Capítulo 2 – A Legging e o Shorts
Os dias seguiam no mesmo compasso de sempre. Café da manhã com pão na torradeira e leite morno pra Isa, um beijo na testa de Nayra, outro no topo da cabeça de Isa, e a rotina recomeçava como um looping programado. Mas dentro do looping, algoritmos secretos estavam rodando.
Jeffi, estrategista em tempo integral, havia começado a execução da sua fase dois. Elogiar Nayra. Mas não com aqueles elogios preguiçosos de marido acomodado. Nada de "tá bonita" genérico ou "gostei do vestido". Agora era com precisão cirúrgica.
Na primeira semana, Nayra quase nem percebeu.
— Essa blusa marca tua cintura de um jeito bonito — disse ele numa manhã, sem levantar os olhos do café.
Ela olhou com uma expressão entre surpresa e desconforto.
— Sério? — disse, puxando a barra da blusa, tentando alisá-la.
— Ué, claro. Tu nunca percebeu como tu tem o corpo todo bem desenhado?
Ela riu, mas com uma pontinha de desconcerto. Não era comum ele falar assim. Não daquele jeito.
Nos dias seguintes, vieram mais frases soltas, deixadas como quem não quer nada.
— Teu quadril é muito bonito, Nay.
— Tu sabe que tem umas pernas que chamam atenção, né?
— Teu corpo é mais bonito do que tu imagina.
Nayra reagia sempre igual: desconversava, às vezes mandava ele parar, às vezes ria como se ele estivesse brincando. Mas havia algo novo no riso dela. Algo abafado. Um certo prazer involuntário, como quem ouve uma música proibida e mesmo assim deixa tocar um pouco mais.
Jeffi, claro, notava tudo. Ele não esperava que ela mudasse de roupa no dia seguinte. Não queria isso. Queria o que já estava acontecendo: um pequeno estranhamento dentro dela. Uma quebra sutil, quase imperceptível, entre o que ela acreditava sobre si mesma e o que começava a sentir.
Duas semanas depois, numa tarde comum de sexta-feira, Jeffi entrou em casa com uma sacolinha de loja na mão.
— Trouxe um presente — disse, largando a mochila no sofá.
Nayra, que dobrava roupas na mesa da sala, olhou curiosa.
— Que foi?
— Vê aí.
Ela abriu a sacola e o rosto congelou. Era um short jeans e uma legging preta. Uma curto. O outro justo.
— Jefferson… isso aqui é de adolescente! E esse outro deve marcar demais o corpo— disse, segurando o short com dois dedos como se fosse radioativo e olhando pra legging com estranheza.
— Que exagero. Eu vi na vitrine, pensei em ti.
— Isso é roupa de mulher devassa. Se eu espirrar com isso aqui, aparece metade da bunda.
Ele riu alto, aquele riso de quem não se abala.
— E qual o problema? Tu tem uma bunda linda. Seria quase criminoso esconder desse jeito pra sempre.
Ela atirou o short de volta na sacola, mas não com raiva. Com vergonha.
— Tu tá ficando maluco.
— Só experimenta — disse ele, se aproximando. — Não é pra sair na rua. Não é pra postar no Instagram. É só pra mim. Aqui em casa.
Ela hesitou. O rosto dela já estava corado. Não por raiva, mas pelo choque do gesto. Aquilo ia contra tudo o que aprendeu. Contra tudo o que sempre acreditou ser certo. Mas tinha algo ali… o jeito dele olhar, o tom leve, o cuidado… Era uma proposta, não uma exigência.
— Tá. Só pra tu ver como não combina comigo.
Entrou no quarto. Demorou. Jeffi sentou no sofá, esperou sem ansiedade. Quando a porta se abriu, Nayra surgiu com o short no corpo e uma camiseta branca básica por cima. Ela estava visivelmente desconfortável, segurando a barra da camisa como se quisesse se esconder atrás dela.
— Tá rindo, né? Eu pareço uma dessas moças que vendem cerveja em carro de som.
Jeffi arregalou os olhos. Ela estava linda. As pernas à mostra, o short justo no quadril, o contraste da roupa com a timidez no rosto dela criavam uma tensão quase poética.
— Nay… cê não tem noção do quanto tu tá bonita agora.
Ela deu uma risadinha, puxou a camiseta mais pra baixo.
— Eu tô me sentindo nua.
— Mas tá maravilhosa. Sério. Isso… exalta teu corpo de um jeito que tu mesma nunca viu.
