A descoberta da masculinidade pode vir de diversas formas. Não há fórmula para como se descobre a sua, na verdade não há fórmula para o que é masculinidade. Acredito que ela seja múltipla, multifacetada e cheia de pormenores que nem mesmo eu que já sou adulto consigo entender. Há coisas sobre a minha masculinidade que eu ainda estou descobrindo.
Porém um fato é indiscutível: da maneira como nós homens somos criados hoje, uma parte grande da nossa masculinidade é pautada no sexo. Falamos de sexo, fazemos sexo, pensamos em sexo e, em determinados dias, parece que respiramos sexo. Têm dias nos quais o tesão não te deixa pensar, outros nos quais seu pau não te deixa em paz não importa quantas vezes você goze.
E algo engraçado no meio disso tudo é que ao mesmo tempo em que todo homem pensa sobre sexo o tempo todo, bate punheta regularmente e tenha reações físicas conhecidas por todos nós com o que quer que seja que o indivíduo sinta tesão, por mais que saibamos que todos nós queremos transar e que todos nós, na calada da noite, batemos uma punheta para aliviar o tesão, ainda assim tratamos sexo como tabu. Longe de mim dizer que rodinha de menino não fala de putaria. Fala sim. Mas é sempre em um tom de piada que, acho eu, esconde um medo de que aquela conversa despretensiosa crie intimidade. Sexo é intimidade, quer a gente queira ou não. Pode ser uma intimidade física, mental, emocional, mas em algum nível daquilo há uma intimidade. No caso daquela rodinha de amigos que fala putaria naquele momento de festa, ou que faz aquela piada de duplo sentido, cria-se uma intimidade verbal.
Hoje as coisas são diferentes para mim, mas lembro de quando eu era parte dessas rodinhas. Aquela piada clássica do “foi o que ela disse!” ou aquela glorificação do próprio pinto, às vezes até um compartilhamento de uma experiência sexual que vai criando ali um ambiente de intimidade verbal. Descobre-se que é legal falar de experiências vividas e sexuais. Quem já fez se sente orgulhos de contar vantagem, e quem não fez fica curioso para saber como é e, naquele momento, vive através das palavras do outro um tesão que ainda não lhe pertence.
Só que ali no meio cria-se um outro tipo de intimidade. Aquela não falada, um pouco mais velada que vem junto com a tensão sexual que o verbo cria. Transar, meter, chupar, foder, gozar, sentar, cavalgar, mamar, tudo isso vai criando naquela rodinha de intimidade verbal uma reação física que todo homem conhece bem. Ouvir seus amigos relatando experiências, mesmo que na zoeira, cria uma reação em cadeia no corpo de todos. Para alguns é aquele aperto ansioso na garganta por estar falando daquilo, para outros o conforto do calor no corpo, para outros o endurecer acontecendo ali no meio das calças.
Lembro até hoje de como foi compartilhar com um amigo, verbalmente, a experiência mútua da masturbação. Sentados num banco de frente para um lago, as casas dos nossos amigos atrás de nós, a noite quieta e só o som de conversa ao longe.
— Eu bato sempre.
— Também. Você vê pornô?
— Vejo. Lá em casa tem canal. Minha mãe não sabe que eu sei, mas eu vejo escondido de noite.
—Legal. Eu vejo no PC.
Mas eu, ao contrário do Pedro (nome fictício) não tinha o eletrônico no meu quarto, então tinha que esperar meus pais saírem de casa para bater uma punheta. Então acabava usando muito a imaginação quando não tinha acesso à tela.
Lembro até hoje do olhar dele e do meu se cruzando. Não dá para dizer que a menção do canal pornô vinha com uma segunda intenção, era a primeira mesmo. Mas enquanto falávamos das punhetas escondidas que batíamos em casa, acabamos compartilhando sobre o que nos dava tesão e o que queríamos experimentar e mesmo no breu da noite era óbvia a tensão sexual e o tesão. E vejam bem, a tensão não era porque queríamos fazer algo um com o outro ou porque nos desejávamos, era pura e simplesmente porque estávamos criando intimidade verbal e física. Física porque apesar de não nos tocarmos era óbvio que ambos estavam excitados. As mexidas de perna que a gente sabia que tentavam disfarçar o indisfarçável, as ajustadas no meio das pernas para direcionar o pênis para um lugar mais confortável, as passadas displicentes de mão na intenção de afagar o próprio ego e o tesão do momento.
Acho que naquele momento, saber que tinha outro cara ali sentindo as mesmas reações que eu, com os mesmos desejos que eu, que gozava como eu, sentia tesão como eu, criou uma relação de conforto. Num outro episódio, dessa vez com outros dois amigos, um deles comemorou que veríamos um filme sozinhos porque “nós homens nos entendemos melhor”. Não acho que essa declaração seja de todo positiva, mas também não é mentirosa. A criação de intimidade masculina é muito mais intensa entre os pares do que com os diferentes e com certeza tem algum estudioso que vai destrinchar isso muito melhor que eu. Mas a verdade é essa: a gente compartilha muito verbalmente e tem consciência de que compartilha muito mais fisicamente. A pergunta que fica é: o que fazer com isso?
Para muitos a resposta é nada. Fica ali nesse nível do verbal e do físico escondido. Para outros se dá em tom de brincadeira com aquelas pegadas despretensiosas que formam muito das relações masculinas. Uma zoeira fingindo que vai beijar, um tapinha de leve na bunda, brincar de luta, dormir amontoado na casa daquele amigo que recebeu todo mundo mas não tem espaço pra todo mundo.
Agora, há um terceiro grupo que é aquele no qual essa intimidade física se junta ao sexual não dito e se torna outra coisa. E veja bem, não falo aqui sobre sexualidade necessariamente. A junção dessas duas coisas não equaliza necessariamente na homossexualidade, apesar de poder ser esse o resultado. Nossa relação com o sexo é complicada justamente porque o desejo está ali, a curiosidade existe, mas agir sobre ela rotula. Outro aspecto da masculinidade é que ela, da maneira como é construída hoje, está atrelada ao afastamento das características consideradas femininas e se o gay é mais próximo do feminino então eu, homem, preciso me manter o mais longe dele possível. E intimidade física é associada com o gay e com o feminino, então é um problema.
Mas e se não fosse assim? E se eu não precisasse temer essa intimidade com medo de que ela me fizesse menos homem? E se eu só quisesse experimentar e criar intimidade com um cara que eu conheço, gosto e que me entende independente da minha sexualidade? Acho que essas são perguntas que esse terceiro grupo de pessoas se faz e que os leva para um outro caminho e para resultados surpreendentes. Foram as perguntas que eu me fiz e que me levam hoje a relatar as respostas aqui através das minhas experiências.
É importante dizer que sim, eu sou um homem gay. Mas nem todos os homens com os quais eu tive essas experiências são. Alguns se casaram com mulheres, outros têm filhos com elas, alguns nunca nem pensaram em questionar a própria sexualidade e está tudo bem. Apesar de achar que uma problematização é perfeitamente cabível aqui, não vou fazê-la. O que importa é que experimentamos juntos a pluralidade da sexualidade, do sexo, do prazer e das inúmeras punhetas, mãos amigas e fodas. Construímos uma parte da nossa masculinidade através do sexo. E é sobre isso que quero falar aqui. São essas experiências que quero compartilhar tanto para aliviar minha vontade de falar, quanto para aliviar o meu tesão e também para tornar verbal essa experiência para que possamos nós compartilhar dessa intimidade e da certeza de que enquanto eu escrevo e você lê, nossos corpos compartilham de uma série de reações que ambos sabemos quais são.