URSS, 1987.
A neve acumulava-se nos parapeitos da galeria Pushkin, onde a arte clássica repousava como estátuas adormecidas sob o véu alvo e gélido do inverno de Moscou. Joanny, envolta em um sobretudo vinho e luvas de couro negro, caminhava lentamente pelos corredores, absorvendo a grandiosidade das telas e esculturas. Seus olhos, treinados por anos de criação e contemplação, detinham-se nos detalhes com a precisão de quem também fazia do mundo sua matéria-prima.
Foi ali, admirando uma obra de Aleksandr Deineka, que ela ouviu em francês fluente, uma voz masculina, grave e encantadora:
— Joanny Saint-Clair... — fez uma pausa sutil, saboreando a tensão da frase ainda por dizer, certo de que seus olhos já haviam laçado a atenção da artista — A sua obra “Cores Quentes" me tocou de uma forma que poucas conseguiram. Ela incendeia, respira… parece viva, como carne.
Ela se virou, encontrando um homem alto de postura imponente, cabelos loiros pelos ombros, uma barba elegante e olhos opacos como o céu de Moscou. Era Dmitry Volkov. Pintor conhecido da escola contemporânea soviética, dono de uma técnica impecável e de uma aura gélida, como a própria paisagem moscovita, mas seus olhos escondiam brasas ocultas sob o gelo.
— Dmitry... — ela sorriu, surpresa e lisonjeada. — Nunca esperei que meu trabalho chegasse até você. Muito menos que o tocasse.
— A arte verdadeira não tem fronteiras. Apenas pulsa. — Ele estendeu a mão enluvada, formal, mas com firmeza. O toque entre eles foi breve, mas carregado de intenções ocultas.
Conversaram por longos minutos, como dois conspiradores rodeados de obras que remetiam a séculos de estética e poder. Dmitry, admirador da força feminina em suas formas mais sublimes, parecia fascinado pela maneira como Joanny pintava o desejo com dignidade e brutalidade em partes iguais.
Antes de se despedirem, Dmitry, ainda com o semblante composto, perguntou de forma cordial:
— Joanny, permita-me perguntar... aceitaria jantar comigo esta noite? Gostaria muito de lhe apresentar um pouco da minha culinária favorita.
Ela sorriu, surpresa pela gentileza súbita, e respondeu com leveza:
— Não precisa se incomodar, Dmitry. Mas agradeço o gesto.
— Para mim seria um prazer, não um incômodo. — Ele insistiu, com um brilho raro nos olhos — Apenas aceite.
Joanny, entre a elegância e a curiosidade, assentiu com entusiasmo contido. Em seu íntimo, ansiava por conhecer mais daquele homem.
O jantar transcorreu sob luzes tênues em um restaurante de poucos clientes e muito sossego. Brindaram com vodka artesanal, conversaram sobre Chagall, as limitações da tinta a óleo, política e coisas cômicas. Riram como velhos parceiros, mas eram dois estranhos cuja pele parecia já se conhecer antes mesmo do primeiro toque. A noite se revelou leve e marcante para ambos, uma combinação rara de afinidade estética e inquietação reprimida.
Findado o jantar e as conversas, Dmitry insistiu para levar Joanny até o prédio onde estava hospedada. Chegando no destino, ao se despedirem, ele segurou a mão dela por um tempo prolongado, algo mais denso que palavras flutuou entre eles. O primeiro clima de intenções reais se insinuava como uma promessa tácita.
Inspirado pela leveza e intensidade daquela noite, Dmitry sentiu que poderiam criar juntos algo à altura de “Cores Quentes". Dias depois, ele propôs a ela que trabalhassem em um projeto colaborativo sobre corpos em movimento. Joanny, em transição entre viagens, tinha mais alguns meses para ficar e, sem data de voltar à França, aceitou.
Durante semanas, passaram os dias entre telas, estudos, pinceladas, silêncios sugestivos e olhares longos demais para serem casuais. Certa vez em que seus dedos se tocaram, num gesto banal ao passarem um pincel, Joanny sentiu o arrepio inaugural de um desejo não confessado. Dmitry nada disse, mas demorou-se um segundo a mais com a mão sobre a dela. Desde então, o espaço entre eles tornara-se um campo de tensão sensorial. A cada toque de tinta, a cada correção de pose ou opinião, o clima se adensava.
Joanny, sentia emanar dele uma presença impositiva, que exigia rendição sem precisar ordenar. Ela, acostumada a conduzir, estranhava o desejo de ser guiada — ou submetida.
