Ficar ou não ficar?... - Parte 5

Um conto erótico de Paulinho (Por Mark da Nanda)
Categoria: Heterossexual
Contém 4134 palavras
Data: 22/07/2025 12:38:45

Não aguentei mais e chorei, abraçando ele de volta. Foram segundos de lágrimas e uma alegria imensa que me uniu de verdade a ele. Barnabé assistia a tudo em silêncio de dentro do jipe. Enxuguei as lágrimas, subi na condução e olhei uma última vez pro meu pai, acenando, pra nossa casa, pros morros donde vinha aquele cheirinho de café. Partimos, deixando pra trás Passa-Vinte, com suas lembranças e mistérios não ditos.

[CONTINUANDO]

Um ano passou rapidinho que só, numa piscadela de olhos, como se o tempo, esse tirano zombeteiro, tivesse pressa de me moldar à sua feição. Meus ombros se alargaram, meus braços ganharam tônus, minha pele moreneceu sob o sol escaldante de Goiás, mas tão quente que faz Passa-Vinte parecer uma sombra fresca. O trabalho na fazenda do Seu Barnabé era bruto: eu acordava antes do sol, tocava o gado, ajudava na ordenha e lá mesmo tomava uma talagada caprichada de uma branquinha, mas não essa que vocês estão pensando, de leite mesmo. Depois eu apartava bezerros, consertava cercas, vacinava o gado, curava os bernes e outras infestações, tocava o gado outra vez, tudo sob um calor que derretia até os pensamentos. Mas era bom. Ô se era. E melhor ainda pois, na vastidão do cerrado, no cheiro da terra seca, no mugido dos bois, tudo me acalmava a alma.

Seu Barnabé, com suas histórias de juventude e conselhos menos rudes que os do meu pai, mas tão sábios quanto, virou uma espécie de segundo pai, tanto que insistia que eu o chamasse de padrinho. Com ele aprendi a laçar, a negociar na feira de gado, arrematar lotes em leilões e, aos poucos, a deixar o coração descansar. Mas descanso, é uma palavra vã, uma promessa divagada, que o coração, esse traidor, parece desconhecer e insistir em não cumprir.

Eu mentiria se disse que a Emilinha não rondava mais os meus pensamentos, rondava, só que não com a dor aguda de outrora, mas com uma saudade agridoce, como o doce de leite com pimenta que Dona Genoveva fazia em Passa-Vinte. Nas poucas vezes em que conversei com o meu pai sobre ela, pouquíssimas, pois o meu pai fazia questão de não querer falar nela, soube que Seu Zé e Dona Clara foram atrás da Emilinha e a trouxeram para casa, debaixo de chicote. Dona Valdete precisou vir de Beagá e sabe-se lá o que disse, mas os convenceu a deixar a Emilinha voltar com ela. Então aqui, nas noites estreladas de Goiás, eu me perguntava se ela estava feliz, se o tal Leonardo, com seu jipe reluzente, tinha roubado seu coração, ou se tudo realmente não passava de um mal-entendido, como Dona Clara jurava. Só quem já amou sabe que o coração é um arquivo teimoso, que guarda o que a mente jura que apagou e o ciúme, esse bicho danado, esse parece não fazer questão de esquecer nunca.

Bom é que aqui eu era notado. As moças da região, vendo o menino-moço-homem lá das Minas Gerais que Seu Barnabé tratava como filho, começaram a se engraçar para o meu lado. Na missa, na venda do Seu Manoel, na feira agropecuária, nos rodeios, nos leilões, os olhares de várias delas me perseguiam, com sorrisos tímidos e cumprimentos que escondiam segundas intenções. Mas meu coração, ferido pela varanda de Emilinha, se fechava como porta de curral. Além disso, o próprio Barnabé me dizia para eu ter calma que logo ele me arrumava um casório nos “trinques”:

- Nos “trinques”?...

- Isso! Conhece umas família boa aqui na região. Tem o Quincas do Recanto Sossego Novo que tem uma filha que ó! – Beliscava a orelha com a ponta dos dedos: - Só tu vendo...

- Mas eu... Casamento arranjado?

