Os dias depois da conversa com a Lívia foram um nó na minha cabeça. Eu não parava de pensar no que ela disse, no jeito que ela falou do professor Eduardo, como se fosse tão simples. Mas pra mim era um abismo.
Cada vez que eu tentava estudar, minha mente fugia. O medo de reprovar, as broncas do Rafael, a ideia de... fazer o que a Lívia sugeriu. Será que eu conseguia? Será que eu queria?
Na semana passada, teve um teste de matemática. Estudei até meus olhos doerem, mas quando vi aquelas equações, meu cérebro travou. O professor Eduardo passou entregando as provas corrigidas, o terno azul-escuro abraçando os ombros largos, os óculos brilhando sob a luz da sala.
Quando ele colocou a minha prova na carteira, vi o 4,5 em vermelho. Meu coração afundou. Era pior do que eu imaginava. Guardei a prova na mochila, o rosto quente de vergonha, e não disse nada em casa. O Rafael já tava me olhando com desconfiança, como se sentisse que eu escondia algo. “Tá tudo bem Clara?”, ele perguntou uma noite, a voz grave me fazendo engolir seco. Eu só assenti, correndo pro quarto.
Na escola, a Lívia notou minha cara de enterro. Na cantina, entre o cheiro de coxinha e o barulho dos alunos, ela me puxou pra uma mesa de plástico. “Que foi, Clarinha? Tá com cara de quem viu um fantasma.” Eu suspirei, mostrando a prova amassada. “Tirei 4,5. Tô ferrada, Lívia. O Rafael vai me matar.” Ela riu, jogando o cabelo cacheado pro lado. “Já te falei, né? Para de se matar de estudar e faz o que eu disse. O professor Eduardo não resiste. É só dar um jeitinho.” Minha barriga deu um nó, mas ela continuou, o tom malicioso. “Sério, Clara. Alisa o ombro dele, roça o corpo quando passar por ele, dá um beijo no rosto. Ou, melhor, fala algo tipo ‘eu faria qualquer coisa pra melhorar minha nota’. Funciona comigo, vai funcionar com você.”
Eu queria dizer que não, que eu não era assim, mas a ideia ficou grudada na minha cabeça. Durante as aulas, comecei a reparar mais no professor Eduardo. O jeito que ele ajustava os óculos, a voz firme explicando, as mãos grandes segurando o marcador. Uma vez, ele me chamou pro quadro, e enquanto eu escrevia, atrapalhada, senti ele atrás de mim, o cheiro de colônia misturado com algo mais quente, masculino. Meu corpo formigou, e voltei pra carteira com as bochechas pegando fogo. Naquela noite, deitada na cama, o ventilador zumbindo, minha cabeça foi longe. Imaginei ele mais perto, as mãos dele no meu braço, o olhar sério me prendendo. Minha respiração ficou pesada, e um calor subiu entre minhas pernas. Tentei afastar o pensamento, mas ele voltava, mais forte.
Pior foi o sonho. Numa noite, sonhei que tava na sala de aula, só eu e ele. Eu alisava o ombro dele, o tecido do terno quente sob meus dedos. Ele me puxava, o corpo dele roçando no meu, a boca perto do meu pescoço. Acordei ofegante, a calcinha meladinha, o coração disparado. Fiquei olhando pro teto, com vergonha de mim mesma. Como eu podia pensar nisso? Mas o 4,5 tava me comendo viva. Eu não sabia o que fazer. Estudar mais? Impossível, eu já tava no limite. Pedir ajuda? O Rafael só ia me dar bronca. Colar era muito arriscado, Fazer o que a Lívia disse? Meu estômago embrulhava só de pensar, mas... e se fosse o único jeito? E se eu gostasse? A ideia me assustava e, ao mesmo tempo, fazia meu corpo esquentar.
