Capítulo 4 - Eu compreendo!
Daniel
Quis sair correndo, me esconder ou simplesmente sumir do mapa, mas não podia. Não com a Amanda ali do meu lado. Parte de mim também queria agarrar ele e arrastar de volta pra aquela cabana onde a gente se entregou um pro outro. Queria arrancar a roupa dele e devorar aquele corpo dos deuses. Queria beijar aqueles lábios macios, quentes, viciantes. Mas isso era errado, e eu tinha prometido pra mim mesmo que não queria esse tipo de coisa na minha vida.
– Oi – respondi tentando soar o mais ríspido possível. Mas os olhos verdes dele me fitavam com tanto carinho, tanto desejo, que minha voz tremeu
– Tá querendo alguma coisa?
– Tu viu o Léo? – disse, e dava pra notar de cara que era a primeira desculpa esfarrapada que ele conseguiu inventar pra justificar a vinda
– Tô afim de mais daquela parada.
– Ele ainda tá dormindo – falei, tentando desviar o olhar dos olhos dele. Mas era inútil. O olhar dele era um imã – Eu aviso que tu procurou por ele.
Tentei encerrar o assunto ali mesmo, mas o Bernardo parecia disposto a esticar aquilo até onde desse. Ele se sentou na cadeira do meu lado e botou a mão na minha testa, como se fosse medir febre. Aquilo fez a Amanda franzir o cenho na hora.
– Bah, que bom que não tá com febre – disse com um olhar que até brilhava – O coitadinho caiu na piscina gelada ontem à noite.
– Ele não me contou isso – Amanda me olhou como quem diz: “E desde quando ele tem esse tipo de intimidade contigo?” – Quando foi isso?
– Depois que tu foi embora – disse, tirando a mão de Bernardo, que agora tava no meu peito, fingindo verificar batimentos, quando na real só queria era me tocar – Eu tava tão doido com o baseado que perdi o equilíbrio.
Se tem uma coisa que eu odeio é mentir. Mas naquela hora, tchê, eu não tinha pra onde correr. Não podia dizer pra Amanda que eu tava doido pra beijar o guri e que, pra ter coragem, me joguei com ele na água. Deus do céu, onde é que eu tava com a cabeça?
– Ainda bem que tu sabe nadar, amor – Amanda disse com um tom meio maternal.
– Pois é – falei, me sentindo um trapo de desconforto.
– O guri tava tão chapado que me levou junto – Bernardo completou – Quase me afoguei, e ele me salvou. Fiquei tão agradecido que acabei dando um beijo na boca dele – ele se abanou sorrindo, enquanto Amanda me lançava um olhar fulminante – Desculpa atrapalhar vocês, tá? – o desgraçado se levantou – Depois avisa o Léo que eu quero falar com ele – e ainda teve o desplante de massagear meu ombro, me fazendo arrepiar inteiro.
Bernardo voltou pra mesa dele e se sentou ao lado do meu irmão, que tava entretido demais na conversa pra perceber qualquer coisa. Eu voltei o olhar pra Amanda, que cruzava os braços e batia o pé com impaciência, só esperando que eu falasse alguma coisa. Mas em vez disso, só tomei um gole da minha coca-cola no copo todo suado.
– Tu não vai dizer nada? – ela perguntou, furiosa.
– Sobre o quê? – tentei me fazer de desentendido, na esperança de que ela mudasse de assunto.
– Tu é uma piada, Daniel – ela se levantou, bufando, e saiu do refeitório.
Olhei pro Bernardo, que sorria com aquele ar sacana.
– Amanda! – me levantei e fui atrás dela, ignorando o aceno de Bernardo – Amanda, espera!
Corri até o lado de fora, mas ela seguia firme sem nem olhar pra trás, como se eu fosse invisível. "Viado filho da puta!" xinguei ele mentalmente. Ele quer destruir meu namoro!
– Amanda! Me escuta!
– Escutar o quê, Daniel? – ela se virou de repente, os olhos queimando de raiva – Que agora tu virou viado?
Um casal de calouros passou perto e o guri deu uma risadinha debochada.
– Eu não sou viado! – disse tentando manter a voz firme, mas ela vacilou bem na hora em que as lembranças da noite anterior invadiram minha cabeça.