- Arranjado!? Nada disso, seu moço. Eu só quero te apresentar as melhores e mais belas moças da região. Se elas trazem um bom dote, isso já é uma vantagem a mais.

Aliás, falando de Barnabé, foi o próprio, com seus quase setenta anos e um brilho malicioso no olhar, que resolveu me “iniciar” na vida. No início, eu não consegui entender o que ele queria dizer, mas logo eu entenderia. Foi assim que, numa noite quente, ele me levou a uma tal “Casa de Tolerância”. Eu, na minha inocência de roceiro, pensei que era algum lugar pra aprender a perdoar, tolerar o mal que os outros nos fizeram, talvez com um padre ou um médico de cabeça, mas quando vi a luz vermelha no alpendre de uma casa grande, com altas modas de viola e risadas mais altas ainda, aprendi um segundo significado para tolerância:

- Isso tá mais parecendo um puteiro... - Resmunguei, enquanto Seu Barnabé estacionava o jipe.

- É!? E tu lá conhece puteiro, garoto? - Ele riu, com aquele riso torto que fazia os olhos brilharem.

- É um puteiro, não é? Cê me trouxe para uma zona, Barnabé!?

- Como é que é!?

- Padinho! Padinho Barnabé...

Seu Barnabé deu uma risada, um tapa em minha coxa e disse:

- E que que tem demais, menino? Vamo lá tomá uma branquinha e ver umas mocinha cheias de amor pra dar, sô. Se Deus fez algo melhor que isso, deixou para ele lá em cima!

Entramos e logo percebi que Seu Barnabé era figurinha carimbada ali. Pelo menos dez moças o cumprimentaram, com risos, beijinhos e cafunés, enquanto seguíamos pra uma mesa que parecia estar ali somente para ele, bem localizada ao lado de um palco. Até a dona da casa, Madame Cícera, veio prosear com ele, como se fossem velhos compadres e ele se levantou para cumprimenta-la com todo o respeito e admiração, chamando-me a fazer o mesmo. Depois, ficamos só eu e ele, conversando, isso quando uma moça não se achegava nele ou em mim, afinal, era a primeira vez que eu vinha ali.

Eu estava ressabiado, lógico! Era um olho na minha cachaça e outro na porta de saída. Só que o calor da bebida e as risadas das moças foram me soltando, como se o próprio desejo viesse engarrafado para ser servido aos comensais. Foi então que ela apareceu: Vivi, uma loirinha de olhos azuis, com um sorriso que prometia o paraíso, mas cujos olhos cansados revelavam uma alma já marcada pela vida. Ela se sentou ao meu lado, gentil, oferecendo uma tubaína que bebia e me afeiçoei a ela:

- Viviane? - Perguntei, tentando acertar o nome, com a cachaça já turvando a cabeça.

- Hã-hã! – Ela negou, balançando a cabeça com um charme calculado.

- Vitória?

- Não.

- Vilma?

- Nem.

- Mas então, é o quê? – Perguntei, sem outras opções.

Ela deu uma risada graciosa da minha inquietação e respondeu:

- Só Vivi, Paulinho. Só Vivi...

A conversa ficou mais animada, logo, as mãos dela passeavam pelo meu rosto e seus elogios a minha pessoa começaram a me fazer sentir mais leve. Não sei nem como aconteceu, mas quando vi, ela já me puxava pela mão para sair da mesa. Fomos ao salão e dançamos umas duas modas sertanejas, arrastando o pé ao ponto da bota fazer poeira subir. Depois, ela me levou pro segundo andar, pra um quarto onde a luz fraca tremelicava nas paredes, como se zombasse do meu medo. Sentou-me na beira da cama, com lençóis limpos que ao mesmo tempo cheiravam a um tipo de solidão, daquelas que só se encontra em lugares cheios de gente. Então, à minha frente, despiu-se com uma lentidão que era quase um lamento, uma tortura, uma deliciosa tortura. Nu, que visão! Sua pele, branca como a pétala de uma rosa, reluzia à luz daquele lugar, e a sua púbis, depilada, brilhava como um lembrete de onde o desejo e a carne se confrontam com a fragilidade da alma. Fiquei boquiaberto, os olhos arregalados, e ela, mesmo tão jovem, mas já tão vivida nas artes da messalinagem, entendeu tudo:

- Você... Você nunca, Paulinho!? - Perguntou, com um sorriso que misturava malícia e uma ternura inesperada, como se, por um instante, ela tivesse visto que eu não passava de um moleque, comprido e forte sim, mas um moleque.

