Uma Omissão Monumental

Da série Putinho Vermelho
Um conto erótico de Tiago Campos
Categoria: Homossexual
Contém 1294 palavras
Data: 02/06/2025 21:15:58
Assuntos: Homossexual, Gay, Fantasia

As mãos enrugadas de Dona Adelaide, marcadas pela história de tantos anos e tantos gestos de cuidado, apertaram as minhas suavemente, mas com uma firmeza que transmitia toda a solidez do seu afeto. Ela continuou, a voz embargada pela emoção que parecia lutar contra a força do seu amor, mas inabalavelmente firme na sua mensagem protetora: “E está tudo bem, meu amor. Eu me orgulho tanto de você. Saiba disso. Sempre”. Aquelas palavras foram um bálsamo imediato para a alma ferida, um alívio que fez o nó na minha garganta afrouxar por um instante, uma dose pura e concentrada de aceitação incondicional que eu mal sabia que necessitava desesperadamente.

Mas a trégua foi breve. Como uma onda fria e implacável que surge após o calor reconfortante de um raio de sol, a tristeza e o medo latente, que pareciam ter se aninhado dentro de mim por anos, invadiram-me com força total, apertando o peito e roubando o ar. E as lágrimas, que eu vinha reprimindo com todas as forças por dias, talvez semanas, romperam a barreira que eu, tolamente, pensei conseguir manter. Elas começaram a rolar pelo meu rosto sem controle, quentes e pesadas.

Solucei convulsivamente, o corpo sacudido pelos espasmos da emoção acumulada, tentando dar voz ao peso esmagador que eu carregava sozinho. O medo constante e paralisante de desapontá-la, de quebrar a imagem ideal que ela tinha de mim. A ansiedade de fazer algo, ou de ser algo, que ela desaprovasse tanto a ponto de me afastar, de criar uma distância intransponível, de me julgar ou, na minha fantasia mais aterrorizante, de me odiar por quem eu era em minha essência ou por quem eu amava secretamente.

Minha vó, com uma calma que só os anos de experiência e um amor profundo podem proporcionar, enxugou minhas lágrimas com a ponta dos seus polegares quentinhos, um gesto simples de ternura infinita. Seus olhos, profundos e cheios de sabedoria, fixaram-se nos meus, e com uma convicção absoluta, inabalável como uma rocha, ela declarou que nada neste mundo torto e cheio de julgamentos seria capaz de nos separar. Sublinhou, com a voz agora suave, mas firme, que o seu amor por mim não era um contrato sujeito a cláusulas de bom comportamento ou conformidade social; era uma força da natureza, incondicional, vasta, maior do que qualquer convenção social mesquinha ou medo que eu ou o mundo pudesse conjurar.

Naquele instante sagrado de total vulnerabilidade e confiança mútua, onde a aceitação pairava palpável no ar, a ideia de confessar todas as minhas “aventuras” secretas passou pela minha cabeça. Essa ideia, ousada e aterrorizante ao mesmo tempo — revelar a foda que tive com Johnny, e até mesmo o boquete que fiz no xerife Charles — iluminou um caminho radical de liberdade como um incêndio. Aquele momento de desabafo profundo parecia a oportunidade perfeita, o precipício ideal do qual saltar para desabafar completamente, para descarregar todo o fardo. Mas o abismo era profundo demais.

A apreensão me paralisou; o peso brutal dos meus segredos, a teia complexa de mentiras e omissões que construí, por mais liberado e seguro que eu me sentisse naquele instante nos braços dela, ainda era imenso demais, complexo demais para ser compartilhado por completo de uma só vez. Decidi, então, fazer um pequeno teste de águas, uma forma de tatear o terreno, de sondar a profundidade da sua abertura sem me jogar de cabeça na confissão total. Olhei para ela com os olhos ainda marejados, vermelhos e inchados pelos soluços recentes, mas fixos nos dela em busca de um sinal, e perguntei, com uma voz hesitante e frágil: “Vovó… a senhora… por acaso tem algum segredo guardado?”.

