Reencontros - Cap 14

Um conto erótico de Ju
Categoria: Trans
Contém 3846 palavras
Data: 28/05/2025 23:45:12
Assuntos: Trans

O sábado passou como um borrão. Eu praticamente dormi o dia inteiro, o corpo pedindo descanso, mas o coração ainda acelerado com tudo que tinha acontecido na noite anterior. A despedida de solteira foi mais do que uma festa — foi um rito de passagem, um mergulho sem volta na liberdade de ser quem eu sou, cercada por pessoas que me amam e me desejam bem.

Acordei já no fim da tarde, com Léo deitado ao meu lado, me fazendo cafuné enquanto assistia algo baixinho na TV. Troquei um olhar preguiçoso com ele, e o sorriso que ele me deu bastou pra me fazer sentir segura, inteira, sua.

No domingo, resolvemos aproveitar o dia com calma. Fomos caminhar no Parque da Redenção, como dois jovens namorados. O sol atravessava as árvores, criando sombras dançantes no chão de pedras. Peguei na mão do Léo e encostei a cabeça no ombro dele enquanto andávamos devagar, observando as famílias, os artistas de rua, os casais em piquenique. Compramos bergamotas no caminho e tomamos um chimarrão sentados na grama. Ele me chamava de "minha guria" e eu só sabia sorrir boba, com aquele brilho no peito que só o amor sabe acender.

De tempos em tempos, ele me dava um beijo na testa, ou me roubava um selinho. Eu me sentia linda, leve, pronta pra qualquer coisa com ele ao meu lado. Rimos com uma apresentação de violino perto do laguinho, e fizemos uma foto nossa com a fonte ao fundo. Estávamos plenos, em paz. Eu usava uma saia longa e uma blusa preta de alcinhas, batom suave e um brilho no olhar que nem maquiagem nenhuma alcança.

Na segunda-feira, as coisas começaram a voltar ao ritmo no escritório… ou quase. Bastou eu entrar que os olhares começaram. Mariana foi a primeira a passar por mim com um sorrisinho malicioso.

— Bom dia, senhora quase casada… — disse, com aquele tom provocador.

Camila e outra colega cochicharam perto da máquina de café, e Melissa me encontrou ainda na copa e segurou meu braço com um sorriso que era pura travessura.

— Juliana… que festa! Que noite… — disse em tom baixo, quase num sussurro.

Me olhou com uma mistura de admiração, desejo e cumplicidade. E mesmo sem dizer mais nada, eu sabia exatamente do que ela estava falando. Eu sorri de canto e dei uma piscadinha. Ela mordeu o lábio, levemente corada, e antes de sair ainda murmurou no meu ouvido:

— Aquilo que a gente viveu… foi inesquecível.

No fundo, eu sabia. Algo havia despertado entre nós. Algo quente, latente, que nenhuma de nós estava pronta pra nomear. Mas estava ali. E vibrava em cada toque de olhar, em cada lembrança pulsando nas entrelinhas da segunda-feira.

O ambiente seguia profissional, claro, mas as entrelinhas estavam recheadas de segredos e eletricidade. Um novo capítulo se desenhava… e mal sabiam eles: o melhor ainda estava por vir.

Os dias seguintes no escritório fluíram com uma leveza quase encantada. Depois da intensidade da despedida de solteira, eu me sentia num estado de graça — serena, desejada, apaixonada. E essa energia parecia contagiar tudo ao meu redor.

O Leonardo seguia sendo o homem mais maravilhoso que eu já conheci. Todos os dias, sem exceção, ele encontrava um jeitinho de me surpreender. Um bilhete delicadamente deixado na minha gaveta:

“Minha doutora, minha advogata, minha mulher. Ainda sinto teu cheiro no travesseiro. Te amo. Léo.”

Ou então um chocolate que ele sabia que eu gostava, com uma florzinha de papel grudada com fita adesiva. Um dia, deixou na minha mesa um pequeno livro de poemas de amor, com marcações em algumas páginas e um bilhete onde dizia:

“Achei que algumas palavras aqui falavam com a tua voz.”

