"A Casa das Promessas Quebradas"
Novela curta em universo queer BDSM, com enfoque psicológico, sensual e simbólico
Personagens
Sofia – A Escrava por Escolha
Mulher cis, 27 anos, corpo atlético e curvas marcadas. Personalidade dual: intensa e firme sob ordens, mas carinhosa e cúmplice com as mulheres que orbitam sua vida. Submissa convicta de um homem alfa, encontra prazer em obedecer, mas carrega dúvidas silenciosas sobre os limites de sua devoção. Sente desejo por Lizzie, mas se culpa por isso. É quem organiza as dinâmicas e rituais da casa, sob as regras dele. Mantém um ar protetor com as “meninas”, mas teme desobedecer.
Lizzie – A Sissy Omega Capacho
Pessoa transfeminina em processo de hormonização, 25 anos. Frágil, sensível, desesperadamente apaixonada por Sofia, mas presa à ilusão de que um dia será o que ela deseja. Tem um namorado casado, que a vê como objeto de prazer ocasional. Serve a Sofia com devoção cega. Vive em conflito entre a feminilização forçada (em parte por amor, em parte por obediência) e sua necessidade de se sentir amada. É submissa sem vocação para dominar ninguém, o que cria conflitos com Clara.
Clara – A Dogwoman Rebelde
Mulher cis, 29 anos. Ex-amante do Alfa, hoje orbitando os restos de poder emocional que restaram. Intelectual, estratégica e sexualmente intensa. Tem uma obsessão disfarçada pelo namorado de Sofia e manipula as dinâmicas da casa para tentar reconquistá-lo. Submete-se a Lizzie por capricho, e ao mesmo tempo a despreza por não assumir esse papel com vigor. Cobra, provoca, instiga. É ela quem acende os conflitos.
Marcos – O Alfa
Homem cis, 42 anos. Casado. Controlador, racional, sóbrio. Vê nas mulheres e nas submissas formas de estrutura. Ama Sofia, mas do seu jeito – prático, ritualizado. Vê Lizzie como um experimento, uma peça útil, e Clara como ameaça e distração. Não se envolve emocionalmente com nenhuma das “meninas”, apenas com Sofia, a quem molda como esposa ideal... mesmo exigindo que ela case com Lizzie. Mantém regras claras: obediência, ordem, hierarquia.
Capítulo I – Cerimônia do Cheiro
O quarto estava escuro, mas não silencioso. O som dos tecidos, da respiração contida, do tilintar da corrente na coleira de Clara ecoava como um ritual.
Lizzie segurava a calcinha de Sofia com ambas as mãos, a renda fina, impregnada pelo perfume íntimo e traços invisíveis do Alfa, ainda quente. Inspirava como se buscasse um lugar no mundo que só existisse naquele cheiro.
— Mais fundo. — Sofia sussurrou. — Quero que sinta onde estive.
Lizzie obedeceu. A mistura de desejo e náusea a envolveu como perfume ácido. Queria o cheiro de Sofia, mas o odor do homem que ela não suportava estava lá, diluído, presente.
Sofia sentiu um arrepio. Observava Lizzie com o olhar de quem sabe que é amada por alguém que se desfaz só de olhar. E isso lhe dava poder.
Clara, deitada aos pés da cama, olhava com olhos semicerrados. Ela estava nua, com a coleira presa à perna da cama. Desde que se declarara a dogwoman de Lizzie, esperava ordens. Que não vinham.
— Sua cadelinha tá esperando, amor. Vai deixá-la no cio sem direção?
Lizzie abaixou o olhar. Sua feminilização avançava: a testosterona reduzida ao mínimo, os seios inchados, a libido oscilando. Queria poder mandar, mas não sabia como.
— Ela é minha? — perguntou, insegura.
Sofia assentiu com um sorriso triste. — É. Mas você ainda não sabe o que fazer com o que deseja.
Clara rosnou. Literalmente.
Capítulo II – O Alfa Não Brinca
Marcos chegou tarde. Vestia-se sempre com sobriedade: blazer escuro, camisa branca, sapatos de couro sem um grão de poeira. Beijou Sofia na boca, apertando-lhe o pescoço com firmeza.
— Relatório da noite. — disse, olhando para Lizzie e Clara com indiferença.
— Lizzie resistiu ao cheiro. Clara provocou. A ordem não se quebrou.
