Desejo, fogo que queima; Traição, chama que mata.

Um conto erótico de Mark da Nanda
Categoria: Heterossexual
Contém 4417 palavras
Data: 28/05/2025 11:07:40

NASCE UMA HISTÓRIA

Em Manaus, onde o ar úmido abraçava a pele como um amante quente, o rio Amazonas testemunha segredos sob o sol escaldante e é nesse ambiente em que Iara nasceu e foi criada. Descendente de índios e portugueses, tinha a pele morena reluzente como bronze, cabelos lisos e negros caindo como uma cascata da mais escura noite, olhos pretos profundos como o leito do rio e um corpo lindo, esguio é verdade, mas com curvas que enganavam e ao mesmo tempo prometiam verdades indizíveis sob os tecidos leves dos vestidos que gostava de usar.

Rodrigo, seu marido, era engenheiro civil concursado. De ascendência holandesa, exibia pele clara que rosava ao sol, cabelos loiro-escuros ondulados, olhos azuis como um céu sem nuvens, barba curta impecável e um corpo alto e forte, esculpido por anos de trabalho. Sua seriedade e paixão por estudos contrastavam com a alma vibrante de Iara, mas ainda assim existia algo entre eles que nenhum poeta ousaria definir. Para eles era o suficiente, pelo menos é o que imaginavam...

Roberto, irmão de Rodrigo, compartilhava a boa genética holandesa: alto, pele clara com sardas sutis, cabelos loiros mais claros que o do irmão, quase dourados na verdade, olhos azuis penetrantes e um físico atlético que transpirava testosterona pura. Sua personalidade extrovertida, com risadas que ecoavam como sinos, o tornava um verdadeiro imã social.

Iara e Roberto, colegas há anos em um escritório de contabilidade em Manaus, onde o aroma de café forte se misturava ao som de teclados, conheciam-se mais do que as aparências indicavam. Foi através de Roberto que Iara conheceu Rodrigo, numa faísca que incendiou um amor inesperado, mas forte, culminando num casamento rápido. Entretanto, Iara guardava um segredo que nunca revelara ao amado: no passado, ela e Roberto flertaram, mais do que isso, trocaram beijos com gosto de cupuaçu, nunca avançando além por um acaso do destino que nunca ficara bem explicado. A amizade entre eles, porém, era um enigma indecifrado, mas persistente, ao menos para eles.

Rodrigo por força da profissão viajava com frequência para fiscalizar obras e não raras vezes, deixava Iara sozinha. Numa dessas viagens, cuja ausência perduraria mais de 15 dias, Roberto se sentiu no direito de reacender a chama. No escritório, entre olhares furtivos dele para ela, chegou a sugerir, jocosamente, que ela deveria “aproveitar a solteirice”. A surpresa dela foi imediata, mas suas palavras eram como carícias invisíveis, cheirando aquele café novo que aquece o peito, soando como o murmúrio do velho Amazonas. Iara resistiu, é claro, mas o desejo passou a residir novamente em sua alma. Quando Rodrigo voltou, a chama diminuiu, mas nunca se apagou novamente.

O SONHO CARIOCA

Os irmãos cultivavam um sonho antigo da juventude: passar o carnaval na Cidade Maravilhosa. Calhou de terem condições agora e o carnaval de 2025 realizaria o sonho, porém com um “plus”: a presença da doce Iara.

Num apartamento em Copacabana, onde o cheiro do mar se misturava a liberdade e risadas bêbadas ecoavam nas ruas com a bateria de uma escola de samba, os manauaras se sentiram num filme. O Rio era um caldeirão de excitação: as esquinas vibravam com cores que gritavam; mulheres dançavam em biquínis minúsculos, banhadas em glitter e reluzindo como estrelas; risadas misturavam-se ao doce-amargo-azedo de cachaças mineiras e outras bebidas mil; homens sem camisa exibiam tatuagens, corpos sarados e sorrisos safados, tentando embriagar de excitação as moças avulsas. Casais se enroscavam em becos, mãos ousadas exploraram o intocável, o ar cheirando a suor, desejo e sexo, uma verdadeira orgia de sentidos e sensações.