Na sexta, tomei coragem. Passei o dia inteiro pensando se ia mesmo tentar. Na aula, mal conseguia prestar atenção, meus olhos grudados no professor Eduardo, na gravata frouxa, no jeito que ele mexia as mãos. Eu imaginava como seria alisar o ombro dele, dizer aquelas coisas. Meu coração batia tão rápido que eu achei que ia desmaiar. Depois da aula, enquanto os alunos saíam, fiquei na sala, a prova na mão. Ele tava arrumando os papéis na mesa, o terno meio aberto. “Professor, posso... tirar uma dúvida sobre o teste?” Minha voz saiu tremida, e ele levantou os olhos, o olhar sério me atravessando. “Claro, Clara.”
Eu me aproximei, a saia do uniforme parecendo curta demais. “É que... eu não entendi essa questão.” Ele pegou a prova, explicando com calma, apontando os erros. Então, engolindo seco, perguntei: “Professor, o que eu posso fazer pra melhorar minha nota?” Ele suspirou, ajustando os óculos. “Clara, você precisa estudar mais. Fazer os exercícios, revisar as aulas. Não tem atalho. Suas notas dependem do seu esforço.” A voz dele era firme, mas não grossa. Eu assenti, o rosto quente, mas a voz da Lívia ecoava na minha cabeça. Era agora ou nunca. Cheguei mais perto, roçando o braço no dele de leve, e alisei o ombro dele, o tecido quente sob meus dedos. “Professor, eu... eu faria qualquer coisa pra melhorar minha nota,” soltei, baixando os olhos, o coração na garganta, tentando imitar o jeito sedutor da Lívia.
O rosto dele mudou na hora, endureceu. “Clara, o que você tá insinuando?” A voz era fria, cortante. Eu congelei, o coração despencando. “N-nada, eu só...” Ele se afastou, os olhos estreitos. “Você acha que pode manipular suas notas com esse tipo de comportamento? Isso é inaceitável. Vamos pra diretoria. Agora.” Minhas pernas tremiam enquanto o seguia pelo corredor, o barulho dos meus tênis ecoando. Na diretoria, a dona Márcia, uma mulher de uns 50 anos, cabelo preso num coque, ouviu o professor Eduardo explicar que eu tinha tentado “seduzi-lo” pra melhorar a nota, mencionando minha fala e o toque no ombro. Minha garganta fechou. “Não foi isso, eu juro!” Mas a dona Márcia só balançou a cabeça, parabenizando o professor pela “conduta exemplar”. Depois, ela pegou o telefone. “Vou ligar pro seu responsável.”
“Não, por favor, não conta pro meu irmão!” Minha voz saiu desesperada, os olhos marejados. Mas ela já tava discando. O Rafael atendeu, e eu ouvi a voz grave dele do outro lado, mesmo sem entender as palavras. Quando ela desligou, disse que ele tava vindo. Eu queria sumir. O professor Eduardo saiu, sem me olhar, e a dona Márcia me mandou esperar na sala ao lado. Fiquei lá, as mãos suando, o coração na garganta. Por que com a Lívia funcionava e comigo não? O que eu fiz de errado?
Quando o Rafael chegou, eu soube antes de ver. O barulho dos passos pesados dele no corredor, a energia que parecia encher o ar. Fui correndo para o corredor, mas ele entrou na diretoria, o rosto fechado, a camisa social meio amassada de quem saiu correndo do trabalho. Não olhou pra mim. Falou com a dona Márcia por uns minutos, a porta entreaberta deixando escapar palavras como “vergonha” e “consequências”. Quando ele saiu, passou por mim como se eu fosse invisível, o maxilar travado. “Vamos,” foi tudo que disse, a voz baixa, perigosa. Eu o segui, o coração disparado, as pernas moles. Entramos no carro, ele no volante, eu no banco do passageiro. O silêncio era pior que qualquer grito. Ele não disse uma palavra, só dirigia, os nós dos dedos brancos de tanto apertar o volante. Eu olhava pela janela, o estômago embrulhado, o medo me engolindo. O que ele ia fazer comigo? O caminho pra casa nunca pareceu tão longo.