– Então é o quê? – ela zombou, cruzando os braços – Porque, pelo que eu sei, homem que beija outro homem é viado!
– Eu não beijei ele! – menti outra vez, me odiando por isso – Eu tirei ele da água, ele me beijou e eu empurrei! – mais uma mentira pra tapar a anterior – Tu não viu que eu nem queria falar com ele agora?
– O que eu vi foi teu olhar de cachorro pidão quando ele apareceu – cuspiu, cheia de nojo – Vi tu te arrepiar quando ele te tocou. Vi tu ficando todo nervosinho...
Interrompi com um beijo. Não porque eu tava apaixonado por ela. Não porque tinha desejo. Mas porque eu não aguentava ouvir aquilo. Não queria que aquelas palavras fossem verdade. Só que eram. E doíam pra caramba.
Nossos lábios se encontraram num beijo urgente, pesado, quase desesperado. Amanda passou os braços pelo meu pescoço, os dedos enfiados no meu cabelo, enquanto eu puxava ela pela cintura. Mas pra mim, era só isso. Não tinha paixão. Não tinha aquele frio na barriga, nem a tontura gostosa que eu senti com o beijo do Bernardo. Era um beijo vazio, mecânico, quase triste.
– Eu te amo – sussurrei, me afastando, vendo ela ofegante – Eu nunca te trocaria por ninguém.
– Tu promete? – ela murmurou, bem baixinho, com toda a raiva derretida pelo beijo.
– Prometo – falei, mesmo sem saber se conseguiria cumprir.
Bernardo
Não vi ele o resto do dia e isso me deixou com a cabeça a mil. Queria saber se o veneno que eu tinha jogado tinha feito algum efeito. Será que ele ainda tava com ela? Pelo olhar de ódio que ela me lançou quando falei que tinha beijado o Daniel, acho que não. Ou será que ela era tapada o suficiente pra não perceber o jeito que ele me olhava?
– Te importa se eu botar uma música pra tocar? – Théo perguntou quando saiu do banho naquela noite.
– Fica bem à vontade – respondi me levantando da cama – Vou dar uma voltinha antes de dormir.
– Vai te encontrar com o Samuel? – Théo perguntou com aquele sorrisinho maroto.
– Não vou me encontrar com ninguém – falei firme – Só gosto de dar uma volta, é costume meu.
Théo só deu de ombros e começou a procurar uma roupa na cômoda enquanto eu deixava o quarto. Desci as escadas e vi ele entrando no prédio com o Léo, que me cumprimentou, enquanto o Daniel tentava disfarçar aquele olhar intenso de sempre.
– Me falaram que tu queria falar comigo – Léo disse com um tom simpático.
Puxei na memória e lembrei que tinha usado essa desculpa pra me aproximar do Daniel e da Amanda mais cedo.
– É que eu queria saber se tu tem mais daquela parada – falei, trocando um olhar rápido com o Daniel que quase me fez perder as pernas.
– Tenho sim – ele respondeu baixinho – depois passa lá no meu quarto que eu te arrumo.
– Valeu, piá.
– Só não sai contando por aí – falou com seriedade.
– Pode deixar – respondi, me despedindo deles. Só o Léo retribuiu.
Saí do dormitório e olhei pro celular. Eram 20:42. Eu tinha dezoito minutos antes do toque de recolher. Corri em direção à cabana do zelador, onde tudo tinha começado, e ao entrar lá, as lembranças vieram como um vendaval. A boca dele na minha. Os corpos se buscando, trocando calor. As mãos fortes puxando meu corpo pra junto do dele. Os olhos azuis me encarando com um tesão que eu nunca tinha visto antes.
Mas aí lembrei da parte em que ele recobrou a consciência depois de se entregar ao que sentia. “Eu não quero me envolver com essas coisas de gay. Isso é nojento”, foi o que saiu da boca dele. Mas o corpo dele tenso e os olhos azuis diziam outra coisa. Ele queria mais. Só que tinha alguma coisa ali que o fazia lutar contra. Eu não conseguia entender o motivo. Théo era gay assumido e vivia de boa com isso. Por que ele não conseguia ser como o irmão mais novo? Era medo do que iam dizer? Estava mais do que claro que ele tinha curtido aquilo. Então por que essa luta?