Na quinta, subiram o Pão de Açúcar, o bondinho balançando enquanto o horizonte se abria num azul-turquesa incomum. Iara, num vestido leve, sentia o vento salgado acariciar sua pele morena. Rodrigo, tomado por uma felicidade genuína, explicava a engenharia do que via pela frente, os olhos azuis brilhando, enquanto Roberto apontava para uma gaivota qualquer, rindo de nada.

Um guia bronzeado, mesmo na presença de Rodrigo, elogiou os olhos de Iara e ao saber de onde vinha, não titubeou, dizendo:

- Ah! Iara das águas, o mistério do Amazonas.

Ela sorriu, o elogio aquecendo-a como uma carícia física, embora seu marido a tenha encarado e depois ao guia com olhos julgadores.

Na sexta, no Jardim Botânico, as cores eram outras. O verde pulsava, o cheiro de terra úmida os abraçava. No Cristo Redentor, uma mulata carioca de lindos e longos cabelos cacheados paquerou Roberto, chegando a roçar seu braço. Ele sorriu, mas recusou com uma piada que Iara não conseguiu ouvir, tudo isso sem tirar os olhos da cunhada que pareceu incomodada, talvez com ciúmes. Só que o incômodo dela não teria fim, pois uma vendedora de souvenirs demorou-se tempo demais, alisando demais o braço de Rodrigo, tentando convencê-lo a comprar um pulseirinha. Os olhos de Iara faiscaram e quando notou, Rodrigo negou a compra ganhando a pulseira, a admiração e o telefone da linda riponga de cabelos castanhos ondulados.

PRAIA EM CHAMAS

No sábado e domingo, Copacabana e Ipanema não seriam mais as mesmas. Iara acordou eufórica e já foi vestindo um lindo, mas diminuto biquíni vermelho que ousava sumir em suas curvas, atraindo olhares em 360 graus. Um ambulante, senhor da malandragem cariosa, gritou:

- Vixe, morena! Tu caiu do céu, fosse? É de qual paraíso?

Ela riu, agradeceu, mas mostrou a aliança e indicou seu lindo brasileiro com jeito de gringo mais adiante. Rodrigo jogava uma partida freestyle de futevôlei com Roberto, ambos com suas peles já rosadas pelo sol quente, os cabelos brilhando. Num momento em que Rodrigo foi buscar a bola quase na linha d’água, os olhos de Roberto encontraram os de Iara, os dela carregados de mais do que curiosidade, havia algo oculto, uma carícia oculta.

O dia seguia como se nada estivesse sendo contido. Rodrigo lia sob o guarda-sol, alheio a tudo. Num momento, Roberto passou um copo de caipirinha para Iara, seus dedos roçando nos dela, um toque como batida num tamborim:

- O vendedor está certo: você está mesmo deslumbrante. – Sussurrou baixinho.

Iara sorriu e negou com um balançar de cabeça, mas sentiu um pulsar diferente dentro do peito e não era do coração, não do físico.

Uma carioca de biquíni dourado se aproximou e convidou Roberto para dançar, mas ele gentilmente recusou. Atraindo a atenção do irmão:

- Desse jeito, você vai ficar para titio, mané. Vai lá dar uns tranco naquela cavala, pô!

- Cedo ainda. – Refutou Roberto, bebendo um gole de sua cerveja.

- Cedo!? Já tem até cabelo branco. – Insistiu Rodrigo.

Ambos começaram a discutir, de brincadeira é claro, rindo ao final de uma sucessão de insultos juvenis. Iara lutava sozinha contra uma curiosidade, um desejo que cheirava a manga madura e soava como tambores, que aliás tocavam ali perto deles. Ela amava Rodrigo, tinha certeza disso, mas Roberto era uma tentação, embora proibida.

Na noite do quarto dia, o Sambódromo era um espetáculo de cores que cantavam, penas que brilhavam como fogo líquido, tambores que pulsavam. O ar cheirava a perfume e cerveja, com casais se esfregando colados, corpos seminus suados. Rodrigo precisou se ausentar para ir ao banheiro, afinal, beberam muito, o dia todo. Assim que sumiu de vista, Roberto não se conteve mais e puxou Iara para um canto escuro. Embora ela protestasse, não impediu que seus lábios colidissem aos dele num beijo faminto, com gosto de cerveja e pecado, quente, queimando a alma:

- Você ainda me quer... Eu sabia! - Ele murmurou, dentes roçando seus lábios.

