PARINTINS - O AMOR ESTÁ NO AR - 18 - EMBATE

Um conto erótico de Escritor Sincero
Categoria: Gay
Contém 2791 palavras
Data: 22/07/2025 03:12:28

A expectativa era palpável. Não apenas no ar quente e úmido de Parintins, mas nos olhos arregalados da multidão, no silêncio tenso antes do estrondo dos tambores. O Festival Folclórico de Parintins, transmitido para todo o país, estava prestes a começar. Os apresentadores da transmissão nacional davam o pontapé inicial com sorrisos coreografados, enquanto, do lado de fora dos portões do Bumbódromo, a equipe do Garantido respirava fundo.

Era chegada a hora.

Como manda a tradição, o tempo de duas horas e meia começaria a contar assim que o primeiro pé cruzasse os limites da arena. E naquela noite, caberia ao Garantido a abertura. Sob o tema "Garantido, o boi da alegria do povo", o vermelho e branco ganharia o mundo. A equipe de música, composta por cerca de 250 batuqueiros e outros 25 músicos profissionais, entrou primeiro, ocupando seus lugares com precisão e fervor. Cada passo parecia milimetricamente ensaiado, mas havia emoção crua ali — emoção que escapava das mãos trêmulas de Cauê, músico da banda, quando a multidão rompeu em aplausos e gritos. Ele respirou fundo. O show tinha começado.

E começou como um furacão.

Sob as luzes vibrantes do Bumbódromo, um trovão ecoou — não do céu, mas da terra. Era Anderson Durval, o apresentador do Boi Garantido, que surgia como uma entidade elemental. Sua voz ressoou pelo sistema de som com força e paixão, rasgando o ar noturno como um raio de comando. Cada palavra, cada sílaba, era recebida com aplausos e lágrimas por torcedores vestindo vermelho e branco. O espetáculo tomava forma.

Seu figurino era uma explosão viva: tons quentes de laranja, vermelho e amarelo dançavam sob os refletores, em um cocar monumental que se erguia como uma fênix em ascensão. As penas volumosas pareciam em chamas, emoldurando sua silhueta com majestade. O traje, repleto de bordados e pedrarias, brilhava como um escudo cerimonial. Dos ombros, saíam adornos circulares que evocavam os tambores ancestrais; no peito, fileiras de contas cintilavam, vibrando junto ao ritmo frenético do coração da torcida. A base oscilava com franjas e penas, criando uma ilusão de voo — ele não andava, pairava.

Anderson conhecia cada palmo da arena. Com gestos largos e precisos, apontava, erguia os braços, comandava o espetáculo com o corpo e a voz. Fitas verdes despencavam do alto, como lianas de uma floresta encantada, mas era ele quem reinava absoluto. O Garantido estava no ar — e toda a selva amazônica parecia pulsar com ele.

Então, como um segundo sol no céu noturno de Parintins, uma alegoria monumental adentrou a arena. Com aproximadamente quatro metros de altura, a escultura exibia um jardim dourado de verão, irradiando um brilho amarelo intenso. Era como se o próprio astro-rei tivesse descido à terra para iluminar o caminho do boi da Baixa do São José. Cauê, em meio à emoção, continuava dedilhando sua toada com reverência, os olhos marejados diante da grandeza daquele momento.

Foi então que Anderson, com a potência de um trovão, anunciou:

— Senhores jurados e nação vermelha, hoje traremos para o Bumbódromo o tema "Garantido, o boi da alegria do povo"! Então, por favor, nos acompanhem nesta história cheia de surpresas e, claro, muita toada boa! Falando em música de qualidade, eu chamo agora o item número 2, fazendo sua estreia no Festival de Parintins... Por favor, recebam: Milena Alencar, o raio de sol do Garantido! — gritou ele, e o Bumbódromo estremeceu.

De dentro da alegoria dourada, surgiu ela.

Milena Alencar. Sob os holofotes, sua presença transcendia o humano. Era como uma entidade ancestral, moldada pela floresta e pela fé. Os torcedores perderam o fôlego. Ali estava a nova Levantadora de Toadas do Garantido — e ela era magnífica.

Seu cocar era um templo de penas terrosas e alaranjadas, disposto em camadas que lembravam o voo dos grandes pássaros amazônicos. Penas longas e vibrantes coroavam o topo, quase tocando o céu. A base, guarnecida por pelagens claras e adornos naturais, evocava um sagrado selvagem. Contas negras, sementes e detalhes em vermelho escarlate reluziam sob a luz, símbolos vivos da força do povo da floresta.