– Tu quer me foder, é isso? – ouvi a voz dele furiosa atrás de mim.
Me virei e lá estava ele, com o olhar pegando fogo.
– Na real, quero sim – respondi com um sorrisinho safado – Quero muito.
– Já te falei que não sou viado – ele falou com firmeza – Aquilo foi só uma experiência, e não vai se repetir.
– Mas admite que tu curtiu pra caramba – falei me aproximando dele – Melhor do que quando tava com ela – deslizei a mão pelo peito rígido dele.
– Eu gosto de mulher – ele soltou um suspiro que desmentia tudo, e apesar do que disse, não se mexeu pra se afastar.
– Então por que me seguiu até aqui? – murmurei, me aproximando tanto que a nossa respiração virou uma só.
– Eu... – Daniel tentou achar uma desculpa, mas ficou sem resposta.
Mordi o lábio inferior ao ver ele engolir seco.
– Tu podia ter me ignorado, mas veio atrás – sussurrei no ouvido dele – Confessa que me quer.
Ele se arrepiou dos pés à cabeça.
– Eu não te quero – mentiu – Eu amo a minha namorada.
– Mas ela não te dá o prazer que tu precisa – falei apertando o volume na calça dele, que ficou duro feito pedra – Nós dois sabemos que eu mexo contigo. Admite...
Ele não me deixou terminar. Se entregou de novo ao desejo. Me beijou com tanta fome que me prensou contra a parede, fazendo umas ferramentas caírem no chão com um baita barulho. A boca dele desceu pro meu pescoço e eu gemi alto. Daniel tirou minha camiseta e depois a dele, começou a beijar meu peito e a chupar meus mamilos. Era esse o Daniel que eu curtia. O macho, intenso, que arrancava suspiros e gemidos de mim sem esforço. Ele voltou a me beijar, me pegou no colo e me colocou sentado na mesa cheia de ferramentas, que eu empurrei pro chão só pra ele poder se deitar por cima de mim.
– Eu quero você – ele confessou abrindo meu short e puxando junto a cueca – Quero todo teu corpo pra mim.
Aquilo aumentou ainda mais meu tesão. Comecei a gemer alto enquanto nossos corpos se fundiam. Daniel tirou o próprio short e começou a me comer com mais vontade ainda do que da primeira vez. Doeu um pouco no começo, mas logo virou prazer puro. Ele me comeu ali, naquela posição de frango assado, e depois me pediu pra virar de lado. Deitou atrás de mim na mesa e continuou metendo enquanto me beijava forte. Eu me masturbava com vontade, gemendo sem vergonha nenhuma. Quando ele gozou dentro de mim, eu também gozei na mesa quase ao mesmo tempo. Ele deixou o pau amolecer dentro de mim, me beijando devagar.
– Eu sabia que tu me queria – falei, ainda em êxtase.
– Tu me provoca de um jeito que eu não consigo resistir – ele respondeu passando a mão pelo meu peito – Teu corpo tem alguma coisa que desperta isso em mim.
Me levantei da mesa e fiquei olhando pro corpo nu e perfeito daquele guri. Me senti feliz por estar ali com ele. Eu tava apaixonado. E pelo jeito que ele me olhava, aquele brilho no olho, ele sentia o mesmo.
– Fica comigo – pedi.
Daniel mudou o olhar de paixão pra um olhar sério e se sentou do meu lado.
– Eu... – ele respirou fundo – Eu não sou viado – insistiu.
Pegou o short e se vestiu, visivelmente abalado.
– Por que tu faz isso? – murmurei – Tu mente pra mim quando tá na cara que curtiu.
Ele me olhou de novo, agora com tristeza.
– Eu não posso ser gay – disse com uma lágrima descendo – Eu não sou gay.
Foi aí que entendi. Ele não tava mentindo pra mim. Tava mentindo pra si mesmo. Ele não se aceitava.
– Então é assim? – falei, já com raiva – Tu me usa e depois me joga fora?
– Não é isso que eu quero.
– Pode até não ser, mas é o que tu tá fazendo – vesti o short e peguei minha camiseta – Vai à merda então!
Empurrei ele e saí da cabana, só pra dar de cara com o Samuel a poucos metros. Ele me olhou meio curioso, mas eu só desviei o olhar e segui meu caminho.