Iara, ofegante, ouvia o samba e sentia o mundo girar sob os seus pés. Outros beijos se seguiram mesmo ela não querendo, ou talvez querendo. Naquele canto, sutilmente ocultos, culpa e tesão dançavam juntos. Logo, Rodrigo voltou, praticamente ao mesmo tempo em que Iara, se desvencilhando dos braços do cunhado, voltava também para onde estavam:

- Ué! Onde foram? – Perguntou Rodrigo.

Iara se calou, ainda aturdida pela ousadia de Roberto, mas este não:

- Fomos ali no canto para ver melhor o desfile. Tinha um negão meio guarda-roupas aqui e a Iara já estava quase partindo para cima dele.

Eles riram e a noite seguiu, madrugada adentro, com ideia surgindo, desejos colidindo, enquanto Iara tentava buscar em Rodrigo um freio moral que agora parecia lhe faltar.

A QUEDA NO ABISMO

Na segunda-feira, a tensão explodiu. Eles acordaram praticamente ao mesmo tempo, mas Rodrigo se ofereceu para comprar pães. O cheiro de café já pairava no ar. Iara, num short que quase estrangulava suas coxas, sentia o ar quente do mormaço como se fosse quase uma sentença. Roberto, com seus olhos azuis faiscantes, disse:

- Chega de brincar.

Não era um pedido, nem uma sugestão, era um trovão irrompendo de seu peito para fazer aquela tempestade acontecer de vez. Ela resistiu num primeiro momento, mas o desejo a sucumbiu como uma onda de tsunami. Ele a prensou contra a parede e bocas se engoliram. As mãos dele lhe arrancando o short, este sendo substituído por dedos ágeis, traçando uma umidade que confessava o inconfessável. Não que precisasse, mas Iara gemeu, confessando ainda mais, enquanto ele chupava seu pescoço, a língua lambendo a pele salgada.

Ele a levantou e suas pernas envolveram sua cintura, levando-a ao sofá. Roberto rasgou a calcinha, enquanto sua boca devorava seus seios, chupando os mamilos marrons com grande fome. Seus dedos já exploravam seu calor íntimo quando ele decidiu sugar dela a seiva que transbordava. Ele posicionou o pau à altura da boca de Iara e, embora ela não tenha aparentemente se disposta a chupá-lo, ele mesmo forçou e enfiou o pau boca adentro, fazendo-a chupá-lo de uma forma quase desesperada. Não resistiram muito mais tempo, pois ele se posicionou entre suas pernas e a penetrou com força. Cada estocada vinha num ritmo febril, cadenciado mas forte, profundo, mostrando a necessidade que ambos tinham daquilo acontecer. Nesse momento, Iara cravou as unhas em suas costas, seus gemidos ecoando. A lembrança de Rodrigo nem mais era uma lembrança, naquele momento era nada, enquanto seu corpo era golpeado sem cessar por Roberto, os sons ecoando como as batidas de uma marchinha ao prazer, os suores deles se misturando, o prazer crescendo até explodir como um fogo de artifício, simultaneamente, tombando os amantes no sofá. Só então, segundos depois, Iara gritou:

- Meu Deus. O Rodrigo...

Nem precisou dizer mais nada, Roberto entendeu. Vestiram-se rapidamente e se sentaram à mesa, aguardando o retorno do traído. Nesse momento, os olhos dela marejaram:

- Eu não me arrependo, Iara. Você deveria ser minha, desde o início. Era o destino. – Disse Roberto.

- Destino!? Cê tá louco? Eu acabei... – Ela se calou, olhando para o teto a fim de evitar que uma lágrima caísse: - Eu acabei de trair o meu marido, seu irmão... e você vem me falar em destino!?

Aquilo só não descambou para uma discussão ainda maior porque o ruído de uma porta se abrindo os calou. Rodrigo entrou tranquilamente, cantarolava uma marchinha qualquer, com um saco de pães no colo. Ele se aproximou e, como de costume, veio beijar sua boca. Porém, ela refugou, afastando-se como se estivesse encabulada. Rodrigo estranhou, mas insistiu, ganhando um selinho dela. Nesse momento, ele sentiu um gosto diferente, meio amargo, não desconhecido, mas também não reconhecido prontamente. Além disso, ele sentiu um clima estranho entre a esposa e o irmão e ao perguntar, Iara desconversou, justificando apenas que estava com uma dor de cabeça:

- Quer uma aspirina? - Pergunto Rodrigo, preocupado.