Claro que eu retribuía. Escrevia bilhetinhos com batom, deixava bombons na gaveta dele, ou passava rapidamente pela sala dele com um sorrisinho maroto e deixava um perfume no ar, só pra provocar.

— Meu Deus, vocês são muito apaixonados! — disse Mariana uma manhã, quando me viu cheirando um buquê de flores que Léo mandou entregar com um bilhete que dizia simplesmente:

“Pra perfumar teus dias, assim como teu cheiro perfuma os meus.”

Melissa também observava tudo, ora rindo, ora suspirando. O que era curioso é que ela mesma estava envolvida num redemoinho de emoções com Heitor. Os dois estavam cada vez mais intensos, mais cúmplices. Ela falava dele com um brilho nos olhos, e ele vinha buscá-la algumas vezes no final do expediente, e sempre fazia questão de cumprimentar todos com um sorriso — mas o olhar dele parava mais tempo no dela.

— A gente tá se descobrindo... e eu tô meio viciada nele — ela me confidenciou num café da tarde. E eu entendia. Os dois estavam pegando fogo.

Mas algo mais também começava a acontecer. Algo entre mim e ela. Começou com olhares prolongados. Sorrisos cúmplices. Trocas de mensagens sobre as lembranças da despedida.

Um dia, num intervalo mais tranquilo, enquanto estávamos sozinhas na copa, Melissa se aproximou de mim. Ficamos em silêncio por alguns segundos. A tensão era quase palpável. Ela encostou a testa na minha e disse baixinho:

— Às vezes, eu ainda sinto o gosto do teu beijo...

Eu sorri. Meu coração deu aquele salto. E então nossos lábios se tocaram. Um beijo calmo, doce, quente. Um beijo discreto, roubado do tempo. Só nosso.

Depois disso, viraram pequenas provocações. Toques sutis. Beijinhos escondidos nos bastidores do escritório — na sala de reuniões vazia, no corredor entre as estantes, num canto escuro do arquivo. Nada explícito, nada demais. Mas era algo real. Intenso. Aquele tipo de ligação que não dá pra explicar, só sentir.

Entre mim e o Léo, tudo seguia firme. Apaixonado. Ele não só sabia, como aprovava. E isso me deixava ainda mais segura para viver tudo o que estava florescendo. A verdade é que... eu estava amando tudo. Todos os lados dessa história.

E mal sabia eu que os próximos dias trariam ainda mais surpresas e emoções.

Mesmo vivendo dias de felicidade intensa — com o escritório pulsando em harmonia, com Léo cada vez mais meu parceiro de alma, e com Melissa despertando sentimentos que eu ainda estava começando a nomear — havia uma parte da minha história que seguia como um livro inacabado.

Meus pais.

Eles sempre foram retrógrados. De família tradicional, rígida, marcada por valores antigos. Não estavam acostumados com mudanças grandes — muito menos com algo tão profundo e transformador como a minha transição.

Quando eu me abri com eles, anos atrás, revelando minha homossexualidade, e mais tarde, minha transição, a reação deles foi dura. Fria. Chocante até. Eu já morava sozinha na época, tinha minha independência, mas confesso que esperava apoio. Esperava amor. Esperava acolhimento.

Mas o que eu recebi foi distância. Não um corte abrupto, mas um afastamento covarde e silencioso. Palavras pesadas, silêncios longos. Pouco tempo depois, eles se mudaram para outro país — uma decisão prática, segundo eles, mas que sempre soou pra mim como uma fuga.

Eles não me abandonaram, é verdade. Nunca cortaram laços completamente. Sempre houve uma mensagem protocolar no meu aniversário, uma saudação no Natal, no Ano Novo. Mas nunca houve presença. Nunca houve visita. Nunca houve calor.

E eu também nunca bati na porta deles. Porque a ferida era profunda. E a mágoa, mútua. Eles talvez sentissem que haviam perdido a filho que idealizaram. E eu... eu sentia que havia perdido os pais que deveriam me amar incondicionalmente.

Durante muito tempo, evitei pensar nisso. Joguei pra debaixo do tapete do coração. Substituí as lacunas com minhas conquistas, meus amores, e recentemente, minhas amizades. Mas por mais que o tempo curasse, não apagava.

