Ricardo já estava em Brasília há alguns dias, hospedado no apartamento dos filhos caçulas, Thiago e Mateus. A viagem vinha sendo um alívio — uma pausa necessária, uma chance de se reconectar com a família e fugir dos pensamentos inquietos que o perseguiam em São Paulo, especialmente os que envolviam Lucas. A conversa franca com os filhos sobre liberdade sexual ainda reverberava em sua mente. Aquela sinceridade oscilava entre provocação e revelação. Algo dentro dele havia sido tocado, ainda que ele não soubesse exatamente o quê.
Ele se sentia dividido: parte de si admirava a coragem dos filhos em viverem sem amarras; outra parte, mais enraizada, resistia, perdida entre o medo do julgamento e a confusão de seus próprios desejos. Era como se estivesse enxergando o mundo através de uma lente nova, mas sem saber ainda como focalizar.
Naquela noite, Ricardo saiu para encontrar velhos amigos — advogados, ex-colegas de faculdade, homens que o conheciam desde os tempos em que ele e Clara ainda eram um casal jovem e cheio de planos. A noite foi agradável: boas risadas, memórias reviradas, algumas cervejas. Mas ele voltou antes do previsto. A leve embriaguez não escondia o incômodo que crescia por dentro — uma saudade insistente de Clara e, misturado a ela, algo indefinido, quase inquietante.
Passava pouco das onze da noite quando ele girou a chave na porta do apartamento, esperando encontrar silêncio.
Mas o som que preencheu o ar era outro.
Assim que entrou, ouviu um ruído baixo, abafado, mas inconfundível: gemidos. Vinham do corredor — do quarto de Thiago. Ricardo parou, a mão ainda na maçaneta, o coração acelerando. Olhou ao redor e percebeu que a porta do quarto de Mateus, do outro lado do corredor, estava escancarada e o ambiente às escuras. Mateus não estava em casa. Thiago, ao que tudo indicava, sim — e não estava sozinho.
Ricardo fechou a porta de entrada com cuidado, tentando não fazer barulho, e seguiu em direção ao quarto de hóspedes. Mas, ao cruzar o corredor, os sons se tornaram mais nítidos, mais crus. Ele tentou ignorar, apressar os passos, focar na porta à sua frente. Mas então ouviu algo que o paralisou:
— “Mete mais forte porraaaa, vaiiiiii…”
A voz masculina, agora aveludada, entregue, veio clara, sem pudor, e atingiu Ricardo com a força de um choque. Ele parou. O corredor parecia mais estreito. A porta de Thiago estava entreaberta, uma fresta de luz morna vazando por ela. Ricardo não olhou — não ousou. Mas as palavras, o tom, o desejo… tudo se alojou fundo em sua mente, acionando algo que ele pensava estar sob controle.
A imagem de Lucas voltou com força: o corpo no banheiro, a porta entreaberta, o momento suspenso no ar. Ricardo sentiu o coração acelerar e um calor subir pelo corpo, uma mistura de espanto, culpa e uma excitação silenciosa — aquela que ele ainda não sabia como nomear. Sem pensar, apressou o passo até o quarto de hóspedes e fechou a porta atrás de si com mais força do que pretendia.
Deitado na cama, encarando o teto escuro, tentou encontrar refúgio no silêncio. Mas o silêncio estava dentro dele, e os sons do quarto vizinho ecoavam na memória. Não eram apenas gemidos — eram símbolos de algo maior: seus filhos viviam com uma liberdade que ele nunca ousou explorar. Uma vida onde o desejo não era negado nem disfarçado, apenas vivido.
E ali, no escuro, Ricardo se viu tomado por uma pergunta que ele vinha evitando: E se… eu me permitisse também?
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Enquanto isso, em São Paulo, Lucas mantinha sua rotina no home office. Trabalhava do pequeno apartamento onde morava, entre cafés mornos e documentos jurídicos. Sem Ricardo na cidade, os dias se tornaram mais monótonos, e o silêncio, mais denso. Mas nada apagava da memória o que havia acontecido semanas antes — aquela fração de segundo no banheiro, o olhar de Ricardo, a tensão que se instaurou no corredor.
Ele se perguntava, com frequência, se Ricardo ainda pensava nele. Se aquele momento havia deixado alguma marca — ou se tinha sido apenas um lapso, uma coincidência desconfortável. Por enquanto, ele se escondia atrás do trabalho, mantendo as emoções sob controle. Mas havia uma expectativa latente. Um desejo não dito.
E, sem saber, Lucas aguardava o retorno do chefe — enquanto Ricardo, em Brasília, se via cada vez mais perto de um ponto sem volta.