Dmitry, por sua vez, observava-a como quem contempla um mistério milenar. Ele respeitava sua arte, mas sentia crescer em seu âmago um desejo avassalador em decifrar sua carne.
[ * * * ]
Quase dois meses depois, com o projeto conjunto finalizado e a primavera ainda hesitante em surgir, Dmitry, como quem pressente que ainda há uma tela a ser pintada, inspirado por cada traço de Joanny que memorizara nos últimos encontros, convidou-a ao seu estúdio para um estudo final: um estudo sobre a luz na pele feminina sob a claridade rarefeita de Moscou.
Joanny entendeu a proposta para além das palavras. E aceitou sem hesitar.
O estúdio de Dmitry era um abrigo de madeira e ferro, isolado em meio à floresta congelada. Dentro, o calor das lareiras contrastava com a paisagem vista pelas janelas amplas. Joanny chegou pontualmente. Dmitry aguardava com uma caneca de sbiten fumegante em mãos, a tradicional bebida quente russa feita de mel, especiarias e ervas, cujo aroma adocicado preenchia o ar do estúdio.
Antes de partirem para o novo projeto, sentaram-se em poltronas próximas à lareira. A conversa fluiu suavemente entre técnicas de pintura e banalidades. Entre as pausas, olhares demorados, frases ditas pela metade, sorrisos e silêncios que revelavam mais do que escondiam. Dmitry, em certo momento, comentou:
— Acho que jamais pintei alguém que soubesse tanto sobre cor... e ao mesmo tempo escondesse tanto sob a própria pele.
A resposta de Joanny veio como um gesto de defesa elegante, uma tentativa de preservar a altivez de quem sempre conduziu o olhar alheio, nunca o contrário. Apenas sorriu, cruzando as pernas com elegância:
— E acho que jamais posei para alguém que me observasse como se tivesse receio de me decifrar.
A verdade é que ela jamais havia posado para outro artista. Nenhum. Mas ali, diante de Dmitry, por mais estranho que parecesse, ela estava cedendo. Não por fraqueza, mas por uma rendição que vinha do ventre e se espalhava pelos poros. Era como se cada palavra e cada silêncio dele a fizesse desnudar-se ainda mais.
Ele inclinou a cabeça, como se aquilo fosse uma verdade que ele mesmo temia admitir. Levantou-se, caminhou até o cavalete e disse:
— Receio, é?! Talvez esteja na hora de tentarmos.
Ela o seguiu com o olhar, e então se levantou também, discreta e segura, dirigindo-se até o centro da sala.
Dmitry aguardava com uma tela em branco, pincéis dispostos e tintas quentes.
— Gosta de vermelho escarlate? — ele perguntou.
— Desde que misturado ao vinho. Ou, talvez, à pele.
Ele sorriu, entendendo o convite implícito na escolha das palavras dela. Era tão claro quanto um traço final sobre a tela.
A sessão começou de modo profissional. Dmitry pediu que ela tirasse o casaco, depois as botas. Por baixo das longas peças quentes, ela vestia um vestido vermelho curto e e tão justo que moldava-se ao seu corpo com precisão. Parecia ter sido escolhido mais pela intenção do que pelo acaso.
— Como pode ver, vermelho escarlate sempre foi minha cor predileta... — disse Joanny, passando levemente as mãos pelos quadris, onde o tecido repousava com saliência.
Dmitry arqueou uma sobrancelha e sorriu, despertando de vez sua malícia.
— Entendo. Esta é uma cor que exige presença e sensualidade… E você as tem.
A cada peça, uma pausa longa, como se estudasse o impacto da luz sobre a pele caramelada de Joanny. Ela, decidida a não se deixar intimidar, mantinha a pose firme. Mas sua pele vibrou de tensão com a ordem seguinte.
— Tire-o também. — Dmitry apontava para o vestido.
Um sopro gelado escapava das frestas do estúdio, mas o calor da lareira e da tensão que se adensava entre eles fazia sua pele arder em contraste.
— Cuidado com o que me pede. — ela encenava um resquício de sua altivez, porém estava quase submetida a ele.
O vestido, rendido ao desejo inquietante que pairava entre os dois, deslizou pelo corpo de Joanny como parte de um enigma sendo revelado em câmera lenta. Desceu pelas coxas com a leveza de um véu, até repousar ao redor de seus tornozelos. O som quase imperceptível do tecido tocando o chão ecoou como um sussurro. Por um instante, o tempo pareceu receoso diante da imagem que se formava ali, como se até ele prendesse o fôlego com aquela cena.