Não respondi. Falar a verdade para vocês, nem ouvi direito sua pergunta, mas acho que foi essa. Eu estava preso à visão daquele corpo, um altar de carne e intenções, belo e já tão usado, como aqueles mesmos lençóis sobre onde eu repousava minha inexperiência. Vivi, percebendo minha hesitação, decidiu ser carinhosa. Nua, sentou-se no meu colo e ali vi a flor mais linda se desabrochar quando ela veio se sentar de frente para mim. Ela teve que levantar minha cabeça para conseguir me beijar a boca e que beijo! Ali ela não era uma profissional da noite, mas uma mulher que, por um momento, já sonhou com o amor. Seus lábios, quentes e macios, tinham o gosto doce da tubaína e de satisfação por ser a primeira, e eu, tolo, ou esperto demais, me deixei levar, com o coração batendo, dividido entre o desejo e a culpa ensinado pelo Padre Cláudio. Ela despiu-me com mãos que pareciam conhecer o mapa da vida: a camisa, o sapato, as meias, a calça, a cueca... E quando esta caiu, revelou o que as más línguas de Passa-Vinte chamavam a torto e direito de “dom” dos Sandoval Silva, um pedaço de carne com quase vinte por cinco centímetros, duro como o orgulho de um matuto, com veias que pareciam raízes de maçaranduba e uma cabeça arroxeada que mais parecia um pêssego.

Vivi, que agora estava ajoelhada diante de mim, não orava, como cheguei a pensar num momento de tolice, mas se fosse essa a intenção, ela me procurava como a um microfone para poder entoar cânticos que de divinos, tinham nada. Seus lábios, quentes e úmidos, envolveram meu sexo num ritual profano, uma ode à carne que Augusto dos Anjos teria adorado cantar com versos de extremos, misturando lama ao brilho das estrelas. Perdoe-me a crueza, mas ali, naquela alcova fétida, senti o mundo se dissolver. Ela lambia, beijava, sugava, mordiscava, e meu membro reagia, e brilhava à luz fraca, como se lustrado pela mão do destino com óleo de peroba. Mas a primeira vez de um homem, é um campo de batalha inglório, onde a alma se perde fácil, pois, quando a língua dela roçou pela décima vez a cabeça sensível do meu sexo, explodi como uma fonte. Dez espasmos, dez, uma verdadeira torrente branca voou e banhou seu rosto, e eu, atordoado, desesperado por perder o controle, balbuciava:

- Des-Desculpa-AHHHHHH!

Não sei qual foi a reação dela, porque já na segunda golfada, eu tombei, mas quando tudo parecia terminado, olhei para Vivi e a vi com uma cara surpresa, limpando o rosto com um sorriso que misturava graça e melancolia:

- Desculpa!? Eu é que te agradeço, Paulinho! Vou só ali lavar o rosto e já volto. Não sai daqui que a noite só começou...

“Só começou”!? Eu não sabia nem se teria continuação depois do meu vexame. Ela voltou foi rápido e voltou mais rápido ainda. Subiu na cama, passando por sobre mim, praticamente esfregando sua buceta em minha cara, e me chamou pra deitar ao seu lado. Fui, subindo aos beijos naquele corpo delicado, até alcançar sua boca e ali ficamos aos beijos, com um ardor que era ao mesmo tempo encontro e despedida, e meu corpo, esse verme faminto, já queria outra vez. Vivi, ao notar o meu estado, com um gesto rápido, vestiu-me com uma camisinha e subiu em mim:

- Vou por cima por enquanto, tá? Deixa eu domar essa, alazão...

