01___WHEY DE MORANGO

Um conto erótico de Thomas Britto
Categoria: Heterossexual
Contém 2453 palavras
Data: 20/07/2025 12:06:42
Assuntos: Heterossexual

WHEY DE MORANGO

Em Santa Bárbara d’Oeste, a primavera daquele ano até parecia que queimava por dentro.

Já era fim de manhã, e a academia estava quase vazia. Aquele ventilador de teto velho girava devagar e barulhento, misturando no ar um cheiro de pós-treino que era sempre o mesmo: suor morno, whey de morango e desodorante vencido.

Maria Beatriz tinha ido à cidade e aproveitou para passar na academia onde a prima, Clara, trabalha — só pra fazer hora enquanto não chegava a hora do ônibus. Sentada num canto, perto da porta giratória, ela estava ali — entediada, com o celular na mão só de enfeite, esperando... além do horário do ônibus, sabe-se lá o quê.

O barulho da catraca fez com que levantasse os olhos. E foi então que o viu. Saindo lá de dentro.

Regata escura colada no corpo molhado, ombro largo tatuado, pele levemente queimada do sol. Boné virado pra trás, mochila jogada de qualquer jeito, toalha pendurada no pescoço.

Ele não era forte como os outros caras da academia. Mas tinha uma presença sólida. Algo no jeito dele andar parecia saber onde tudo ia terminar.

Diogo.

Ela já o tinha visto ali, mas nunca pensou em procurar o Instagram dele. Clara comentou alguma coisa... Era mais velho, 33 anos, fazia faculdade de Engenharia Mecânica, talvez. Pelo jeito, era daqueles que malham logo cedo e não falam muita coisa.

Mas naquele dia foi diferente. O jeito como ele vinha caminhando... calmo, firme, como se o mundo não fosse novidade. Seguro, olhando para os lados. E então, de repente, os olhares dos dois se cruzaram pela primeira vez.

Ele parou na recepção sorrindo e dizendo algo que ela não ouviu.

Os dois trocaram meias risadas.

Depois ele olhou. Pra ela.

Só olhou. Mas demorado.

Aquele tipo de olhar que se sente antes de entender.

E então veio:

— Maria Beatriz, né?

— Sou...

— Beleza. Te vi já aqui um outro dia, mas achava que você treinava também.

— Não. Minha prima só que trabalha aqui.

— Saquei...

Ele passou a mão na toalha, secando a nuca.

— Mas aí é vacilo, hein, garota... Você devia vir treinar comigo, pô. Já tem o biotipo. Só falta dar aquele polimento.

Deu um sorriso de canto, como se estivesse medindo as palavras.

— Se quiser, eu mesmo te apresento os aparelhos, te ajudo a alongar o corpo... já pensou?

Maria Beatriz sorriu, sem graça, sem saber se era elogio ou crítica, enquanto ele a olhava.

Secando as mãos na toalha, ele estendeu a mão.

— Eu sou o Diogo.

— Prazer, Bia.

Ele assentiu com a cabeça, disfarçando os olhos ainda nela.

Depois ela deu um meio sorriso, curto. E confessou:

— Eu sei quem você é... — sorriu embaraçada.

Os olhos dele percorreram o corpo dela como se medissem. Como se comparasse com algo já imaginado.

— E então, vai fazer o quê agora?

— Nada... na verdade, tô esperando o horário do meu ônibus...

— Eu acabei meu treino... tô pensando em colar ali no posto, pegar uma cerveja. Tá calor pra caramba... até que combina, você não acha? Por que não vem comigo?

Ela piscou, surpresa.

Demorou pra responder, olhou pro relógio do celular — meio-dia e dez.

Ele não insistiu. Só esperou.

A olhando como se o tempo fosse dele.

Como se o convite não fosse uma pergunta.

Como se soubesse que ela diria sim.

E ela disse mesmo.

O carro dele estava do outro lado da rua — um Fiat Bravo preto, insulfilm escuro, rodas polidas, bancos de couro que brilhavam como novo sob a luz do meio-dia. Uma máquina linda.

