No trote do peão - 3

Um conto erótico de Hollister
Categoria: Gay
Contém 2283 palavras
Data: 22/07/2025 23:36:14
Assuntos: Fazenda, Gay, Romance

Nos dias seguintes, entre os passeios, tarefas da fazenda e os sorrisos falsos, o clima entre a gente ficou quase cômico de tão desconfortável.

Na segunda-feira, ele apareceu pra reunião com o capataz usando uma camisa apertada que mal disfarçava as marcas da unha daquela vadia. Sentei do outro lado da sala e fingi não ver. Ele também fingiu que eu não existia. Uma troca justa.

Na terça, estava sentado na varanda tomando sol e ele organizando a entrega do sal mineral pros bezerros. Ele me olhou, eu senti, mas não virei. Ele devolveu com um “obrigado” tão seco para o rapaz que o estava ajudando que poderia curar carne.

Na quarta, Rafael — sempre ele — inventou de fazer um churrasco improvisado à noite. Francisco chegou mais tarde, de boné abaixado, e evitou o fogo como se fosse metáfora. Conversou com os outros, riu até. Comigo, só um aceno rápido. Quando Rafael comentou que eu tava ficando bom em laçar boi, Francisco soltou um “depende do que ele tá tentando laçar” que fez metade da roda rir. A outra metade só se entreolhou.

Eu respondi com um sorriso torto.

— Tem gente que vive fugindo só porque tem medo de ser laçado — disse, olhando pro céu, como quem fala com as estrelas.

Ele se calou. Emburrado.

Na quinta, choveu. Um temporal daqueles que alagam tudo e transformam a terra em barro e os ânimos em lama. A energia caiu à noite. A maioria dormiu cedo. Eu fiquei na varanda, lendo com lanterna. Francisco passou por mim, parou, e depois de alguns segundos disse:

— Não sabia que gostava de ler … tá lendo o quê?

Olhei pra ele por cima do livro.

— Um cara que corre de si mesmo e quebra a cara.

Ele sorriu, sem graça.

— Parece uma leitura leve.

— É. Tem umas partes engraçadas, umas partes tristes… como a vida.

Ele assentiu e foi embora sem dizer mais nada.

Na sexta, ele voltou a me evitar como se nada tivesse acontecido. Mas eu já tinha entendido: Francisco era um carrossel emocional. E eu estava tonto.

Foi no sábado que a rotina pregou peça de novo.

Estávamos no campo, aprendendo a separar os bois novos. Eu montado num cavalo, ele a pé, coordenando a porteira. Estava tudo normal — ou tão normal quanto dava pra ser — até ele parar de repente, levar a mão à coxa e fazer uma careta.

— Ai, porra…

Desci do cavalo quase no impulso.

— De novo a dor na coxa que não estava doendo tanto? — perguntei, indo até ele.

— Pegou mal aqui na perna — ele respondeu, massageando o músculo como se fosse expulsar a dor no tapa.

— Você devia procurar um médico, sabia?

— E você devia parar de me olhar como se soubesse mais do que eu.

— Talvez eu saiba mesmo — retruquei, cruzando os braços.

Ele me encarou. Não bravo. Só… cansado. Como quem sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que se render ao próprio impulso.

— Só encosta ali na cerca — falei, apontando com a cabeça — que eu dou uma olhada. Vai que é o mesmo estiramento da última vez.

— Vai querer me curar com seu toque mágico agora?

— Não. Só quero evitar que você caia duro no meio do campo e eu tenha que te carregar de volta.

Ele deu uma risada curta. Mas foi a primeira vez na semana que vi um riso verdadeiro saindo dele.

— Tá. Mas sem gracinha — disse, caminhando devagar até a cerca.

Eu me aproximei, ajoelhei e comecei a apalpar a lateral da coxa dele com cuidado.

— Aqui?

— Mais pra cima. Isso. Aí.

O silêncio caiu de novo, denso. Só o som dos bois e o canto de um quero-quero ao longe.

Levantei o olhar. Ele também me olhava.

— Tá doendo ainda?

— Só um pouco — respondeu, baixo. — Mas passa.

Eu não sabia se ele estava falando da coxa ou de nós dois.

Mas, de algum jeito, aquele momento foi diferente. Menos defensivo. Mais… humano.

A tensão ainda estava ali, mas havia também um fio de algo novo, como se ele estivesse começando a aceitar que fugir de mim não resolvia nada. E que talvez, só talvez, ele não quisesse mais fugir.

A noite chegou como chegam todas por aqui: com o cheiro de terra fria e o silêncio quebrado apenas pelos grilos e pelas folhas que dançam ao vento. Eu e Francisco voltamos juntos da lida, lado a lado, mas sem trocar uma palavra depois daquela massagem improvisada na cerca. Os dedos ainda pareciam guardar a memória do toque, e a pele dele — mesmo por cima da calça jeans — ficou presente nas minhas mãos como se tivesse deixado um rastro de fogo.