O rosto de Milena exibia uma maquiagem de guerra poderosa: uma faixa preta sobre os olhos formava uma máscara espiritual, atravessada por linhas vermelhas que falavam de bravura. Do lábio inferior até o queixo, traços verticais completavam o ritual, como um elo entre o divino e o humano.

Seu traje misturava o branco e o vermelho com padrões tribais e geométricos. O peito e os ombros estavam envoltos por colares de sementes escuras e contas de madeira, que dançavam com ela a cada passo. De suas costas, se projetavam plumas douradas e negras como asas celestiais. Ela não caminhava — ela deslizava como se guiada por um tambor invisível.

Milena abriu a boca, e a toada nasceu. Não havia mais distinção entre música e corpo, entre voz e espírito. Ela era a toada. Cada nota sua reverberava pelo Bumbódromo como o bater de um coração antigo, selvagem, coletivo.

E todos souberam, naquele instante, que o Garantido não apenas começara sua apresentação. Ele renascia.

A apresentação do Garantido havia sido impecável — uma noite de encanto, suor e brilho. Apenas um pequeno contratempo ameaçou o início do espetáculo: uma das alegorias travou ainda na concentração. Mas os kaçauerés, com mãos firmes e experiência de sobra, deram conta do recado. Empurraram, alinharam, ajustaram. A falha virou apenas um detalhe na lembrança de uma apresentação histórica.

Milena Alencar, a levantadora de toadas, foi o coração pulsante da noite. Com voz potente e presença arrebatadora, levou a Nação Vermelha e Branca ao delírio. Cada item brilhou em perfeita harmonia: sinhazinha, porta-estandarte, pajé, tripa do boi. O espetáculo aconteceu em sincronia, como se cada integrante tivesse nascido para aquele momento.

Entre os que mais se emocionaram estavam Ribeiro, o presidente do Garantido, que não conteve as lágrimas diante da grandiosidade do que presenciara, e Cauê, que também se entregou à emoção, os olhos marejados enquanto o último batuque ecoava pela arena.

A equipe deixou o Bumbódromo com apenas dois minutos de sobra antes do fim do tempo regulamentar. Um feito raro. Nenhuma penalidade. Nos bastidores, abraços apertados, risos nervosos e a certeza de missão cumprida. Mas o tempo de celebração foi breve. Era hora de dar passagem ao Caprichoso. Tinham vinte minutos para desocupar completamente a arena.

Milena e os demais itens seguiram direto para um estúdio montado pela emissora responsável pela transmissão nacional. Sob as luzes frias das câmeras, a apresentadora revelou que o nome de Milena liderava as pesquisas nas redes sociais. A notícia lhe trouxe alívio. Sorridente, ainda com a maquiagem intacta e o figurino reluzente, ela agradeceu o carinho do público.

Logo após, foi conduzida ao camarim. E ali, entre luzes e figurinos espalhados, teve uma surpresa que derreteu qualquer resquício de cansaço: Eron e os filhos estavam à sua espera, com buquês de flores nas mãos.

— Meus amores! — exclamou, a voz embargada, correndo para um abraço coletivo.

— Estou muito orgulhoso de você, amor — disse Eron, antes de beijá-la com ternura. Depois, virou-se para o filho mais velho. — E de você também, filho. Vocês arrasaram demais.

— Papai chorou demais — entregou César, rindo. — Fiz vários vídeos, depois te passo, Cauê.

Milena segurou os buquês e passou a mão nos cabelos, já sonhando com um banho quente.

— Eu amo vocês. Agora quero tirar essa roupa e ir para a Casa dos Itens. Tem um carro me esperando no estacionamento. — Pegou a bolsa e olhou firme para o marido. — Eron, não esquece de dar o remédio do Repolho. E, por favor, não deixa o César dormir tarde.

— Vamos, César. Agora a tua mãe é famosa e abandonou a família — brincou Eron, teatral, arrancando gargalhadas do filho mais novo.

— Vão prestigiar o Caprichoso — sugeriu Milena, voltando-se para Cauê com um sorriso maroto. — Aposto que tem alguém ansioso para ver a performance do contrário.

— Mãe! — respondeu ele, corando.

Mas era verdade. Por mais que tentasse manter o foco, Cauê só conseguia pensar em Jonas. Se ele, que já havia passado pela arena, ainda sentia os nervos à flor da pele, imaginava o turbilhão dentro do namorado, estreante na arena.

Junto com o pai e o irmão, dirigiu-se a um dos camarotes do Garantido. Do outro lado, as luzes da torcida rival estavam apagadas e o silêncio reinava absoluto. Havia uma tensão sagrada no ar.

— Eles não podem se manifestar durante a apresentação do outro bumbá — explicou William, ao lado de Jean. — Faz parte das regras. Qualquer deslize, penalidade.