Ele passou a mão no capô antes de entrar.

— Comprei parcelado de um brother da faculdade. Tô pagando ainda, mas vale cada centavo.

— É lindo — ela disse. — Nunca andei... faz tempo que não passeio de carro — deixou escapar por falta de assunto.

— Verdade, é??? Esse aqui é meu xodó... E eu cuido muito bem das minhas coisas, sabia? Gasto mais com ele do que comigo.

Quando abriu a porta do passageiro, ajeitou o banco pra trás, dando mais espaço e olhando de lado.

— Pode entrar. Aqui é espaço de princesa, viu? Banco recuado, ar ligado. Só falta o trono.

Deu uma piscadinha discreta.

Ela entrou sem dizer nada. O banco era de couro e queimava suas pernas, bundas e costas de um jeito estranho. Fechou a porta devagar.

Ele entrou em seguida, jogando a mochila no banco de trás. Tirou a toalha do pescoço, colocou no banco, sentou em cima, subiu a perna do short pra cima, deixando a pele das coxas mais à mostra. Ajeitou-se ao volante, baixou as janelas e ligou o som. Música grave, abafada. Parecia vir de longe.

Não falou muito no caminho. Só um:

— Tá calor, né? Abrindo o teto solar.

O carro tinha um cheiro inebriante. Couro com perfume masculino e talvez o suor dele misturado... e era realmente uma máquina. Ela nunca tinha entrado num carro daquele — muito menos com um cara assim. Muito diferente dos rapazes de Brotas.

Maria Beatriz se distraía olhando os detalhes do painel, o câmbio automático, o céu lá fora pelo teto solar... quando ele disparou:

— Quer dizer então que faz tempo que os caras não te levam passear de carro?

Ela sorriu, nervosa, atordoada.

— Às vezes...

O posto era muito perto da academia, nem dez quadras. Mas com dois semáforos lotados pelo horário de almoço e o calor, pareceu mais longe.

Ele estacionou num canto, com uma meia sombra.

Desligou o carro, mas ficou com a chave na mão.

— Faz o seguinte: vai lá dentro e pega duas latinhas. Pode escolher... mas se for IPA, tá proibida de comprar.

Riu.

— Sou mais raiz.

Pegou a carteira na mochila e estendeu uma nota de dez.

— Confio no seu gosto.

Depois completou:

— Vai lá, garota, e enquanto isso, deixa eu te ver de longe caminhando.

Ela entrou na loja de conveniência desorientada, sem saber o que era IPA e muito menos entendendo por que estava ali.

Lá dentro, tentou parecer normal, mas as mãos estavam tremendo.

Escolheu duas latas comuns, supostamente a tal da IPA. Nada caro.

Quando saiu, ele estava abaixado no pneu traseiro, calibrando com calma, conversando com o frentista.

Mas, mesmo de costas, ela sentia que ele sabia exatamente onde ela estava.

Diogo se levantou devagar, passando o pano sujo de pneu nas mãos, devolvendo pro frentista que já foi saindo...

Pegou as cervejas da mão dela como se fosse parte do combinado desde sempre.

Abriu a dele com um estalo e entregou a outra, já aberta.

— Boa, garota. Escolheu bem, gostei... Saúde — falou, rindo.

E, antes de encostar no carro:

— Vem mais aqui do meu lado. Eu não mordo não... Vem.

Encostaram na lateral do carro, bebendo em silêncio por uns minutos.

Apesar da sombra, a chapa quente do carro esquentava o corpo e o clima.

A primeira golada desceu rápido. E ele tinha razão — a cerveja combinava muito bem. Com ele e com aquele calor.

Ela nunca foi uma garota de cerveja, achava muito amargo, era mais acostumada com batidas e caipirinha às vezes, mas ali com ele era diferente.

Ele estava perto. Mais perto do que ela estava acostumada.

Diogo encostou um ombro no carro, ficando de frente pra ela.

E só ali ela se deu conta: mal batia na altura do ombro dele. Seu cordão brilhava no pescoço, desaparecendo por dentro da camiseta entre os pelos úmidos.