Ela virou os olhos, fez um "aff" quase infantil. Mas, em vez de tirar o short imediatamente, ela foi até o espelho.
Ficou ali. Olhando.
Não se admirando. Não se exibindo.
Só tentando entender.
Puxou a barra do short pra baixo, girou o corpo pro lado, ajeitou o cabelo. Não disse nada. Mas o jeito como permaneceu em frente ao espelho… Jeffi viu. Ele sabia. Ela estava vendo o que ele via — e não estava odiando.
Depois de um tempo, Nayra saiu do quarto e foi trocar. Quando voltou à sala, trouxe o short dobrado com cuidado.
— Isso não é pra mim, Jeffi. Cê sabe.
— Tudo bem. Só queria ver — respondeu ele com um sorriso calmo.
Ela voltou pro quarto e guardou o short na gaveta dela. Não jogou no fundo. Não escondeu. Só… deixou lá. E isso já dizia tudo.
Voltando pra sala, Jeffi pediu que ela experimentasse a legging.
Agora amor, experimenta a legging, também quero ver como ela fica em você. Nayra hesitou, ela já tinha experimentado o shorts com muito custo, mas ele não ia perder a oportunidade de vê-la com a legging, mesmo que precisasse usar todo o poder de convencimento dele.
— Jeffi, isso é... sei lá, meio apelativo, né?
— Só vai saber se provar. Se odiar, nunca mais toco no assunto.
Ela hesitou novamente. Olhou pra peça como se fosse algo proibido. E ela, embora não assumisse nem pra si mesma, gostou quando Jeffi a olhou diferente. Não com desejo vulgar. Com admiração. Como se o corpo dela fosse algo que o mundo não merecia ver, mas ele, sim.
Então vestiu. Devagar.
A legging subiu como uma segunda pele. As curvas ficaram mais desenhadas, a bunda realçada, as coxas contornadas como escultura. Nayra se viu novamente no espelho… e parou.
— Não é possível que sou eu...
Ela girou de leve o quadril. O tecido respondia. A mulher do reflexo parecia outra. Uma versão dela mais... livre. Perigosa. Sexy.
Jeffi a observou. O olhar dele falou antes das palavras.
— Puta merda, Nayra...
Ela cruzou os braços instintivamente, constrangida.
— Para, Jeffi.
— Não. Nem pensar. Você tem ideia de como tá linda? É indecente o que essa legging faz com você. Ou melhor… o que você faz com ela.
Ela tentou rir, mas desviou o olhar. O elogio bateu direto. E pior: ela gostou. Mais do que deveria.
— É só roupa, Jeffi.
— Não é. Roupa nenhuma faria isso se você não tivesse esse corpo.
Nayra engoliu seco.
— Tá bom, já vi como fica. Vou tirar.
Então assim como o shorts, ela dobrou a legging e a colocou na gaveta, com.cuidado.
Naquela noite, não houve conversa sobre o assunto. Jantaram como sempre. Botaram Isa pra dormir. Viram um filme qualquer.
Mas Jeffi sabia que o jogo tinha mudado. Ela não rejeitou. O corpo reagiu. A mente ainda resistia, mas algo nela havia se deslocado, mesmo que por milímetros.
Mais tarde, enquanto Nayra escovava os dentes, ele a observava do batente da porta. Ela de costas, com a camisola simples de sempre, mas algo no jeito como ajeitava o cabelo, no modo como mantinha os ombros mais eretos… algo havia mudado.
Ela ainda achava errado. Mas agora, pela primeira vez, estava em conflito. Não era mais só convicção moral. Era dúvida. E a dúvida, Jeffi sabia, era o começo de qualquer liberdade.
Na cama, ela se deitou em silêncio. Ele também.
Ficaram de costas um pro outro por alguns minutos, o ventilador girando devagar.
Então ela disse, num tom que parecia um desabafo infantil:
— Eu gostei. Do jeito que ficou. Mas me senti… errada.
Jeffi não respondeu imediatamente. Se virou devagar, passou o braço por cima dela.
— Não é errado se sentir bonita, Nay.
Ela não retrucou. Só ficou quieta.
Na manhã seguinte, ela se vestiu como sempre: saia longa, blusa fechada. Mas quando abriu a gaveta, seus olhos pararam por um instante no short e na legging dobrados. E então fecharam, como se dissessem pra si mesma: “Não. Ainda não.”
Mas o que importava era o “ainda”.