E foi no meio daquele furacão de carinho que eu vivia, cercada por bilhetinhos apaixonados do Léo, beijinhos furtivos da Melissa, risadinhas das meninas no escritório, que tudo voltou à tona.

E então veio aquele processo.

Uma ação coletiva enorme, de impacto nacional, envolvendo questões fundiárias e abusos contratuais de um banco contra centenas de famílias. Era o quarto escritório ao qual aquele grupo recorria. Os três anteriores não haviam conseguido avançar. Quando o processo caiu nas minhas mãos, alguma coisa em mim se acendeu. Era complexo, delicado, cheio de nuances jurídicas — mas eu mergulhei nele com garra.

Foram meses de preparação, audiências tensas, incontáveis idas ao fórum, mas nós vencemos. A decisão foi histórica. Salvamos as casas de centenas de famílias. E a notícia se espalhou com rapidez.

Na manhã seguinte à vitória, estávamos no escritório em ritmo de comemoração. Léo me trouxe flores. Melissa me deixou um bilhetinho fofo no teclado. E entre abraços, risos e mensagens de parabéns, a recepção me avisou que um casal estava ali para agradecer pessoalmente. Eu não dei muita atenção — estava acostumada com esse tipo de visita após vitórias tão grandes. Levantei da minha mesa, ajeitei meu vestido, passei o batom vermelho de sempre, e fui ao encontro deles.

Assim que pisei na recepção e meus olhos encontraram os deles… o tempo parou.

Meu pai, Roberto, estava de pé, com os ombros mais curvados do que eu lembrava, os cabelos completamente grisalhos. Minha mãe, Alice, ao lado, segurava uma pasta contra o peito e parecia mais miúda, os olhos marejados. Eles me olhavam como se estivessem vendo um milagre. Ou reencontrando um pedaço perdido de si mesmos.

— Juliana…? — minha mãe disse, quase num sussurro.

Eu parei. O mundo ao redor desapareceu. Eu ouvi meu nome dito pela voz da minha mãe, do jeito certo, pela primeira vez.

— Sim — respondi, firme. — Doutora Juliana. Em que posso ajudá-los?

Eles se entreolharam, emocionados, e então meu pai deu um passo à frente, com a voz embargada:

— Nós viemos agradecer… a advogada que salvou nosso lar.

Meu coração disparou. Eles não sabiam. Não sabiam que tinham vindo justamente ao meu escritório. Que tinham vindo até mim.

Ali, na frente da recepção, com o sol filtrado entrando pelas janelas e um buquê de flores sobre minha mesa logo adiante, meu passado e meu presente se encararam pela primeira vez. Não havia mais como voltar atrás.

E foi assim que eu reencontrei meus pais.

Eu mal conseguia acreditar no que estava acontecendo. O coração batia descompassado, as mãos suando. Mas mesmo com a cabeça girando, respirei fundo, forcei um sorriso entre lágrimas e disse:

— Venham comigo, por favor.

Conduzi meus pais até minha sala, a sala da Doutora Juliana, com a placa dourada ainda brilhando na porta. Eles passaram por aquele corredor como se estivessem atravessando um túnel no tempo. E eu, por dentro, era um turbilhão.

Assim que fechei a porta, me vi tomada por uma emoção que não cabia mais no peito. As palavras vieram atropeladas, molhadas por lágrimas que eu já não tentava conter:

— Eu... eu não acredito que vocês vieram parar aqui. Que vocês vieram até mim… sem nem saber que era eu...

Minha mãe tentou se aproximar, mas a minha dor falou antes:

— Vocês me deixaram! — explodi, num tom mais alto. — Vocês sumiram da minha vida! Nem uma visita! Nenhuma tentativa de entender o que eu tava passando! Eu nem sabia que vocês tinham voltado para Porto Alegre. E agora... agora vocês vêm até mim, porque eu venci um processo importante?

— Juliana, a gente não soube como lidar… — começou minha mãe, com a voz baixa.

— Não soube ou não quis? — interrompi, a voz tremendo. — Eu passei por tudo isso sozinha. Eu me reconstruí sozinha. E agora vocês vêm me agradecer por salvar a casa de vocês? A casa que eu nunca fui convidada a visitar?