— Clara... — ele se virou lentamente. — Ainda interessada em mim?
Ela não respondeu. Sorriu de lado. Um sorriso que conhecia o fracasso.
— Sofia, preciso que sua boneca recolha o material amanhã. Banco genético. É ordem.
— Sim, Senhor. — Sofia se curvou levemente. Lizzie engasgou no próprio silêncio. Doía. A última chance de perpetuar algo do que foi um dia. Os últimos espermatozoides. Uma cápsula de quem ela já não era. Choraria mais tarde. Sozinha.
Marcos olhou para ela com frieza. — E a feminilização... mais intensidade. Nova dosagem, dobrada. O corpo deve corresponder à estética. Sofia, administre.
— Sim, Senhor.
Capítulo III – O Pedido
No dia seguinte, Lizzie foi ao banco genético. Sozinha. A clínica era fria. O vidro que separava o interior do tubo criogênico refletia sua imagem com olhos trêmulos, boca cortada pela ansiedade. A última masturbação “ativa” seria aquela.
Sofia não apareceu.
No retorno, Clara esperava no portão, com um sorriso maligno.
— Parabéns, mamãe. Guardou o que sobrou do seu homem?
— Cala a boca, Clara.
— Ah, amor. Eu sou sua cachorra. Você manda.
— Eu não sei mandar!
Clara riu. Lambia o rosto de Lizzie de joelhos, invertendo os papéis. Lizzie apenas deixou. Sofrer era melhor que não sentir.
Capítulo IV – Casamento e Castigo
Marcos convocou uma cerimônia íntima. Casamento simbólico entre Sofia e Lizzie. Exigiu que não houvesse beijo, nem noite de núpcias.
— É uma união de responsabilidade. Nada além. — disse ele, olhando apenas para Sofia.
Clara usava véu. Não por casar, mas por sarcasmo. Sofia chorou discretamente.
No fim da noite, Lizzie tentou beijá-la. Sofia afastou-se com pena.
— Você é minha esposa. Mas ele é o homem da minha alma. Só posso te amar do jeito que ele permitir.
Lizzie dormiu sozinha. Clara também.
Capítulo V – O Rastro das “Meninas”
No quarto ao lado, Sofia chorava em silêncio. Marcos dormia. Mesmo ali, ela se sentia escrava. Por escolha. Mas ainda assim escrava.
No quarto de baixo, Clara latia baixinho. Esperava por ordens. Lizzie queria tocá-la. Mas a mão tremia. Queria ordenar. Mas o corpo já não respondia como antes.
A feminilização avançava. O tesão recuava. A alma se dividia entre ser útil e ser real.
— Clara... você... quer mesmo que eu te mande?
— Quero que você seja. Não que tente.
No fundo, todos buscavam amor. Só que ninguém sabia amar.
Epílogo – O Círculo Não Fecha
A casa das promessas quebradas não tinha dono. Apenas ciclos.
Clara desejava o que não teria. Sofia amava a quem não a via. Lizzie servia a quem não podia possuir. Marcos controlava tudo, mas não amava nada além da ordem.
E todas as noites, antes de dormir, Lizzie vestia a calcinha que Sofia usara... e rezava para que, um dia, fosse suficiente.
Capítulo VI — As Flores Não Dadas
Primavera chegou, mas as flores não se abriram em Sofia. Sentia cólicas fantasmas, desejos difusos. Quando uma amiga da infância engravidou, algo quebrou silenciosamente.
— Acho que eu queria ser mãe... — ela disse a Lizzie, ao pé da cama.
Lizzie parou. A palavra “mãe” ecoou dentro dela como uma esperança roubada. O sangue que havia congelado no banco genético ganhava outra dimensão.
— Você ainda pode ser... — disse com voz baixa. — Não como sonhou. Mas de outro jeito.
Sofia sorriu, mas foi um sorriso curto. Ela sabia. Sua infertilidade fora descoberta semanas antes, após exames exigidos por Marcos.
— Ele não quer filhos. Nem meus, nem de ninguém. — Sofia confessou. — Disse que uma escrava não gera sucessores. Ela serve. E ponto.
Clara ouviu tudo, da escada. Chorou em silêncio. Tinha útero, óvulos e um histórico de fertilidade invejável. Mas nunca se sentira desejada como mãe. Nem mulher de ninguém. No dia seguinte, ofereceu seu corpo a Sofia. Como oferenda.