- Não precisa, amor. Deve ser fome. Vou tomar um café com pau… - Ela pigarreou rapidamente, notando o próprio equívoco ante os olhos surpresos e um sorriso malandro de Roberto: - Com um belo pão. Daí, se eu não melhorar, eu tomo. Obrigada.

Após o café, eles saíram para um passeio, mas Rodrigo preferiu ficar por perto do apartamento, preocupado com a esposa. O dia seguiu sem maiores novidades. À tarde, início da noite, enquanto Rodrigo tomava um banho, Roberto a puxou para o seu quarto:

- Para, Roberto! O Rodrigo está aqui do lado.

- Então, cala a boca e geme baixo.

Ele a virou, colocando-a de joelhos, afastando a calcinha mínima escondida entre suas carnes e a tomou por trás, penetrando rapidamente sua buceta até o fundo, as mãos apertando seus quadris, o membro duro rompendo qualquer barreira moral. Iara mordeu o travesseiro, abafando seus próprios gemidos, o corpo balançando enquanto era estocada com vigor e passando a tremer pouco depois, com um orgasmo que cheirava a ousadia, mas transpirava culpa.

O FLAGRA

Na terça-feira de manhã, após um par ou ímpar, Rodrigo perdeu e saiu para comprar pães. Dessa vez, Iara tirou rapidamente o vestido que usava, procurando o calor de Roberto e logo eles caíram na cama. Ele passou a lamber suas coxas antes de chupar seu clitóris com sede sem explicação. Iara arqueou as costas, gemendo alto, enquanto ele a penetrava lentamente com os dedos, com a língua, com o desejo que parecia não ter mais limites. A urgência era imensa que ele não pensou em mais nada a não ser penetrá-la e foi o que fez, primeiro lentamente, com cuidado, mas acelerando rápido até seus corpos entoarem a mesma marchinha do dia anterior. O quarto cheirava a maresia, mas o odor do sexo logo tomou conta.

Tomados pela volúpia, nenhum dos amantes notou o som característico de uma porta rangendo. Rodrigo havia esquecido sua carteira e precisou voltar. Num primeiro momento, ele estranhou a sala e a cozinha vazias, mas logo ouviu o som de gemidos, suspiros, congelando imediatamente. “Não pode ser!”, ele pensou, atordoado, atônito. Após respirar fundo e forçar sua audição para ouvir os sons que não paravam, decidiu enfrentar seu maldito destino. Foi até a porta do quarto de Roberto que sequer eles tiveram a dignidade de fechar e, parado, viu Iara gemendo sob corpo sarado do irmão, pernas abertas, o pau dele entrando e saindo com força. Seus olhos azuis turvaram-se com uma dor cinzenta, o coração, que antes batia feliz, agora parecia um tambor quebrado. A raiva explodiu num murro seco contra a porta do quarto. Iara deu um grito de imediato, empurrando Roberto e se cobrindo. Imediatamente, sentiu um pânico que nunca sentira antes. Roberto tentou falar, mas as palavras não saíam. Rodrigo, pálido, com os olhos esbugalhados, respirava pesadamente e disse apenas:

- Vo-Vocês…

Sem conseguir terminar uma frase que pudesse fazer algum sentido naquele momento, ele apenas lançou um último olhar ferido para a esposa e saiu, batendo a porta do apartamento como se quisesse derrubar aquele prédio.

Iara caiu em prantos. O arrependimento passou a sufocá-la como uma névoa negra. Cada toque de Roberto que antes acendia seu desejo, agora queimava sua alma, marcando-a com uma culpa dolorosa. Ela amava Rodrigo, nunca duvidou disso, mas uma curiosidade instintiva, quase mórbida, a traíra.

Roberto também sentiu-se culpado, mas estranhamente a dor não o machucava tanto, talvez porque no seu íntimo, ele realmente acreditasse que Iara deveria ser dele e não do irmão. Ainda assim, sabia que agira errado, mas o feito, agora não podia ser desfeito.

