Na rua em que morei por muitos anos, tinha uma casa com a fachada azul desbotada e um quintal cheio de mato. Lá morava ele, Antônio. O garoto de olhos claros e cabelo liso, cortado num estilo tigelinha que hoje eu chamaria de cafona, mas que na época só me fazia sorrir. A gente se encontrava quase todo dia, para partidas de videogame, piadas bobas e aquela cumplicidade que só amigos de infância têm.
Ele era mais delicado que os outros meninos — nos jeitos, no riso, no modo como ajeitava a franja. Mas eu não pensava nisso. Não ainda.
Um dia, no meio de uma daquelas tardes em que o tempo parece esquecer de passar, jogávamos videogame em sua casa. A velha TV de tubo zunia com o som de gritos e golpes de Street Fighter II. Ele jogava com Zangief e eu com Ken. E eu estava perdendo, de novo. Ele já fazia graça:
— Vai dizer que o controle tá ruim ou que teu dedo é mole? — riu, jogando o controle pro lado no fim da partida.
— Vai se ferrar, véi. Esse pilão do Zangief é muito apelão — respondi com uma careta, me jogando pra trás no colchão esticado no chão do quarto dele.
— Sem contar que o cara cai cheirando o bilau dele — disse ele, rindo, com a face corada.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. O ventilador girava lento, jogando ar morno.
— Ei... posso te perguntar uma parada? — ele disse, mexendo nos próprios dedos, como se juntasse coragem.
— Pergunta aí.
— Tu já... sei lá... mediu?
— Medi o quê? — Olhei de lado, mas já sabia a resposta.
— Tu-sabe-o-quê. O bilau, pô.
Soltei uma risada, meio constrangido.
— Já. Tu nunca?
— Uma vez. Mas acho que fiz errado — ele fez uma careta engraçada e riu. — Fiquei na dúvida se era pra medir mole ou duro.
— Ué, os dois, né?
Ele deu de ombros.
— E o teu é grande?
— Normal, eu acho — disse, tentando soar indiferente.
— Duvido. Tu tem cara de que tem pinto pequeno.
— Ah, vai se ferrar.
— É sério! Aposto que o meu é maior.
— Que nada. Tu parece um Smurf, nem deve ter pentelho ainda.
Ele sorriu, daquele jeito de canto de boca que eu já tinha aprendido a decifrar. Tinha provocação, mas também algo por trás — algo que nem ele sabia nomear.
— Quer ver então?
— O quê?
— A gente mostra. Tipo, pra tirar a dúvida. Só por zoeira.
Fiquei quieto por um segundo. O coração batendo no pescoço. Eu devia dizer não. Mas minha boca respondeu antes:
— Tá. Mostra o teu primeiro.
Ele olhou nos meus olhos, buscando alguma hesitação. Mas não encontrou. Levantou a bermuda com um gesto rápido, como se arrancasse um curativo. E ali estava ele — menor do que eu esperava, raspado, pálido. Deu até um risinho:
— Ridículo, né?
— Sei lá… normal.
— Agora tu.
— Ah… eu acho que não tá na melhor hora pra você ver… — apontei pro meu short.
— Tá duro? — Ele riu. — Tá com medo de ser menor que o meu, né? — disse, já tirando sarro.
— Medo nada — falei, inflado pelo orgulho. — Quer ver? Então olha.
Quando baixei o short, ele arregalou os olhos.
— Eita, preula! — soltou, rindo de verdade. — Parece um sabre de luz! É mais que o dobro do meu!
A gente riu junto. O constrangimento virou outra coisa. E então ele ficou em silêncio. Abaixou um pouco, olhando com curiosidade. Achei que fosse me zoar de novo, ou cair fora. Mas não disse nada. Só se aproximou mais.
Ele hesitou por um instante, como quem está prestes a atravessar uma linha invisível. Olhou pra mim. E mesmo sem dizer nada, eu entendi a pergunta. E com o silêncio, dei a resposta.
Minha mão foi até a nuca dele. E quando puxei, ele não resistiu.
Sua mão tremia um pouco quando encostou em mim, e o toque era leve, quase estudado. A curiosidade dele era maior do que qualquer vergonha. Quando seus lábios tocaram minha pele, senti o ar sair dos pulmões. Não foi como nos filmes. Não foi perfeito. Mas foi real.
A respiração dele era quente. Os gestos, inseguros. A falta de jeito compensada por uma entrega crua, corajosa. E eu, ali, entregue ao momento.
Fechei os olhos. Tentei conter um gemido que escapou mesmo assim. Quando o toque se aprofundou, algo em mim se partiu — e se reconstruiu ao mesmo tempo. Era mais do que o corpo reagindo. Era a mente em queda livre, tentando entender como um momento tão inesperado podia parecer tão certo.
Senti quando ele se esforçou pra ir mais fundo, engasgando um pouco, mas não recuou. Sua mão segurava firme a base, a boca se movia devagar, úmida, quente. Cada movimento me fazia queimar por dentro. O mundo desaparecia.
E quando o prazer veio, forte e inevitável, tentei avisar. Mas minha voz falhou. Ele não parou. Continuou até o fim. Engoliu tudo, como se fosse natural. Só depois recuou devagar, limpando os lábios com a manga da camisa.
Só se ouvia o ventilador rangendo no canto. Nossas respirações, descompassadas.
Ele evitou me olhar. Eu também não sabia o que dizer. Tinha sido bom, intenso... mas agora era como se o tempo tivesse congelado, incerto do que vinha depois.
Ficamos assim, lado a lado, sem trocar palavras. Nenhum joystick nas mãos. Nenhuma piada. Nenhum plano pro resto da tarde.
Foi então que ouvi a voz da minha mãe, vindo do portão:
— Daaaavid! Bora! Já tá tarde!
Levantei meio sem jeito, puxando o short, tentando parecer natural. A garganta seca. A mente em redemoinho.
— É... eu... preciso ir — falei, gaguejando.
Ele apenas assentiu com a cabeça. Sem responder. Olhou pro chão. Nem um “tchau”. Nem um sorriso.
Saí da casa com o coração apertado, sentindo o sol bater no rosto como se me julgasse.
Enquanto atravessava a rua, só conseguia pensar que tinha estragado tudo. Que aquela amizade — aquela coisa leve e boa que a gente tinha — tinha acabado ali.
E eu… não podia culpá-lo se fosse assim.