Enfim, ela estava ali, de lingerie branca, envolta pela luz dourada da lâmpada principal e pela observação meticulosa de Dmitry.
O olhar dele, antes técnico, agora ganhava contornos maliciosos e insaciáveis. Dmitry parecia absorver cada curva revelada com uma sede crescente, como se o simples ato de vê-la ainda vestida fosse uma provocação.
— Pode tirar o resto!
Ela sorriu, um sorriso quase trêmulo, e devolveu:
— Você quer mesmo... ver tudo?
Ele apenas sustentou o olhar, sem responder. O silêncio dele foi mais incisivo que qualquer sim.
A proposta implícita daquele pedido reverberava na mente de Joanny. Não era comum estar na posição de quem se despia para outro olhar, ainda mais sob uma direção que não era a sua. Sempre foi ela quem conduzia o traço, a luz, o desejo. Mas agora, diante de Dmitry e daquela atmosfera carregada de arte e um crescente desejo carnal, sentia essa vontade estranha de ceder. E ao mesmo tempo, em cada célula, resistia. Não por medo, mas por hábito.
Depois, como se aceitasse um pacto, Joanny deixou que o sutiã e a calcinha escorregassem como seda viva pelo seu corpo e acomodou-se no sofá de dossel, próximo ao cavalete. Dmitry se aproximou, pincel em mãos, e sem tocar, começou a descrever:
— Os seios firmes, mas com a leveza de algo que repousa entre pureza e luxúria. O ventre... como um lago onde a tinta pode afundar.
Em um movimento hábil e intuitivo, Dmitry mergulhou o pincel no carmim profundo, como quem escolhe o primeiro tom de uma obra que pressente eterna, e, só então, ousou tocá-la. A ponta da cerda deslizou por seu ombro, descendo pelo colo, depois sobre a curva dos seios. O contato era tão sutil quanto enlouquecedor. A tinta estava quente, e cada movimento do pincel parecia carregar intenção, como se Dmitry estivesse desenhando os limites de sua resistência. Joanny, surpresa e entregue, fechou os olhos: não estava mais em Moscou, nem na União Soviética, flutuava num espaço onde a arte e a luxúria se dissolviam.
A respiração vinha entrecortada, o corpo tenso sob o calor que crescia, mas era dentro da mente que um turbilhão ganhava forma. Joanny sentia a lembrança de Lennon aflorar como uma memória tátil — o ateliê francês, o cheiro da tinta, o toque ousado. Mas ali, com Dmitry, apesar das coincidências, tudo era diferente. Mais denso, mais profundo… mais frio lá fora, porém bem mais quente por dentro.
Quando ele se ajoelhou e passou o pincel pela parte interna de suas coxas, ela arfou.
— O que…?! — disse ela, com a voz trêmula, quase um murmúrio partido — O que você está fazendo?!
— Quer que eu pare? — ele sussurrou próximo do ouvido dela.
Joanny sentiu a dureza do próprio orgulho ser trincada por aquela pergunta, como uma escultura prestes a ceder à erosão do tempo. Dmitry, com a serenidade calculada, não buscava apenas um corpo nu e, pouco a pouco, conseguia arrancar dela não somente as vestes, mas as defesas.
— Não pare… Pinte! — ela quase suplicou, os lábios semiabertos, os gemidos abafados — Pinte… até onde quiser!
Ele deixou o pincel de lado. Com os dedos agora tingidos de cor, passou a deslizar pelo corpo dela diretamente com as mãos. Desenhava sobre ela espirais, caminhos, feixes que cruzavam os seios, a barriga, a região púbica. Seus dedos mergulhavam e marcavam, e Joanny gemia, entregue, dócil e com uma ardência feroz em seu âmago.
Aquele jogo sensual e lascivo a incendiava por dentro. Entre suspiros e entregas, lembranças da noite com Lennon deslizavam por sua memória como respingos de tinta sobre um quadro já seco. Ela recordava o modo como havia conduzido o jovem modelo, como moldara o desejo com as próprias mãos. Mas Dmitry... Dmitry não era conduzido, ele conduzia. Tocava-a com a firmeza de quem já conhecia seus atalhos mais íntimos, como se tivesse calculado cada uma de suas reações antes mesmo de provocá-las.