Enquanto Eron engatava conversa com William e César devorava os petiscos do camarote como se fosse a última refeição, Cauê se afastou um pouco, retirou o celular do bolso e gravou uma mensagem de voz. A voz saiu baixa, mas cheia de sentimento.

— Ei, curumim azul. Deve tá nervoso, né? Te desejo muita sorte na apresentação. Você é incrível e tenho certeza que fez o teu melhor. Sou muito orgulhoso em ser teu namorado, Jonas. Eu te amo.

Com o coração leve e os olhos fixos no centro da arena, Cauê esperou o Caprichoso entrar. Agora era a vez do contrário brilhar. E, no meio daquele brilho, estava Jonas.

***

Através do sistema interno de comunicação, Jonas monitorava cada ponto da operação. De seu posto, ao lado de Marcílio, supervisionava com atenção se todas as etapas do enredo preparado pelo Caprichoso se cumpriam conforme o ritual coreografado. Era a primeira noite do festival, e cada segundo carregava o peso de meses de trabalho, expectativas e sonhos.

O tema daquele ano era ambicioso: "Amazônia, o templo do mundo". E a primeira imagem que invadiu a arena foi a de um templo colossal, reminiscente das civilizações incas e maias — uma construção alegórica que unia o misticismo da floresta à grandiosidade dos povos ancestrais. Quando as luzes se voltaram para o alto da estrutura, o coração do Bumbódromo pareceu prender a respiração.

De lá, desceu Osmar Aziz.

O Apresentador do Caprichoso não apenas surgiu — ele se materializou como uma entidade mitológica, uma fusão entre oráculo, pajé e estrela celeste. A alegoria em que estava montado deslizava suavemente por uma engenhosa estrutura metálica camuflada em forma de nuvem. A imagem era sublime: uma divindade azul descendo dos céus para anunciar o início do ritual sagrado.

Sua roupa brilhava como se feita da própria luz. Predominantemente branca e prateada, a indumentária era bordada com cristais, lantejoulas e pedrarias que refletiam os feixes de luz do Bumbódromo em faíscas incandescentes. Sobre o peito, uma armadura reluzente exibia símbolos astrais e formas tribais, unindo o céu e a floresta num só corpo. As ombreiras altas, cercadas por penas brancas e caramelo, davam-lhe o aspecto de um ser alado — prestes a alçar voo ou a pronunciar uma profecia.

Na cabeça, um chapéu cravejado de pedras cintilava como uma coroa sagrada. As mangas da veste se estendiam em tecidos etéreos, terminando em franjas e penas que ondulavam ao menor gesto. Osmar segurava o microfone como um cetro encantado. Sua voz, firme e vibrante, rompia o ar como um trovão controlado, convocando os deuses da floresta e o orgulho da nação azul.

Atrás dele, os brincantes pulsavam no mesmo ritmo. A arena inteira parecia seguir o compasso de seu verbo. Mas era impossível ignorar sua figura central: naquele momento, Osmar Aziz era o espírito do Caprichoso.

— Se preparem para um espetáculo tribal! — bradou ele, com o olhar firme voltado aos jurados antes de se dirigir à arquibancada efervescente. — Hoje, o Caprichoso entra no templo do mundo — a Amazônia. E quem vai dar o tom da nossa apresentação é ele. Por favor, recebam com muitos aplausos ele! O item número dois do Caprichoso, Sérgio Queiroz, a voz encantada da Amazônia!

E então, da mesma alegoria, agora transformada em uma caverna dourada, surgiu Sérgio Queiroz.

O Levantador de Toada do Caprichoso apareceu como um trovão ritual. A música "Delírio Tribal" explodiu nos alto-falantes, e a torcida respondeu em êxtase — cantando cada estrofe como um mantra ancestral. A emoção invadiu a arena como uma onda azul.

Sérgio estava vestido para hipnotizar. Sua túnica azul profunda era bordada com cristais e lantejoulas que explodiam em reflexos a cada movimento. Dos ombros e costas, brotavam penas em azul royal e roxo, erguidas em leque, formando asas simbólicas que pareciam levá-lo ao transe de um pajé em comunicação com os espíritos da mata.

No ombro, um boi artesanal — dourado, com chifres curvos e olhos vivos — tornava-se uma extensão de sua identidade: o guardião mítico do povo azul. O cocar, uma fusão de penas azuis e violetas com uma coroa resplandecente, fazia de Sérgio não apenas um cantor, mas um xamã, um líder cerimonial, o canal entre o povo e o sagrado.

