Ele se levantou devagar. Caminhou até mim. Os olhos de Rafael eram buracos fundos de desejo e confusão. Me fitava como quem tenta reconhecer alguém conhecido numa multidão de estranhos. Seus passos pareciam pesados, como se cada um fosse um teste: se eu recuasse, era Mariana; se eu ficasse, ainda era Camila.
Parou a menos de um palmo de mim. O abajur da sala lançava um halo dourado sobre nós. As sombras de nossos corpos dançavam nas paredes, como se também fingissem ser outra coisa.
Olhou meu rosto borrado, a boca manchada de batom, os olhos dilacerados por tudo o que tinham visto e feito. Minha roupa ainda estava amarrotada, minha pele cheirava a noite, a cigarro e a sêmen.
E então ele perguntou, baixo, como se soubesse que a resposta podia doer:
— Você ainda é ela?
Demorei um segundo. Depois outro. Senti Mariana presa em algum lugar atrás dos olhos, assustada, silenciosa. Mas a voz que saiu foi outra. Uma voz que sabia o que dizia, mesmo sem entender tudo o que sentia.
— Não sei.
Rafael me beijou. Um beijo estranho. Terno e violento ao mesmo tempo. Como se não importasse mais quem eu era. Ou como se, naquele momento, ele finalmente soubesse. Suas mãos subiram até minha nuca, enfiaram-se no meu cabelo, puxaram com força. Soltei um gemido baixo — não de dor, mas de reconhecimento.
Foi então que ele sussurrou:
— Você é quem eu mandar você ser.
Algo se partiu dentro de mim. Ou talvez tenha se encaixado. Um caco antigo, esquecido. Um estalo no escuro. Mariana recuou mais um passo para dentro. E Camila avançou.
Minhas mãos deslizaram pelo peito dele. Olhei fundo nos olhos que me conheciam demais. E disse, firme, com a boca ainda suja da noite:
— Não. Eu sou o que você pagar pra mim ser.
As palavras ecoaram entre nós como uma sentença. Um pacto refeito.
Ele me empurrou levemente para trás. Meus calcanhares bateram no sofá. Cai de joelhos diante dele. Rafael me olhou de cima, a respiração acelerada. Desabotoou o jeans devagar, como quem puxa uma cortina. Seu pau duro saltou para fora. E sem precisar dizer nada, ele segurou minha cabeça com as duas mãos.
Camila sabia o que fazer.
Abri a boca e o recebi por inteiro, como quem se oferece a um altar profano. Rafael me guiava com firmeza. As mãos seguravam minha cabeça, controlavam o ritmo, a profundidade. Ele gemia baixo, a voz rouca.
— Isso… assim, puta… até o fundo.
Ele enfiava até me fazer engasgar, e quando meus olhos lacrimejavam, ele me olhava com aquele misto de crueldade e adoração. Eu não recuava. Porque Camila não recua. Camila encara. Com a boca cheia, os olhos nele, um fio de saliva escorrendo pelo queixo.
E eu sorria. Entre uma engolida e outra. Um sorriso sujo, de quem sabe o que está fazendo. Um sorriso de atriz pornô — mas não uma qualquer. Uma daquelas que ele às vezes assistia com Mariana no sofá, fingindo que era só diversão, só excitação boba. Mas agora, aquela mulher era eu. Na sala deles. No corpo da esposa. Na alma de outra.
Ele gozou segurando firme minha cabeça, gemendo meu nome — ou o nome dela. Não sei mais. O gosto dele se misturou com o de outros. E eu engoli. Por instinto. Por prazer. Por provocação.
Ele me puxou pelos cabelos, me levantou, me virou de costas. Empurrou meu tronco contra o sofá. O vestido subiu fácil. A calcinha já não existia. E ele me penetrou ali mesmo, com força, sem nenhum preparo.
Gemi alto. Não de dor. De entrega.
Ele me segurava pela cintura, metendo forte, rápido, brutal. Me xingava.
— Vagabunda… vadia… tá se sentindo gostosa, né? Me diz, Camila. Qual deles foi o melhor? Foi o da rua? O do carro? Hein?
Eu arqueava as costas e respondia entre gemidos:
— Todos. E nenhum. Eles só pagaram pra usar. Mas você… você manda.
— É isso mesmo, sua puta. Eu mando. E hoje você é só um buraco pra mim.
— Sou o que você pagar.
Ele me puxou pelos cabelos, me fez virar, me empurrou contra a parede. Me beijava com raiva. Me apertava com fome. Passava a mão por todo o meu corpo como se estivesse testando o que ainda era dele.
Depois me fez ajoelhar de novo.
— Mostra de novo o que você sabe fazer. Mostra por que te pagam.