Rodrigo caminhava pelas ruas do Rio, sentido a dor como uma tempestade de fogo dentro de seu peito, tudo piorado pelo som da alegria que invadia todas as direções. O carnaval em si, parecia zombar dele. A dor era tanta que ele via sua esposa em cada mulher e isso o entristecia ainda mais. Roberto, seu irmão, agora era um pária e Iara, ele sentia como se nunca a tivesse conhecido.

O RETORNO SILENCIOSO

Rodrigo só retornou no outro dia de manhã, pouco antes do momento em que deveria sair para pegar o voo de volta. Assim que pisou no apartamento, Iara surgiu com os olhos inchados e vermelhos de uma noite que certamente não foi de prazer. Roberto apareceu pouco depois, ao fundo do corredor do apartamento, apático, triste:

- Amor, onde você estava? A gente estava… estava preocupado com você?

- Imagino… - Foi a única resposta.

Ele nem chegou a se desvencilhar dos braços de Iara, porque a conteve antes que o abraçasse, esticando um braço que se apoiou em seu peito. Ela entendeu o recado e não insistiu. Rodrigo então seguiu até o seu quarto, passando ao lado do irmão como se ele não existisse. Arrumou suas coisas, poucas é verdade, pois Iara já havia cuidado de quase tudo e arrastou suas malas até a sala, sentando-se no sofá. Os demais entenderam o recado e foram, cada qual, cuidar do restante de suas coisas.

A viagem de volta a Manaus foi em silêncio. No avião, Iara, sentada na janela, olhava algumas nuvens cinzas, o cinza refletindo sua culpa. Seus olhos pretos, agora estavam úmidos e evitavam os outros. Rodrigo, no assento do meio, parecia ter construído duas muralhas para se proteger, uma de cada lado, e fitava a poltrona da frente, seus olhos azuis opacos, a dor ainda pulsando forte em seu peito ferido. Ele segurava um livro, mas não lia, pois nada o faria esquecer o que vira. Roberto, sentado ao seu lado, tentou quebrar o gelo com uma piada, mas sua voz morreu por não colher resposta de ninguém. O ar entre eles era denso, o silêncio até parecia ter cheiro, mas um cheiro que incomodava, intoxicava a todos. Iara tentou tocar a mão de Rodrigo, mas ele a retraiu, o gesto cortando como uma lâmina na carne. Passageiros ao redor, alheios, conversavam e riam, compartilhando lembranças divertidas do feriado, mas suas risadas mais pareciam uma zombaria a aquele trio, preso em seu inferno particular.

De volta a Manaus, todos seguiram para seus lares, sem sequer se despedirem. Iara não sabia o que fazer e pensou que deixando Rodrigo em paz, talvez ele viesse depois para conversar, tentar entender talvez. Mas ele não aguentou. Na mesma noite, com o calor amazônico pesando como uma sentença, ele pegou uma mala recém usada, jogou algumas roupas dentro sem olhar quais e saiu de casa. Iara, em pânico, aos prantos, tentou detê-lo, sua voz tremendo:

- Rodrigo… Amor, por favor, me escuta!

Ela segurava seu braço forte, tentando ainda mantê-lo preso aquele casamento. Ele parou pouco antes da porta de entrada, os olhos azuis frios como gelo:

- Não tenho nada pra ouvir, Iara. - Disse, a voz um sussurro cortante.

- Como não? A gente tem que… que conversar. Eu preciso… preciso te pedir perdão. Eu errei! Por favor, me dá uma chance de… de… sei lá… explicar.

Mas ele não deu e partiu, deixando Iara com o eco da porta batendo.

Nos dias seguintes, Iara tentou falar com Rodrigo. Ligou diversas vezes. Enviou incessantes mensagens que imploravam perdão, mas ele as ignorava, o celular apenas servindo para lembrar de um passado que ele tentava entender para esquecer. Ela chegou a ir ao escritório dele, mas colegas disseram que ele havia partido em uma viagem de trabalho.

Ela não acreditou de imediato e após uma rápida investigação com amigos em comum, descobriu que ele estava hospedado na casa de Afonso, um primo. Uma noite, ela apareceu na casa onde ele se hospedava, mas Rodrigo apenas a encarou através da janela, o rosto uma máscara de dor, e lhe deu as costas, não abrindo a porta. Cada tentativa de Iara era uma pedra jogada num rio, afundando sem resposta, a culpa sufocando-a cada vez mais.