Moços e moças... Senhores e senhoras... Nu! Coisa louca... Ela se deixou penetrar e o seu suspiro, verdadeiro ou fingido, ecoou como música pros meus ouvidos. Mistério é o corpo humano, que se entrega ao gozo enquanto a alma geme! Vivi movia-se com maestria e eu, preso àquela dança, me peguei pensando nela de uma outra forma: “Será que é amor ou apenas a carne traindo o coração?” Ela, com os olhos semicerrados, murmurou:

- Vi-cenza... Meu nome... é... Vicenza...

- E eu sou Paulo Souza Sandoval Silva. Prazer! - Respondi, meio sem jeito, como se a formalidade pudesse salvar minha reputação, algo que, com certeza, ela pouco se importava naquele momento.

- Sim! Tô sentindo... muito... Ai! Prazer! AHHHHHHHHH! - Ela gritou, tremendo todo o seu corpo sobre mim.

Eu nunca tinha visto aquilo, mas, para mim, era pura poesia, era um negócio que parecia querer rasgar a carne para expor a alma. Pouco depois, ela caiu sobre o meu peito, arfando, e eu, possuído por uma entidade desconhecida até então, virei-nos sobre a cama, passando a estocar com uma força que misturava desejo e raiva, como se quisesse vingar nela todo o ciúme que Emilinha deixou. Vivi gemia, gritava, berrava como se estivesse morrendo, alucinada de prazer. A porta do quarto foi aberta de repente revelando Madame Cícera, com um porrete na mão, acompanhada de outros dois capangas que estavam na portaria daquele maldito estabelecimento: João Pequeno e Pedro Pé Grande. Acho que eles entraram achando que eu matava a moça, mas a própria Madame Cícera, ao ver a explicitude da cena que se desenrolava e a forma como sua pupila rebolava desesperada sob mim, riu:

- O moço só é bão demais, meninas! Deve de ter puxado a Barnabé...

Eles se desculparam e saíram. Olhei para Vivi que me pedia para voltar a toma-la e foi o que fiz. A foda seguiu, com Vivi gozando outra vez, e eu, depois de umas tantas estocadas, acabei urrando alto como o Máscara da Morte, o boi brabo da fazenda do Seu Barnabé, explodindo em oito espasmos, preso à camisinha que empacotava o leite dos Sandoval Silva. Isso até me preocupou, afinal, eu já perdia 20% do meu rendimento. Quando saí de cima da Vivi, ela tremia e esfregava as pernas uma na outra, respirando descompassadamente. Depois se virou e apoiou a cabeça sobre o meu peito, e um tiquim depois, me encarou com um olhar que, por um instante, parecia ter encontrado algo além de uma simples transa:

- Paulinho!? Benza Deus, moço? Que Ele te guarde e conserve sempre assim...

- Amém! – Respondi, sorrindo, e, ousando, agora com os olhos fechados de uma timidez que não parecia querer me deixar: - Cê não queria rezar mais um pouquinho no meu microfone? Sei lá... talvez cantar algum hino diferente...

Ela deu uma gargalhada gostosa, moleca mesmo e disse:

- Só se for agora...

Deu-me então um tapa no peito e lá se foi entoar cantigas de Bocage, que ecoavam a danação da carne. Foram momentos mágicos até que ela falou no alto de sua indignação maliciosa:

- Num acredito! Já tá duro de novo... Como pode?

Pedi pra fazer “igual os cachorrinhos” e ela, de quatro, empinou a bunda na minha direção, com uma piscada indiscreta que me fez tremer. Picasso não pintaria uma obra mais bela. Não, senhor! Eu já me sentia “da casa” e passei a esfregar o meu pau de baixo para cima e de cima para baixo, sentindo aquele calor dela me aquecer ainda mais e o mais bonito é que quando eu passava lá pelas bandas de cima, um olho mágico piscava alegre para mim, malicioso, como se quisesse me conquistar. Quando tentei pressionar o meu menino naquele logradouro, ela protestou:

- Aí não! Nã-na-ni-na-não!

- Uai, mas por que não?

- Hoje não, querido. Você não é um homem apenas, é o homem, e é maior do que eu esperava. Eu só me preparei pra esse desafio. – Ela mesma já foi direcionando o meu pau para a sua buceta, encaixando a cabeça: - Só na minha menininha hoje, e te prometo que, da próxima, deixo você se esbaldar no meu buraquinho.