Meu pai parecia travado. As lágrimas escorriam no rosto da minha mãe. O silêncio ficou espesso na sala. Eu tentei respirar, conter a onda de dor que subia pela garganta.

— Eu sou a mesma pessoa. Só que agora completa. E vocês não quiseram me ver assim. Vocês não merecem me ver assim.

Minha mãe, finalmente, deu um passo à frente e disse:

— Mas a gente tá vendo agora. E tá tentando. Mesmo que tarde. A gente não tinha ideia de que aquela advogada incrível, que tinha vencido o caso, nos garantido a nossa casa, era você. A gente veio agradecer quem salvou nossa casa… e foi a nossa filha.

Antes que eu pudesse responder, a porta da sala se abriu com um grande estalo. Léo entrou, claramente preocupado com as vozes alteradas que ouviu do corredor.

— Amor? Tá tudo bem?

Eu me virei, os olhos ainda em prantos. E, apesar do caos emocional, tentando sorrir.

— Tá... agora tá. — Caminhei até ele, segurei sua mão com força e, com a voz embargada, apresentei: — Esses são meus pais, Roberto e Alice. E, bom... esses são os seus sogros, Léo.

Ele olhou para eles com um olhar firme. Estendeu a mão para o meu pai com respeito, depois para minha mãe.

— É um prazer conhecê-los. A Juliana é a mulher mais incrível que eu já conheci. E tudo que vocês deixaram de ver nela… o mundo agora vê.

Meus pais pareciam sem palavras. O Léo, ali ao meu lado, era meu porto. E mesmo com todos os sentimentos atravessados, aquele momento era real, intenso, cheio de possibilidades. Porque pela primeira vez, depois de tantos anos, a minha história estava se costurando de novo com as linhas certas.

Eu e Léo tiramos a tarde de folga. Não havia a menor condição de eu voltar ao trabalho depois da tempestade emocional daquela manhã. Os olhos ainda ardiam, e o peito parecia cheio de palavras que ainda precisavam sair.

Fomos para um restaurante discreto, aconchegante, onde eu e ele costumávamos ir em momentos importantes. Ele, sempre atento, escolheu uma mesa mais reservada. Meus pais sentaram diante de mim e de Léo, ainda sem saber exatamente como lidar com a intensidade do momento.

O almoço seguiu num silêncio denso. O garçom parecia perceber o clima e evitava olhares diretos. Eu ainda estava abalada, meu olhar perdido, a maquiagem borrada. Às vezes, sem controle, as lágrimas simplesmente escorriam. Minha mãe, com os olhos marejados também, esticava a mão por cima da mesa e segurava a minha com carinho.

— Filha… — ela murmurou com um tom trêmulo — …a gente não sabia. A gente era ignorante, fechado… Você era tão forte, mas devia estar tão machucada...

Eu só conseguia balançar a cabeça, tentando controlar o pranto.

Léo segurava firme a minha outra mão, entrelaçando os dedos, me ancorando ali.

Depois do almoço, decidimos ir até o nosso apartamento. Meus pais aceitaram o convite, um pouco hesitantes, mas conscientes de que aquele dia era mais do que apenas uma coincidência. Era uma oportunidade.

O ambiente da nossa casa foi como um afago na alma. A luz da tarde filtrava pelas cortinas com suavidade, e o cheiro do meu perfume ainda pairava no ar. Léo preparou um café enquanto eu me sentava no sofá, ainda em silêncio. Meus pais se sentaram à minha frente, visivelmente emocionados.

Minha mãe foi a primeira a falar.

— Ju... a gente falhou com você. Feio. A gente errou quando mais deveria ter estendido a mão. A gente permitiu que o medo, o preconceito, o que os outros iam pensar, falassem mais alto do que o amor por ti. E isso... isso não tem desculpa.

Ela já chorava abertamente, enxugando as lágrimas com um lenço.

— A gente te viu crescer, Ju... tão brilhante, tão inteligente… mas a gente não enxergava que por dentro, você ainda não podia ser inteira. E quando você decidiu ser você por completo… a gente se afastou. A gente falhou como pais.