Hesitei, buscando as palavras certas. “Algo… que a senhora só guarde para si? Assim… bem escondido?” Ela sorriu, um leve sorriso que brincou nos cantos de sua boca por um instante, um lampejo rápido de mistério que se dissolveu tão depressa quanto surgiu, dando lugar à seriedade plena que caracterizava sua sabedoria interior. Dona Adelaide apertou minhas mãos novamente, dessa vez com mais firmeza, e disse, com a mesma convicção de antes, que não guardava segredos. Nenhum. E se ela tivesse algum segredo… algo que carregasse consigo… eu seria a primeira pessoa no mundo a quem ela contaria.

Refleti longamente, na quietude da noite, sobre a resposta da minha vozinha. Rebobinei na memória o momento exato, a oportunidade clara, quase explícita, que eu lhe havia oferecido para que ela pudesse finalmente falar sobre o caso que eu sabia, com uma certeza inquietante, que ela mantinha com Charles. Pensei na forma como ela, com uma mestria que só os anos e a experiência podem conceder, navegou aquele instante delicado e optou elegantemente por não revelar absolutamente nada, por desviar-se do tema com uma discrição que raiava a arte. Aquela pequena e monumental omissão — talvez um instinto inato de proteção — não a diminuiu aos meus olhos; pelo contrário, cimentou, endureceu, como rocha, a minha própria e já amadurecida decisão.

Eu não contaria a ela, nunca, sob circunstância alguma, a verdade nua e crua sobre o meu próprio comportamento, sobre as minhas escolhas que me levaram a rotular-me, em segredo e com amargura, como uma “vadia perfeita”. Nem sequer insinuaria, e muito menos revelaria que eu tinha plena, dolorosa e inquietante consciência de que ela, a minha doce e aparentemente frágil avó, a mulher que encarnava a bondade e a rotina aos meus olhos, também vivia, à sua maneira, uma vida dupla. Uma vida discreta, sim, velada por uma cortina impenetrável de normalidade, mas igualmente complexa e cheia dos seus próprios segredos inconfessáveis, das suas paixões clandestinas que a faziam vibrar para lá da fachada que todos conheciam. Éramos, de certa forma, espelhos um do outro, navegando segredos em silêncio.

A manhã seguinte chegou suavemente, um fio dourado de sol mal despontara no horizonte, pintando o céu com tons pálidos, quando vovó me acordou com a gentileza habitual, os sons familiares da casa a ecoar o regresso da rotina que tanto procurávamos. Respirar a normalidade parecia, naquele momento, um bálsamo. A primeira coisa que ela perguntou, antes mesmo que eu pudesse abrir completamente os olhos, foi se eu estava bem. A sua voz, embora mantivesse o tom de sempre, estava subtilmente carregada de uma preocupação velada, um resquício tangível da tensão que a noite anterior deixara no ar. Quis saber se eu havia dormido bem, se aqueles medos sombrios que me assombravam tinham finalmente se acalmado.

Assegurei que sim, com a convicção de que ela precisava ouvir. Disse que me sentia muito melhor e que já me sentia perfeitamente capaz e pronto para caminhar serenamente ao centro da cidade com a minha cesta repleta de doces e voltar a vender as nossas delícias. Dona Adelaide sorriu, um sorriso que carregava o cansaço de quem partilha fardos invisíveis, mas que se iluminou com uma genuína felicidade e alívio ao ver-me recuperar. Concordou prontamente, mas lembrou, num tom prático, que antes precisávamos fazer mais doces, pois, para a minha total e surpresa — confesso que a notícia me fez piscar em descrença — ela havia vendido tudo o que tínhamos na despensa. Perguntei, com um misto de curiosidade genuína e uma ponta de incredulidade, quando e como ela conseguiu tal feito em tão pouco tempo.

E ela, com uma naturalidade tão desconcertante que mal pude conter o meu espanto interior, mencionou, como se fosse o pormenor mais banal do mundo. Disse que aproveitou a viagem até o mercado que fez ontem com Charles não só para fazer as compras necessárias, mas também para despachar, em poucas horas, tudo o que tínhamos, esvaziando a cesta com uma eficiência inesperada. A sua capacidade de misturar o mundano com o segredo, a rotina com a sua vida complexa, continuava a fascinar-me e a moldar as minhas próprias escolhas.

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