Respeitei, porque um homem, mesmo na danação, não força o que não é dado. Forcei passagem então, e ela, apertada, suspirou:

- Ai! Cavalo! Devagar, coração... – Mas rapidamente ela se desengatou de mim, jogando-se contra a cabeceira para pegar uma camisinha no criado mudo.

Pedi desculpas e eu mesmo coloquei aquele troço, afinal, não devia ser tão difícil assim, e voltei, penetrando-a. Comecei lento, alisando suas costas, as mãos escorregando para seus seios, apertando os mamilos... Depois, num devaneio, dei um tapa na bunda branca, que ecoou como um trovão. Ela gemeu, mas ao invés de me repreender, foi manhosa:

- AAAAAAI! Safado...

Aquele “ai” pedia mais, e eu, guiado pela curiosidade, bati outra vez, e outra, e outra, até encontrar o tom certo que a fazia se apertar. Entre tapas e estocadas, ela gozou entre o oitavo e o nono estalo, e eu, vencido em mais sete ou oito minutos, urrei outra vez, de novo imitando o Máscara da Morte. A noite terminou comigo e Vivi realizados e alguns dizem, apaixonados. Aliás, descemos de braços dados, ela com a cabeça no meu ombro, os olhos brilhando com uma ternura que não sei se era verdade ou só o deslumbre do momento. Seu Barnabé, que recebia o cântico dedicado de outra moça, pediu que parasse só para me olhar, com um sorriso torto.

Ali bebemos mais um tanto, mas Vivi não queria mais sair de mim. Ajeitou-se sobre o meu colo e ali ficou. Ela bebericava, conversava, ria das piadas ruins do Barnabé, mas não parecia disposta a deixar que outra moça se aproximasse de mim. Sinceramente? Eu estava era gostando, e muito!

Depois de um tempão, já altas horas da madrugada, na saída do estabelecimento, após os acertos de contas entre Barnabé e Madame Cícera, enquanto ele entrava no jipe, troquei beijos quentes com Vivi e promessas silenciosas, que pareciam costurar um pedaço da alma. Quando partimos, seis curvas depois, Barnabé não se conteve:

- Parece que cê gostou dela, né não?

- Acho que tô apaixonado, padinho.

Ele pisou no freio, fazendo a traseira do jipe empinar na estradinha de terra e só não bateu no barranco porque era um local de terra baixa:

- Cê tá louco, Paulinho!? Apaixonou por uma puta, moleque? E na sua primeira vez?

- É que ela...

- Nããããão! - Interrompeu-me, com a voz grave: - Não, não, não, não... Não tem “é que ela”! Essa moça é só mais uma de uma penca que trabalha naquela casa. Deu pra você e aposto que vai dar pra mais uma turma ainda hoje. Quer apostar?

Eu queria voltar, só pra esfregar na cara dele que estava errado, mas no fundo, bem lá no fundinho, eu sabia que ele tinha razão. O ciúme, aquele meu velho companheiro, riu de mim outra vez, e eu, calado, deixei Vivi pra trás, como deixei Emilinha. O coração bobo que se apaixona fácil, onde só há carne e não alma!

A vida na fazenda seguiu e eu, agora mais homem que menino, me joguei no trabalho pra esquecer de vez as maldades da carne e as traições da alma. Mas Goiás, com sua gente simples e seus costumes, não parecia querer me deixar em paz. Na feira, na igreja, na venda do Seu Manoel, os olhares das moças me perseguiam. Entre elas, uma se destacava: Luzia, filha do Seu Geraldo, dono de uma pequena gleba de terra, vizinho de Barnabé.

Luzia era um pedaço do cerrado: cabelos castanhos ondulados, que dançavam com o vento, olhos cor de mel que brilhavam como o sol nas poças d’água, pele morena queimada pelo sol, corpo esguio mas forte, como quem trabalha na roça e carrega a leveza da brisa. Tinha um jeito doce, mas firme, uma curiosidade ingênua sobre o mundo, como se quisesse voar, o que me lembrava de Emilinha e assustava, mas também parecia saber que suas raízes estavam na terra e, por isso, dali não sairia. Cantava no coral da igreja com uma voz que fazia até os mais duros se calarem, e seus bolos, curau, pamonhas de milho, que ela vendia na feirinha, eram a inveja de qualquer cozinheira.