Seu cheiro era hipnotizante. Um suor fresco, com desodorante e algum perfume discreto — talvez nem perfume, só ele mesmo.

— Você é de onde mesmo? — ele perguntou.

— Brotas.

— Caramba, adoro essa cidade.

— Sério?

— Não, kkk. Mas precisava puxar papo, né?

Ela riu. Ele também.

— Tem quantos anos?

— Vinte e um.

— Sério mesmo??? Nova... e bonita. Só tá precisando... se encontrar, sabe?

— Como assim?

— Eu acho que você tem muito potencial, sabia?

Ela sentia o corpo quente pela tarde abafada.

— Só precisa de um cara que saiba ver isso. Alguém que te valorize.

O coração dela bateu um pouco mais rápido.

Era o jeito dele de falar. De se inclinar como se fosse contar um segredo a cada frase.

Ele a olhou nos olhos, depois desceu o olhar para a boca dela.

Não disse nada. Só encostou de leve a lata de cerveja no braço dela.

O gelado da lata foi como um choque — um choque bom.

Ele bebeu mais um pouco.

Foi mais fundo:

— Eu sempre reparo nessas meninas da faculdade, muito bonitas e se matando pra chamar atenção dos caras... Instagram, Facebook, Tinder... e você aqui, parada. Escondida.

— Eu nem gosto muito de aparecer...

— É por isso mesmo.

Deu um gole, depois passou os olhos por ela outra vez.

— Cê tem um jeito que chama atenção. Sem esforço. E isso me atrai.

Ela ficou calada.

Ele se aproximou um pouco mais, encostando a lateral da perna na dela.

Disfarçando. Como se fosse o acaso.

— Já pensou em ganhar um pouco de grana com isso?

Ela engoliu seco.

Ele falou no ouvido dela, mais baixo:

— Tenho um brother que mexe com marketing digital. Fotografia também. Pode te dar umas ideias.

Ela deu um gole, e a cerveja, agora morna, parecia de novo amarga demais.

Ele mudou o tom de novo:

— Mas Instagram você tem?

— Tenho... mas eu uso pouco.

Ele virou mais um gole da cerveja, depois passou os olhos por ela de novo.

— Devia postar. Se mostrar mais. Já tem o que precisa.

— O quê? Como assim?

— Atitude você já tem... Porque topou essa cerveja assim: do nada, sem frescura, sem nem me conhecer... Tá com a idade certa e o corpo pronto. Só falta uma direção.

Ela deu um gole na cerveja. Apertou a lata mais do que devia.

Ele percebeu.

— Ficou nervosa?

— Com o quê?

— Comigo.

Ela o olhou.

Os olhos castanhos dele tinham aquela tranquilidade típica de quem nunca duvida de si. A barba por fazer dava um ar de descuido proposital. E o sorriso era daqueles que mexem.

— Tu mora muito longe daqui? — ele perguntou, mudando de assunto.

— Com meus tios. Ali no Jardim São Fernando.

— Ah, do outro lado da cidade... que pena. — Ele sorriu. — Aqui, todo mundo se esbarra. Às vezes mais de uma vez por dia.

— E você?

— Numa república, ali perto da faculdade mesmo. Quatro caras. Só bagunça.

— Ah... deve ser ruim...

— Tem que aguentar. Vida de estudante... pouca grana... mas já é meu último ano aqui.

— E faz tempo que chegou aqui em Santa Bárbara? — ela perguntou, rindo.

— Não, tem nem quatro meses...

Diogo se entusiasmou.

— Recente, então... Isso é bom. Tá fresquinha ainda...

Ele olhou pra ela com um meio sorriso.

— Sem passado, sem ex-namorado colado na sola, sem rastro.

Ela tentou esconder o riso.

— Ruim mesmo só os caras né? Que devem estar marcando em cima...

Ela não respondeu.

— Quatro meses só, então tá começando a entender como funcionam as coisas por aqui...

Ela segurou a lata com as duas mãos, gelando os dedos.

— Eu curti teu nome, sabia?

— Maria Beatriz? Ué, normal, Diego...