Daniel
Doeu em mim ver a dor de ser rejeitado estampada no rosto do Bernardo. Quebrava meu coração vê-lo pegar sua camisa e me empurrar pra abrir espaço. O gesto dele me doeu mais que um tiro. Mas por que eu me importava? Por que isso doía tanto? Ele era só um viadinho que eu tinha comido. Só isso. Se tem uma coisa que eu não sou bom é em mentir pra mim mesmo. Tava claro que o Bernardo era mais que isso. Tava claro que eu não ia conseguir me afastar dele. Tava claro que alguma coisa muito errada tava acontecendo comigo só de cogitar isso. Talvez eu sentisse algo por ele que ia além da carne.
Peguei minha blusa e vesti, sentindo o perfume dele impregnado nela. Um cheiro doce e suave que me trouxe de volta a lembrança do corpo dele quente junto do meu. Era como se fôssemos um só. Nunca senti nada parecido na vida.
Abri a porta da cabana do zelador e, ao fazer isso, meu coração veio na garganta. Vi o Bernardo ao longe ainda segurando a camisa e de cabeça baixa — mas não foi isso que me tirou o ar. Samuel tava ali, me olhando com aquele olhar atônito.
— Acho que precisamos conversar — ele disse, calmo.
— Não quero falar sobre isso — respondi, já andando em direção ao dormitório, que o toque de recolher já tinha passado faz uns dez minutos.
O Samuel me acompanhou quieto, sem olhar pra mim, e eu sabia que isso era sinal de crítica. Ele não era bobo e com certeza sabia o que eu tinha acabado de fazer. Sabia que eu tinha me entregado pro Bernardo por inteiro. Será que ele ouviu tudo? Será que ele me ouviu dizer que queria aquele guri? Isso eu ia descobrir logo, assim que a gente chegasse no quarto, mas eu queria evitar aquilo de qualquer jeito. Só que não tinha escapatória. Se eu ficasse ali, podia cair na detenção, mas seguir em frente podia significar perder uma das amizades mais preciosas que eu tinha.
O Samuel esteve do meu lado quando meus pais se separaram há um ano. Esteve do meu lado quando o Théo se assumiu gay. Quando meu irmão levou uma surra do pai, foi ele quem me ajudou a juntar os pedaços. Quando fui traído pela minha primeira namorada, ele tava ali. Quando eu só precisava de um ombro, ele foi esse alguém. Era uma das pessoas mais importantes pra mim. E só de pensar em perdê-lo por uma burrada, meu peito apertava.
Mas, infelizmente, a hora da verdade tava cada vez mais próxima.
— Vocês tão quinze minutos atrasados! — disse o Geraldo, o porteiro velho e barrigudo do dormitório masculino.
— A tolerância é vinte minutos — o Samuel respondeu, seco, e o velho só bufou.
Ele abriu o portão e subimos em silêncio. Meu coração batia mais rápido a cada degrau, me deixando quase sem fôlego. Mas chegamos. O Samuel abriu a porta, acendeu a luz e trancou atrás da gente. Sentou na cama dele e pediu pra eu sentar na minha, de frente. Aquele rosto jovem, cabelo castanho desgrenhado e barba por fazer me encarou sério por alguns minutos.
— Eu sei o que tu vai dizer — soltei, já sem paciência — Sei que vai me julgar, talvez nem queira mais falar comigo.
— Na real... Eu te entendo — o Samuel me pegou totalmente desprevenido — Ele é muito bonito.
— Tu... me entende? — eu tava confuso.
— Eu também sou gay — ele disse, e aquilo me acertou como um soco no estômago. Meu melhor amigo é gay e eu nunca desconfiei. Ele sempre foi másculo, nunca deu em cima de ninguém... mas então lembrei das indiretas pro Théo, que até então eu achava só piada.
— Pode ficar tranquilo, teu segredo tá seguro comigo.
— Como assim tu é gay? — perguntei, desnorteado — Desde quando?
— Desde sempre — ele falou com uma firmeza que não deixava espaço pra dúvida — Assim como tu.
— Eu não sou gay — disse, mas minha voz não tinha nem metade da firmeza da dele — Foi só uma experiência.