Então, no instante em que Joanny se permitia apenas sentir, desprotegida, Dmitry se ergueu e a beijou. Não com a suavidade de amantes inseguros, mas com a fome de quem esperou duas vidas por aquele momento. Ela, deixou-se levar. Eles se atracaram entre as tintas e os panos, como artistas que, depois de anos de estudo, finalmente ousavam o traço mais irreversível, conscientes de que já não existe mais diferença entre a mão que cria e o corpo que se entrega.
Dmitry inclinou-se, os cabelos dourados formando uma cortina que roçava levemente a pele trêmula de Joanny. Seus lábios desceram lentamente, tocando-lhe a barriga com beijos que mais pareciam assinaturas profanas. Cada beijo deixava um vestígio de calor, um traço invisível que riscava sua carne e acendia sua alma.
Ao alcançar o centro do prazer de Joanny, Dmitry a envolveu com a boca quente e úmida. Os lábios tingiam com beijos quentes o sexo dela com uma devoção quase litúrgica. A língua desenhava círculos lentos e dedicados, mergulhando em sulcos de prazer que arrancavam de Joanny gemidos agudos abafados. Os quadris dela tremiam sob o toque molhado, e seus olhos, fechados em rendição, ocultavam a tempestade que se formava dentro de si.
Joanny agora se encontrava totalmente submissa ao poder daquele homem que a decifrava não com palavras ou pinturas, mas com a precisão absoluta de uma técnica embebida de volúpia. A cada investida, a cada movimento da língua dele, era como se camadas de sua resistência se esfarelassem. Ela estava vulnerável. Estava finalmente entregue. Completamente.
Os corpos, tomados por um desejo incandescente, entrelaçavam-se sobre o antigo sofá de dossel, onde o veludo carmesim absorvia seus suspiros. Joanny se abria lentamente, como uma flor noturna rendida ao orvalho, enquanto Dmitry, erguido e tenso, surgia diante dela como uma estátua clássica, em plena rigidez.
Joanny envolveu o membro rijo de Dmitry com as mãos, manuseava-o com delicadeza artística e, ao mesmo tempo, com a fome de um animal. Seus dedos, hábeis e macios, percorreram-no com movimentos firmes e constantes, mordia levemente o lábio inferior enquanto seus olhos encontravam os dele. Dmitry sustentava o olhar, tenso e absorto, sentindo a pulsação quente de seu falo vibrar sob o domínio sensível das mãos de Joanny.
Ele devolvia-lhe as carícias, explorando-a com dedos ávidos, deslizando suavemente pela umidade quente que se acumulava entre suas pernas. Joanny, entregue, começou a lubrificar o pênis dele usando a própria saliva, envolvendo-o em uma felação. Estalos úmidos e abafados reverberavam pela sala cada vez que ela o engolia um pouco mais. O tempo pareceu suspenso até que o ímpeto de ambos, enfim, rompeu qualquer resistência.
— Vem, Dmitry… Invade-me! — implorou ela, com a voz embargada de desejo.
Dmitry a tomou com vigor, deslizando o falo latejante sobre os lábios do sexo dela, ambos molhados. Ao mesmo tempo, sua boca ávida percorria os seios de Joanny, sugando e mordiscando suavemente os mamilos já rígidos.
Tomada por uma ânsia incontrolável, Joanny cravou os dedos na cintura dele, puxando-o com uma força inesperada. A entrada foi abrupta, feroz, preenchendo-a de uma vez, arrancando-lhe um gemido alto, quase como um uivo primitivo, que se perdeu na atmosfera densa do estúdio.
O choque dos corpos, até então guiados pelo compasso delicado da contemplação, agora se entregava ao ímpeto cru da carne. Dimitry a penetrava em um ritmo impetuoso, diferente de antes, quando usara o pincel como estímulo. Joanny, puxando-o e apertando contra si, vibrava e gemia suplicando por mais, sempre mais. As tintas se misturaram entre seus corpos, e logo estavam ambos nus, rolando sobre os panos que protegiam o chão.
Joanny arqueava-se, o corpo tingido como uma aquarela descontrolada de cores quentes, enquanto suas unhas se fixavam nos ombros dele, como grampos que sustentam uma tela à moldura. Ela sussurrava, em um russo imperfeito, palavras que nem ela imaginava que sabia. Dmitry a dominava com delicadeza brutal, fazendo de seu corpo uma tela viva, onde cada estocada dentro dela era uma linha definitiva, cada suspiro uma nova cor ardente.
