O inverno em Stewart Hall
Sinopse
Curitiba, inverno rigoroso de 2010.
Pedro Stewart, 18 anos, loiro, de olhos azuis e traços marcadamente europeus, é filho único de Guibson Stewart, fundador da Pluma Internacional, uma das maiores empresas de transporte rodoviário do país. Desde o nascimento, Pedro carrega o peso da tragédia: sua mãe morreu no parto, e o pai jamais o perdoou por isso. Cresceu cercado de luxo, mas emocionalmente negligenciado, encontrando afeto apenas na governanta da mansão — que, secretamente, também era amante de Guibson.
Do outro lado da cidade, Júlia, também com 18 anos, pele clara, cabelos ruivos e olhos verdes, vive à deriva desde a morte dos pais em um acidente de ônibus quando tinha apenas 16. Sua mãe, que trabalhava como passadeira na mansão dos Stewart, a levava frequentemente ao trabalho — foi assim que ela e Pedro se conheceram ainda na infância e formaram um vínculo silencioso, quase invisível ao mundo.
Pedro sempre foi apaixonado por Júlia, mas nunca teve coragem de confessar. Ela, por sua vez, levava uma vida simples, trabalhando no restaurante dos pais de seu namorado, que despreza Pedro e vive em constante rivalidade com ele.
Quando Guibson e a governanta morrem em um trágico acidente de avião, Pedro se vê completamente sozinho na mansão de arquitetura gótica, cercado de memórias e silêncios. Júlia aparece no funeral e, ao ver o estado de Pedro, se sensibiliza. Atordoado, ele pede que ela fique com ele na mansão por um tempo — um pedido que ela aceita, mesmo contra a vontade do namorado.
A convivência entre os dois reacende laços antigos e desperta sentimentos que estavam adormecidos. Mas a presença de Júlia na mansão não passa despercebida, e logo seu namorado, tomado pelo ciúmes, faz com que os próprios pais a demitam.
Pedro, frio, introspectivo e marcado por perdas, começa a mudar com a presença de Júlia. Ela é o sol entrando pelas janelas empoeiradas da mansão. Mas nem tudo será simples: segredos do passado, ressentimentos do presente e uma paixão latente ameaçam transformar essa história em algo ainda mais intenso.
Capítulo 1: A Casa do Inverno
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A chuva batia contra os vitrais altos da mansão Stewart com força quase melódica — como se o próprio inverno quisesse sussurrar segredos através do vidro espesso. A casa, uma construção gótica cravada nos altos de Curitiba, parecia ainda mais sombria com o céu cinzento de junho refletido em suas paredes de pedra.
Pedro estava sentado à mesa do café da manhã, as mãos entrelaçadas sobre a toalha branca impecável. Usava um suéter cinza, elegante demais para alguém que não havia dormido à noite. O aroma do café fresco não o tocava. Seus olhos azuis estavam fixos na janela, onde o vento fazia dançar as folhas secas.
Do outro lado da mesa, Guibson Stewart lia o jornal como se estivesse sozinho. A expressão dele era a de sempre — dura, contida, indiferente. Quando finalmente falou, sua voz cortou o silêncio como um estilete:
— Ainda insiste em cursar Letras?
Pedro não respondeu de imediato. A pergunta não era real, era uma provocação. Ele sabia disso. Ainda assim, respondeu.
— Sim. Já fiz a matrícula.
Guibson largou o jornal com um baque seco.
— Letras... Você é um Stewart, Pedro. Essa família construiu um império. Ônibus cruzam o país com nosso nome estampado. E você quer viver de poesia?
Pedro apertou os punhos.
— Pelo menos eu quero viver de alguma coisa que faça sentido pra mim.
O olhar de Guibson foi gélido.
— Você já tirou de mim o que tinha mais valor. Sua mãe morreu pra te dar vida. A única coisa que me restava era o legado. E você trata isso como lixo.
Pedro sentiu o soco invisível no estômago, como tantas vezes antes. Mas dessa vez, não rebateu. Só se levantou e saiu da sala, os passos ecoando pelo mármore gelado da mansão.
Dois dias depois – O funeral
O céu estava tão fechado que parecia pesar sobre os ombros dos presentes. O cemitério no alto do bairro Abranches estava tomado por uma névoa fina, como véu de luto. Os guarda-chuvas pretos formavam uma fileira silenciosa ao redor da cova recém-aberta.
Guibson Stewart e a governanta da mansão haviam morrido em um acidente aéreo na serra catarinense. O país lamentava, os jornais falavam em herança, poder e tragédia. Mas Pedro... Pedro só conhecia o vazio.
Ele permaneceu sozinho, sem guarda-chuva, os cabelos loiros encharcados, o rosto imóvel. Havia um tremor sutil em seu queixo, mas nenhuma lágrima caía. Não ali. Não na frente de todos.
Foi quando Júlia apareceu, discretamente, com um casaco vinho e um olhar aflito. Ela hesitou por um momento, e então caminhou até ele, abrindo o guarda-chuva acima da cabeça dos dois.
— Pedro...
Ele não olhou imediatamente, mas sua respiração vacilou. Depois de um longo silêncio, respondeu com a voz rouca:
— Achei que não viria.
— Eu tinha que vir — disse ela suavemente. — Por você... e por ela. A Dona Marta era como uma tia pra mim.
Ele finalmente virou o rosto, os olhos azuis marejados.
— Ela era tudo pra mim. Depois que minha mãe se foi... ela era tudo.
Sem pensar, Júlia o abraçou. Pedro cedeu ao gesto como alguém que para de lutar contra a correnteza.
Mais tarde, naquela noite – Mansão Stewart
A casa parecia ainda mais escura sem os passos firmes da governanta e sem a sombra autoritária de Guibson. Pedro subiu a escadaria lentamente, os pés pesados como chumbo. Júlia o acompanhava em silêncio.
Na biblioteca, a única luz vinha da lareira acesa. O fogo crepitava suavemente, lançando sombras dançantes nas paredes cheias de livros. Pedro se sentou no sofá de couro preto, exausto.
— Não quero que você volte pra aquela casa — disse ele de repente, encarando as chamas.
Júlia se virou, confusa.
— O quê?
Ele levantou o rosto. A vulnerabilidade era clara em cada traço.
— Seu namorado... ele me odeia. E agora, provavelmente, vai te afastar de mim. Eu não tenho mais ninguém, Júlia. Por favor... fica aqui. Fica comigo, nem que seja por uns dias. Essa casa está me engolindo.
Ela hesitou. Sabia o quanto aquele pedido custava a ele. Sabia, também, o quanto aquilo podia custar a ela.
— Pedro... — murmurou. — Não sei se é uma boa ideia...
— Eu não estou bem — interrompeu ele, com os olhos brilhando de súplica. — E você é a única coisa boa que ainda resta.
Aquelas palavras ecoaram na sala como um juramento. Júlia se aproximou e sentou ao lado dele. Pegou sua mão com delicadeza.
— Tá bom. Eu fico.
Pedro fechou os olhos. Pela primeira vez em dias, respirou fundo — como alguém que volta à superfície depois de quase se afogar.
Continua...