Francisco parecia tenso. Eu também estava, mas tentei disfarçar. Fomos caminhando devagar, o barulho das nossas botas marcando o chão seco. Quando nos aproximamos da casa, Bárbara estava na varanda, com um copo de suco e os olhos atentos demais pra ser coincidência.

Ela observou, sem falar nada, enquanto a gente subia os três degraus de madeira. Francisco entrou primeiro, ainda em silêncio. Eu ia atrás quando ela tocou meu braço, com aquele jeito doce que só ela sabia ter.

— Vem aqui comigo um minuto? — ela perguntou, apontando com o queixo pra beira da varanda.

Assenti. Fomos até o canto, onde o luar iluminava o terreiro. Ela se encostou na madeira da cerca e deu um gole no suco, me olhando de canto, com aquele olhar de quem sabe mais do que diz.

— Tem alguma coisa rolando entre você e o meu irmão? — perguntou direta, sem rodeios.

Engoli seco. Tentei desviar os olhos, mas o jeito dela não deixava. Ela parecia mais velha naquele momento, como se fosse alguém que já tivesse vivido muita coisa.

— Não exatamente — respondi. — Mas... eu sinto um clima. Só que ele tem agido de um jeito estranho. Frio às vezes. Quente demais em outras. Não sei mais o que pensar.

Bárbara soltou um suspiro pesado e cruzou os braços.

— É, isso é bem a cara dele mesmo. O Francisco é complicado. Sempre foi. Nunca se apega a ninguém, e nunca o vi se envolvendo com algum homem. Nunca vi ele se envolver de verdade com ninguém. E se ele sentir que tá se apegando, ele corre. Não é por maldade, é só... defesa, talvez. Ele tem medo de sentir.

— Então você acha que é melhor eu não insistir ou tentar entender o que é isso?

Ela hesitou, pensativa.

— Olha, você é livre, e ele também. Mas... cuidado com seu coração. Porque o do meu irmão... bom, ele tem o coração mais teimoso que eu já conheci. Diferente do Rafael, por exemplo. Ele parece gostar de você. É mais fácil de entender.

Assenti, mesmo com a cabeça um turbilhão.

— Eu só não queria ficar aqui fingindo que nada tá acontecendo — falei. — Mas talvez seja o melhor.

— Só não se machuca, Sam. Você é bom demais pra entrar numa história torta.

Ela me deu um abraço apertado e me deixou ali, com o som do vento e o gosto agridoce da dúvida.

Já faziam quase duas semanas que eu estava ali e parecia uma eternidade, logo eu teria que voltar para a minha rotina. Os dias se arrastavam, as manhãs vinham geladas, as tardes abafadas, e os olhos de Francisco continuavam me seguindo quando ele achava que eu não estava olhando. Mas havia um muro entre nós. Invisível. E ao mesmo tempo, palpável.

Rafael veio nos visitar outras vezes. Sempre com um sorriso fácil, uma piada na ponta da língua e a tentativa sutil de me tirar do meu silêncio. A presença dele aliviava um pouco o peso que Francisco deixava no ar, mas não o bastante. Não pra mim.

Era sábado, o sol nasceu preguiçoso. Marlene havia saído com a Bárbara e o Diego, levando produtos para as lojas da cidade . A casa estava mais calma do que o normal. Eu terminava de colocar lenha no fogão quando Francisco apareceu na porta, suado e com a camisa colada ao corpo.

— A coxa tá doendo de novo — ele disse, meio seco, como quem faz uma reclamação pro vento.

Virei devagar, apoiando a mão na bancada.

— Ué... pensei que dor não fosse problema pra um peão como você — falei, tentando esconder o calor que subia no meu pescoço.

Ele arqueou uma sobrancelha, como se não esperasse a resposta.

— E eu pensei que você fosse bom de massagem. Pelo visto, me enganei.

Sorri de lado.

— Talvez você tenha se mexido demais depois da massagem.

Ele desviou o olhar, mas sorriu. Um sorriso tímido, que não combinava com o jeito seguro que ele sempre tinha.

— Tá ocupado agora?

— Tava só esperando você admitir que precisa de mim — respondi, pegando o pano e limpando as mãos.

Nos encaramos por uns segundos. Havia tensão, havia desejo, mas havia também um abismo de coisas não ditas.

— Na varanda dos fundos, daqui a pouco — ele disse. Seco como sempre.

— toma um banho e me espera sentado no sofá, ou vai continuar com dor — falei antes de sair da cozinha.

A sala estava mergulhada num silêncio raro. O som mais alto era o estalo da madeira sob o calor do sol da manhã filtrado pelas janelas. A casa estava vazia — completamente — e talvez fosse por isso que meu coração batia tão alto. Francisco se sentou no sofá com a perna esquerda esticada sobre uma almofada. A luz do dia tocava o rosto dele de um jeito suave, desenhando sombras no queixo por fazer. Estava mais calmo do que de costume, como se cansado de sustentar o peso da máscara que usava.

