O relógio de pulso digital marcava 2:03 da manhã. A noite estava quente e a cidade ainda viva, povoada por aqueles seres noturnos que vibravam de alegria em mais uma noite de carnaval que se aproximava de seu fim. Por todo lado corpos suados e pouco vestidos se requebravam ao som de alguma caixa de som, o barulho das mais diversas músicas ecoavam no ar: a batida do funk entrecortava o gingado do pagode, o agudo do sertanejo pontuava os coros de que cantavam, bêbados, “não deixe o samba morrer...”.
Nos cantos mais escuros vultos indistinguíveis, fundiam dois ou mais corpos em celebração à vida, exalando sensualidade e enchendo o ar com cheiro de sexo. Os gemidos abafados – alguns nem tanto – excitava ainda mais os casais do entorno, criando quase uma atmosfera de competição entre os amantes que desejavam pra si o título de melhor gozo.
Alheio à toda a algazarra ao seu redor, sentada na calçada com uma garrafa de cerveja quente na mão e a cabeça apoiada nos joelhos, ela não conseguia pensar em outra coisa: filho da puta!
A cada vez que a cena lhe voltava à mente, sua vontade era de arremessar a garrafa contra o primeiro casal que passasse em sua frente. Era um ódio quase animal que não tinha explicação; fazia mais de 2 meses que haviam se separado, era natural que conhecessem outras pessoas, saíssem, beijassem, transassem.... não queria nem pensar nessa ideia, só de imaginar o corpo dele unido ao de outra pessoa era doloroso demais. Mas era normal, afinal o que fazem solteiros se não procurar outros pares, outros risos e outras camas?
Ainda assim aquela cena lhe doera e ainda lhe doía de forma atroz, ele sabia que ela estaria ali e fez de propósito. Encontrou a primeira loira que havia passado na sua frente e estava de mãos dadas... hunf! Loira! Imagine só, ele que sempre dissera não ver graça em branquelas, estava abraçado com um loirinha de olhos azuis.
O carnaval prometera muito: muitos beijos, muita música e muito sexo, mas depois daquele momento – o pior de tudo, logo no início do bloco – não havia mais clima para nada a não ser beber muitos litros de tudo que lhe ofereciam, vomitar e ser rude com todos os meninos que puxavam papo.
Estava um lixo: o all star sujo de barro e urina, acumulada em uma poça logo na saída de um dos banheiros químicos, a saia suja de vomito seco e o abadá rasgado na barra eram o perfeito retrato de uma mulher derrotada.
Os amigos foram embora, cada um com uma companhia, deixando-a sozinha, acompanhada apenas pela própria frustração: não consegui beijar uma boca hoje e ele com certeza está lá, gozando com aquela puta! Certeza que ela geme fininho, sentindo ele rasgar ela com força como ele gosta de fazer, enfiando aquele pau até o fundo e sentindo bater no útero...
Parou e respirou fundo, só de pensar em como ele gostava de meter já foi o suficiente para dar um arrepio.
Ergueu a cabeça e fitou a rua, os poucos foliões que ainda estavam espalhados já começavam a irem embora para curar a ressaca e voltar no dia seguinte para mais um dia de festa. Os gemidos também já rareavam e alguns poucos casais ainda comportados seguiam abraçados para suas casa ou algum quarto de motel, para finalizar a noite como covinha a um amor de carnaval.
Muitos provavelmente sequer se lembrariam do nome de seus amores, mas o gozo, com certeza, valia a pena.
Ela então se levantou com dificuldade apoiando as mãos nos joelhos e tentou ficar de pé, o mundo girou por alguns instantes e, antes de firmar, a vertigem fez subir um pouco da cerveja barata que havia ingerido desde a tarde.
Firme novamente, ela procurou o celular. Na tela, duas chamadas perdidas de um número desconhecido e um pix com uma mensagem de um remetente desconhecido: onde você está?
O caminho de paralelepípedo irregular era bem mais difícil do que fora na chegada e às vezes as pernas vacilavam, quase levando-a ao chão mais de uma vez. Duas quadras a diante encontrou um grupo de meninas parado e resolveu ficar por ali para aguardar o transporte, era tarde e havia poucos carros na rua, era melhor não dar bobeira ali, o centro não era daqueles locais mais tranquilos, especialmente para mulheres.
Enquanto aguardava um carro aceitar a corrida recebeu outro pix: você ainda está no carnaval? Podemos nos encontrar? Intrigada com a nova mensagem quase anônima, devolveu o mesmo 1 centavo: acho que você mandou mensagem para a pessoa errada.
Alguns instantes depois a resposta veio: não enviei não, ele que me pediu para falar com você. Te vimos no bloquinho... Ainda mais intrigada com a resposta da estranha: ele quem?
“Seu ex-namorado...” foi a mensagem curta em resposta. O seu coração deu um salto. Como assim eles a viram no carnaval, porque queriam encontrar com ela?
Em seguida outra mensagem: se você estiver aí ainda, podemos ir te buscar...
(Continua)