— Eu vi teu olhar pra ele ontem, quando o Théo apresentou vocês, Samuel disse — Tu ficou pálido, embasbacado. Tu tá apaixonado por ele.
— Eu não sou gay — repeti, tentando convencer mais a mim mesmo que ele.
— Posso te perguntar uma coisa? — ele perguntou, e eu só assenti.
— O que vocês dois tavam fazendo na cabana do zelador?
— A gente... — tentei falar, mas as palavras ficaram travadas na garganta.
— Vocês transaram? — ele deduziu quando viu que eu não ia conseguir dizer. Só concordei com a cabeça.
— E foi a primeira vez?
— Não — murmurei, com culpa — A gente fez isso hoje de manhã... e ontem, depois que eu caí na piscina.
— Então posso afirmar que tu gostou — ele insistiu — Tô certo? — balancei a cabeça, afirmando.
— E foi melhor que com a Amanda ou qualquer outra guria?
Foi mágico. Como se, pela primeira vez, eu me sentisse inteiro. Só de lembrar dos nossos corpos juntos, meus pelos se eriçavam. Pensar nos beijos dele me tirava o ar. Pensar em tê-lo por perto me fazia voar.
— Sim — respondi.
— E tu sente algo por ele? Uma paixãozinha, talvez?
— Não sei — disse com sinceridade — É tudo tão confuso.
— Pelo jeito, tu reprimiu tua sexualidade por tanto tempo que agora não sabe como lidar com isso — ele parecia um psicólogo — Acho que tem a ver com o que rolou com o Théo. Tu tem medo de acontecer contigo também.
Me lembrei daquele dia...
Meu pai voltou com um cinto na mão. Nós três, ele, eu e a Fernanda — estávamos abraçados na cozinha.
— Saiam da frente ou vai sobrar pra vocês — disse o pai, com aquela voz autoritária de Major da Força Aérea.
— Não faz isso com ele — a Fernanda implorou, chorando.
— Já falei pra saírem da frente — ele repetiu.
A Fernanda olhou pro Théo, que só assentiu, com os olhos cheios de dor. Ela beijou a testa dele e pediu desculpas. Se afastou e foi pro lado da nossa mãe, que só observava tudo com frieza.
— Eu mandei sair da frente, Daniel! — ele gritou.
— Por favor, não machuca ele — pedi, já sabendo o que viria.
Ele ergueu o cinto e me acertou no rosto. Cai no chão com um grito de dor. Em seguida foi a vez do meu irmão. Ele apanhou com força, várias vezes sem soltar um ai. Eu só assistia, com a mão no rosto e o coração despedaçado.
— Agora levanta e vai tomar banho. Quando eu acordar amanhã, não quero mais ouvir essa história de que tu é viado! Isso é uma ordem!
E ele foi embora, deixando a gente aos cacos.
...
— Isso nunca vai acontecer comigo porque eu não sou como meu irmão — falei, ainda com o mesmo medo daquele dia — Nunca vou ser uma decepção pra minha família.
— É isso que tu acha que o Théo é? — ele perguntou, magoado — Uma decepção?
— É o que o pai vive dizendo — falei.
— Tu é muito contraditório, Daniel — o Samuel apontou — Diz que não é gay, mas se esfrega num e nem sabe o que sente. Diz que teu irmão é uma decepção, mas fez de tudo pra protegê-lo naquela noite.
— Eu protejo o Théo porque nunca mais quero ver ele chorando daquele jeito — desabafei — Aquilo me destruiu! Eu deixei ele apanhar! Não me coloquei na frente! Só fiquei olhando... porque no fundo eu sabia que era igual a ele. Sabia que minha vez ia chegar também.
— Agora sim chegamos em algum lugar — o Samuel disse, como se tivesse destravado algo.
Eu tava em choque. Sabia disso fazia tempo, mas tinha medo de admitir. E com essa clareza vieram as lembranças que eu escondi: os vídeos gays, o beijo com um guri do condomínio, as brincadeiras da infância... tudo tava ali, gritando. Mas eu não tinha coragem.
— O que eu faço agora? — perguntei, chorando.
— Acho que tu devia terminar com a Amanda — ele disse, com calma — Ela não merece ser enganada desse jeito.
Continua...