Havia transcorrido uma hora ou talvez um século — o tempo, ali, era feito de vertigens. Joanny cavalgava sobre ele, de costas, o torso firme e o quadril flexível, como a corda de um arco, até que não suportaram mais tanto prazer. Transbordaram-se. Dissolveram-se. Gozaram juntos, em um êxtase que parecia explodir, como se fossem arremessados para dentro de uma obra de Kandinsky: formas, cores, e sons que se sobrepunham em uma desordem sublime. Depois, permaneceram estendidos no leito encharcado, tingidos por tinta e fluidos corporais, exaustos e sorridentes, como sobreviventes de um incêndio íntimo.
Minutos depois, ainda dominado pelo êxtase, Dmitry a convidou a permanecer naquela noite. Joanny, já despida de sua habitual firmeza, aceitou com naturalidade, como quem reconhece, enfim, a inutilidade de resistir aos próprios desejos.
Antes que repousassem, Dmitry, tomado por uma inspiração urgente, iniciou de fato a pintura de sua musa. Joanny posava nua sobre o sofá de dossel, o corpo esculpido em languidez, deitada de costas, enquanto lançava-lhe um olhar oblíquo, carregado de sedução e desafio, por sobre o ombro. Ele a pintava como quem a devorava com as próprias mãos, tentando em vão conter o ímpeto lascivo que novamente ardia entre suas pernas, uma chama indomável. Ela, discreta, percebia a luta interna do seu artista — e, como se jogasse gasolina no fogo, cravava nele um olhar ainda mais denso, feito de provocação, enredando-o numa teia onde desejo e arte eram indissociáveis.
Por fim, entregaram-se à água morna da banheira, como dois corpos que, após a combustão, buscavam agora a placidez líquida para renascer. O banho foi um rito de recomposição: entre olhares frágeis e toques preguiçosos, sentiram-se vívidos outra vez, como se a carne, antes exaurida, se revestisse de um vigor palpitante.
Na penumbra do quarto, fizeram amor novamente na cama dele, não mais tomados pela fúria indomável da primeira vez, mas guiados por um desejo maduro e profundo, tão delicioso quanto. E, após se fundirem em um novo gozo, deixaram-se enfim vencer pelo torpor. Apagaram-se, exaustos e saciados, adormecendo juntos pela primeira vez, os corpos enlaçados, indistintos na quietude noturna.
[ * * * ]
Por duas semanas, repetiram o ritual: pintura e sexo, sexo e pintura, construindo a obra que Dmitry batizaria de “As Cores Mais Quentes".
Na última noite, a sessão foi no apartamento de Joanny. Amaram-se com lentidão e despedida. Seus corpos se entrelaçaram com a ânsia vibrante de jovens enfeitiçados por uma paixão recente, e o gozo, quando veio, irrompeu com a beleza trágica de algo que sabe não se repetir.
Antes do amanhecer, Dmitry partiu sem alarde, deixando sobre o cavalete a pintura finalizada que fez dela em êxtase, com o bilhete:
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“Querida Joanny,
Você, antes em carne, uma obra tão bela;
Agora é, também, uma obra em tela.
Com todo amor: Dmitry Volkov".
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Joanny acordou com a luz pálida da manhã, nua, marcada de tinta seca e memórias ardentes. Viu a arte completa e leu o bilhete. Sorriu. E ao longe, como em eco de um destino cíclico, o trovão rugiu, anunciando nova tempestade fria.
[ * * * ]
Meses depois, em uma vila italiana curtindo o sucesso de mais uma obra, Joanny folheava uma revista de arte quando viu a manchete:
“Francesa Joanny Saint-Clair, autora de ‘Cores Quentes', pinta nova tela em parceria com pintor soviético Dmitry Volkov. Obra: CORPOS EM FUGA".
A matéria anunciava com entusiasmo:
“(...) a obra, já celebrada como um triunfo, será exibida pela primeira vez na próxima semana, em uma galeria de arte contemporânea em Moscou”.
Ela leu a notícia com um sorriso discreto de satisfação, porém, em seu íntimo, sabia — com a clareza de quem atravessa o limiar de um segredo — que a criação mais visceral daquela relação jamais seria exposta: pertenceria apenas aos dois, selada para sempre na memória inenarrável de seus encontros.
Joanny fechou os olhos, e, por um instante, deixou de ser carne, desejo ou prazer: era traço, era cor em vertigem, uma arte viva e indomável que ainda queimaria por muito tempo no âmago de Dmitry.
[ F I M ! ]
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