Luzia tentou se aproximar, com gestos simples que, confesso, mexiam comigo. Um dia, me trouxe um bolo e duas pamonhas, embrulhados num pano, com um sorriso tímido:

- Fiz pra você, Paulinho. Coloquei um tantinho mais de erva-doce. Minha mãe achou que exagerei, mas eu gosto...

- Brigado! - Agradeci, com a voz mais seca do que necessário, porque já estava cansado do meu coração, esse traidor, me meter em encrenca.

Outro dia, ela me convidou pra festa da igreja, dizendo que ia cantar um hino que “talvez eu gostasse”. Me lembrei na hora de Vivi! Fui por educação, mas mantive distância, com medo de outra armadilha, outra varanda, outro ciúme. Diferente de Vivi, Luzia cantou, e muito lindo demais! Todos aplaudiram o dom que Deus lhe confiara e eu a cumprimentei também, mas foi só.

Luzia, com a paciência de quem planta e espera a chuva, não desistia. Uma tarde, enquanto eu consertava uma cerca, xingando aos quatro ventos por já ter me martelado o dedo, ela apareceu, com uma garrafa de café e um olhar que pedia mais que uma prosa:

- Paulinho, cê já pensou em fincar morada por aqui? Assim... Criar casa, família, filhos, essas coisas... Goiás sempre tem espaço pra um homem como você.

Olhei pra ela, aqueles olhos de mel dispostos a adoçarem a minha vida, parecendo enxergar além do que eu queria mostrar, e respondi, seco outra vez:

- Gosto daqui, Luzia, mas meu lugar é um mistério.

- Pensa em voltar para Minas?

- Talvez... Gosto muito de Passa-Vinte e sinto falta do meu pai, só me restou ele e... e lá tem minha casa.

- Casa é onde o coração tá, Paulinho. - Disse ela, com um sorriso que era quase uma súplica.

Ri, com uma ironia tímida que aprendi com meu pai e com as desilusões da vida:

- Meu coração, Luzia, tá mais perdido que boi no mato. Melhor cê não tentar achar que é perigoso.

Ela riu, mas seus olhos mostraram algo mais, talvez mágoa. Luzia era um raio de sol, mas eu estava cego pelas sombras que a lua plantou em mim. Meu coração, marcado pela varanda, pelo colar, pelo “mas”, pelo “senão”, se recusava a abrir morada para outro alguém. Luzia merecia mais, aliás, ela merecia tudo de mim, mas eu, tolo que só, só oferecia silêncios e secura.

O tempo passou e uma noite, enquanto descansava numa rede esticada na varanda da casa de Seu Barnabé, o telefone tocou. Era coisa rara telefonema na fazenda, ainda mais naquele horário, e meu coração temeu pelo pior, pelo meu pai. Barnabé surgiu na varanda, pouco depois de silenciar os toques, com um olhar curioso, e me passou o aparelho:

- É pra você, Paulinho. É uma moça, lá de Passa-Vinte...

- Moça!?

Peguei o fone e minhas mãos começaram a tremer, antecipando um encontro inevitável. Logo ouvi a voz que eu tanto tentava esquecer:

- Paulinho? Sou eu, Emilinha.

A voz dela era a mesma, suave e ao mesmo tempo encorpado como um bom Salmo de Domingo. Só que, com ela, trouxe de volta toda uma leva de lembranças: a praça, o rio, a varanda, a aliança que jazia no mistério mais profundo... Respirei fundo, tentando manter a calma:

- Emilinha!? Ara! Como cê conseguiu esse número?

- Foi com Seu Ciro e foi a muito custo. Ele não queria dar de jeito nenhum! Disse que cê tava bem, que não precisava de mim, que eu só trazia problema... Mas eu precisava falar com você, Paulinho. Precisava... Preciso te explicar...

- Explicar o quê, Emilinha? - Minha voz saiu mais dura que eu queria: - Cê foi pra Beagá, pra casa do Leonardo, e mentiu para sua mãe, dizendo que a gente tinha terminado. Eu entendi tudo, não tem mais o que explicar?