Eu olhava pra eles, calada, com os olhos já molhados outra vez. Mas dessa vez eu não me contive.

— Eu me senti sozinha. Tão sozinha… — minha voz falhou — Eu fiquei desesperada. Vocês não imaginam quantas noites eu chorei, sentindo que o mundo inteiro estava contra mim. Eu trabalhei tanto... tanto... pra chegar até aqui. E tudo o que eu mais queria era que vocês estivessem por perto. E vocês não estavam. Vocês não quiseram estar. Vocês fugiram!

A sala ficou em silêncio por alguns segundos. O peso da minha dor reverberava no ambiente.

Foi então que meu pai se levantou devagar. Caminhou até mim. Ajoelhou-se. A voz dele saiu embargada, como eu jamais tinha escutado antes:

— Filha… eu não sei se algum dia vou conseguir apagar o que a gente te causou. Mas hoje, te olhando aqui… te vendo tão plena, tão linda, tão verdadeira, tão respeitada… Eu... eu sinto um orgulho que não cabe em mim. Eu só queria poder voltar no tempo e fazer tudo diferente. Mas como não posso… eu só posso te pedir perdão. Me perdoa, minha filha. Por tudo. Perdão.

Ele chorava, com os olhos vermelhos, e eu desabei.

Desabei no colo do meu pai, chorando com o peito inteiro. Chorando anos de ausência, de medo, de rejeição, de mágoa. E também de alívio.

Minha mãe me abraçou por trás. Léo se aproximou, colocou a mão no meu ombro, em silêncio. Era como se todo o amor do mundo estivesse ali, reunido naquela sala, costurando as feridas que há tanto tempo sangravam.

Ficamos assim, abraçados, sem pressa. Naquele instante, eu senti uma paz que há anos não sentia. Uma parte de mim que estava em suspenso, enfim, encontrou lugar para descansar.

Embora o clima ainda estivesse carregado, com tantas emoções acumuladas em um único dia, à noite decidimos fazer algo leve, caloroso e familiar. Um churrasco no nosso apartamento. Eu e Léo cuidamos de tudo com carinho, querendo transformar aquela noite num marco de recomeço. Convidamos também o Dr. Ayrton, pai do Léo, que chegou um pouco depois, trazendo aquele seu jeito firme, porém afetuoso. Pela primeira vez, teríamos ali um encontro de família completa.

Meus pais ficaram um pouco tensos no início, mas aos poucos, com o aroma do churrasco tomando conta do ambiente e os primeiros goles de cerveja, o clima foi se soltando. Léo se dedicava à churrasqueira com aquele charme que me hipnotiza, e meu pai, curioso, foi se aproximando, fazendo perguntas, dando pitacos, e em poucos minutos os dois já estavam rindo juntos como velhos amigos.

Foi então que, sentados à mesa, com a carne já servida, as taças cheias e o coração mais leve, olhei para meus pais e respirei fundo. Segurei a mão do Léo com firmeza.

— Tem algo que queremos compartilhar com vocês.

Eles me olharam atentos, meu pai ainda com um pedaço de pão com vinagrete na mão.

— Eu e o Léo… vamos nos casar. Já marcamos a data. Vai ser em breve.

Minha mãe levou as mãos à boca, os olhos marejando de novo. Meu pai arregalou os olhos e olhou para mim, depois para o Léo. O silêncio durou um segundo inteiro… e então ele se levantou e nos abraçou, um de cada lado.

— Eu nem sei o que dizer… só que… que vai ser uma honra imensa estar nesse dia com vocês. E que orgulho, Ju… que orgulho da mulher que você é. — ele falou com a voz embargada, os olhos úmidos.

Minha mãe se levantou e se juntou ao abraço. Foi uma cena linda. Verdadeira. O tipo de abraço que sela promessas silenciosas. Promessas de presença, de amor, de reconstrução.

Depois disso, o churrasco seguiu com leveza. Meu pai e o Léo formaram dupla na grelha, discutindo o ponto ideal da carne, tomando cerveja e trocando piadas. Em certo momento, os dois começaram a conversar sobre futebol, depois sobre carros — e ali eu vi meu pai se abrindo, se permitindo, enxergando no Léo não só meu noivo, mas um parceiro digno da filha dele.