E eu mostrei. Com a língua, com a boca, com os olhos.
Fui mais fundo, mais firme, mais suja.
Fazia sons propositalmente. Estalava a língua. Babava de leve. Passava a ponta do dedo pelos testículos dele enquanto o sugava. E tudo isso sorrindo. Um sorriso largo, descarado. Um olhar penetrante, confiante e desafiador.
Rafael estava em transe.
— Se eu largar você nessa esquina, você acha que alguém pagaria mais de novo?
— Pagariam. Porque eu sou boa. Porque eu sou isso. Só isso.
Ele gemeu alto. Me levantou de novo. Me virou. Me penetrou por trás ali mesmo, no chão da sala, com meus braços apoiados no sofá.
O som de nossas peles batendo uma na outra ecoava pela casa escura. A sala se transformou num quarto de motel barato. Num beco. Num carro. Num cenário que poderia ser qualquer um.
Eu era todos.
E nenhum.
Camila, ali, encarnava tudo o que Rafael sempre quis, e mais.
E ele testava. Apertava. Forçava. Buscava o limite.
Mas Camila parecia não ter.
A cada tapa na bunda, eu rebolava mais.
A cada xingamento, eu sorria.
A cada investida mais fundo, eu gemia mais alto.
Até que ele gozou de novo. Dentro. E caiu ao meu lado, ofegante, suado, em choque.
O silêncio da casa, depois, era como um segundo orgasmo. Uma respiração contida voltando devagar.
Fiquei deitada no tapete por alguns minutos. As pernas abertas. A maquiagem borrada. A respiração voltando ao normal.
Olhei para o teto. Pensei em Mariana. Em quem ela era. Em quem ainda poderia ser.
Rafael se levantou primeiro. Foi para o banheiro. Voltou com uma toalha úmida. Me limpou com cuidado. Como se fosse um ritual. O fim de uma cerimônia.
Me pegou no colo. Me levou para o quarto. Me deitou na cama. Me cobriu. Ficou me olhando por um tempo. Depois deitou ao meu lado. Mas não me tocou.
Dormimos.
Ou fingimos dormir.
Acordamos tarde no dia seguinte. O sol já invadia o quarto com força. A luz era real demais. Crua demais. Como se denunciasse tudo o que havia acontecido na noite anterior.
Mariana estava de volta.
Abri os olhos devagar. Rafael ainda estava deitado, de lado, me olhando. Os olhos vermelhos. Mas calmos.
— Bom dia — ele disse, quase num sussurro.
— Bom dia.
Ficamos em silêncio por longos minutos.
Até que ele perguntou:
— Foi bom?
A pergunta era simples. Mas carregava o peso de mil outras. Foi traição? Foi só sexo? Foi descoberta? Foi dor? Foi prazer?
Respondi devagar:
— Foi. E foi mais do que isso.
Ele assentiu. Como se já soubesse.
— Você foi longe.
— Fui.
— Mais do que o combinado.
— É.
Outro silêncio. A respiração dele era pesada.
— E agora? — ele perguntou.
Eu olhei pro teto. Pensei nas mãos daqueles homens. Nos olhos. Nas palavras. No gozo. Na sujeira. E depois pensei nas mãos de Rafael. No jeito como me limpou. No jeito como me beijou.
— Agora… a gente precisa entender o que isso tudo significa.
Ele ficou quieto. Depois respondeu:
— Pra mim… significa que você é mais do que eu imaginava.
— E pra mim… que eu sou mais do que achava poder ser.
Virou-se de lado, me encarando de novo.
— Você gostou de ser Camila?
Pensei. Não havia espaço para mentira.
— Sim. Gostei. Assustadoramente.
— E você quer ser ela de novo?
Demorei a responder.
— Não sei. Talvez. Depende de quem eu sou quando acordo. Depende de quem você é quando me olha.
Ele respirou fundo.
— Eu te amo, Mariana.
Senti os olhos se encherem d'água. Mas não chorei.
— E eu amo você. Mas agora… tem mais alguém aqui dentro. E ela não vai embora tão fácil.
Ele assentiu. Tocou meu rosto com carinho.
— Então talvez… a gente precise fazer espaço pra ela. Do jeito certo.
— Sem esquina?
— Sem esquina. Ou… com esquina. Se for o que você quiser.
Sorri. Pela primeira vez desde que voltei pra casa. Um sorriso sincero. De quem não precisa mais fingir. Nem esconder.
Nos beijamos de novo. Devagar. Como quem reaprende. Como quem perdoa.
A casa estava em silêncio.
Mas dentro de nós, mil vozes falavam.
Mariana.
Camila.
Rafael.
E talvez algo novo.
Algo ainda sem nome.
Mas pronto para nascer.