— Você tem cara mesmo de Maria Beatriz, mas sabe... nome grande não ajuda a mulher ficar conhecida, não.

— É nome de família...

— Sim, pode ser. Mas não acho que combina contigo. Posso te chamar de Bia?

— Se quiser... algumas pessoas já chamam assim.

Ele sorriu. De lado. Como quem achava graça das próprias ideias.

— Mas não Bia com “i”. Tem que ser Bya com “y”.

— Com Y? Por quê?

— Acho que fica mais legal, mais artístico, né? Nome da garota que tá começando a se entender...

Ela se arrepiou um pouco.

Não pelo nome. Mas pela forma como ele dizia aquilo.

Como se tivesse certeza.

Achou até graça, mas não falou nada... com ele, parecia que tudo era um teste.

A cerveja dele já estava quase no fim quando ele sacou o telefone do bolso do short, viu que horas eram e ficou olhando uma pracinha bem sem graça em frente ao posto, mas do outro lado da margem do rio.

Ele fazia barulho com a lata na mão, batendo nos anéis do dedo.

Olhou mais um segundo para ela, sorriu, virou o resto da cerveja e a jogou na lixeira logo ali.

— É, cara... hoje não vai rolar — falou, pensando mais alto do que devia. — Te levo agora, Bya?

— Pra Brotas? — ela brincou.

— Putz... pior que tô na reserva hoje. Mas posso te deixar no ponto mais perto.

— Não tem problema, é brincadeira.

— Mas na próxima eu prometo: te deixo na porta.

Chegaram logo ao ponto de ônibus. Nem conversaram no caminho, ela olhava de novo nervosa para as pernas fortes dele, sentindo o cheiro que escapava discreto pela cava da camiseta regata. Ele estacionou num canto da rua, pegando a lata das mãos dela sem cerimônia, deu um gole e abriu o teto solar deixando o sol do meio-dia entrar a pino.

— Cê me chamou de Diego né, aquela hora? — ele falou, rindo.

— Ué... não é? — ela fingiu.

— Não. É Diogo. Com “oooooo”.

— Desculpa.

— Relaxa. Tenho certeza que você ainda vai acostumar, garota.

Ela deu um riso constrangido. Ele segurou, sem cerimônia, as mãos dela.

— E então, Bya com Y... como é que vai ser?

Ela, sem entender nada, sorriu e respondeu:

— Como é que vai ser o quê?

Ele continuou sério:

— Eu te trouxe até aqui, paguei tua cerveja, quase fiquei sem gasolina, tô atrasado pro almoço...

Virou devagar, olhos firmes nos dela, tom tranquilo.

— ...e nem um beijo seu eu vou ganhar?

Ela ficou sem reação

O coração acelerou, e sentiu molhar a calcinha. Já não conseguia mais raciocinar nem entender nada... puxou de volta a mão para o colo.

Ele a encarava, pegando na corrente brilhante em volta do pescoço... Veio chegando mais perto, sem invadir.

Só encostou os lábios nos dela por um instante.

Um selinho quente, insistente, sem pressa. Abrindo a boca dela com os próprios lábios...

Mas quase sem romantismo, aqueles segundos foram pra sempre...

Se afastou com um meio sorriso bobo e foi tirando o celular do bolso.

— Anota teu número aí. Vai que eu quero outro beijo depois.

Ela digitou o número no teclado. Enquanto saía do carro, ele disse:

— Ei, ei, calma, garota. Espera...

Ele digitou. Ligou na hora. Ela ouviu o celular tocar na bolsa.

— Pronto, agora você tem o meu também — falou enquanto continuava a beber a lata dela.

Girou a chave. O som baixo começou a tocar — batida grave, quase abafada.

— Se cuida, Bya com Y.

Ele lhe entregou de volta a lata de cerveja pela janela e jogou um beijo no ar com a mão. Partiu com aquele braço másculo pendurado pra fora da janela.

O carro arrancou devagar, antes que ela pudesse responder.

As rodas deslizando no asfalto quente.

E ela ficou ali, parada, tonta, com a lata de cerveja na mão, sem saber em que direção ir..

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