquanto, não tem crime claro. Eles são espertos, Paul. Muito espertos. Sabem trabalhar no limite. E no que foi apurado até agora, não tem nada que configure fraude ou estelionato. Há padrão, coincidência suspeita … tudo muito estranho.
Celo continuou.
— Mas se você quiser ir adiante, investigar mais a fundo ... eu tô com você. Só não tenho os meios sozinho.
Paul apertou os lábios, respirou fundo e estendeu a mão.
— Obrigado, irmão. De verdade. Você me abriu os olhos.
Celo apertou a mão dele com firmeza.
— Vamos proteger o que é nosso. E manter esses dois longe de quem amamos.
Com isso, os dois saíram do escritório e voltaram à festa. Ainda havia abraços a dar, sorrisos para fingir — e um inimigo a ser vigiado.
No salão, a atmosfera já não era mais a mesma. Ainda havia música, mas os olhares estavam mais atentos, os sorrisos um pouco contidos. O episódio com Jonas havia deixado uma tensão flutuando no ar, ainda que não dita em voz alta.
Anna estava na área externa, sentada em uma das espreguiçadeiras. Tinha uma taça de vinho na mão e o olhar cansado, mas firme. Paul foi direto até ela, se abaixando ao seu lado e tocando seu rosto com ternura. Ela sorriu, exausta, e beijou sua mão.
— Está tudo resolvido? — Perguntou ela.
— Está começando a se resolver — Respondeu Paul, com uma serenidade que só quem encara de frente uma batalha consegue demonstrar.
Na pista improvisada entre a varanda e a piscina, alguns casais ainda dançavam. Chris e Fabi coladinhos, rindo de alguma piada interna. Giba e Cora estavam por perto, de mãos dadas, uma imagem que poucos esperavam ver novamente tão cedo. Havia um certo simbolismo reconfortante naquele grupo unido, tentando se reerguer.
Mari e Celo, por sua vez, também já estavam juntos, próximos ao buffet. Mari beliscava algo da mesa de doces enquanto Celo a observava com aquele olhar apaixonado que ele tentava disfarçar, mas que insistia em escapar. Quando ela percebeu o olhar, sorriu, e ele se aproximou por trás, sussurrando em seu ouvido:
— Quando isso aqui acabar, a gente ainda tem aquele plano, lembra?
Mari se virou para ele com um brilho nos olhos:
— Claro que lembro. E agora eu quero ainda mais.
Alguns convidados já começavam a se despedir. Os pais de Anna, discretos, foram os primeiros. O pai de Paul deu tapinhas no ombro do filho, orgulhoso da postura firme que ele manteve naquela noite turbulenta. Paul agradeceu e os acompanhou até a porta, mantendo a hospitalidade intacta.
Pouco a pouco, os poucos convidados que restavam começaram a se recolher. Os sorrisos voltaram a aparecer, ainda que tímidos. As garrafas de espumante já estavam quase vazias, e a equipe do buffet iniciava a arrumação final.
Celo olhou ao redor, depois para Paul e Anna, e disse:
— Apesar de tudo, vocês conseguiram. A festa foi ótima.
Paul respondeu com um sorriso curto, mas sincero:
— Às vezes, é no caos que a gente descobre quem realmente tá com a gente.
Anna completou:
— E quem a gente precisa tirar do caminho. De vez.
Celo e Mari concordaram com sorrisos. O clima ainda era de festa, mas o aprendizado daquela noite, ninguém mais esqueceria.
O salão estava quase vazio quando Anna se aproximou de Paul, os saltos finalmente nas mãos e não nos pés. Ela o abraçou pela cintura e disse com a voz suave, ainda embargada pelas emoções da noite:
— Apesar do final inimaginável, a sua surpresa ainda está de pé.
Paul a olhou curioso, mas ela apenas sorriu e lhe deu um selinho antes de sair com um ar misterioso.
Chris e Fabi, ao lado de Cora e Giba, se aproximaram para se despedir. Cora, mais serena, ainda segurava firme a mão do marido. Giba olhou para Paul e Anna com gratidão:
— Obrigado pelos dias aqui. Mas agora ... é hora de voltar para casa. E consertar o que é preciso.
Cora aproveitou aquele momento para encarar Mari e Celo com sinceridade:
— Eu sei que já pedi perdão, mas precisava dizer de novo. Agradeço por não virarem as costas pra mim. Eu sinto muito, de verdade.
Mari assentiu, com firmeza:
— A gente está colocando uma pedra nisso, Cora. Mas entenda ... é uma só. Não haverá outra chance.
Celo complementou:
— A confiança a gente reconstrói. Mas leva tempo. Cuida disso.
Cora apertou a mão de Giba com mais força, emocionada. Eles se despediram e saíram juntos, mais unidos do que chegaram.
Mari e Celo caminharam até Paul e Anna, trocando abraços apertados com o casal anfitrião. O cansaço era visível nos rostos de todos, mas o alívio também.
Foi Paul quem quebrou o silêncio, olhando para os dois com sinceridade:
— Fico muito feliz em ver vocês juntos de novo. Sei que o tempo passou, que tudo foi digerido, mas lá no fundo, ainda me sinto culpado por tudo o que aconteceu.
Mari olhou para ele, sem palavras. Mas Celo foi direto, como sempre:
— Todos tivemos nossa parcela de culpa, cara. Você não fez nada sozinho.
E então, inesperadamente, Celo soltou uma frase que fez Anna e Mari se entreolharem:
— Talvez ... aquele só tenha sido o momento errado. Foi apressado, sem muito cuidado. Quem sabe aquilo tenha acontecido para nos ensinar. Principalmente a mim. Talvez, no futuro ...
Mari arregalou os olhos, surpresa com a fala do marido. Anna, de imediato, levou a mão ao peito com um sorriso malicioso:
— Para de me provocar, homem … meu coração é frágil, você sabe. — Ela brincou.
Paul deu uma gargalhada curta, olhando de Celo para Anna e depois para Mari. Celo apenas piscou para os dois e, segurando firme a mão de Mari, concluiu com um sorriso leve:
— Vamos? Nossa noite está apenas começando.
Mari riu, meio sem acreditar, e o seguiu. O portão se fechou atrás deles. E a madrugada, enfim, pertencia só aos dois.
Continua …
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