— Se quiser... posso ser seu ventre. Só seu. Não dele.
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Capítulo VII — O Ritual das Sementes
Foi Lizzie quem trouxe a ideia. Um ritual simbólico. Um momento “nosso”. Um teatro sagrado de transgressão doce.
— O sêmen que congelei... ainda é meu. Mas se for teu desejo... pode ser nosso filho. Ou filha. Ou o que você imaginar.
Sofia hesitou. Chorou por três noites. Marcos não soube. Não perguntaria.
Na quarta noite, com o cheiro do Alfa ainda impregnado nos lençóis, elas se prepararam. Clara estava nua, deitada sobre pétalas. O quarto iluminado por velas, difusores de aroma e a calcinha de Sofia pendurada como estandarte.
Sofia havia sido “fertilizada” por Marcos horas antes. Ela sabia que era impossível. Mas... e se?
Ela conduziu Lizzie, que usava uma seringa, aquecida em banho-maria, com o sêmen descongelado. Clara sorria, emocionada.
— Nunca imaginei que minha primeira inseminação seria num altar com cheiro de rendas.
Lizzie, nervosa, derramou metade no carpete.
— Desculpa... — disse.
Sofia riu. Limpou o rosto dela com os próprios dedos. — Era pra ser assim. Tão imperfeito quanto sagrado.
Clara foi inseminada. Lentamente. De forma simbólica e afetuosa. Depois, Sofia deitou ao lado. Tocou o ventre de Clara, mas o dela próprio também. E ali, entre velas e líquidos, sentiu que todas haviam sido fertilizadas.
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Capítulo VIII — O Círculo se Fecha
Dois dias depois, Marcos soube. Não por ciúme. Mas por estratégia.
— Você tenta escapar de mim até nos rituais. — disse seco. — Mas só é fértil quando eu deixo.
Não gritou. Não castigou. Apenas se afastou de Sofia por uma semana. E ela sofreu mais do que se tivesse apanhado.
Durante a ausência dele, Lizzie tentou cuidar de tudo. Inclusive de Clara, que agora a obedecia com carinho. Um carinho novo. Clara havia se apaixonado. Pela primeira vez, sem ironia.
— Você não é forte como Sofia. Nem ácida como eu. Mas é você. E eu... quero isso.
Lizzie chorou. Queria dar amor. Mas só sabia receber ordens.
Foi Sofia quem, ao voltar ao centro da casa, trouxe equilíbrio:
— Vamos criar esse filho juntas. Mesmo que ele não venha. Mesmo que nunca exista. Vamos fingir. Sentir. Sonhar.
Clara assentiu. Lizzie caiu de joelhos.
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Capítulo IX — O Filho Que Não Veio
Clara menstruou. Era óbvio. A inseminação simbólica não se transformou em gravidez. Mas isso não quebrou o laço. Ao contrário, tornou-o eterno.
Fizeram uma “festa de menstruação”. Um ritual de falha. Com risos, vinho, e calcinhas tingidas de vermelho penduradas como bandeiras de guerra.
Marcos entrou na casa com seu perfume forte. O odor de dominância e desinteresse. Observou a cena.
— Mulheres celebrando esterilidade? — zombou.
Sofia apenas respondeu:
— Estamos celebrando o que criamos com o que temos. Não com o que você deixa.
Ele não respondeu. Tocou o rosto de Sofia. Depois, se virou para Lizzie:
— Prepare os documentos. Quero que vocês se mudem para a propriedade do interior. Lá, poderão “brincar” à vontade.
Era um exílio. Mas também um recomeço.
Clara riu.
— Brincar é tudo o que sabemos fazer.
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Epílogo — A Família Irreal
Na nova casa, sem regras tão firmes, as três criaram rituais próprios. Lizzie deixou de tomar hormônios por um tempo, para entender seu corpo. Sofia passou a cultivar orquídeas. Clara escrevia cartas para um filho que não existia.
E toda noite, antes de dormir, Lizzie usava a mesma calcinha da cerimônia. Dizia que era o “berço da semente”.
Sofia a beijava na testa.
— Você não é meu Romeu. Nem minha Julieta. Você é... você. E isso é tudo que eu preciso.
Clara murmurava baixinho:
— Boa noite, mamãe.
E dormiam. As três. Sem filhos. Sem príncipes. Mas com histórias que só elas sabiam contar.