IRA ENTRE IRMÃOS

Quando Roberto soube da separação por sua mãe, pois Iara havia ligado para saber se Rodrigo estava lá, tentou se reaproximar do irmão. Numa tarde úmida, ligou para Iara e soube do paradeiro do irmão, indo até a casa onde Rodrigo estava:

- Mano, precisamos conversar. - Disse, a voz hesitante, os olhos azuis buscando os do irmão.

Mas Rodrigo sentiu a raiva explodir em seu peito, rugindo como um trovão de sangue:

- Você destruiu tudo, seu canalha!

Rodrigo avançou avançando sobre Roberto com os punhos cerrados. Roberto tentou se defender e talvez pela diferença física tivesse conseguido, mas a fúria de Rodrigo era cega e o alimentava de uma força desconhecida. Socos voaram, gritos ecoaram, o som de um banco de madeira se partindo denunciava que uma tragédia poderia estar para acontecer. Afonso, que acabara de chegar, correu para apartar, segurando Rodrigo enquanto ele gritava:

- Você era meu irmão, cara… Você é meu sangue. Eu te amava.

A briga, se não fosse Afonso, poderia ter acabado em tragédia, com o sangue de um marcando o chão, tal como Caim fez com Abel. Roberto, com o lábio sangrando, nariz quebrado e olhos inchados, de apanhar e chorar, saiu, o peso da culpa agora cravado como uma lâmina em seu peito.

O pai deles, seu Quem-Quem, contração abrasileirada de Coenrrad, o pai deles, um holandês grisalho com olhos azuis idênticos aos dos filhos, soube da briga e exigiu explicações, mais que isso exigiu a presença dos dois numa mesa redonda, uma reunião familiar.

Nessa noite, na casa da família, Rodrigo, com a voz quebrada, ante a presença do pai, da mãe, do irmão e da própria Iara, se abriu:

- Eles me traíram, pai. Esse miserável… Esse… Esse… “verdomd”, dormiu com a Iara. Aliás, dormir não, eles treparam como dois cachorros de rua.

Um silêncio dominou a sala. Rodrigo sentindo uma certa dúvida, insistiu:

- Eu vi! No Rio, enquanto eu estava lá, voltando para buscar minha carteira. Eu vi.

Cada palavra era uma faca, mas a verdade estava ali, no azul de seus olhos turvado por lágrimas. Seu Quem-Quem, atônito, olhou para Roberto, sentindo a dor da traição nas palavras choradas pelo filho:

- Como você pôde?

A decepção aflorada num tom doloroso. Roberto não respondeu, nem suportou mais a tensão daquele local, simplesmente se levantando e saindo. Seu Quem-Quem tentou falar com Roberto depois, mas o filho mais novo o evitou, incapaz de enfrentar o pai, incapaz de enfrentar a verdade.

A ÚLTIMA CONVERSA

Iara não foi reprimida, afinal, não era mais da família, não era mais nada ali. Ela apenas saiu, com os olhos banhados de lágrimas, numa última tentativa de falar com o marido, mas foi em vão, pois dona Aurora, a mãe, a colocou para fora de sua casa a chineladas.

Iara, desesperada, num desses revezes do destino que não se explica, encontrou Rodrigo semanas depois numa praça em Manaus onde o calor parecia engolir o ar. Ele estava sentado num banco, olhando o rio, os olhos azuis ainda opacos. Ela se aproximou, o coração batendo como tambores, o cheiro de jasmim do cabelo dela invadindo o olfato do marido e o fazendo se virar para buscar a origem daquele cheiro tão conhecido:

- Rodrigo, por favor, me deixa falar. Conversa comigo. - Ela implorou, a voz tremendo, lágrimas brotando dos olhos e já brilhando como cristal.

Ele desviou o olhar, temeroso em fraquejar, mas também não se moveu, o que ela interpretou como um sinal para continuar:

- Eu te amo, Rodrigo… - Ela começou com a voz embargada: - Lembra da nossa primeira noite juntos? Você me levou pra ver o encontro das águas e a gente ficou horas numa canoa, só nós dois, com o rio cantando pra gente. Você disse que eu era seu lar. Eu nunca esqueci isso.