Ela se calou e ouvi um longo suspiro, aliás, eu quase podia ver os olhos dela, cheios de mistério e talvez culpa, mas agora marejados:

- Paulinho, é complicado... Eu fui sim pra Beagá, mas é que eu precisava... me achar para depois te encontrar. Acabou que a tia Valdete, mãe do Leonardo, ficou doente, com problema no coração, e eu não podia deixar ela sozinha.

- Então tá bão... Melhoras pra ela!

- Credo, Paulinho, cê não é assim...

- Não! Não sou mesmo. Aliás, aquele Paulinho lá que cê conheceu na praça, no coreto, ele não existe mais. Agora só há o Paulo, Paulo Souza Sandoval da Silva...

- Cê tá bravo comigo, né?

- Já tive, aliás, acho que não, bravo não. Fiquei muito triste, decepcionado, mas hoje estou, como diria Leonardo, “tô de boa”.

Surgiu um silêncio e cheguei a olhar para a tela do aparelho, imaginando que a ligação tivesse caído, mas que nada. Logo, ela retornou:

- Eu queria tanto te ver...

- Quem sabe um dia, mas é melhor cê esperar sentada.

Um novo silêncio se seguiu, curto, pois na sequência veio um lamento, típico de quem se esforça para não chorar e ela falou:

- Você estava certo. Sempre esteve. O Léo não era flor que se cheire...

OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, E OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL SÃO MERA COINCIDÊNCIA.

FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DOS AUTORES, SOB AS PENAS DA LEI.

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Foto de perfil de Mark da NandaMark da NandaContos: 295Seguidores: 682Seguindo: 27Mensagem Apenas alguém fascinado pela arte literária e apaixonado pela vida, suas possibilidades e surpresas. Liberal ou não, seja bem vindo. Comentários? Tragam! Mas o respeito deverá pautar sempre a conduta de todos, leitores, autores, comentaristas e visitantes. Forte abraço.

Comentários

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É um romance erótico então. Muito bom.

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Mais uma vez o coração bateu forte quando vi a notificação no emeil .

Este conto é delicioso demais da conta .

Está conversa será que vai balançar com o nosso Paulinho ?

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Cheirando a um tipo solidão que só se encontra em lugares cheios de gente.

Parece trecho retirado de música do Renato Russo.

Um Homem, mesmo na danação, não força aquilo que não foi dado.

Parece trecho retirado de uma crônica de Nelson Rodrigues.

Estes autores com certeza gostariam de ter perpetuado estas frases.

Acho que não preciso dizer mais nada.

⭐⭐⭐⭐⭐ ❌ ✴️✴️✴️✴️✴️

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Parabéns pelo desenvolvimento do conto!!

Está maravilhoso toda essa narrativa mineira.

👏👏 ⭐️⭐️⭐️

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Ótimo conto. Achei que ele ia namorar com a Vivi...e ai sim aprender a domar o ciúmes kkkkkk

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Pois é, pelo andar da carroagem acho q Paulinho ou "Paulo" vai acabar comendo as sobras q o Leonardo descartou, Emilinha depois de entregar seu bem mais valioso ao Leonardo, volta com a cara quebrada e sem o valor q tinha tentando ocupar um lugar q um dia foi dela e acho q vai conseguir, afinal Paulinho é trouxa apaixonado e vai acabar se rendendo aos encantos daquela q não o valoriza da mesma forma q ele a volorizou

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Achei que havia acabado no conto anterior, com cada um seguindo seu caminho.

Paulo "Paulinho" ainda está apaixonado, e quem apaixonado está, só faz cagada...

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Um excelente e maravilhoso conto que nos faz rir e emocionar

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Boa meu irmão, esses relatos destas comidas feitas do jeito caipira, deu até fome de novo! Kkkkkkkkkkk

Parabéns meu irmão!

👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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Estava ansiando por esse encontro. Muito legal o desenvolvimento do Paulinho, dá pra ver o quanto ele cresceu e aposto que a Emilinha também, mas pelo visto, ela precisou se machucar de outra maneira. Curioso pra saber o que aconteceu com ela.

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