Microfone em punho, Sérgio Queiroz não apenas cantava. Ele convocava. Invocava. Ele incendiava o ar com a força de sua voz e fazia com que cada nota fosse um chamado às raízes, à floresta, ao encantamento da Amazônia. Naquele instante, o Caprichoso deixava de ser um espetáculo: tornava-se um ritual vivo, uma cerimônia de fé, cultura e resistência.

E o Bumbódromo inteiro dançava com ele.

— Atenção, Jonas. — A voz ecoou pelo fone do sistema de comunicação, misturada ao som das batidas que reverberavam pela estrutura metálica do Bumbódromo. — Agora é a entrada dos indígenas?

— Isso. — respondeu Jonas, os olhos fixos no roteiro plastificado que tinha nas mãos. A luz azulada das alegorias refletia nos seus óculos. — Já pede para os povos do templo irem saindo devagar. Sem confusão, por favor. — completou, com o tom firme, mas sereno.

Posicionado num ponto estratégico, Jonas acompanhava cada movimento com precisão quase cirúrgica. Dali, conseguia ver o templo coloss(al erguer-se no centro da arena, com suas colunas douradas e referências arquitetônicas que misturavam culturas maia, inca e amazônica. Cada detalhe fazia parte de um quebra-cabeça maior: o enredo "Amazônia, o templo do mundo".

Marcílio, ao lado dele, estava imerso na sonoridade e no ritmo das falas do Apresentador. Mantinha a conexão direta com Osmar e Sérgio, os dois pilares da narrativa artística: um voz, outro canto. Ambos eram responsáveis por conduzir o público por dentro daquele enredo ancestral e mítico.

— Osmar, respira, cara. — disse Jonas pelo rádio, com um tom fraternal. — Se precisar tomar uma água, aproveita a próxima toada que vai introduzir a comunidade indígena. Você vai ter três minutos de respiro.

Do alto de uma alegoria, Osmar acenou discretamente em resposta. Jonas sabia o quanto aquele momento exigia controle emocional. Era como estar à frente de uma orquestra de mil integrantes, onde qualquer descompasso poderia custar pontos valiosos.

A entrada da comunidade indígena ocorreu conforme o planejado. Homens e mulheres adornados com penas e pinturas rituais surgiram entre colunas de fumaça e luzes pulsantes. As toadas ganhavam força, e a vibração da arena parecia ancestral, como se o chão do Bumbódromo respirasse junto com o povo.

Mas a tensão voltou no instante em que Cinthia Chagas, a porta-estandarte do Caprichoso, preparava-se para descer do topo de uma alegoria suspensa por um guindaste. O equipamento travou. Um calafrio percorreu a espinha de Jonas.

— Marcílio! Travou. — alertou.

— Já vi. Estou no rádio com o pessoal da técnica. — respondeu o colega, já acionando o protocolo de emergência.

Foram segundos de silêncio que pareceram eternos. Osmar percebeu o problema. Sem hesitar, inflamou a torcida com um grito vibrante, puxando palmas e improvisando uma sequência de falas que exaltavam a beleza do povo indígena e da floresta. A plateia respondeu à altura, abafando qualquer possibilidade de suspeita. O erro passou despercebido aos olhos dos jurados.

Assim que o guindaste voltou a funcionar, Cinthia desceu com suavidade, sorrindo como se tudo tivesse ocorrido exatamente daquela maneira no ensaio. O profissionalismo dela foi a chave.

Quando o último item terminou sua performance, a equipe correu contra o relógio. A retirada do material foi rápida e eficaz. Assim como o Garantido, o Caprichoso não sofreu penalidade de tempo. A apresentação terminou quatro minutos antes do limite.

O coração de Jonas batia acelerado. Ao encontrar o pai, os dois se abraçaram em silêncio. O velho sorria com um brilho nos olhos. Pela primeira vez em anos, não havia um favorito claro. As torcidas, divididas nas ruas de Parintins, vibravam com a dúvida — e isso era um sinal de espetáculo bem entregue.

Depois da saída da arena, a equipe criativa do Caprichoso se recolheu para uma das salas técnicas no interior do Bumbódromo. Lá, o clima não era de descanso. As telas de monitores mostravam gravações em vários ângulos. O trabalho, para eles, estava apenas começando.

Jonas recebeu uma mensagem de Cauê no celular. Ouviu em silêncio. "Sou muito orgulhoso em ser teu namorado, Jonas. Eu te amo." Uma lágrima quis cair, mas ele se recompôs. Ainda havia uma madrugada inteira pela frente. Enquanto Parintins celebrava nas ruas, os bastidores dos dois bois fervilhavam em estratégia, correção e preparação. Amanhã, tudo começaria de novo. E cada detalhe importava.

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