Dr. Ayrton também se entrosou bem, especialmente com a minha mãe, falando sobre viagens, política e até sobre os tempos de faculdade. Era como se, aos poucos, tudo estivesse entrando em sintonia.

Foi uma noite bonita, leve, com muitas risadas e olhares cúmplices. E embora houvesse ainda cicatrizes a serem tratadas com o tempo, havia ali uma certeza: a ponte estava construída. A reconciliação tinha começado. E o casamento que se aproximava não seria apenas um rito de amor entre mim e Léo, mas também a celebração de tudo aquilo que conseguimos curar.

Depois do churrasco, já quase madrugada, meus pais se despediram e foram para casa. A casa que eu salvei, mesmo sem saber. Fiquei olhando eles descerem pelo elevador, de mãos dadas, e senti algo profundo dentro de mim. Era como se eu estivesse assistindo ao início de uma nova história — nossa história, reescrita com perdão.

Léo e eu nos recolhemos para o quarto. Ele me abraçou por trás enquanto eu tirava o brinco no espelho. Estávamos exaustos fisicamente, mas meu coração batia descompassado, ainda inundado por toda a carga emocional daquele dia.

Nos deitamos juntos. Ele me abraçou por trás, me aconchegando no peito forte dele, mas mesmo com aquele abraço que sempre me acalmava, eu não conseguia dormir.

Fiquei virando de lado, suspirando, engolindo o choro que vinha sem pedir licença. Uma lágrima escorria, depois outra. Era emoção demais. Dor, alívio, saudade, esperança — tudo junto. Léo percebeu e me acariciou o braço com delicadeza.

— Quer conversar, meu amor?

Balancei a cabeça negativamente. Eu não queria falar, só precisava sentir. E ele entendeu. Apenas me abraçou mais forte, me beijou os cabelos e ficou ali comigo, em silêncio, sendo abrigo.

A madrugada passou assim. E quando finalmente peguei no sono, já era quase manhã.

Na manhã cheguei ao escritório com os olhos fundos, maquiagem borrada, o rosto visivelmente abatido. Estava com a mesma elegância de sempre, mas havia algo em mim que não escondia: meu coração ainda estava sensível, escancarado.

Ao me verem, Mariana, Camila, Melissa se entreolharam com preocupação. Foi Camila quem se aproximou primeiro, com aquele jeitinho mais direto.

— Doutora Ju... tá tudo bem?

Eu respirei fundo, sentei na minha cadeira com delicadeza e dei um sorriso cansado.

— Ontem foi um dia muito intenso… Reencontro com meus pais, conversas difíceis, mas necessárias. Mexeu muito comigo, contei, com algumas lagrimas escorrendo.

Elas não insistiram, respeitando meu tempo. Melissa, porém, ficou me observando com um olhar mais demorado. Havia carinho e preocupação ali, mas também admiração. Ela sabia, talvez melhor do que todas, o quanto aquela reconciliação significava.

No meio da manhã, recebo um aviso na recepção: minha mãe estava lá. Fiquei surpresa.

Ela entrou com um jeitinho tímido, carregando um embrulho coberto com um pano de prato florido. Era uma cuca. Uma cuca recheada com doce de leite e farofa crocante em cima — exatamente como ela fazia quando eu era criança e passava a tarde estudando.

— Eu lembrei que tu adorava essa receita… e achei que hoje podia te fazer bem.

Eu sorri com os olhos marejados. Peguei a travessa como quem recebe um pedaço da infância de volta. Levantei e a abracei forte. Dessa vez, sem culpa, sem receio. Apenas com amor.

— Obrigada, mãe.

Foi só depois da primeira mordida que percebi: algo em mim estava mais leve. Ainda não estava tudo resolvido, mas o gesto simples dela teve o poder de me lembrar que recomeços não precisam ser grandiosos — basta serem verdadeiros.

Aquela semana seguiu mais suave. Com olhares de carinho do Léo, bilhetinhos dizendo “estou contigo em tudo”, o perfume dele nos abraços apertados e a presença das minhas amigas no escritório, me fazendo rir, me distraindo, segurando minha mão sem que eu precisasse pedir.

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