Ela parou, engolindo o choro e como ele nada fez ou falou, prosseguiu:

- No Rio, eu me perdi. O carnaval, aquele calor, os sons, as cores, a alegria… era como se o mundo me puxasse pra fora de mim. Roberto, ele… ele me fazia lembrar quem eu era antes, alguém que não tinha medo de sentir tudo. Não foi amor, Rodrigo… Eu não fiz amor com ele. Foi uma fraqueza, uma curiosidade idiota, uma história que… - Ela se calou, temerosa em contar algo que o machucasse ainda mais: - Eu me senti sozinha, mesmo com você lá, porque… porque… você sempre tá tão preso no seu mundo, nos seus cálculos, nas suas obras. Eu precisava sentir algo vivo, algo que me fizesse tremer, algo que… Mas eu sei que te machuquei, e isso tá me matando.

Rodrigo, finalmente, olhou para ela, os olhos azuis quase cinzas, feridos de dor:

- Você era meu mundo, Iara… - Ele falou com a voz baixa, cortante: - Cada ponte que eu construí, eu pensava em você, em nós. Eu construía para nós, nosso futuro. E você jogou isso fora por ele… pelo meu irmão.

Ele riu um som amargo e balançou a cabeça em negação:

- Você acha que suas palavras consertam isso? Eu vejo vocês dois toda vez que fecho os olhos. Você lá embaixo dele… gemendo…

Iara, chorando, caiu de joelhos à sua frente, apoiando-se nele, temerosa em ser rejeitada, mas não foi:

- Eu sei que não conserta, mas eu te amo. Eu tenho certeza disso. Mas… Mas… Me deixa… Me deixa tentar.

Rodrigo apertou os olhos, forçando o caminho inverso para lágrimas fujonas. Ele gentilmente se desvencilhou das mãos dela e se levantou, dando dois passos adiante e encarando o rio à frente:

- Não sei se posso, Iara, não sei se consigo confiar em você de novo. Mas eu te perdoo. Só não quero... não quero mais ficar com você.

Ele se afastou, deixando-a com o som do rio, que agora parecia chorar com ela.

O SILÊNCIO E A QUEBRA

A confiança entre Iara e Rodrigo, outrora sólida como as pontes que ele construía, eram ruínas. Iara via o amor nos olhos azuis dele, mas a desconfiança, como uma sombra cinzenta, encobria todas as boas lembranças. Rodrigo não suportou a situação e pediu o divórcio. Além disso, pediu uma transferência para outra cidade, pois ficar ali, encontrando-se com Iara ou mesmo Roberto, abriria permanentemente uma ferida que ele não acreditava ter condições de curar.

Aliás, entre Rodrigo e Roberto, a fraternidade acabou. Nem os apelos dos pais para que o perdoasse foram suficientes. Numa, das últimas vezes, Rodrigo, ferido, desejou a morte do irmão e viu sua mãe chorar, não com o seu desejo, mas com a dor que o assolava. Roberto nunca mais teve coragem de encará-lo, muito menos aos pais, preferindo viver sua vida sozinho, mesmo ali em Manaus.

Iara nunca mais se encontrou com Roberto, nem ele quis procurá-la. Nada mais ali faria sentido e certamente pioraria ainda mais a dor de todos.

O que era para ser um feriado de alegrias e boas lembranças acabou revelando o pior que pode haver dentro do ser humano. O Rio de Janeiro ficou para trás… Manaus ficou para trás… Mas a correnteza do desejo que unira Iara e Roberto, afogara para sempre os dias felizes dela com o marido. Para sempre…

OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, E OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL SÃO MERA COINCIDÊNCIA.

FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DOS AUTORES, SOB AS PENAS DA LEI.

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Foto de perfil de Mark da NandaMark da NandaContos: 284Seguidores: 673Seguindo: 26Mensagem Apenas alguém fascinado pela arte literária e apaixonado pela vida, suas possibilidades e surpresas. Liberal ou não, seja bem vindo. Comentários? Tragam! Mas o respeito deverá pautar sempre a conduta de todos, leitores, autores, comentaristas e visitantes. Forte abraço.

Comentários

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Mark essa sua, história é muito boa só responde uma coisa, pra nós aqui, esse conto tem continuação....?