— Pode começar — disse, a voz rouca, quase preguiçosa.

Me ajoelhei no chão, posicionei as mãos sobre a coxa dele e comecei a trabalhar o músculo com cuidado. A tensão estava toda ali, como se ele concentrasse o mundo nas pernas. Os dedos se moviam com firmeza, mas no fundo, eu estava atento a cada suspiro, a cada pequeno movimento dele.

— Você sempre carrega tudo sozinho? — perguntei num tom casual, mas direto o bastante pra fazê-lo olhar pra mim.

— Carrego o que eu dou conta — respondeu. — O resto, eu finjo que não existe.

Silêncio.

A respiração dele começou a ficar mais lenta à medida que eu pressionava os pontos certos. A expressão antes fechada foi cedendo, e, por um momento, achei que ele fosse adormecer ali mesmo.

— Nunca pensei que você fosse faltar ao casamento do seu pai — soltei, quase sem pensar.

Ele abriu os olhos e ficou me encarando por alguns segundos. A boca se contraiu levemente antes de responder.

— Não tinha por que ir. Ele deixou claro que não se importa com os outros. Sempre foi assim.

Continuei a massagem, mas sem tirar os olhos do rosto dele.

— E a sua mãe?

Ele desviou o olhar. Por um instante, a mandíbula travou e os dedos dele apertaram o braço do sofá. Mas então, a voz saiu — mais baixa, mais verdadeira.

— Minha mãe morreu quando eu era muito pequeno, a Bárbara ia fazer um ano. Foi devagar. No silêncio. Ninguém percebeu que ela estava indo embora... nem ele. — A pausa que veio parecia um mergulho. — Ela odiava a cidade. O barulho, o luxo, o jeito como ele tratava tudo como posse, até ela. Mas nunca disse em voz alta. Só eu percebia. Ela amava esse lugar.

Meus dedos pararam por um instante. Ele notou, mas não pediu que eu continuasse. Era como se ele quisesse deixar a dor sair, nem que fosse em migalhas.

Voltei a pressionar a coxa, agora com mais leveza. Francisco não escondia mais a vulnerabilidade. Os olhos estavam úmidos, mas não choravam. A dor dele era seca, antiga, como rachadura de terra depois de uma estiagem longa demais.

— Às vezes eu tenho raiva dele — continuou. — Mas outras vezes... eu tenho raiva de mim por ter deixado ela sozinha ali. Eu sabia que ela tava morrendo aos poucos. E mesmo assim, eu não fiz nada. Fiquei só olhando.

— Você era só um filho, Francisco. Não dava pra salvar os dois.

Ele fechou os olhos. A respiração saiu pesada. A perna dele relaxou de vez sob minhas mãos.

— Por isso eu não quis ir ao casamento. Nem pra fingir que tava tudo bem. Não tava. Nunca esteve. E não pense que é algo com a sua mãe, pois não é.

Ficamos em silêncio. Eu sentia o calor do corpo dele, a respiração dele próxima demais da minha. O peso daquelas palavras ainda pairava entre nós como fumaça. Me inclinei, passando a mão devagar pela parte interna da coxa dele, não com desejo, mas com carinho. Um toque de alguém que escuta sem julgar.

Ele virou o rosto na minha direção e nossos olhos se encontraram. Não havia mais ironia ali. Nem máscara. Francisco estava cru, inteiro, e pela primeira vez desde que cheguei naquela fazenda, eu vi o homem por trás do peão.

— Obrigado — ele disse, quase num sussurro. — Por ouvir. Por... não fugir disso.

— Eu não corro fácil — respondi. — Principalmente de quem mais precisa que alguém fique.

Ele levantou a mão e tocou minha nuca com um gesto lento, hesitante, mas cheio de verdade. O toque dele me arrepiou. Eu me aproximei um pouco mais, até sentir a testa dele encostar na minha. Ficamos assim por um momento que pareceu longo demais pra ser só um acaso.

Mas, como sempre, ele foi o primeiro a se afastar.

— Eu preciso ir pro campo — murmurou, se levantando com alguma pressa, evitando me encarar por completo.

— Tá bom — falei baixo, engolindo a frustração.

E ele saiu.

Deixando pra trás não só o cheiro do suor e do sol, mas também um rastro de silêncio e sentimentos que eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele não conseguiria mais ignorar.

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Comentários

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Tô adorando esse conto, mas preciso de mais kkkkkk

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Francisco vale a pena mesmo? E o Rafael? O primeiro te trata mal e vc corre atrás, o segundo apaixonado e vc odesdenha. Porque a vida e assim!

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É DOBRAR FRANCISCO NÃO SERÁ FÁCIL MESMO. VALE A PENA?

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Aí que agonia desse menino kkkkk mas amando o conto. <3

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Hollister...

Tá a cada vez melhor, continua por favor, porque isso vai ter muita história pra render.

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