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Belo conto, muito bem escrito, lidou muito bem com os sentimentos dos personagens.

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⭐️⭐️⭐️. Os parágrafos que descreveram os personagens no início do conto, parecem poesia 😂. Já o restante tá mais para Nelson Rodrigues em "A vida como ela é". Parabéns, muito bem escrito.

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Imaginem a dor do Rodrigo, um irmão no qual depositava total confiança e cumplicidade, a ponto de compartilhar um sonho juvenil de viajem, só que agora com a esposa, dividindo tudo, inclusive hospedagem, demonstrando o nível de confiança que ele tinha, e deveria ter, pois ambos, eram alvo de seu amor. Traição em alta fidelidade.

Se houver perdão a qualquer um dos dois, será um exercício de resiliência, ansioso pelo desenrolar. Ótimo início.

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Acho que esse é um conto de um capítulo só

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Tb acho. Até sinto falta dos contos com 1 capítulo apenas. Mas tem que ser muito bom escritor para retratar de forma intensa e clara o enredo, mantendo a qualidade do texto. Isso é para poucos... neste conto o Mark conseguiu isso.

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Será??? Eu acho que seria um desperdício de uma ótima ideia, ainda mais se tratando do Mark, que é ótimo em desenvolvimento de um roteiro, mas se é para ser, será.

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Sim, poderia ser tb. A história tem potencial pra mais, mas me deu impressão que foi o fim... o jeito é esperar...

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Com sempre, mais um ótimo conto.

Parabéns por nós entreter com esse belo conto.

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Muito bom expõem o que uma traição faz na vida de um casal

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Sexo é maravilhoso, mas tem que saber usar. Que pena tudo se acabar assim dessa forma, talves só talvez se ela tivesse se aberto para o marido as coisas poderiam ter sido totalmente diferente e boa para todos.

3 estrela de novo grande Mark da Nanda

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Mas aqui não foi questão do sexo em si pois ela mesma diz que com o Rodrigo era bom mas ela sentia sozinha. Acho que o Rodrigo pensava no futuro deles mas esqueceu o presente ou melhor se fazer presente.

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Sim amigo eu entendi isso, mas minha referência foi em virtude do ato sexual feito em um momento inapropriado ter provocado todo esse drama, é necessário termos muito cuidado, abraço grande.

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Seus contos são os melhores.

A emoção da dor da perda, da angústia, a tristeza é impressionante.

Meus parabéns...

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Magnífico! Excelente! Mostrou talento e criatividade literária, preciso e provido de toques de humor e de tristeza em cada momento certo. Parabéns pela produção de um conto com pegada verossímil.

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Excepcional a escrita.

Senti a dor dos envolvidos apesar de, felizmente, nunca ter vivido nada parecido. Ao menos que eu saiba.

Dá uma bronca na patroa aí para ela retomar o conto do Paixão e Sangue... 😁

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Endosso o seu comentário 👏🏽👏🏽

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Esse sim é um conto de qualidade, mostrando o real de um homem de caráter e q se respeita a cima de tudo, um coração partido não mata ninguém, mas viver ao lado de uma pessoa q não se pode confiar e a pior coisa do mundo, é como andar numa navalha,o risco de cair e se ferir estará sempre presente, atitude digna do protagonista, amor nenhum vale a dor da traição, e nesse caso ainda tem o agravante de ser com o próprio irmão

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Mark me tire duas dúvidas: 1* No trecho a seguir:"Só que o incômodo dela não teria fim, pois uma vendedora de souvenirs demorou-se tempo demais, alisando demais o braço de Rodrigo, tentando convencê-lo a comprar um pulseirinha( aqui não seria o Roberto no lugar do Rodrigo? )

2* Nesse trecho:" Ele riu um som amargo e balançou a cabeça em negação:

- Você acha que suas palavras consertam isso? Eu vejo vocês dois toda vez que fecho os olhos. Você lá embaixo dele… gemendo…( Esse trecho não ficaria melhor logo após a fala da Iara pedido desculpas ? Faria mais sentido! )

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E assim se destrói uma família

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Top meu irmão!

Nem todas as histórias acabam felizes!

Parabéns Mark!

👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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Sensacional essa história! Merecia se tornar uma série!

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